Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0123/21.2BALSB
Data do Acordão:09/26/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:JOÃO SÉRGIO RIBEIRO
Descritores:NULIDADE
REFORMA DE ACÓRDÃO
Sumário:I - Invocada nulidade do acórdão (por contradição com a respetiva fundamentação) e, subsidiariamente, requerida a reforma do acórdão;
II - Acordam em conferência os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em julgar improcedente a arguida nulidade do acórdão e indeferir o pedido de reforma do acórdão
Nº Convencional:JSTA000P32664
Nº do Documento:SAP202409260123/21
Recorrente:BANCO 1..., S.A. - SUCURSAL EM PORTUGAL
Recorrido 1:AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório
1.1. Banco 1..., S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, melhor identificada nos autos, notificada do acórdão proferido nos mesmos autos, em 23.05.2024, pelo Pleno desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de não admissão do recurso para uniformização de jurisprudência que interpusera da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo n.º 879/2019-T, datada de 18.08.2021, por, em seu entender, estar em contradição com a decisão do mesmo CAAD, proferida no processo n.º 156/2018-T, datada de 10.05.2019, vem, invocando o disposto nos artigos 615.º, n.º 1, alínea c), e 616.º, n.º 2, alínea a) e n.º 4, do Código de Procedimento e de Processo Tributário (doravante, CPPT), ambos do Código de Processo Civil (doravante CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29.º, n.º 1, alínea se) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (doravante RJAT), apresentar Reclamação para arguição de nulidade e, subsidiariamente, requerer a reforma do acórdão.
Argui, em síntese, que «…ocorre nulidade do acórdão reclamado por contradição com a respetiva fundamentação se, por um lado, se entendeu ser a questão fundamental de direito a da possibilidade de dedução de capitais próprios, mas, por outro, se considerou ser essa mesma questão a questão de facto-chave que afasta a identidade substancial fáctica das situações em apreço.”, porquanto, “conforme parece evidente, não pode uma mesma questão ser a questão jurídica – de direito – sobre a qual os tribunais arbitrais foram chamados a pronunciar-se e, de uma assentada, a divergência factual que preclude a apreciação do recurso…».
Subsidiariamente, «…caso se entenda pela inexistência da oposição entre os fundamentos expressos por este SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO e a decisão alcançada no Acórdão reclamado, haverá que concluir pela existência de lapso manifesto na interpretação das normas aplicáveis e na subsunção da factualidade dos autos às mesmas» posto que, «não há dúvida de que aquilo que este SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO reputou como sendo uma questão de facto, de acordo com os ensinamentos da jurisprudência, tem a natureza de questão de direito
Solicita, assim, «respeitosamente a este Tribunal que atenda à materialidade das circunstâncias em apreço, da qual resulta a manifesta identidade das situações em causa, a qual apenas foi posta em causa em razão de uma apreciação puramente formal do preenchimento dos requisitos para apreciação do recurso em causa, o que frustra em absoluto a utilização do respetivo meio processual», evidenciando «a existência de um «lapso notório», pelo que se requer a reforma do Acórdão reclamado»”
Conclui, a final, que deve este Supremo Tribunal «reconhecer e declarar a nulidade ora arguida e, em consequência, substituir o acórdão por outro em que não se verifique contradição dos fundamentos com a decisão, admitindo-se o recurso para uniformização de jurisprudência, julgando o mérito do mesmo, tudo com as demais consequências legais. Subsidiariamente, deve este douto Tribunal reformar o Acórdão em crise, julgando verificados os pressupostos para uniformização de jurisprudência, e apreciando o mérito do mesmo, tudo com as demais consequências legais.»


