Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0359/16.8BELLE 042/18
Data do Acordão:11/07/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:CASIMIRO GONÇALVES
Descritores:IVA
DEDUÇÃO
REEMBOLSO
Sumário:Não obstante a falta de apresentação dos documentos de suporte das deduções efectuadas nos anos 2001 a 2005, solicitados pela AT, não constituir violação de qualquer obrigação do sujeito passivo configurável como contraordenação tributária, dado ter já decorrido o prazo legal de 10 anos para o seu arquivo e conservação em boa ordem (nº 1 do art. 52º do CIVA e nº 1 do art. 113º do RGIT), essa insusceptibilidade de imputação ao sujeito passivo a título de responsabilidade contraordenacional não é impeditiva do indeferimento do pedido de reembolso, por falta de apresentação dos documentos de suporte das deduções de imposto nesses períodos em que se se verificou o excesso determinante do crédito a favor do sujeito passivo (art. 22º n.ºs 4, 5, 10 e 11 do CIVA).
Nº Convencional:JSTA00070795
Nº do Documento:SA2201811070359/16
Data de Entrada:07/06/2017
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Meio Processual:RECURSO JURISDICIONAL
Objecto:SENTENÇA DO TAF DE LOULÉ
Decisão:CONCEDE PROVIMENTO
Área Temática 1:IVA
Área Temática 2:DEDUÇÕES
Legislação Nacional:ARTIGOS 22º, N.ºS. 4, 5, 10 E 11 E 52º DO CIVA
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:



RELATÓRIO
1.1. A Fazenda Pública recorre da sentença que, proferida pelo TAF de Loulé, julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………, Lda., com os demais sinais dos autos, contra a liquidação adicional decorrente da decisão de indeferimento de pedido de reembolso de IVA.

1.2. Termina as alegações formulando as conclusões seguintes:
1 – [A sentença] Aplicou erradamente a disposição do art. 52º CIVA.
2 - Na medida em que a aplicação da norma prevista no n° 11 do art. 22º CIVA não pode ser prejudicada pelo decurso do prazo estabelecido para conservação dos arquivos contabilísticos.
3 - Uma vez que dá realização prática à regra do ónus da prova enunciada no art. 74º n° 1 LGT.
4 - Com efeito, a instrução do procedimento tributário tem como finalidade a descoberta da verdade material no que toca ao seu objecto; não lhe repugnando, apesar de dominado pelo princípio do inquisitório, que sobre o contribuinte recaia o ónus objectivo de esclarecer a sua situação factual respondendo às solicitações da Administração Fiscal, de maneira a permitir formar a convicção da existência e conteúdo do direito ao reembolso.
5 - Respeitando tal entendimento a verdadeira destrinça, alcance e sentido, entre a figura do ónus e do dever.
Termina pedindo o provimento do recurso e a revogação da sentença recorrida.

