Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 04/16.1BECBR |
Data do Acordão: | 07/13/2023 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | JOAQUIM CONDESSO |
Descritores: | IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS LIQUIDAÇÃO ACTO DIVISÍVEL ANULAÇÃO PARCIAL |
Sumário: | I - O Imposto Municipal sobre Imóveis, criado pelo Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (I.M.I. - aprovado pelo dec.lei 287/2003, de 12/11), tributo que substituiu a Contribuição Autárquica, deve considerar-se um imposto sobre o património que incide sobre o valor dos prédios situados no território de cada município, dividindo-se, de harmonia com a classificação dos mesmos prédios, em rústico e urbano. O sujeito passivo da relação jurídico-tributária de I.M.I. é aquele que em 31 de Dezembro do ano a que diz respeito o tributo tenha o uso e fruição do prédio, seja proprietário ou usufrutuário, e a matéria colectável do imposto (pressuposto objectivo genérico de qualquer relação jurídico-tributária) é constituída pelo valor tributável dos prédios, o qual consiste no seu valor patrimonial (cfr.preâmbulo e artºs.1, 2, 7 e 8, do C.I.M.I.). II - A divisibilidade do acto tributário constitui o argumento utilizado pela jurisprudência para fundamentar a possibilidade da decisão judicial de anulação parcial dos actos tributários. Baseando-se na classificação dos actos administrativos divisíveis a jurisprudência dos Tribunais Superiores abundantes vezes já afirmou que os actos que imponham a obrigação de pagamento de uma quantia, como é o caso dos actos de liquidação de tributos, são naturalmente divisíveis uma vez que correspondem a um quantitativo pecuniário e são apurados através de operações aritméticas, divisibilidade essa que igualmente resulta da própria lei, em virtude do que é admissível a sua anulação parcial quando o fundamento da anulação apenas afecte uma parte do acto. III - Se o acto de liquidação tem um único fundamento jurídico, não sendo nele possível distinguir entre uma parte que está conforme à lei e outra que a viola, não se pode decretar a anulação parcial, mesmo que se entenda que, por força de outras disposições legais, uma liquidação poderia ter lugar. Será, por exemplo, o caso de uma liquidação se ter baseado em determinada tabela de taxas de imposto e se vir a entender que a tabela legalmente aplicável seria outra. Nestas situações, toda a liquidação assentará em fundamentos jurídicos errados, pelo que o acto deve ser integralmente anulado, com fundamento em erro sobre os pressupostos de direito (vício de violação de lei). (sumário da exclusiva responsabilidade do relator) |
Nº Convencional: | JSTA000P31238 |
Nº do Documento: | SA22023071304/16 |
Data de Entrada: | 03/14/2023 |
Recorrente: | AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A... LIMITED |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | ACÓRDÃO X RELATÓRIO X O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do T.A.F. de Coimbra, constante a fls.155 a 173 do processo físico, a qual julgou procedente a presente impugnação pela sociedade recorrida, "A..., Limited", intentada e tendo por objecto mediato o acto de liquidação de I.M.I., relativo ao ano de 2014 e no montante total de € 27.762.75. X O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.150 a 154-verso do processo físico) formulando as seguintes Conclusões:1-A Mma. Juiz do Tribunal a quo julgou procedente a impugnação da liquidação de Imposto Municipal sobre Bens Imóveis (IMI) do ano de 2014, no valor de € 27.762,75 (vinte e sete mil setecentos e sessenta e dois euros e setenta e cinco cêntimos), por ter entendido que a interpretação do artigo 112.º, n.º 4 do Código do Imposto Municipal Sobre Bens Imóveis (CIMI) conjugada com a portaria n.º 50/2004 de 13 de fevereiro, é ilegal, quando, sem mais, e com base numa interpretação literal da norma, se admita a tributação, com uma taxa de Imposto mais agravada, do património de uma Sociedade que tenha sede num país/região – como ... – com o qual Portugal tem acordos bilaterais/multilaterais de prestação de informação em matéria tributária, embora esteja listado na referida portaria devendo ser anulado o acto de liquidação de IMI praticado tendo por base aquela interpretação. 2-Quanto ao segmento da decisão que conclui pela ilegalidade da aplicação da taxa agravada de IMI, na situação concreta, esta Representação da Fazenda Pública conforma-se com o mesmo. 3-No entanto e com todo o respeito pela douta decisão a quo, entende esta Representação da Fazenda Pública existir erro na aplicação do direito, ao decidir-se na mesma pela anulação total da liquidação impugnada, não admitindo a divisibilidade do acto tributário de liquidação em causa, decorrente do disposto no art.