Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0146/24.0BALSB
Data do Acordão:01/22/2025
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
DECISÃO ARBITRAL
Sumário:I - O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 25.º do RJAT por oposição com outra decisão arbitral pressupõe, para além do mais, que as decisões em confronto tenham dado resposta divergente à mesma questão fundamental de direito.
II - Verificando-se que as decisões recorrida e fundamento se pronunciaram no mesmo sentido sobre a questão fundamental de direito que foi identificada pelo recorrente no presente recurso para uniformização de jurisprudência e que a divergência no sentido decisório resulta da consideração de factos só dados como provados na decisão arbitral recorrida, inexiste motivo para uniformização de jurisprudência.
Nº Convencional:JSTA000P33144
Nº do Documento:SAP202501220146/24
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A... - ACTIVIDADES HOTELEIRAS, LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso por oposição de decisões arbitrais

1. RELATÓRIO

1.1 Em representação da AT, veio a Fazenda Pública interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no art. 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) em 10 de Setembro de 2024 no processo n.º 39/2024-T (Disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?u=1&id=8434.). Invocou oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com a decisão (Antecipamos aqui a correcção do lapso de escrita, pois será deferido o requerido pela Recorrente em 26 de Novembro de 2024 (a fls. 967 do SITAF), que mereceu a anuência da Recorrida (a fls. 984 do SITAF) e a concordância do Ministério Público, expressa no parecer do Procurador-Geral-Adjunto.) proferida pelo CAAD em 8 de Janeiro de 2024, no processo n.º 462/2023-T, já transitada em julgado (Disponível em https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?u=5&id=7665.) e apresentou alegações, com conclusões do seguinte teor:

«A. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito.

B. Nos termos do artigo 25.º/2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (Decreto-Lei 10/2011, de 20 de Janeiro), «a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é ainda susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo».

C. De acordo com o n.º 3 do citado artigo «ao recurso previsto no número anterior é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, contando-se o prazo para o recurso a partir da notificação da decisão arbitral».

D. Assim, os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, são:

- As situações de facto serem substancialmente idênticas;

- Haver identidade na questão fundamental de direito;

- Que se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e

- Que a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas.

E. Pretendem as presentes alegações demonstrar que, no caso vertente, se encontram reunidos os supra elencados requisitos para que se tenha por verificada a alegada oposição de acórdãos. Vejamos:

F. Para que se considere que há oposição de soluções jurídicas, entende a jurisprudência do STA que ambos os acórdãos devem versar sobre situações fácticas substancialmente idênticas.

G. Sendo que a oposição de soluções jurídicas pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida não como uma total identidade dos factos, mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais.

H. Conforme se pode desde já observar, entre o acórdão recorrido e o Acórdão Fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto.

I. Em ambos os casos, Autora e a ora Recorrida têm natureza de sujeito passivo com direito à dedução (total ou parcial) de IVA.

J. Ambas adquiriram serviços de construção civil, nos quais, em detrimento da regra de inversão do sujeito passivo de imposto, os prestadores dos serviços liquidaram IVA, considerado assim indevidamente liquidado.

K. Ambas deduziram o IVA indevidamente liquidado.

L. A ambas foram feitas pelos SIT correcções resultantes da desconsideração do IVA indevidamente liquidado, como dedutível, por entenderem que o IVA indevidamente liquidado não confere o direito à dedução.

M. Ambas imputam às correcções de IVA vícios de violação de lei.

N. No entanto, como melhor observaremos, enquanto no acórdão fundamento se entendeu que não se constatou qualquer ilegalidade

O. No acórdão recorrido, pelo contrário, concluiu-se pela ilegalidade das correcções, com fundamento em duplicação de colecta, mas estrategicamente apelidando-a, por forma a obviar à uniformização de jurisprudência deste Colendo Tribunal, somente de violação do Princípio da Proporcionalidade, aliás conforme infra demonstraremos. (cfr. páginas 7 a 9 da Decisão recorrida)

P. Além daquela identidade, para que haja oposição de acórdãos é ainda necessário que as decisões em confronto se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito, ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito.

Q. Ora, estava em causa em ambos os processos aferir da dedutibilidade do IVA indevidamente liquidado, em desrespeito da regra de inversão do sujeito passivo, prevista na al. j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA.

R. Tanto no acórdão recorrido, como no Acórdão Fundamento a questão relevante de direito para a prolação das respectivas decisões situa-se em igual plano, senão vejamos;

S. À primeira vista, pode parecer que a questão fundamental de Direito em apreço num caso e noutro, são distintas.

T. No entanto, entende a Recorrente que assim não é, porquanto embora tenham sido apelidadas de forma diferente, a questão apreciada é a exacta mesma.

U. É certo que, na Decisão recorrida, o Tribunal entendeu que:

Começamos por afirmar o nosso entendimento de que é irrelevante saber se a situação em causa (as liquidações de IVA feitas pelos fornecedores “somadas” às liquidações oficiosas ora impugnadas, feitas em resultado da omissão da Requerente) configura ou não uma duplicação de colecta, tema amplamente debatido pelas partes. Isto porquanto, muito embora a duplicação de colecta configure, em direito fiscal, uma ilegalidade “típica”, obviamente esta figura não esgota as possíveis causas de ilegalidade das liquidações impugnadas que devam determinar a sua anulação. O mesmo é dizer que, mesmo concluindo-se não se estar perante uma duplicação de colecta, tal não significa que as liquidações impugnadas sejam legais.