1.3. A recorrida apresentou contra-alegações, rematando com as seguintes conclusões:
A. Da douta sentença, no modesto entendimento da Impugnante, nenhum reparo haverá a fazer, na medida em que doutamente decidiu fazendo a devida justiça.
B. A Mmª. Juiz do Tribunal a quo teve em consideração do depoimento da testemunha …………, Contabilista Certificado, que de forma isenta e bastante clara e isenta referiu que, em consonância com o alegado pela impugnante nos presentes autos, designadamente, que a impugnante exerceu o direito à dedução de IVA, referente ao 4° trimestre de 2012, tendo solicitado o reembolso do excesso existente na conta corrente da IVA, no valor de € 72.115,30 (setenta e dois mil cento e quinze euros e trinta cêntimos), nos termos do artigo 22°, n° 5 do Código do IVA.
C. Referiu a testemunha que a impugnante iniciou a actividade de construção de edifícios (CAE 41200), em 18.10.1990, actividade que cessou em 31.12.2014.
D. Que durante o período em que exerceu a sua actividade, a sociedade A…………, Lda., sempre manteve contabilidade organizada e tendo sempre ao seu serviço um técnico oficial de contas, cumprindo o disposto nos incisos 123°, n° 1 do Código do IRC e 52°, n° 3 do Código do IVA.
E. A testemunha referiu inclusivamente que solicitou ao técnico oficial de contas, o Dr. …………, técnico de contas anterior, a documentação contabilística necessária, que sabia que o sujeito passivo, ora impugnante necessitaria para o pedido de reembolso de IVA, tendo requerido o próprio em representação da impugnante o reembolso de IVA, através da Declaração já junta aos autos.
F. A Requerente apresentou à Autoridade Tributária a documentação que se encontrava na sua posse, e que se reporta aos anos de 2006, 2007 e 2008, que comprovam as deduções declaradas nesses períodos, tendo solicitado a demais documentação ao seu anterior técnico oficial de contas, o Dr. ………….
G. Confirmou igualmente, que por informação do técnico oficial de contas, o Dr. …………, a documentação contabilística referente aos anos de 2001 a 2006 havia sido destruída, tendo essa informação sido confirmada por mensagem de correio electrónico enviada pelo Dr. …………, encontrando-se a mesma junta aos autos.
H. Facto que chegou ao conhecimento da Autoridade Tributária mas que todavia não foi considerado por esta Entidade.
I. Pelo que muito surpreendeu que a Autoridade Tributária tenha concluído que o sujeito passivo não pôs à disposição dos serviços competentes os elementos por estes solicitados, que permitam averiguar da sua legitimidade ou do correcto apuramento do imposto, quando na realidade segundo a própria testemunha, já sequer existia a obrigação de ter ainda essa documentação consigo em virtude da distância temporal e da obrigatoriedade de ter os documentos em arquivo durante 10 anos.
J. Acresce que, a argumentação da Autoridade Tributária é rotundamente inaceitável, atento o disposto no artigo 123°, n° 4 do Código do IRC, nos termos do qual Os livros, registos contabilísticos e respectivos documentos de suporte devem ser conservados em boa ordem durante o prazo de 10 anos.
K. Mais dispõe o n° 1 do artigo 52° do Código do IVA que Os sujeitos passivos são obrigados a arquivar e conservar em boa ordem durante os 10 anos civis subsequentes todos os livros, registos e respectivos documentos de suporte, incluindo, quando a contabilidade é estabelecida por meios informáticos, os relativos à análise, programação e execução dos tratamentos.
L. Ora, o pedido de reembolso de IVA data de 16 de novembro de 2015, em conformidade com a Declaração já junta aos presentes autos.
M. E pese embora a destruição fortuita da documentação contabilística requerida pela Autoridade Tributária tenha sido de todo em todo alheia à vontade e controlo do sujeito passivo, sobre este não impendia qualquer obrigação legal de manter em arquivo documentação anterior ao ano de 2005.
N. Atenta a natureza do imposto de IVA, entendeu o Supremo Tribunal Administrativo, em acórdão datado de 10.07.2015 (Processo n° 01455/12) que o princípio da dedução do IVA, enquanto meio de concretizar a neutralidade do imposto, impõe que todas as restrições ao direito de dedução sejam interpretadas de forma restritiva e reduzidas ao mínimo.
O. Do mesmo modo, em nome do princípio de uniformidade do ordenamento jurídico, não se justifica o indeferimento do pedido de reembolso, com base no facto de não ter sido facultada à Autoridade Tributária a documentação cujo arquivo não seja legalmente obrigatório.
P. Reconhece, todavia, a mesma Autoridade Tributária a existência de um crédito a favor do sujeito passivo no valor de € 72.115,30 (setenta e dois mil cento e quinze euros e trinta cêntimos).
Q. Na verdade, não é alcançável a afirmação constante do relatório inspectivo, segundo a qual após a elaboração do documento de correcção da Declaração Periódica de IVA 2012103T, passa a não existir crédito de imposto, porquanto não se vislumbra fundamento para o montante constante do campo 61 ser corrigido no campo 41.
R. Não houve no entendimento da impugnante qualquer aplicação errada de nenhum dispositivo legal, designadamente da disposição constante do Artigo 52º do Código do IVA.
S. Termos em que deve por V. Exas., Distintos Conselheiros, a Douta Sentença do Tribunal A Quo ser integralmente mantida.
Termina pedindo o não provimento do recurso e a confirmação da sentença recorrida.

