Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0254/11.7BEVIS
Data do Acordão:06/05/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
Sumário:I - O recurso de revista excepcional, previsto no art. 285.º do CPTT, visa funcionar como “válvula de segurança” do sistema, sendo admissível apenas se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão do recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso de revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis).
II - Atento o carácter extraordinário da revista excepcional prevista no art. 285.º do CPPT, não pode este recurso ser utilizado para suscitar, em exclusivo e pela primeira vez, a questão da prescrição da obrigação tributária que teve origem na liquidação impugnada nos autos.
Nº Convencional:JSTA000P32353
Nº do Documento:SA2202406050254/11
Recorrente:AA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 254/11.7BEVIS

1. RELATÓRIO

1.1 A acima identificada Recorrente, inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 8 de Fevereiro de 2024 – que, negando provimento ao recurso por ela interposto, manteve a sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu julgou improcedente a impugnação judicial deduzida contra a liquidação de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) respeitante ao ano de 2016 e respectivos juros compensatórios, após indeferimento do recurso hierárquico deduzido contra a decisão que indeferiu a reclamação graciosa –, dele recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), apresentando as alegações de recurso, com conclusões do seguinte teor:

«1. O presente recurso vem interposto do douto Acórdão que negou provimento ao recurso interposto, relativo à sentença proferida que julgou improcedente a impugnação judicial apresentada contra as liquidações de IVA, referente ao exercício de 2006, no montante de € 4.623,56 (quatro mil seiscentos e vinte e três euros e cinquenta e seis cêntimos) e, em consequência, absolveu a Fazenda Pública.

2. Assim e em conformidade com o disposto no art. 285.º, n.º 1, do CPPT e com a jurisprudência desse Supremo Tribunal, estamos perante uma questão jurídica de especial complexidade, quando a sua solução envolve a aplicação e ligação a diversos regimes legais e institutos jurídicos e, igualmente, na circunstância de o seu tratamento ter suscitado dúvidas sérias, ao nível da jurisprudência, ou da doutrina e, tem-se considerado que estamos perante assunto de relevância social fundamental quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode ser um paradigma ou orientação para se apreciarem outros casos, ou quando tenha repercussão de grande impacto na comunidade.

3. Finalmente, em relação ao pressuposto da admissão do recurso para uma melhor aplicação do direito, tem-se entendido que este se justifica quando questões relevantes sejam tratadas pelas instâncias, de forma pouco consistente ou contraditória, de tal modo que seja manifesto que a intervenção do STA é reclamada para dissipar dúvidas sobre o quadro legal que regula certa situação.

4. Descendo ao caso que nos ocupa e tendo em conta as questões suscitadas em sede de recurso ordinário para o Venerando TCA Norte, resulta que a suscitada questão da prescrição da dívida tributária, que gerou os autos de execução fiscal em que é executada a recorrente, assume relevância, na medida em que, está subjacente à mesma, questão de direito relevante, razão pela qual e atento o supra exposto, o presente recurso preenche os pressupostos contidos no n.º 1 do art. 285.º do CPPT, devendo, em consequência, ser admitido.

5. Os presentes autos respeitam liquidações de IVA do exercício de 2006 e respectivos juros compensatórios, sendo que, tais liquidações resultaram das correcções propostas constantes do RIT comunicado à Impugnante em 22-09-2009.

6. Contra essas liquidações a contribuinte apresentou reclamação graciosa em 19-04-2010 e recurso hierárquico em 13-05-2010 que viu indeferidos, seguido da presente impugnação judicial apresentada em 19 de Maio de 2011, sendo que, todos estes factos resultam da factualidade assente que aqui se dá por integralmente reproduzida.

7. Nos termos do art. 48.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária, adiante designada por LGT, as dívidas tributárias prescrevem, salvo o disposto em lei especial, no prazo de oito anos contados, nos impostos periódicos, a partir do termo do ano em que se verificou o facto tributário.

8. Contudo, ao abrigo do art. 49.º, n.º 1 e 3, da LGT, a citação, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa da liquidação do tributo interrompem a prescrição, mas a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.