º 100º da Lei Geral Tributária e a consequente anulação parcial do mesmo, conforme a doutrina e a jurisprudência dos tribunais superiores, de que é corolário o Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário, proferido em 30/01/2019, no processo n.º 0436/18.9BALSB (Recurso para uniformização de jurisprudência da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa - CAAD no processo n.º 724/2016 - T) de citamos o respectivo sumário, com a devida vénia: I - O acto tributário, enquanto acto divisível, tanto por natureza como por definição legal, é susceptível de anulação parcial. II - O critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por aferir se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o acto deve ser integralmente anulado, ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial. III - Não impede a anulação parcial do acto a necessidade de um ulterior accertamento por parte da AT, de modo a conformar a parte remanescente do acto com os termos da decisão judicial anulatória, como o impõe no caso a diminuição ao valor da matéria colectável apurada em sede de acção inspectiva do valor respeitante às correcções que foram julgadas ilegais pelo tribunal.”. 4-Na situação concreta, sendo decidida a ilegalidade da aplicação da taxa agravada de IMI, tal não implica a não sujeição ao imposto no ano em causa, com a aplicação da taxa normal prevista no art.º 112.º, n.º 1, al. c) e n.º 5 do CIMI, pelo que, deveria ter sido decidida, não a anulação total da liquidação impugnada, mas a anulação parcial da mesma, pois na parte correspondente à aplicação da taxa normal, não existe qualquer vício que a inquine. 5-Pelo que, face à divisibilidade do acto tributário, tanto por natureza como por definição legal, deve ocorrer tal anulação parcial, pois a ilegalidade não afecta o acto no seu todo, mas apenas parcialmente, implicando apenas uma operação aritmética de subtracção do montante correspondente à taxa normal de IMI, ao valor da liquidação calculada pela taxa agravada. X Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.X O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal teve vista do processo, emitindo douto parecer no qual conclui pelo não provimento do recurso (cfr.fls.175 a 176-verso do processo físico).X Com dispensa de vistos legais (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário), vêm os autos à conferência para deliberação.X A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.156 a 162-verso do processo físico):FUNDAMENTAÇÃO X DE FACTO X 1-A Impugnante é uma sociedade que desenvolve a atividade imobiliária, arrendando bens imobiliários [cfr. declaração de início de atividade a fls. 7 do Processo Administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais]. 2-Desde 02-07-1997 que a Impugnante se encontra registada em ..., sob o n.º ...97-16, tendo aí indicada como sede ..., ..., ... [cfr. informação da Administração Fiscal de Gibraltar a fls. 16 do Processo Administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais]. 3-A Impugnante tem como sócios: B... Limited, e C... Limited, ambas com sede em ..., ... [cfr. informação da Administração Fiscal de Gibraltar a fls. 16 do Processo Administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais]. 4-Desde julho de 1997, são Diretores da Impugnante AA e BB, ambos com domicílio em ..., 3060 ..., Portugal [cfr. informação da Administração Fiscal de Gibraltar a fls. 16 do Processo Administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais]. 5-Em 06-09-2013, na sequência de uma ação inspetiva realizada à Impugnante pelos serviços de inspeção da Direção de Finanças de Lisboa, de âmbito parcial e relativamente aos exercícios do ano de 2009, 2010 e 2011, foi elaborado relatório de inspeção, sancionado por despacho do Chefe de Divisão (em substituição), por subdelegação, em 20-09-2013 [cfr. relatório a fls. 61 a 69 do Processo Administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais]. 6-Em 13-02-2014, a Impugnante apresentou à AT uma Declaração de Início de Atividade, retroagindo os efeitos da mesma a 01-01-2009 [cfr. declaração de início de atividade a fls. 7 a 10 do Processo Administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais]. 7-Em 29-05-2014, a Impugnante apresentou a declaração modelo 22, referente ao exercício de 2013, aí se identificando como «Não residente, sem estabelecimento estável» [cfr. declaração Requerimento (...13) Requerimento (...89) Pág. 5 de 17/06/2016 11:28:33, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais]. 