V. E, acabou por concluir pela ilegalidade das liquidações, não por duplicação de colecta, nem por violação do princípio da neutralidade, mas por entender verificada uma violação do princípio da proporcionalidade.

W. Entende a Recorrente no entanto que, se atentarmos à fundamentação da Decisão recorrida para concluir pela violação do princípio da neutralidade, verifica-se que, a questão de direito efectivamente apreciada, foi a exacta mesma, mas ali “apelidada” de outra forma.

X. Os fundamentos constantes da Decisão recorrida e, que conduziram à conclusão do Tribunal, de que as liquidações adicionais violavam o princípio da proporcionalidade, foram os seguintes:

Analisando a questão à luz das normas legais aplicáveis, nenhuma dúvida parece existir quanto à legalidade das liquidações impugnadas. Só que aplicação do Direito não se limita à correcta qualificação das situações à luz das normas escritas directamente aplicáveis.
O bloco normativo que ao aplicador do direito cumpre respeitar é constituído não apenas por normas, mas também por princípios.
Com o saudoso Mestre Batista Machado, diremos: temos aqui em vista aqueles princípios jurídicos que, porque são exigências feitas a todo e qualquer ordenamento jurídico, se este quer ser coerente com a sua própria pretensão de legitimidade e validade, são transcendentes às decisões positivadoras do legislador e por isso mesmo são válidas de per si num Estado de Direito porque representam postulações eliciadas da própria “ideia de Direito”.
Aqui concorre, desde logo, o princípio da proporcionalidade, expressamente consagrado no art. 7.º do CPA, em obediência a determinação constitucional.
Seguido o entendimento consensual da doutrina, proporcionalidade implica adequação, necessidade e equilíbrio (os conceitos usados pelos diferentes autores podem ser diferentes, mas o significado é o mesmo):
Adequação significa que as medidas tomadas devem ser ajustadas ao fim que se pretende atingir.
Necessidade implica que a medida seja aquela que lese em menor medida os direitos e interesses dos particulares.
Por fim, o equilíbrio (proporcionalidade stricto sensu), implica que os benefícios que se espera alcançar com uma medida administrativa adequada e necessária suplantem os custos implicados.
Parece-nos perfeitamente razoável afirmar que as liquidações em causa não preenchem o subcritério da necessidade: qual a necessidade (substantiva) de liquidações adicionais, as quais por definição visam o pagamento de (mais) imposto legalmente devido quando é certo não existir, na situação concreta, qualquer prejuízo para o Estado uma vez que o mesmo valor de imposto foi liquidado por outa via (incorrectamente, é certo) e deu entrada nos cofres do Estado?
Temos a maior dificuldade em compreender liquidações adicionais que, em muitas e diferentes circunstâncias, a AT decide efectuar em situações em que, manifestamente, não houve prejuízo para o Estado.
Ou talvez o “compreendamos” em razão do impacto financeiro positivo que daí decorre para os cofres do Estado: sirva de exemplo, no caso em apreço, o valor os juros compensatórios que se pretende cobrar quando é certo que o Estado tem em seu poder o valor total do imposto em causa desde o momento em que o pagamento deveria ocorrer (o prazo de pagamento é o mesmo, havendo ou não lugar a reverse charge).
Mais, na situação em apreço, a improcedência do pedido provavelmente redundaria numa situação que, para além de ofensiva do princípio da proporcionalidade, seria também ofensiva do princípio da justiça.
Na realidade, a manterem-se as liquidações impugnadas, o Requerente suportaria duas vezes o encargo económico do imposto: suportou-o uma primeira vez quanto pagou aos seus fornecedores o imposto por estes liquidado; é chamado a suportá-lo uma segunda vez em razão das liquidações adicionais ora em causa.
A este propósito diz a AT em passo já acima transcrito: Refira-se, contudo que o IVA indevidamente mencionado e entregue pelo fornecedor poderá efectivamente ser corrigido através da emissão de nota de crédito. Neste seguimento na data da emissão da nota de crédito ficará o sujeito passivo adquirente com um crédito junto do fornecedor e este fará a seu favor a regularização do IVA que liquidou indevidamente.
Só que não existe qualquer certeza de que o Requerente viesse a conseguir ser reembolsado pelos fornecedores do IVA por estes indevidamente liquidado (e recebido).
Em primeiro lugar, a regularização da situação tal como preconizado pela AT implicaria a colaboração dos fornecedores – estamos perante uma regularização que a lei expressamente qualifica como facultativa – o que, obviamente, não se pode ter por garantido (no limite, alguns podem ter cessado actividade).
Segundo, a regularização de IVA indevidamente liquidado poderá estar condicionada a prazos máximos (cf. n.º 3 do art. 78.º do CIVA) que poderão já estar ultrapassados.
O mesmo é dizer que a não anulação das liquidações impugnadas poderia, com razoável grau de probabilidade, conduzir a uma situação em que o Requerente teria que suportar, em definitivo, um encargo económico com o dobro do valor daquele que, segundo a lei, deveria ter autoliquidado.
E o Estado teria um “enriquecimento sem causa” de valor igual ao do imposto devido (e pago). O que resultaria manifesta (e desnecessariamente, para não dizer despropositadamente) ofensivo do princípio da justiça.
Por último há que atentar no seguinte: as liquidações adicionais são um mecanismo destinado à cobrança de (mais) imposto devido e não um mecanismo destinado a punir infracções.
Entender que o princípio da proporcionalidade pode obstar a legalidade de liquidações adicionais em situações em que houve violação dos deveres de cooperação legalmente prescritos (obrigações acessórias) não significa qualquer complacência para com tais comportamentos. Isto porquanto o meio próprio para punir a violação de obrigações declarativas é a aplicação das contra-ordenações que para tal a lei prevê. (nossos destaques)