1.4. O MP emite parecer nos termos seguintes:
«Recorrente: Fazenda Pública
Objecto do recurso: sentença declaratória da procedência de impugnação judicial deduzida contra decisão de indeferimento de pedido de reembolso de IVA
FUNDAMENTAÇÃO
Questão decidenda: legalidade do acto de indeferimento de pedido de reembolso de IVA, por falta de apresentação de documentos de suporte de deduções constantes de declarações periódicas pretéritas.
1. Só confere o direito a dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados na forma legal (art. 19° n° 2 CIVA redação vigente em 2003).
Como regra, o direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível; efectua-se pelo método subtractivo, consistente na subtracção ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis do sujeito passivo, durante um período de declaração, do montante do imposto dedutível, exigível durante o mesmo período (art. 22° n° 1 CIVA).
No caso de obrigação de emissão de factura titulando a transmissão de bens ou a prestação de serviços o imposto torna-se exigível no momento da emissão da factura ou no momento em que termina o prazo para a emissão (art. 8º nº 1 als. a) e b) CIVA).
2. A exigência de observância rigorosa dos requisitos legais das facturas ou documentos equivalentes, como condição do exercício do direito à dedução, radica na natureza plurifásica do IVA, supondo a intervenção de uma fileira de agentes económicos, dela resultando a necessidade de um controlo eficaz das operações económicas tituladas pelas facturas pela Administração Tributária, no sentido de prevenir e reprimir a fraude e a evasão fiscais.
3. Estas considerações são igualmente aplicáveis aos requisitos para o exercício do direito ao reembolso do imposto, na medida em que este radica num excesso persistente (por período superior a 12 meses) do imposto a deduzir sobre o montante de imposto devido pelas operações tributáveis efectuadas pelo sujeito passivo no período correspondente (art. 22º nºs 4 e 5 CIVA).
4. No contexto enunciado:
a) a falta de apresentação dos documentos de suporte das deduções efectuadas nos anos 2001/2005, solicitados pela administração tributária, não constitui violação de qualquer obrigação do sujeito passivo configurável como contraordenação tributária, punível com coima, em virtude do decurso do prazo legal de 10 anos para o seu arquivo e conservação em boa ordem (art. 52º nº 1 CIVA; art. 113º nº 1 RGIT);
b) a insusceptibilidade de imputação ao sujeito passivo de responsabilidade contraordenacional não é impeditiva do indeferimento do pedido de reembolso, por falta de apresentação dos documentos de suporte das deduções de imposto nos períodos em que se se verificou o excesso determinante do crédito a favor do sujeito passivo (art. 22° nºs 4, 5 10 e 11 CIVA).
c) no caso concreto o sujeito passivo deve suportar a consequência jurídica da sua actuação imprudente porque, não obstante o decurso do prazo legal para arquivo e conservação dos documentos de suporte, apenas na declaração do período em que cessou a actividade (4 trimestre 2014) solicitou o reembolso de crédito de imposto referente aos anos 2001 a 2004 (factos provados G) relatório de inspeção tributária II-3 fls.79).
5. A jurisprudência citada na sentença (acórdão STA-SCT 8.11.2006 processo 244/06, com menção do acórdão 8.05.2002 processo n° 26614) é inaplicável para a solução da questão decidenda, na medida em que se pronunciou sobre questão distinta: consequência jurídica em sede de IRC da falta de apresentação de documentos de suporte do registo contabilístico do valor do custo de aquisição de imóveis.
CONCLUSÃO
O recurso merece provimento.
A sentença impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão declaratório da improcedência da impugnação judicial».

1.5. Corridos os vistos legais, cabe decidir.

FUNDAMENTOS
2. Na sentença julgou-se provada a factualidade seguinte:
A) Em 31.12.2014, a aqui Impugnante cessou a actividade em IVA (dado como provado com base em fls. 20 do processo instrutor);
B) Em 16.12.2014 foi recepcionada pela administração tributária a declaração periódica relativa ao Imposto sobre o Valor Acrescentado e ao período 2012/12T (dado como provado com base em fls. 23 do processo instrutor);
C) Em 16.02.2015 foi recepcionada pela administração tributária a declaração periódica relativa ao Imposto sobre o Valor Acrescentado e ao período 2014/12T (dado como provado com base em fls. 21 do processo instrutor);
D) Em 16.11.2015 foi recepcionada pela administração tributária a declaração periódica relativa ao Imposto sobre o Valor Acrescentado e ao período 2014/12T (dado como provado com base em fls. 22 do processo instrutor);
E) Em 20.11.2015 foi emitida pela administração tributária a “notificação do indeferimento do pedido de reembolso dirigida à aqui Impugnante:



(dado como provado com base em fls. 25 do processo instrutor);
F) Em 23.02.2016 foi elaborado pela administração tributária o “documento de correcção único”, relativo a imposto sobre o valor acrescentado relativo ao período 2012/03T, no qual consta como “total a favor do Estado” “72.115,30” (dado como provado com base em fls. 24 do processo instrutor);
G) Em 26.02.2016 foi elaborado o Relatório da Inspecção Tributária, com o seguinte teor:
















(dado como provado com base em fls. 18 a 23 dos autos físicos);
H) Em 21.03.2016 a administração tributária emitiu “liquidação adicional com base em correcção efectuada pelos Serviços de Inspecção Tributária”, com o seguinte teor:



I) Em 21.06.2016 foi enviada para o Tribunal a Petição Inicial da presente acção (dado como provado com base em fls. 26 dos autos físicos).
J) A documentação contabilística referente aos anos de 2001 a 2006 não foi entregue, pelo anterior técnico oficial de contas, …………, ao actual técnico oficial de contas da aqui Impugnante, ………… (dado como provado com base no depoimento de …………).
K) A ETC contabilidade, em 14.01.2016, enviou a ………… um e-mail com o seguinte assunto:
Pedido de documentação da Sociedade A…………, Lda.”, teor: “Bom dia Dr.
“Em resposta ao seu pedido podemos informar que as pastas (2001 a 2005) em questão não existem uma vez que o nosso escritório tinha alugado [há] vários anos uma loja antiga para arquivo mas com o decorrer dos anos e sem obras, a mesma começou a ter infiltrações, ratos e outros seres indesejados, que acabaram por destruir a maior parte dos documentos e tivemos de destruir tudo para bem da saúde e da saúde dos vizinhos” (dado como provado com base em documento junto pela Autora).

3.1. Referenciando o disposto nos arts. 22º e 52º do CIVA, bem como a jurisprudência resultando do acórdão do Pleno do STA, de 08/11/2006, no proc. nº 0244/06, a sentença recorrida julgou procedente a impugnação, considerando, no essencial, o seguinte:
— A impugnante alegou que o indeferimento do pedido de reembolso de IVA padece de vício de violação de lei (visto que relativamente à documentação contabilística solicitada pela AT, se verificou a respectiva destruição fortuita e alheia à vontade e controlo do sujeito passivo, sendo que sobre este não impendia qualquer obrigação legal de manter em arquivo documentação anterior ao ano de 2005).
Por sua vez, a Fazenda Pública contrapôs que os sujeitos passivos que solicitem reembolsos deverão cumprir as condições formais (respeitantes essencialmente aos documentos justificativos do imposto suportado), e temporais, estabelecidas pelas disposições do DL n° 229/95, de 11/09 e do Despacho Normativo nº 18-A/2010, de 01/07, e não admitindo excepções nem desvios, o n° 11 do art. 22° do CIVA estatui que os mesmos serão indeferidos quando aqueles elementos de suporte não forem facultados.
— Ora, no caso, conclui a sentença, as declarações em causa reportam aos períodos de 2001/03, 2004/09T e 2005/12T, pelo que a impugnante tinha obrigação de manter essa documentação contabilística até Março de 2011, Setembro de 2014 e Dezembro de 2015, respectivamente (durante dez anos) o que não sucedeu por acto imputável à empresa de contabilidade que àquela prestava serviços; situação que é alheia à AT e que não justifica a não apresentação dos documentos.
Contudo, ainda assim, dado que tais documentos só foram solicitados ao sujeito passivo em 06/01/2016, ou seja, após o decurso do prazo de 10 anos contado desde a emissão das declarações, então, considerando a jurisprudência constante do citado acórdão do Pleno do STA, de 08/11/2006, no proc. nº 0244/06, é de julgar procedente a impugnação.