9. De acordo com o cronograma processual apresentado essa interrupção ocorreu uma única vez, com a reclamação graciosa apresentada em 19-04-2010.

10. Nos termos do art. 49.º, n.º 4, al. b), da LGT, o prazo de prescrição legal suspende-se enquanto não houver decisão definitiva ou transitada em julgado, que ponha termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição, quando determinem a suspensão da cobrança da dívida.

11. Sucede que a lei processual tributária não estabelece qualquer dependência entre a impugnação (graciosa ou judicial) do acto tributário (liquidação) e a cobrança (voluntária ou coerciva) dos montantes que resultam dessa liquidação.

12. Como estabelece o art. 169.º, n.º 1, do CPPT, a pendência de reclamação graciosa, recurso hierárquico e impugnação judicial só pode servir de fundamento de suspensão da execução fiscal se determinar a suspensão da cobrança da dívida, o que implica ter sido prestada garantia ou a prestação desta tiver sido dispensada nos termos da lei – cfr. Ac TCA Sul 14-01-2021, processo 34/20.9BELRA, www.dgsi.pt; STA 08-05-2013, processo 0629/13, STA 29.09.2016, processo 0983/16, www.dgsi.pt.

13. Na verdade, o prazo de prescrição legal suspende-se enquanto não houver decisão definitiva ou passada em julgado, que puser termo ao processo, nos casos de reclamação, recurso ou impugnação, (apenas) quando determinem a suspensão da cobrança da dívida, circunstância aqui não verificada.

14. A pendência de reclamação, recurso ou impugnação judicial, a partir do momento em que foi prestada a garantia ou deferido o pedido de dispensa de garantia, porque esta obsta à possibilidade de cobrança da dívida, determina a suspensão da prescrição, ainda que ainda não tenha sido instaurada a execução fiscal, devendo interpretar-se nesse sentido o disposto no art. 49.º, n.º 4, al. b), da LGT, conjugado com os arts. 169.º, n.º 1, e 170.º, n.º 1, do CPPT.

15. O recurso hierárquico de decisão de indeferimento de reclamação graciosa (art. 76.º, n.º 1, do CPPT) é um prolongamento do procedimento de reclamação graciosa, pelo que deverá interpretar-se extensivamente a referência a esta feita no n.º 1, do cit. art. 169.º, do CPPT, de forma a abrangê-lo (cfr. Jorge Lopes de Sousa CPPT Anotado e Comentado, 5.ª ed., vol. 2, pg. 171-2 anotação 3 a) ao art 169.º, e Jorge Lopes de Sousa, Sobre a prescrição da obrigação Tributária, 2.ª ed., 2010, pg. 55, nota 14).

16. Não consta dos autos que haja sido prestada garantia ou que a sua prestação haja sido dispensada, com a consequência de suspender a cobrança da dívida, sendo certo que compete à AT invocar as causas interruptivas ou suspensivas da prescrição.

17. Por conseguinte, interrompida a prescrição em 19-04-2010 com a apresentação da Reclamação Graciosa (ponto E dos factos provados), o termo do citado prazo de prescrição de oito anos, sem ocorrer outra causa interruptiva ou suspensiva, verificou-se em 19-04-2018, com a consequente extinção da obrigação fiscal, o que se invoca como causa de inutilidade superveniente do prosseguimento da lide, a qual o tribunal a quo devia ter conhecido oficiosamente, já que dispunha– como agora sucedia com o tribunal de recurso – de todos os elementos factuais necessários para o efeito, por imperativo do princípio da limitação dos actos que afirma a ilegalidade de realizar no processo actos inúteis – artigo 130.º do Código de Processo Civil, ex vi art. 2.º do CPPT.