8-Pela AP ...29 - «Criação de representação permanente e designação de representante», foi registada a deliberação da Impugnante de 18-12-2014 nos termos da qual a sociedade Impugnante, com a sede identificada em ..., ..., passou a ter «representação permanente» no local «Rua ...», distrito de Aveiro, Concelho de Águeda, Freguesia ..., ... ..., através da Sociedade «A... Limited – Sucursal em Portugal», tendo sido designado como representante desta AA NIF ..., com residência na Rua ..., ..., ... [cfr. certidão permanente a fls. 19 do Processo Administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais]. 9-Em 27-01-2015, Impugnante apresentou, junto da Administração, declaração de cessação de atividade em Imposto Sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas e Imposto Sobre Valor Acrescentado, com efeitos reportados a 29-12-2014, figurando como «Representante em território português – art.º 19.º da LGT» e cessionário do estabelecimento AA, titular do NIF ..., com morada em ..., ..., ... ..., também seu representante em território nacional [cfr. declaração Documentos ...) Documentos (...42) Pág. 19 de 27/05/2016 13:53:46 a Documentos ...) Documentos (...42) Pág. 20 de 27/05/2016 13:53:46, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais]. 10-Em 30-01-2015 deu entrada no Serviço de Finanças de Cantanhede um requerimento subscrito pelo Representante Legal da aqui Impugnante, pelo qual esta requereu ao Chefe daquele Serviço de Finanças a alteração do seu enquadramento fiscal para uma «entidade não residente com estabelecimento estável em território português» [cfr. requerimento junto Requerimento (...13) Requerimento (...89) Pág. 4 de 17/06/2016 11:28:33, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais]. 11-Em 25-02-2015, foi emitida a liquidação de Imposto Municipal Sobre Bens Imóveis n.º ...43, no valor de € 27.762,75, referente aos imóveis fração "F" do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...2; fracção "..." do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...21; prédio inscrito na matriz predial urbana sob o art. ...95; fracção "..." do prédio inscrito na matriz predial urbana sob o art. ..., a pagar em três prestações no valor de € 9.254,25 cada, com as notas de cobrança n.º ...03, ...03 e ...03 [cfr. fls. 56 do Processo Administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais]. 12-Em 04-05-2015, tendo tomado conhecimento daquela liquidação, a Impugnante apresentou «Reclamação Graciosa» da mesma, invocando a preterição de formalidades essenciais, por violação do seu direito de audição, e por falta de fundamentação e bem assim, por erro nos pressupostos [cfr. fls. 2 a 4 do Processo Administrativo apenso, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais]. 13-Em 16-07-2015, na sequência daquela Reclamação, pela Técnica Responsável da Divisão de Justiça Tributária foi elaborada a informação n.º ...15, propondo o respetivo indeferimento, tendo o seguinte teor: (imagem) [cfr. fls. 33 a 40 do Processo Administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais]. 14-Em 20-07-2015 sobre a informação aludida no ponto anterior foi exarado despacho do Diretor de Finanças, por delegação, no sentido de concordar com o respetivo teor, determinando a notificação da Impugnante nos termos do artigo 60.º da Lei Geral Tributária [cfr. fls. 33 do Processo Administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais]. 15-Em 21-07-2015 foi emitido pela Direção de Finanças de Coimbra o ofício n.º ...54, tendo como destinatário a Impugnante, e que lhe foi remetido via postal registada, dando-lhe a conhecer o teor daquele despacho e informação [cfr. fls. 43 e 44 do Processo Administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais]. 16-Em 10-08-2015, na sequência daquela comunicação, a Impugnante apresentou exposição dirigida ao Diretor de Finanças de Coimbra rebatendo os fundamentos da Administração e reiterando o já alegado na Reclamação apresentada [cfr. fls. 45 a 47 do Processo Administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais]. 17-Em 09-09-2015, na sequência da exposição que antecede, pela Técnica Responsável da Divisão de Justiça Tributária foi elaborada nova informação, mantendo a proposta de indeferimento da «Reclamação» apresentada pela Impugnante [cfr. informação a fls. 48 a 51 do Processo Administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais]. 18-Em 11-09-2015, sobre a informação aludida no ponto anterior, foi exarado despacho do Diretor de Finanças, por delegação, concordando com o respetivo teor e determinando o indeferimento do pedido da Impugnante/Reclamante [cfr. fls. 48 do Processo Administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais]. 19-Em 14-09-2015 foi emitido pela Direção de Finanças de Coimbra o ofício n.º ...42, tendo como destinatário a Impugnante, e que lhe foi remetido via postal registada, dando-lhe a conhecer o teor daquele despacho e informação [cfr. fls. 52 e 53 do Processo Administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais]. 