Y. Ou seja, em suma, entendeu o tribunal que:

a. Apesar de estar assente que se trataram de serviços de construção civil e, de ter sido desrespeitada a regra de inversão do sujeito passivo do imposto e, assim, o IVA se considerar indevidamente liquidado, a correcção à dedução do imposto, constitui o pagamento do encargo económico com o imposto em dobro.

b. O facto de o imposto ter sido pago pela Recorrida e, eventualmente, não ser, à altura dos factos, susceptível de regularização (por via da correcção das facturas), determinou, segundo o Tribunal, o direito da Recorrida a com base nos princípios da proporcionalidade e, da justiça (dando-lhe apenas outra roupagem, numa espécie de travestismo jurídico, para aquilo que é o óbvio conceito de duplicação de colecta, por forma a obviar a uniformização de jurisprudência deste Colendo Tribunal), deduzir o imposto, ainda que tenha sido indevidamente liquidado.

Z. Ora, salvo melhor opinião, entende a Recorrente que o facto de o Tribunal recorrido anular as liquidações de IVA, por entender que a sua não anulação conduziria ao pagamento do imposto em dobro, independentemente da forma como denomina os vícios da liquidação, conduz de facto, a uma anulação, por verificação de duplicação de colecta.

AA. Não cabem dúvidas de que, a proibição da duplicação da colecta, decorre, entre outros, da violação dos princípios da proporcionalidade e, da justiça.

BB. Pelo que, a entender-se de outra forma (ou seja, que a questão de direito apreciada, não é a mesma), permitir-se-ia que o Tribunal, entrando numa subquestão da questão de direito em apreço e, assim, de outra forma denominada, se furtasse à apreciação (por um Tribunal superior) de uma questão, que de resto já foi objecto de Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, no qual se concluiu pela legalidade da liquidação adicional de imposto em iguais circunstâncias, no caso, pela não verificação de duplicação de colecta.

CC. Certamente não ignorará o Tribunal recorrido, a douta Jurisprudência do STA sobre esta matéria, e

DD. Certamente que a conclusão do STA de que nestas circunstâncias não se verifica uma duplicação de colecta, não foi indiferente à existência no nosso ordenamento jurídico, dos princípios da proporcionalidade e da justiça.

EE. Pelo que, entende a Recorrente que o Tribunal, ao decidir pela anulação das liquidações, com fundamento na sua conclusão de que, a sua não anulação, conduziria ao pagamento do imposto em dobro, ainda que não seja assim denominada, se reconduz a uma anulação das liquidações, por entender verificada uma duplicação de colecta e, assim;

FF. E, assim entendeu o Tribunal recorrido, por entender também, que a correcção das facturas e, a consequente regularização do imposto, se afigurava improvável.

GG. Pelo contrário, em sentido diametralmente oposto, decidiu o Tribunal no Acórdão fundamento:

A primeira ilegalidade suscitada na presente acção respeita à correcção efectuada pela AT ao IVA deduzido pela Requerente em serviços de construção civil.
Reúne o consenso das Partes que a Requerente adquiriu serviços de construção civil a diversos prestadores de serviços, que lhe liquidaram IVA, no valor de € 1.367,86, nas facturas emitidas, tendo a Requerente procedido à dedução deste imposto.
No entanto, o IVA dos serviços de construção civil deve ser autoliquidado pelo adquirente, in casu, a própria Requerente, em observância do regime de inversão do sujeito passivo estabelecido pelo artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código deste imposto. Trata-se de uma excepção ao regime-regra de liquidação do IVA que consta do artigo 199.º 6 da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE, de 28 de Novembro de 2006).
Esta disciplina específica foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro, e, como salienta o respectivo preâmbulo, insere-se num “conjunto de medidas destinado a combater algumas situações de fraude, evasão e abuso que se vêm verificando na realização das operações imobiliárias sujeitas a tributação”, visando acautelar “algumas situações que redundam em prejuízo do erário público, actualmente decorrentes do nascimento do direito à dedução do IVA suportado, sem que esse imposto chegue a ser entregue nos cofres do Estado.”
SUSANA CLARO & CATARINA MENDONÇA MEDEIROS salientam a este respeito que o Estado Português aplicou o mecanismo de reverse charge a “vários sectores de actividade identificados como tendencialmente fraudulentos, entre os quais o sector da construção civil” – Cadernos IVA 2016, “A Regra de Inversão do Sujeito Passivo nos Serviços de Construção Civil”, Coord. SÉRGIO VASQUES, Almedina pp. 389-408 (cit. p. 393).
Resulta do probatório que foi incumprida a obrigação de autoliquidação pelo adquirente [a aqui Requerente] estabelecida pela citada alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA. Nestas circunstâncias, o artigo 19.º, n.º 8 deste diploma, introduzido pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, determina que o direito à dedução não pode ser exercido, pois apenas confere direito à dedução o imposto que tenha sido autoliquidado. O que não sucedeu, pois a Requerente não autoliquidou o IVA destes serviços, tendo o imposto sido liquidado nas facturas pelos prestadores.
De sublinhar que a norma em análise [artigo 19.º, n.º 8 do Código do IVA] não sujeita a indedutibilidade do imposto à condição negativa de os prestadores não entregarem o IVA ao Estado. A indedutibilidade opera e é independente do pagamento do IVA ao Estado pelo prestador que o liquidou incorrectamente. O que constitui, segundo entendemos, uma forma de promover a efectiva aplicação do regime de autoliquidação pelo adquirente (inversão do sujeito passivo), a que alguns prestadores tendem a ser menos receptivos, nomeadamente para evitarem entrar em situação de reembolso de IVA que, em regra, suscita acções inspectivas por parte da AT.
Contrariamente ao alegado pela Requerente, esta não dedutibilidade não configura duplicação de colecta, como declara o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27 de Fevereiro de 2013, processo n.º 01079/12, de que se transcreve o seguinte segmento relevante:
A duplicação da colecta, prevista no art. 205.º do CPPT, resulta da aplicação do mesmo preceito legal mais do que uma vez ao mesmo facto tributário ou situação tributária concreta, sendo que a não exigência de segundo pagamento, a que a invocação da duplicação de colecta se reconduz, apenas se pode justificar se o primeiro era devido, pois, se não o foi, o que foi pago poderá ser ulteriormente reembolsado, através dos meios adequados de impugnação e revisão do acto tributário e, numa situação desse tipo, não se justifica que se prescinda do segundo pagamento, que é efectivamente devido.
[…] há que separar a situação decorrente da reparação do erro em que a recorrente e a prestadora de serviço incorram e que foi da sua inteira responsabilidade e que terá de ser resolvido entre as mesmas.
O mencionado erro não pode, porém, impedir a Fazenda Pública de fazer cumprir a lei. Se a Administração Tributária não pudesse, nestes casos, regularizar a situação, impondo a liquidação adicional ao verdadeiro sujeito passivo, estava encontrada a forma de contornar o regime legal denominado de reversão de sujeitos passivos instituído para prevenir, como ficou dito, a fraude fiscal.”
Com efeito, como se argumenta neste aresto, a eventual correcção do erro na liquidação do IVA pelos prestadores de serviços é uma questão distinta que não pode comprometer a aplicação do regime de não dedução estabelecido no artigo 19.º, n.º 8 do Código do IVA. A remoção desse erro pode ser alcançada pelos meios próprios, a empregar pelos prestadores que tenham liquidado e pago o IVA indevidamente, como sejam a rectificação/substituição das facturas e a entrega de declarações periódicas de substituição dentro do prazo de 2 anos (v. artigo 78.º do Código do IVA), ou a submissão de pedido de revisão oficiosa (v. artigos 78.º da Lei Geral Tributária (“LGT”) e 98.º do Código do IVA). No mesmo sentido, v. as decisões arbitrais dos processos 122/2018-T e 246/2021-T.
Deste modo, em linha com a Requerida, não se constata qualquer ilegalidade por duplicação de colecta.
Em relação à alegada violação do princípio da neutralidade, que impregna o sistema comum do IVA, o Tribunal de Justiça pronunciou-se sobre a questão no processo de reenvio prejudicial C-424/12, SC Fatorie, com acórdão de 6 de Fevereiro de 2014, no sentido de que no âmbito de uma operação sujeita ao regime da autoliquidação, a Directiva IVA e o princípio da neutralidade fiscal não se opõem a que o beneficiário dos serviços fique privado do direito à “dedução do IVA que pagou indevidamente ao prestador de serviços com base numa factura mal passada, incluindo quando for impossível corrigir esse erro, devido à falência do referido prestador.”
Não se trata apenas de um mero formalismo, mas de uma medida que faz incorrer o Estado num risco de perda efectiva de receitas fiscais. O referido aresto acrescenta que “o exercício do direito a dedução está limitado apenas aos impostos devidos, isto é, aos impostos correspondentes a uma operação sujeita ao IVA, ou pagos na medida em que sejam devidos (acórdãos de 13 de Dezembro de 1989, Genius, C-342/87, Colet., p. 4227, n.º 13, e de 19 de Setembro de 2000, Schmeink & Cofreth e Strobel, C-454/98, Colet., p. I-6973, n.º 53). Assim, visto que o IVA pago pela Fatorie à Megasal não era devido e que esse pagamento não preenchia um requisito substantivo do regime da autoliquidação, a Fatorie não pode invocar o direito a dedução desse IVA.” [pontos 39 e 40]

Por fim, importa notar que a Requerente não prova que o IVA liquidado pelo prestador de serviços de construção civil foi entregue nos cofres do Estado.

Conclui-se, neste segmento, que os actos tributários de liquidação de IVA não enfermam do vício de violação de lei suscitado pela Requerente, mantendo a sua validade”.

HH. Ou seja, em sentido diametralmente oposto ao decidido no Acórdão recorrido, decidiu o Tribunal no Acórdão fundamento que:

a. Estando assente que se trataram de serviços de construção civil e, que foi desrespeitada a regra de inversão do sujeito passivo do imposto e, assim, o IVA se considera indevidamente liquidado, a correcção à dedução do imposto, não constitui uma duplicação da colecta;

b. E, bem assim que não se verificou qualquer violação do princípio da neutralidade do imposto;

c. Porquanto não se trata apenas da preterição de algumas formalidades e;

d. Que a eventualidade da correcção (ou não) das facturas, não pode pôr em causa a aplicação deste regime.