3.2. É do assim decidido que a recorrente Fazenda Pública discorda, invocando que a sentença aplicou erradamente o disposto no art. 52º CIVA, na medida em que o disposto no n° 11 do art. 22º CIVA, dando realização prática à regra do ónus da prova estabelecida no nº 1 do art. 74º da LGT, não pode ser prejudicado pelo decurso do prazo estabelecido naquele primeiro normativo para conservação dos arquivos contabilísticos.
A questão a decidir reconduz-se, portanto, à de aferir a própria legalidade da liquidação adicional operada na sequência do indeferimento do pedido de reembolso do IVA, por falta de apresentação de documentos de suporte de deduções constantes das declarações periódicas anteriormente entregues.
Vejamos.

4. Como é sabido, o IVA reconduz-se a um imposto geral sobre o consumo, incidindo sobre as transmissões de bens, as prestações de serviços, as importações e as operações intracomunitárias efectuadas em território nacional (art. 1º do CIVA).
E de acordo com o art. 19º do mesmo Código, os sujeitos passivos apuram, em regra, o imposto devido, deduzindo ao imposto incidente sobre as operações tributáveis que efectuaram, o imposto devido ou pago anteriormente, nomeadamente, na aquisição de bens e serviços a outros sujeitos passivos e a serem utilizados na actividade tributada, só conferindo «direito à dedução o imposto mencionado em facturas e documentos equivalentes passados em forma legal» (nº 2 do citado art. 9º), ou seja, os que contenham os elementos então explicitados no art. 35º (actualmente, nos arts. 36º e 40º), todos do mesmo código. Sendo que o direito à dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível (no caso de obrigação de emissão de factura titulando a transmissão de bens ou a prestação de serviços o imposto torna-se exigível no momento da emissão da factura ou no momento em que termina o prazo para a emissão (art. 8º nº 1 als. a) e b) do CIVA), operando-se esse direito à dedução, conforme as circunstâncias (cfr. os nºs. 1, e 4 a 6, do art. 22º do CIVA), através do (i) método subtractivo [subtraindo-se ao montante global do imposto devido pelas operações tributáveis praticadas pelo sujeito passivo, e com referência ao período de declaração, o montante do imposto dedutível que seja exigível durante esse mesmo período (nº 1)], do (ii) método do reporte (quando o imposto a deduzir for superior ao imposto liquidado o excesso será reportado para o período de tributação seguinte (nº 4) e do (iii) método do reembolso (o sujeito passivo poderá optar por solicitar o reembolso do imposto, desde que se verifiquem as circunstâncias previstas nos nºs. 5 e 6, entre as quais, a cessação da actividade do sujeito passivo. (Cfr. Clotilde Celorico Palma, Introdução ao Imposto sobre o Valor Acrescentado, Almedina, 2005, pp. 159 e 160.)
Estes mecanismos legais derivam, aliás, tanto do carácter rígido e formalista do IVA, como do facto de o sujeito passivo destinatário da factura ter o direito de dedução respectivo, não devendo esquecer-se, igualmente, a natureza plurifásica deste imposto e a consequente necessidade de controlo eficaz, por parte da AT, relativamente às operações económicas tituladas pelas facturas, com vista a prevenir e reprimir a fraude e evasão fiscais.
No caso vertente, está em causa liquidação adicional de IVA operada após correcções meramente aritméticas efectuadas na sequência de acção inspectiva determinada por um pedido de reembolso do imposto (pedido que veio a ser indeferido por a AT não terem sido aceites as deduções declaradas pela contribuinte como tendo sido operadas nos exercícios de 2001 a 2005 mas em relação às quais a mesma contribuinte não apresentou os elementos de suporte que lhe haviam sido solicitados).
Ora, se é verdade que, como tem afirmado a jurisprudência do STA, impende sobre a AT, por força do princípio da legalidade administrativa, o ónus da prova da verificação dos pressupostos legais (vinculativos) da sua actuação, designadamente se agressiva [positiva e desfavorável (Os pressupostos da sua actuação são, pois, factos constitutivos do seu direito a agir, cuja prova lhe compete, por isso que é o agente.)] cabendo, em contrapartida, ao administrado apresentar prova bastante da ilegalidade do acto, quando estiverem verificados aqueles pressupostos da actuação da administração (cfr., o nº 1 do art. 342° do CCivil e nº 1 do art. 74° da LGT, bem como, por todos, o acórdão do Pleno, de 17/02/2016, no proc. nº 0591/15, embora reportando a uma situação em que se questionava o direito à dedução, por terem sido desconsideradas as correspondentes facturas), também é verdade que no caso vertente, a AT não actuou baseada na existência de qualquer facto tributário por si afirmado, antes se limitou a proceder às correcções aritméticas decorrentes de não ter sido aceite o invocado pedido de reembolso do IVA, com base na falta de apresentação dos documentos de suporte, solicitados pela AT, respeitantes às deduções efectuadas nos anos de 2001 a 2005 e que suportariam o declarado excesso de imposto, por crédito persistente.