20-Em 04-01-2016 foi apresentada a presente Impugnação judicial [cfr. fls. 2 do suporte físico dos autos]. Mais se provou que: 21-Nos anos de 2009 a 2012, a Impugnante não apresentou as respetivas declarações de rendimentos modelo 22, nem tão-pouco declarações empresariais simplificadas [cfr. relatório a fls. 65 e 74 do Processo Administrativo, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para os devidos efeitos legais]. X A sentença recorrida considerou como factos não provados: "…Com interesse para a decisão da causa, inexistem factos não provados…".X Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…O Tribunal julgou provada a matéria de facto relevante para a decisão da causa com base na posição assumida pelas partes nos respetivos articulados, bem como na análise crítica e conjugada dos documentos juntos aos autos e ao Processo Administrativo apenso, documentos esses que foram identificados em cada um dos factos descritos no probatório supra, aplicando-se, quanto aos relatórios juntos, o disposto o disposto no artigo 76.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, segundo o qual «[a]s informações prestadas pela inspeção tributária fazem fé quando fundamentadas e se basearem em critérios objetivos, nos termos da lei»…".X Em sede de aplicação do direito, a sentença recorrida decidiu julgar a presente impugnação procedente, em consequência do que, além do mais, anulou o acto de liquidação de Imposto Municipal Sobre Bens Imóveis nº....43, no valor de € 27.762,75 e objecto mediato do processo (cfr.nº.11 do probatório supra). ENQUADRAMENTO JURÍDICO X X Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).O recorrente dissente do julgado alegando, em síntese, que sendo decidida a ilegalidade da aplicação da taxa agravada de I.M.I., tal não implica a não sujeição ao imposto no ano em causa, com a aplicação da taxa normal prevista no artº.112, nºs.1, al.c), e 5, do C.I.M.I. Com este pressuposto, não se deveria ter decretado a anulação total da liquidação impugnada, mas a sua anulação parcial, visto que, na parcela correspondente à aplicação da taxa normal, não existe qualquer vício que inquine o acto tributário (cfr.conclusões 1 a 5 do recurso). Com base em tal alegação pretendendo concretizar um erro de julgamento de direito da decisão recorrida. Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício. O Imposto Municipal sobre Imóveis, criado pelo Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (I.M.I. - aprovado pelo dec.lei 287/2003, de 12/11), tributo que substituiu a Contribuição Autárquica, deve considerar-se um imposto sobre o património que incide sobre o valor dos prédios situados no território de cada município, dividindo-se, de harmonia com a classificação dos mesmos prédios, em rústico e urbano. O sujeito passivo da relação jurídico-tributária de I.M.I. é aquele que em 31 de Dezembro do ano a que diz respeito o tributo tenha o uso e fruição do prédio, seja proprietário ou usufrutuário, e a matéria colectável do imposto (pressuposto objectivo genérico de qualquer relação jurídico-tributária) é constituída pelo valor tributável dos prédios, o qual consiste no seu valor patrimonial (cfr.preâmbulo e artºs.1, 2, 7 e 8, do C.I.M.I.; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 9/12/2021, rec.2684/13.0BEPRT; J. L. Saldanha Sanches, Manual de Direito Fiscal, 3ª. Edição, 2007, pág.53 e seg.; António Santos Rocha e Outro, Tributação do Património, 2ª. Edição, Almedina, 2018, pág.23 e seg.). Deve reconhecer-se que os Tribunais Tributários sempre têm procedido à anulação parcial dos actos tributários, igualmente prevendo a lei tal possibilidade (cfr.artº.5, do C.P.C.Impostos; artºs.130, nº.3, e 145, do C.P.Tributário; artºs.79, nº.1, e 100, da L.G.Tributária; artº.112, nº.3, do C.P.P.Tributário). Esta solução parece impor-se com base em dois vectores: 1-A divisibilidade do acto tributário; 2-A natureza jurídica da sentença de anulação parcial do acto tributário como de plena jurisdição (cfr.Joaquim Manuel Charneca Condesso, Anulação parcial dos actos e suas consequências legais, Revista Julgar, Edição da A.S.J.P., nº.15, pág.165 e seg.). A divisibilidade do acto tributário constitui o argumento utilizado pela jurisprudência para fundamentar a possibilidade da decisão judicial de anulação parcial dos actos tributários. Baseando-se na classificação dos actos administrativos divisíveis (cfr.Marcello Caetano, Manual de Direito Administrativo, vol.II, Almedina, 1991, pág.1396; ac.S.T.A.-Pleno da 1ª.Secção, 18/7/1985, rec.15294, A.Dout., nº.300, pág.1533 e seg.), os Tribunais Superiores abundantes vezes já afirmaram que os actos que imponham a obrigação de pagamento de uma quantia, como é o caso dos actos de liquidação de tributos, são naturalmente divisíveis uma vez que correspondem a um quantitativo pecuniário e são apurados através de operações aritméticas, divisibilidade essa que igualmente resulta da própria lei, em virtude do que é admissível a sua anulação parcial quando o fundamento da anulação apenas afecte uma parte do acto (cfr.