II. Aqui chegados, é então de salientar que, no entender da Recorrente, carece de razão o tribunal no Acórdão recorrido, senão vejamos,

JJ. Desde logo, sobre esta matéria, já se fixou Jurisprudência no Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 27 de Fevereiro de 2013, processo n.º 01079/12, que concluiu pela não verificação, nestes casos, de duplicação de colecta.

KK. Pelo que, respeitando a referida Jurisprudência, nunca deveria o Tribunal recorrido ter concluído pela verificação de uma duplicação de colecta, ou, na sua terminologia, por uma violação dos princípios da proporcionalidade e da justiça.

LL. De resto, diga-se, esta questão nem é especialmente complexa, pois que facilmente se compreende que, os factos tributários subjacentes à (indevida) liquidação e, à (devida) autoliquidação, não são os mesmos, pois na primeira o facto é a menção de IVA em factura e, na segunda, é a prestação dos serviços de construção civil.

MM. O que, por outro lado, conduz o Tribunal no Acórdão fundamento, à necessária conclusão de que, a eventualidade de ser ou não possível a correcção das facturas, não pode impedir a aplicação deste regime.

NN. Não pode a Recorrente deixar de sublinhar este aspecto, porquanto o Tribunal recorrido, pelo contrário, veio decidir que, se tal correcção (como naquele caso), já não se mostrar possível, ou improvável, conduz ao pagamento do imposto em dobro, pelo sujeito passivo.

OO. Ora, salvo melhor opinião, fazer depender a aplicação do regime de inversão do sujeito passivo, da possibilidade de correcção das facturas, esvazia completamente de conteúdo aquele regime, pois leva a que os sujeitos passivos o possam desrespeitar e, todo o modo, nenhuma consequência de aí advir.

PP. Pelo que, salvo melhor opinião, carece de razão o Acórdão recorrido, em todos os aspectos da sua Decisão, razão essa que, pelo contrário e, salvo melhor opinião, assiste na totalidade ao Acórdão fundamento.

QQ. Face ao que, perante idêntica factualidade, verifica-se, entre Acórdão Fundamento e acórdão recorrido, uma manifesta contradição de soluções jurídicas, as quais devem ser uniformizadas.

RR. Em suma, entre a decisão recorrida e o Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida acolhendo o decidido no acórdão Fundamento.

SS. Termos em que é de concluir dever esse Tribunal Superior acolher o entendimento perfilhado no Acórdão Fundamento.

Termos em que, com o douto suprimento de V. Exas. deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência:

- ser admitido, por verificados os respectivos pressupostos; e

- ser julgado procedente, nos termos e com os fundamentos acima indicados e, consequentemente, revogada a decisão arbitral recorrida, sendo substituída por outra consentânea com o quadro jurídico vigente, como é de Direito e Justiça».

1.2 A sociedade recorrida apresentou contra-alegações, com conclusões do seguinte teor:

«I. A AT por lapso, indicou a recorrida como “A... - Actividades Hoteleiras, Lda.“, devendo esse lapso vir a ser corrigido para “A...- Actividades Imobiliárias, Lda.”.

II. O Acórdão de 2013-02-27 (Processo n.º 01079/12), de 27 de Fevereiro, ao contrário do alegado pela AT em 30, e conclusão BB, não é um acórdão de fixação de jurisprudência, não estando por essa razão, este STA a ele vinculado.

III. O recurso interposto pela AT é um recurso ordinário onde se aplica com as necessárias adaptações por remissão expressa da lei o regime jurídico do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência previsto no art.152.º do CPTA, e do qual não poderá resultar um acórdão de uniformização.

IV. Devendo, por conseguinte, este STA nos termos do art.193.º/3 CPC ex vi 140.º n.º 3 do CPTA, apreciar a questão, corrigindo, se assim entender oficiosamente a forma do recurso, (v. ref. Sitaf 003290719 de 14.10.2024, art. 25.º/2,3 RJAT, e art.193.º/3 CPC e art.152.º e art.140.º CPTA).

V. A AT, identifica em separado as Conclusões, mas o seu conteúdo mais não é que uma cópia integral transposta dos artigos das alegações, sem qualquer alteração ou síntese como é de lei, devendo o recurso ser rejeitado, por falta de conclusões, (v. art. 639.º/1, art.690.º/2 CPC e art.140.º n.º 3 do CPTA).

VI. A AT alega que a decisão recorrida está em contradição com o acórdão fundamento, “Acórdão de 2013-02-27 (Processo nº 01079/12), de 27 de Fevereiro, do STA”, porém, junta antes a Decisão Arbitral n.º 462/2023-T, de 08.01.2024, que tratou igualmente como Acórdão fundamento, (v. alegação 35 e conclusão GG).

VII. A recorrente citou e transpôs para o recurso, na alegação 35 a que corresponde exactamente a conclusão GG, excertos de ambos os acórdãos, misturando-os como se do mesmo aresto se tratasse.

VIII. Além do mais, a lei exige unicidade e, a AT indicou duas decisões, quando estava limitada a indicar um único acórdão, como único fundamento do recurso, ainda que o acórdão recorrido estivesse em oposição com as duas decisões que indicou, (v. art. 690.º n.º 2 CPC).