18. Deveria o TCA conhecer da prescrição, ainda que em sede de impugnação judicial, a título incidental, para indagar da utilidade da prossecução da lide [cfr. art. 277.º/e), CPC], na medida em que será inútil apreciar a invalidade de um acto que titula uma obrigação tributária extinta por prescrição. Neste sentido vejam-se Jorge Lopes de Sousa in “Código de Procedimento e de Processo Tributário”, vol. II, pp. 365 e a jurisprudência dominante ac. STA 02-12-2015, processo n.º 01364/14, relatora Ana Paula Lobo, STA n.º 0650/14 15-02-2017 - Relator: Francisco Rothes, ac. STA 2012/05/02 no processo 01174/11 e em 2011/03/10 no processo 01004/10, ac. STA 09-02-2011, no processo n.º 0857/10, António Calhau, ac STA 02-05-2012, no processo n.º 01174/11, relator Lino Ribeiro, ac STA 19-11-2014, no processo n.º 0536/14, relator Ascensão Lopes, e ac TCA Sul 28-01-2021, processo 964/08.6BELRA, www.dgsi.pt.

19. No mesmo sentido o Acórdão STA (PLENO DA SECÇÃO DO CT) de 30-09-2020 (Processo:02051/10.8BEBRG, relator José Gomes Correia) www.dgsi.pt: “A questão fundamental de direito suscitada gira em torno da norma contida no n.º 3 do artigo 49.º da LGT (na redacção anterior à introduzida pela Lei n.º 53-A/2006, de 29.1, segundo a qual “O prazo de prescrição legal suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento de prestações legalmente autorizadas, ou de reclamação, impugnação ou recurso”), conjugada com a norma que define o regime da suspensão da execução fiscal (art. 169.º do CPPT), resulta que o efeito suspensivo da execução fiscal não é consequência directa e imediata da instauração de reclamação, impugnação ou recurso, nem é consequência directa e imediata da prestação de garantia; o que determina o efeito suspensivo da execução – e, por consequência, o efeito suspensivo da prescrição – é a instauração de reclamação, impugnação ou recurso, quando acompanhada ou seguida da constituição ou prestação de garantia idónea, da autorização da sua dispensa, ou da penhora de bens que garantam o pagamento integral da quantia exequenda e do acrescido”.

20. Não tendo o TCA conhecido desta inutilidade superveniente da lide incorreu o seu acórdão em vício de nulidade por omissão de pronúncia, a qual se invoca nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d) e n.º 4, ex vi do art. 666.º, n.º 1 e 2, todos do Código Processo Civil, ex vi art. 2.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), e art. 125.º, n.º 1, do CPPT, devendo a decisão reclamada ser substituída por outra que conhecendo da questão suscitada, revogue aquela e ordene a extinção da obrigação liquidada, com as legais consequências quanto à procedência do recurso.

Nestes termos e nos melhores de direito, sempre com o mui douto suprimento de V. Exªs, deve o presente recurso ser julgado procedente por provado e, em consequência, ser revogada a douta Sentença, proferida em 1.ª Instância, porque ferida pelos vícios invocados pela ora recorrente e substituída por outra que defira a impugnação judicial apresentada.

Assim se fazendo a sempre douta, sã e elementar Justiça».

1.2 A Fazenda Pública não contra-alegou o recurso.

1.3 Tendo verificado a tempestividade do recurso e a legitimidade do Recorrente, a Desembargadora relatora no Tribunal Central Administrativo Norte ordenou a sua remessa ao Supremo Tribunal Administrativo.