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 30/01/2019, rec.0436/18.0BALSB; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 22/09/1999, rec.24101; ac.S.T.A. -2ª.Secção, 16/05/2001, rec.25532; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/09/2005, rec.287/05; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 5/12/2018, rec.888/05.9BEPRT; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 21/04/2022, rec.346/08.0BEALM). Igualmente a doutrina fiscal admite a característica da divisibilidade no acto tributário (cfr.José Casalta Nabais, Direito Fiscal, Almedina, 4ª. Edição, 2006, pág.415; J.L. Saldanha Sanches, O contencioso tributário como contencioso de plena jurisdição, Fiscalidade, nº.7/8, Julho/Outubro de 2001, pág.63 e seg.; André Festas da Silva, Princípios Estruturantes do Contencioso Tributário, Dislivro, 2008, pág.75). No caso "sub iudice", haverá que saber se, tendo sido declarada a anulação da liquidação de I.M.I., pelo Tribunal "a quo", devido ao uso da taxa agravada (7,5%) prevista no artº.112, nº.4, do C.I.M.I., na redacção em vigor em 2014, para o cálculo do montante de imposto a pagar (cfr.nº.11 do probatório supra), será legalmente possível este Tribunal decretar a anulação parcial de tal acto tributário, tudo levando em consideração a aplicação da taxa normal ao cálculo da importância de tributo a solver (cfr.artº.112, nºs.1, al.c), e 5, do C.I.M.I.). O critério para determinar se o acto deve ser total ou parcialmente anulado passa por aferir se a ilegalidade afecta o acto tributário no seu todo, caso em que o mesmo deve ser integralmente anulado, ou apenas em parte, caso em que se justifica a anulação parcial. Será o que acontece quando um acto de liquidação se baseia em determinada matéria colectável e se vem a apurar que parte dela foi calculada ilegalmente, por não dever ser considerada. Nestes casos, não há qualquer obstáculo a que o acto de liquidação seja anulado relativamente à parte que corresponde à matéria colectável cuja consideração era ilegal, mantendo-se a liquidação na parte que corresponde a matéria colectável que não é afectada por qualquer ilegalidade. No entanto, se o acto de liquidação tem um único fundamento jurídico, não sendo nele possível distinguir entre uma parte que está conforme à lei e outra que a viola, não se pode decretar a anulação parcial, mesmo que se entenda que, por força de outras disposições legais, uma liquidação poderia ter lugar. Será, por exemplo, o caso de uma liquidação se ter baseado em determinada tabela de taxas de imposto e se vir a entender que a tabela legalmente aplicável seria outra. Nestas situações, toda a liquidação assentará em fundamentos jurídicos errados, pelo que o acto deve ser integralmente anulado, com fundamento em erro sobre os pressupostos de direito (vício de violação de lei). A prática de novo acto, com base na tabela tida como legal, caberá à Fazenda Pública e não ao Tribunal, não podendo o interessado ser privado da possibilidade de discutir a legalidade do novo acto que, eventualmente, venha a ser praticado, utilizando todos os meios de impugnação administrativa e contenciosa que a lei lhe proporciona. Por outras palavras, não é possível proceder-se à anulação parcial do acto se esta implicar uma nova liquidação (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/11/2013, rec.079/13; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.342 e seg.). Revertendo ao caso dos autos, estando em causa a aplicação de taxas de imposto diferentes, toda a liquidação de I.M.I. objecto mediato do processo assenta em fundamentos jurídicos errados, pelo que, o acto deve ser integralmente anulado, com fundamento em erro sobre os pressupostos de direito (vício de violação de lei). Atento o enquadramento acabado de descrever, este Tribunal confirma a decisão recorrida, ao anular totalmente a liquidação objecto mediato do presente processo. Por último, não vislumbra esta instância judicial de controlo que a sentença recorrida tenha violado o disposto no artº.112, nºs.1, al.c), e 5, do C.I.M.I., contrariamente ao defendido pela entidade recorrente. Sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao presente recurso e confirma-se a sentença recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão. X Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica. DISPOSITIVO X X Condena-se o recorrente em custas (cfr.artº.527, do C.P.Civil).X Registe.Notifique. X Lisboa, 13 de Julho de 2023. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) – Gustavo André Simões Lopes Courinha - Anabela Ferreira Alves e Russo. |