IX. De estrema importância, é o facto da contradição entre julgados, ter de incidir entre o acórdão recorrido e um acórdão proferido por um Tribunal Central Administrativo, ou pelo Supremo Tribunal Administrativo, e a Decisão Arbitral n.º 462/2023-T, de 08.01.2024, junta como acórdão Fundamento, claramente não preenche a exigência legal do n.º 2 do art. 25.º do RJAT, (v. art. 25.º/2 do RJAT).

X. Em consequência, deverá o recurso ser rejeitado, com fundamento na falta de junção de acórdão fundamento que preencha os requisitos do art.25.º do RJAT, e na violação do princípio da unicidade, dando-se por incumpridos os ónus legais exigíveis e rejeitando-se o recurso, (v. ref. Sitaf 003290721 de 14.10.2024 e art. 692.º/1 e art.690.º/2 CPC ex vi art. 140.º/3 CPTA, e art. 25.º/2 RJAT)

Por mera cautela de patrocínio:

XI. Não existe identidade de facto entre o acórdão recorrido e este Acórdão STA de 2013-02-27 (Processo nº 01079/12), de 27/2, na medida em que as causas das liquidações adicionais no Acórdão fundamento foram a violação do reverse charge e a dupla dedução do IVA, enquanto no Acórdão recorrido, a causa das liquidações adicionais foi a mera violação da inversão do sujeito passivo, sem que tenha havido dedução de IVA.

XII. Sendo esta questão da dedução do IVA, o facto essencial que distingue o acórdão fundamento do acórdão recorrido:

c) No Acórdão recorrido, a A... pagou o IVA aos fornecedores que o entregaram nos cofres do estado e por lá fica por uma única vez, fruto de não o ter deduzido e da decisão arbitral que anulou as liquidações adicionais, evitando desta forma o seu pagamento em dobro.

d) No acórdão fundamento, pelo contrário o SP pagou duas vezes o IVA de € 3.691,80, mas por duas vezes o deduziu, primeiro pagou aos fornecedores, mas deduziu-o, depois pagou-o na liquidação adicional mas voltou a deduzi-lo, deixando zero de imposto nos cofres do estado, o que só foi corrigido pela AT liquidando adicionalmente o valor do IVA deduzido indevidamente a montante, garantindo dessa forma o pagamento do imposto, também por uma única vez.

XIII. Acresce que, no caso de 2007 do acórdão fundamento, a violação do reverse charge, não limitava o direito à dedução do IVA, mesmo quando o imposto não entrava nos cofres do estado, (v. art. 2.º n.º 1, alínea j) do CIVA, Dec. Lei n.º 21/2007 de 29 de Janeiro, e Ofício Circulado n.º 30101, de 24 de Maio de 2007).

XIV. Relativamente ao caso do acórdão recorrido, como os períodos em causa, se reportam a 2018 e 2019, com o aditamento do n.º 8 ao art. 19.º do CIVA, Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro, (OE para 2013), passaram a existir limitações a essa dedução, (v. art. 19.º n.º 8 CIVA e Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro).

XV. O que acontece verdadeiramente é que a situação do acórdão fundamento se lhe fosse aplicado o n.º 8 do art. 19.º do CIVA, muito provavelmente nem se discutiria, enquanto no acórdão recorrido não é a dedução que está em causa, mas a dispensa de um segundo pagamento, podendo-se concluir com elevada segurança, que as situações de facto e da legislação aplicável, são substancialmente diferentes entre julgados.

XVI. Todavia, é precisamente esta questão da dedutibilidade do IVA indevidamente liquidado pelos prestadores de serviços de Construção Civil que a AT, identifica como a mesma questão fundamental de direito, nada mais errado, uma vez que a A... não quis nem quer o reconhecimento desse direito, nem o tribunal arbitral o apreciou como é natural. (v. alegação 19 e conclusão Q, ref. Sitaf 003290719 de 14.10.2024 e acórdão recorrido).

XVII. Também não se verifica oposição entre as decisões, por um lado porque, ambos os acórdãos concluíram que as liquidações adicionais são legais, atento o disposto no art. 2.º, alínea j) do CIVA, e ainda que o imposto suportado a montante não é dedutível, (v. acórdão fundamento e acórdão recorrido)

XVIII. Não existe também oposição entre julgados, quanto à decisão relativa à duplicação da colecta, por esta questão no acórdão fundamento ter sido apreciada e decidida, enquanto no acórdão recorrido, nem sequer foi apreciada ou decidida, e não constituiu fundamento para a decisão arbitral.

XIX. Ademais, o princípio da proporcionalidade previsto no art. 266.º da CRP e art. 7.º do CPA, aplicado no acórdão recorrido, não colide em nada com o acórdão fundamento.

XX. Por um lado, o tribunal arbitral decidiu anular as liquidações adicionais, ocorridas por violação do reverse charge, mas excepcionou os € 10.304,00, que a A... assumiu ter deduzido indevidamente a montante, aceitando as consequências do n.º 8 do art. 19.º do CIVA, o que está conforme a decisão fundamento que também não aceitou a dedução do IVA de € 3.691,80.

XXI. E na parte que decidiu anular as liquidações adicionais, com fundamento no princípio da proporcionalidade e justiça tributária, levou à mesma solução nos dois casos, uma vez que só ficaram nos cofres do estado um único pagamento de IVA devido pela prática dos mesmos factos tributários, e só por uma única vez esse imposto foi suportado pelos SPs, o que é bem revelador do cumprimento do princípio da proporcionalidade e da justiça tributária.