1.2. A Autoridade Tributária e Aduaneira, devidamente notificada, nada disse.

1.3. A Digna Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal emitiu douto parecer nos seguintes termos:
«…
O recorrente/Reclamante, notificado do douto Acórdão proferido nos autos em 23/05/2024, que não tomou conhecimento do mérito do recurso, vem apresentar Reclamação para arguição de nulidade e, subsidiariamente, reforma do Acórdão, para os efeitos do previsto nos artigos 615º, nº 1, alínea c), e 616º, nº 2, alínea a), ambos do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do artigo 29º, nº 1, alínea e) do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT).
Sustenta a nulidade do Acórdão “por contradição com a respetiva fundamentação se, por um lado, se entendeu ser a questão fundamental de direito a da possibilidade de dedução de capitais próprios, mas, por outro, se considerou ser essa mesma questão a questão de facto-chave que afasta a identidade substancial fáctica das situações em apreço.”
Subsidiariamente, “…caso se entenda pela inexistência da oposição entre os fundamentos expressos por este SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO e a decisão alcançada no Acórdão reclamado, haverá que concluir pela existência de lapso manifesto na interpretação das normas aplicáveis e na subsunção da factualidade dos autos às mesmas.”
Em nosso entender, não se verifica qualquer das situações elencadas pelo Reclamante que sejam enquadráveis nas als. c), nº 1 do art. 615º ou a), nº 2 do art. 616º, ambos do CPC.
Por muito que se revele o esforço do Reclamante em pretender demonstrar uma alegada contradição e a verificação de um alegado lapso manifesto na aplicação do direito, na interpretação das normas aplicáveis e na subsunção da factualidade, do requerimento que apresentou apenas resulta e salvo o devido respeito, o seu inconformismo com o decidido no Acórdão reclamado, procurando por esta via contornar a impossibilidade de recurso do mesmo.
Nestes termos, não se afigura que o Acórdão padeça do vício de nulidade que lhe é apontado, nem se verifica qualquer lapso manifesto, devendo serem indeferidas ambas as pretensões.
No demais, entende-se que não assiste razão ao Reclamante, exceto na parte que diz respeito ao valor da taxa de justiça reclamada.…».


1.4. Cumpre apreciar e decidir.

2. Enquadramento e apreciação da pretensão

A recorrente vem invocar na sua reclamação que ocorre nulidade do acórdão reclamado por contradição dos fundamentos com a decisão e, a título subsidiário, requer a reforma do acórdão por se verificar uma suposta existência de lapso manifesto na interpretação das normas aplicáveis e na subsunção da factualidade dos autos às mesmas. Analisemos cada uma das pretensões.

2.1. Nulidade do acórdão

Contrariamente ao que afirma a recorrente, não há qualquer contradição entre os fundamentos do acórdão e a decisão. É absolutamente pacífico na jurisprudência constante deste tribunal, no âmbito da aferição da contradição entre os dois acórdãos relativamente a uma mesma questão fundamental de direito, a afirmação da imprescindibilidade da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:

- identidade substancial da norma jurídica aplicável e da situação de facto a ela subsumível;

- que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica aplicável;

- que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta;

- que a oposição decorra de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, avançada no âmbito da apreciação de questão distinta;

- bastando que um deles não se cumpra para que fique comprometida a admissão do recurso de uniformização de jurisprudência.

Destacamos, no contexto do acórdão reclamado, a exigência da identidade substancial da situação que, nas decisões do CAAD supostamente em oposição, não se verificava, dado que havia uma divergência quanto a um facto essencial. O que, aliás, foi evidenciado pela matéria considerada provada em cada uma das decisões supostamente em oposição.

Justificar com o fundamento falta de identidade substancial da situação de facto, a decisão de não tomar conhecimento do recurso, não só não tem absolutamente nada de contraditório, como se impõe por ser o que decorre da natureza do recurso para uniformização de jurisprudência e da prática reiterada deste Supremo Tribunal.

Parece-nos, sim existir uma contradição manifesta entre o enquadramento que a recorrente faz da questão, designadamente no ponto II (DA APRECIAÇÃO DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA) e a conclusão que daí retira no sentido de que haveria uma nulidade. Isto, porque apesar de ter apreendido devidamente os fundamentos da decisão, tal como decorre, sem margem para dúvidas, do excerto que transcrevemos de seguida, não retira deles a única consequência possível em termos de raciocínio lógico e exigida pelos requisitos essenciais que subjazem à admissão o recurso para uniformização de jurisprudência.

(…) o Tribunal conclui pela existência de um facto que distingue as decisões arbitrais, acrescentado que «[tendo] a verificação ou não verificação desse facto como consequência alterar totalmente a decisão do caso concreto, podendo levar a uma solução legal distinta, seremos obrigados a concluir que a situação de facto não será substancialmente a mesma, e, consequentemente, faltará um requisito essencial para determinar se há ou não oposição de decisões. É precisamente o que se passa no caso sub judice».

E quanto à matéria de facto provada num e noutro processo e cuja divergência o Tribunal considerou decisiva, segundo o Acórdão reclamado, temos que:

i) Na decisão aí recorrida, se considerou provada a possibilidade de dedução de capitais próprios; enquanto,

ii) Na decisão fundamento, se considerou provada a impossibilidade de dedução de capitais próprios.

Foi esta divergência que motivou a decisão do Pleno de não tomar conhecimento do mérito do recurso, por falta de preenchimento deste último requisito.

A recorrente percebeu perfeitamente que há na matéria de facto provada em cada uma das decisões uma divergência relativamente a um facto essencial que levou a que este Tribunal não tomasse conhecimento do recurso, como se lhe impunha.