E como assim, sendo esta argumentação igualmente aplicável aos requisitos para o exercício do direito ao reembolso do imposto (exercício esse que radica num alegado crédito de imposto por excesso persistente (por período superior a 12 meses) do imposto a deduzir sobre o montante de imposto devido pelas operações tributáveis efectuadas pelo sujeito passivo no período correspondente (art. 22° nºs 4 e 5 CIVA), então, sendo a impugnante quem se arroga o direito que pretende exercer — o direito às deduções do IVA pago a montante naqueles anos de 2001 a 2005, bem como o direito ao reembolso correspondente — a ela se impõe provar a verificação dos pressupostos em que faz assentar tal direito.
Daí que também a jurisprudência a que a sentença apelou (o acórdão do STA, de 08/11/2006, no proc. nº 244/06, que igualmente remete para o acórdão de 08/05/2002, no proc. nº 26614) não seja relevante no concreto caso dos autos, pois que no dito aresto estava em causa uma questão distinta, relacionada com a consequência jurídica, em sede de IRC, da falta de apresentação de documentos de suporte do registo contabilístico do valor do custo de aquisição de imóveis (no âmbito de liquidação adicional de IRC em que a AT, procede a correcções do lucro tributável e consequente liquidação adicional, alterando o declarado pelo contribuinte com base na respectiva contabilidade, incumbe-lhe, por consequência, provar os pressupostos legais da sua actuação, visto ser ela a afirmar um facto positivo com consequências tributárias).
Em suma, como sublinha o MP, não obstante a falta de apresentação dos documentos de suporte das deduções efectuadas nos anos 2001 a 2005 (documentos solicitados pela AT), não constituir violação de qualquer obrigação do sujeito passivo que seja elegível para procedimento por contraordenação tributária (Aliás, na sentença logo em sede de despacho saneador se apreciou a excepção dilatória substanciada na nulidade decorrente de erro na forma de processo quanto ao pedido de impugnação da contra-ordenação, que também fora formulado pela impugnante.) dado ter já decorrido o prazo legal de 10 anos para o seu arquivo e conservação em boa ordem (nº 1 do art. 52° do CIVA e nº 1 do art. 113° do RGIT), essa insusceptibilidade de imputação ao sujeito passivo a título de responsabilidade contraordenacional não é impeditiva do indeferimento do pedido de reembolso, por falta de apresentação dos documentos de suporte das deduções de imposto nesses períodos em que se verificou o excesso determinante do crédito a favor do sujeito passivo (art. 22° nºs 4, 5, 10 e 11 do CIVA).
E, como acima se deixou dito, cabendo à impugnante (sujeito passivo do imposto) o ónus da prova dos requisitos em que faz assentar o pedido de reembolso (ou seja, a prova da realização das operações tributáveis reportadas aos anos de 2001 a 2005 que permitam o invocado direito à dedução do IVA e aos correspondentes crédito de imposto e reembolso) é também ela que deve suportar a consequência jurídica da não apresentação (por terem sido destruídos) dos elementos solicitados pela AT com vista à comprovação daquelas operações, já que, apesar do decurso do prazo legal para arquivo e conservação desses documentos de suporte, só na declaração do período em que cessou a actividade (4º trimestre de 2014) solicitou o reembolso de crédito de imposto referente a tais exercícios (de 2001 a 2004).
Pelo exposto, não pode manter-se a decisão recorrida, procedendo, portanto, as Conclusões do recurso.

DECISÃO
Nestes termos, acorda-se em dar provimento ao recurso e, revogando a sentença recorrida, julgar a impugnação improcedente.
Custas pela recorrida, na instância e neste STA, onde contra-alegou.
Lisboa, 7 de Novembro de 2018. – Casimiro Gonçalves (relator) – Francisco Rothes – Aragão Seia.