XXII. No recurso para fixação de jurisprudência a oposição entre julgados, tem de ser expressa e claramente a AT defende a semelhança entre acórdãos baseando-se em “travestismo jurídico”.

XXIII. A solução no caso concreto da A... não é o recurso a liquidações adicionais, o que levaria uma situação claramente injusta e desproporcional, gritante mesmo no caso dos juros compensatórios, uma vez que a AT recebeu o imposto nas datas devidas.

XXIV. A indedutibilidade do IVA nos termos art. 19.º n.º 8 do CIVA, e a aplicação das contra-ordenações devidas, como resulta da orientação expressa no Ofício Circulado n.º 30142/2013, de 21 de Fevereiro, da própria A, bastam-se para assegurar a eficácia do mecanismo legal da inversão do SP, o que foi seguido na decisão arbitral.
(v. AT- Ofício Circulado n.º 30142/2013, de 21 de Fevereiro).

Pelo exposto, e com a douta sapiência de vexas venerandos Conselheiros,

a) deverá vir a ser corrigida a firma da recorrida, para A...- Actividades Imobiliárias, Lda.,

b) considerando que o acórdão STA de 2013-02-27 (processo n.º 01079/12), de 27 de Fevereiro, não é um acórdão de fixação de jurisprudência,

c) corrigindo se assim entenderem a forma do recurso, de extraordinário de fixação de jurisprudência para um recurso ordinário para o STA.

Mas rejeitando esse recurso,

d) por falta das condições necessárias e exigidas pelo art. 25.º n.º 2 do RJAT,

e) ou assim não entendendo rejeitar o recurso por falta de junção do acórdão fundamento e /ou unicidade,

f) rejeitado ainda por falta de conclusões;

g) e inexistência de identidade de facto entre julgados

h) por alteração relevante na legislação aplicável entre acórdãos

i) por não estar em causa a mesma questão fundamental de direito,

j) e ainda por inexistência de oposição entre as decisões proferidas no acórdão fundamento e no acórdão recorrido, por este último ser explicito na não apreciação da duplicação da colecta, art. 205.º CPPT e na clara aplicação do princípio da proporcionalidade e da justiça, art. 7.º do CPA, e art 266.º da CRP.

k) vindo a final, caso o mérito do recurso venha ser apreciado, vexas a decretar, improcedente o recurso, declarando que a decisão arbitral interpretou e aplicou correctamente o direito ao caso concreto, sem que tenha violado o acórdão fundamento,

l) e mantendo-se a decisão recorrida, se fará a desejada justiça».

A Recorrida, para a eventualidade de o recurso ser admitido, requereu ainda o reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia, ao abrigo do disposto no art. 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, em ordem à obtenção de resposta à questão prejudicial que enunciou.

1.3 Dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de que não estão verificados os requisitos da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência.
Isto e em síntese, após ter salientado o lapso na indicação do acórdão fundamento e após diversos considerandos em torno do recurso para uniformização de jurisprudência e seus pressupostos, bem como sobre os termos da motivação do recurso, com a seguinte fundamentação:

«[…]

3.4. Revertendo ao caso dos autos, quanto à matéria de facto com vista à decisão de direito, a mesma resume-se no teor do acórdão CAAD/ recorrido da seguinte forma:
«Nenhuma dúvida existe relativamente ao facto de a Requerente ter incumprido com a obrigação de autoliquidação de IVA relativamente à aquisição de serviços de construção civil que efectuou, atento o regime de reverse charge a que estava sujeita. Nem sobre as circunstâncias em que tal aconteceu.
Também não oferece dúvidas que as liquidações que cumpria ao Requerente efectuar foram “substituídas” por liquidações de igual valor feitas pelos fornecedores, por aplicação das regras gerais, os quais entregaram nos cofres do estado o montante total em causa. (sublinhado nosso)
O que cumpre é avaliar da legalidade das liquidações adicionais impugnadas, atentas as circunstâncias em que ocorreram».