1.4 Recebidos neste Supremo Tribunal, os autos foram com vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral-Adjunta pronunciou-se no seguinte sentido: «[…] entende-se que o recurso não deverá ser admitido.
As decisões proferidas em 2.ª instância pelos Tribunais Centrais Administrativos não são, em princípio, susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo.
Excepcionalmente e em conformidade com o disposto no n.º 1 do art. 285.º, do CPPT, podem ser objecto de recurso de revista quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental, ou quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.
A alegação e demonstração dessa excepcionalidade incumbe ao recorrente, conforme tem salientado a jurisprudência.
No caso em análise, a Recorrente entende que o Acórdão recorrido deveria ter conhecido da prescrição, a título incidental, “… para indagar da utilidade da prossecução da lide [cfr. art. 277.º/e), CPC], na medida em que será inútil apreciar a invalidade de um acto que titula uma obrigação tributária extinta por prescrição (…) Não tendo o TCA conhecido desta inutilidade superveniente da lide incorreu o seu acórdão em vicio de nulidade por omissão de pronúncia, (…) devendo a decisão reclamada ser substituída por outra que conhecendo da questão suscitada, revogue aquela e ordene a extinção da obrigação liquidada, com as legais consequências quanto à procedência do recurso”.
Defende a Recorrente que o douto Acórdão recorrido padece do vício de nulidade por omissão de pronúncia e pretende ver discutida a questão da prescrição da dívida tributária com a invocação de factualidade que não consta do probatório, ou que deveria constar.
Conforme jurisprudência pacífica, “atento o carácter extraordinário da revista excepcional, este não constitui meio próprio para o conhecimento de alegadas nulidades imputadas a acórdãos dos Tribunais Centrais Administrativos, pois que a lei dispõe de meio próprio – a reclamação para a conferência (artigo 615.º n.º 4 do Código de Processo Civil) –, para delas conhecer” – cfr. o douto Acórdão do STA de 13/07/2023, proc. n.º 0704/22.7BELRA, o qual, por seu turno, remete a título de exemplo para o Acórdão de 23/10/2019, rec. N.º 2458/12.6BELRS.
Por outro lado, devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso, a Recorrente não alega nem demonstra que in casu se verificam os pressupostos de que a lei faz depender a admissão do recurso.
Termos em que somos de parecer que não se encontram reunidos os requisitos previstos no citado art. 285.º, do CPPT, para a admissão do presente recurso».

1.5 Cumpre apreciar, preliminar e sumariamente, e decidir da admissibilidade do recurso, nos termos do disposto no n.º 6 do art. 285.º do CPPT.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

2.1.1 Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental, ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (cfr. art. 285.º, n.º 1, do CPPT).
Como decorre do próprio texto legal e a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como de resto o legislador cuidou de sublinhar na Exposição de Motivos das Propostas de Lei n.ºs 92/VIII e 93/VIII, considerando-o como uma «válvula de segurança do sistema», que só deve ter lugar naqueles precisos termos.

2.1.2 Como a jurisprudência tem vindo a salientar, incumbe ao recorrente alegar e demonstrar essa excepcionalidade, que a questão que coloca ao Supremo Tribunal Administrativo assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. Ou seja, em ordem à admissão do recurso de revista, a lei não se satisfaz com a invocação da existência de erro de julgamento no acórdão recorrido, devendo o recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicáveis).

2.1.3 Na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória – nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema» (Cf., por todos, o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Abril de 2014, proferido no processo n.º 1853/13, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/aa70d808c531e1d580257cb3003b66fc.).

2.1.4 Vejamos, pois, se a revista pode ser admitida quanto à questão que a Recorrente pretende submeter à apreciação deste Supremo Tribunal e que, apesar de não vir enunciada em termos precisos e bem delimitados, podemos concluir ser a da prescrição da obrigação tributária que teve origem na liquidação impugnada nos presentes autos.

2.2 O CASO SUB JUDICE

2.2.1 Estamos no âmbito de impugnação judicial de uma liquidação de IVA. Essa impugnação judicial foi julgada improcedente pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu e esse julgamento foi confirmado pelo Tribunal Central Administrativo Norte mediante acórdão que é o objecto do presente recurso.
Lida a motivação do recurso, sem prejuízo do que deixámos dito quanto à deficiente identificação da questão que a Recorrente pretende sujeitar à apreciação deste Supremo Tribunal em sede de revista excepcional, podemos concluir, sem grande esforço hermenêutico, que o que Recorrente sustenta é que a obrigação tributária que teve origem na liquidação que vem impugnada nos presentes autos está prescrita e que o Tribunal Central Administrativo Norte não se pronunciou sobre essa questão, incorrendo assim em nulidade por omissão de pronúncia.