2.2. Reforma do acórdão

A recorrente pede a reforma do acórdão por supostamente existir um lapso manifesto na interpretação das normas aplicáveis e na subsunção da factualidade dos autos às mesmas.
Recorde-se que a reforma das decisões judiciais constitui uma exceção ao princípio da estabilidade das decisões e do esgotamento do poder jurisdicional (art. 613.º, n.º 1, do CPC), da qual decorre a possibilidade de, em circunstâncias muito extraordinárias, o tribunal poder alterar a decisão que ele próprio proferiu. No entanto, só pode ocorrer dentro dos estritos limites que lhe fixa a lei («[n]ão cabendo recurso da decisão, é ainda lícito a qualquer das partes requerer a reforma da sentença quando, por manifesto lapso do juiz: a) Tenha ocorrido erro na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos»), sendo que «quanto ao alcance do mesmo preceito legal, o STA tem construído um critério orientador para a definição do carácter manifesto do lapso cometido e que possibilita a imediata reparação do erro de julgamento que o originou. Tem sido, com efeito, sublinhada a excepcionalidade desta faculdade, que insere um desvio aos princípios da estabilidade das decisões judiciais e do esgotamento do poder jurisdicional do juiz quanto à matéria da causa (art. 666.º, n.º 1, do CPC), salientando-se que a mesma só será admissível perante erros palmares, patentes, que, pelo seu carácter manifesto, se teriam evidenciado ao autor ou autores da decisão, não fora a interposição de circunstância acidental ou uma menor ponderação tê-la levado ao desacerto» (Cf. Cadernos de Justiça Administrativa, n.º 25, pág. 54, também citado por JORGE LOPES DE SOUSA no Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, II volume, anotação 8 ao artigo 126.º, pág. 388 e, entre muitos outros e a jurisprudência aí referida.).
Do que deixámos dito quanto ao âmbito da reforma, logo se conclui que não podemos considerar verificada qualquer das circunstâncias que a poderiam autorizar: este Supremo Tribunal não incorreu em manifesto lapso na determinação da norma aplicável ou na qualificação jurídica dos factos, com influência direta e causal no resultado a que chegou, nem tal vem alegado.
Aliás, basta recorrer às palavras da recorrente para evidenciar isso mesmo.
A certa altura na sua reclamação diz (o sublinhado é nosso):

É evidente que, conhecendo-se o alcance e sentido da uniformização de jurisprudência, não competiria a este SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO colocar em causa os factos que as decisões em análise consideraram provados ou não provados, nomeadamente, ajuizando quanto à bondade dessa conclusão.

Ironicamente, a asserção da recorrente condensa de forma magistral o fundamento essencial que esteve subjacente à solução perfilhada no acórdão recorrido, afastando só por si liminarmente pela evidência que dessa circunstância só poderia ser retirado que não estariam preenchidos os requisitos para a admissão do recurso de uniformização de jurisprudência que se conceba, sequer, a verificação de um lapso manifesto na interpretação das normas aplicáveis e na subsunção da factualidade dos autos às mesmas.

2.3. Síntese

Decorre do que foi exposto que o acórdão não padece que qualquer nulidade e que não está verificada qualquer das circunstâncias que impliquem a sua reforma.
A propósito da impropriedade do que foi invocado pela recorrente, transcrevemos, pela mestria da síntese nele condensada, um excerto da pronúncia do Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto do Ministério Público:

Por muito que se revele o esforço do Reclamante em pretender demonstrar uma alegada contradição e a verificação de um alegado lapso manifesto na aplicação do direito, na interpretação das normas aplicáveis e na subsunção da factualidade, do requerimento que apresentou apenas resulta e salvo o devido respeito, o seu inconformismo com o decidido no Acórdão reclamado, procurando por esta via contornar a impossibilidade de recurso do mesmo.

Nestes termos, não se afigura que o Acórdão padeça do vício de nulidade que lhe é apontado, nem se verifica qualquer lapso manifesto, devendo serem indeferidas ambas as pretensões.

3. Decisão

Nestes termos, acordam em conferência os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, em:

a) julgar improcedente a arguida nulidade do acórdão;

b) indeferir o pedido de reforma do acórdão.

Custas pela Reclamante, fixando-se a taxa de justiça em 2 UC [cf. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi do artigo 281º do CPPT e artigo 7.º, n.º 4, do RCP].

Notifique-se. D.N.

Lisboa, 26 de setembro de 2024. - João Sérgio Feio Antunes Ribeiro (relator) – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo - Fernanda de Fátima Esteves.