2.2.2 Quanto à invocada nulidade do acórdão, há que recordar que, atento o carácter extraordinário da revista excepcional prevista no art. 285.º do CPPT, não pode este recurso ser utilizado para arguir nulidades do acórdão recorrido, devendo tais nulidades ser arguidas perante o tribunal recorrido mediante reclamação, nos termos do art. 615.º, n.º 4, do CPC.
Sem prejuízo, sempre diremos que nunca poderia haver nulidade por omissão de pronúncia relativamente a uma questão que não foi anteriormente invocada pelas partes perante o tribunal, como o não foi a questão da prescrição da obrigação tributária originada pela liquidação impugnada nos autos. Ora, como resulta da leitura das conclusões do recurso que a ora Recorrente apresentou junto do Tribunal Central Administrativo Norte, essa questão não foi suscitada nesse recurso. Por isso, nunca poderia considerar-se que o acórdão recorrido omitiu pronúncia quanto a essa questão; e nada releva para a verificação dessa nulidade a circunstância de a prescrição ser do conhecimento oficioso, pois, como é jurisprudência pacífica, não pode verificar-se a omissão de pronúncia relativamente a questão que, sendo do conhecimento oficioso, não foi suscitada pelas partes ao tribunal (Como diz JORGE LOPES DE SOUSA, Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado, Áreas Editora, 6.ª edição, volume II, anotação 11 ao art. 125.º, pág. 365, com indicação de jurisprudência, «embora o tribunal tenha também dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes (parte final do n.º 2 do art. 660.º do CPC) a omissão de tal dever não constituirá nulidade, mas sim um erro de julgamento)».).

2.2.3 Dito isto, fácil se torna concluir que o presente recurso não visa sindicar o acórdão recorrido, na medida em que neste não foi tratada a questão da prescrição.
É certo que é jurisprudência uniforme desde há muito (Cfr. os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 28 de Junho de 2006, proferido no processo com o n.º 189/06, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/04f55fa240397a0a802571a3004bd2f2;
- de 2 de Maio de 2012, proferido no processo n.º 1174/11, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/3e068cd57c9867af802579fb003909e9;
- de 13 de Novembro de 2013, proferido no processo com o n.º 171/13, disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/7e7557e95a30337680257c3000534e56.), que não é em sede de impugnação judicial que deve ser invocada ou conhecida oficiosamente a prescrição do tributo, que não constitui causa de invalidade do acto impugnado, sendo que esta questão deve ser suscitada no âmbito do processo executivo, com possibilidade de reclamar para o tribunal de eventual decisão desfavorável; sem prejuízo, pode a prescrição ser conhecida em sede de impugnação judicial, enquanto causa de inutilidade superveniente da lide, quando os autos forneçam os elementos factuais imprescindíveis e permitam concluir com segurança pela sua verificação.
Mas isso não significa que o recurso de revista possa ser usado, exclusiva e inovatoriamente, para saber se a prescrição está, ou não verificada e para conhecer da prescrição da dívida tributária em sede de impugnação judicial. Se é certo que a prescrição pode ser conhecida em processo de impugnação judicial – não como fundamento desta, já que não se refere à legalidade da liquidação, mas em termos da inutilidade superveniente da lide –, a questão não pode ser erigida em fundamento de revista excepcional, se não foi conhecida pelas instâncias.
Sempre se dirá que a questão da prescrição sempre poderá ser suscitada junto da execução fiscal (com possibilidade de reclamação judicial, ao abrigo do disposto no art. 276.º do CPPT, de eventual decisão desfavorável do órgão da execução fiscal) enquanto esta não estiver extinta.
Por tudo isto, com a Procuradora-Geral-Adjunta junto deste Supremo Tribunal, concluímos pela não admissibilidade da revista.

2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O recurso de revista excepcional, previsto no art. 285.º do CPTT, visa funcionar como “válvula de segurança” do sistema, sendo admissível apenas se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão do recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, cumprindo ao recorrente alegar e demonstrar a factualidade necessária para integrar a verificação dos referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicáveis).

II - Atento o carácter extraordinário da revista excepcional prevista no art. 285.º do CPPT, não pode este recurso ser utilizado para suscitar, em exclusivo e pela primeira vez, a questão da prescrição da obrigação tributária que teve origem na liquidação impugnada nos autos.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 285.º do CPPT, em não admitir o presente recurso.

Custas pela Recorrente.


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Lisboa, 5 de Junho de 2024. - Francisco Rothes (relator) - Aragão Seia - Isabel Marques da Silva.