3.5. Mais adiante consta do acórdão do CAAD recorrido o seguinte, incluindo a parte decisória:
«Temos a maior dificuldade em compreender liquidações adicionais que, em muitas e diferentes circunstâncias, a AT decide efectuar em situações em que, manifestamente, não houve prejuízo para o Estado.
Ou talvez o “compreendamos” em razão do impacto financeiro positivo que daí decorre para os cofres do Estado: sirva de exemplo, no caso em apreço, o valor os juros compensatórios que se pretende cobrar quando é certo que o Estado tem em seu poder o valor total do imposto em causa desde o momento em que o pagamento deveria ocorrer (o prazo de pagamento é o mesmo, havendo ou não lugar a reverse charge).
Mais, na situação em apreço, a improcedência do pedido provavelmente redundaria numa situação que, para além de ofensiva do princípio da proporcionalidade, seria também ofensiva do princípio da justiça. [negrito nosso]
Na realidade, a manterem-se as liquidações impugnadas, o Requerente suportaria duas vezes o encargo económico do imposto: suportou-o uma primeira vez quanto pagou aos seus fornecedores o imposto por estes liquidado; é chamado a suportá-lo uma segunda vez em razão das liquidações adicionais ora em causa.
A este propósito diz a AT em passo já acima transcrito: Refira-se, contudo que o IVA indevidamente mencionado e entregue pelo fornecedor poderá efectivamente ser corrigido através da emissão de nota de crédito. Neste seguimento na data da emissão da nota de crédito ficará o sujeito passivo adquirente com um crédito junto do fornecedor e este fará a seu favor a regularização do IVA que liquidou indevidamente.
Só que não existe qualquer certeza de que o Requerente viesse a conseguir ser reembolsado pelos fornecedores do IVA por este indevidamente liquidado (e recebido).
Em primeiro lugar, a regularização da situação tal como preconizado pela AT implicaria a colaboração dos fornecedores – estamos perante uma regularização que a lei expressamente qualifica como facultativa – o que, obviamente, não se pode ter por garantido (no limite, alguns podem ter cessado actividade) Segundo, a regularização de IVA indevidamente liquidado poderá estar condicionada a prazos máximos (cf. n.º 3 do art. 78.º do CIVA) que poderão já estar ultrapassados.
O mesmo é dizer que a não anulação das liquidações impugnadas poderia, com razoável grau de probabilidade, conduzir a uma situação em que o Requerente teria que suportar, em definitivo, um encargo económica com o dobro do valor daquele que, segundo a lei, deveria ter autoliquidado.
E o Estado teria um “enriquecimento sem causa” de valor igual ao do imposto devido (e pago) O que resultaria manifesta (e desnecessariamente, para não dizer despropositadamente) ofensivo do princípio da justiça.
Por último há que atentar no seguinte: as liquidações adicionais são um mecanismo destinado à cobrança de (mais) imposto devido e não um mecanismo destinado a punir infracções.
Entender que o princípio da proporcionalidade pode obstar a legalidade de liquidações adicionais em situações em que houve violação dos deveres de cooperação legalmente prescritos (obrigações acessórias) não significa qualquer complacência para com tais comportamentos. Isto porquanto o meio próprio para punir a violação de obrigações declarativas é a aplicação das contra-ordenações que para tal a lei prevê.
V - DECISÃO
Assim sendo, há que concluir pela procedência do pedido, anulando-se as liquidações em causa com excepção do relativo ao montante de IVA de 10.304,00€ que a Requerente confessa que deduziu indevidamente IVA no montante de no período de 201909T» (sublinhado nosso).

4.
4.1. Por sua vez, no acórdão n.º 462/2023-T do CAAD, de 8 de Janeiro de 2024 (acórdão fundamento) deu-se como provado, designadamente o seguinte: (III-1-Factos Provados, pág. 6 do acórdão)
«C. No decurso dos anos 2017 e 2018 a Requerente adquiriu diversos serviços de construção civil, tendo os respectivos prestadores dos serviços liquidado IVA, o qual foi deduzido pela Requerente, no campo 24 das declarações de IVA dos períodos e nos valores indicados no quadro seguinte – cf. RIT:
(…)
«H. A referida acção inspectiva foi concluída com correcções efectuadas pela AT a IVA indevidamente deduzido pela Requerente nos serviços de construção civil adquiridos a prestadores que os facturaram com liquidação de IVA, não tendo a Requerente aplicado a regra de inversão do sujeito passivo prevista no artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código deste imposto (i.e., autoliquidação pelo adquirente), no valor de € 1.367,86 – cf. RIT.»
(…)
«J. Em síntese, as correcções propostas no RIT perfazem o valor total de IVA de € 249.760,06, correspondente à soma das seguintes componentes:
a) € 1.367,86 de IVA indevidamente deduzido por ter sido liquidado pelos prestadores de serviços de construção civil, em vez de autoliquidado pela Requerente;»
«Relativamente aos factos não provados, a Requerente não demonstrou a alegação de que o imposto liquidado pelos prestadores de serviços de construção civil nas facturas emitidas foi efectivamente pago ao Estado (v.g. artigos 15.º, 17.º e 21.º do ppa).» (pág. 15 do acórdão fundamento)

4.2. O acórdão fundamento, tem a seguinte motivação:
«IV - DO DIREITO //1. NÃO DEDUÇÃO DE IVA LIQUIDADO PELOS PRESTADORES EM SERVIÇOS DE CONSTRUÇÃO CIVIL
«A primeira ilegalidade suscitada na presente acção respeita à correcção efectuada pela AT ao IVA deduzido pela Requerente em serviços de construção civil. // Reúne o consenso das Partes que a Requerente adquiriu serviços de construção civil a diversos prestadores de serviços, que lhe liquidaram IVA, no valor de € 1.367,86, nas facturas emitidas, tendo a Requerente procedido à dedução deste imposto. // No entanto, o IVA dos serviços de construção civil deve ser autoliquidado pelo adquirente, in casu, a própria Requerente, em observância do regime de inversão do sujeito passivo estabelecido pelo artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código deste imposto. Trata-se de uma excepção ao regime-regra de liquidação do IVA que consta do artigo 199.º 6 da Directiva IVA (Directiva 2006/112/CE, de 28 de Novembro de 2006). // Esta disciplina específica foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de Janeiro, e, como salienta o respectivo preâmbulo, insere-se num “conjunto de medidas destinado a combater algumas situações de fraude, evasão e abuso que se vêm verificando na realização das operações imobiliárias sujeitas a tributação”, visando acautelar “algumas situações que redundam em prejuízo do erário público, actualmente decorrentes do nascimento do direito à dedução do IVA suportado, sem que esse imposto chegue a ser entregue nos cofres do Estado.” //SUSANA CLARO & CATARINA MENDONÇA MEDEIROS salientam a este respeito que o Estado Português aplicou o mecanismo de reverse charge a “vários sectores de actividade identificados como tendencialmente fraudulentos, entre os quais o sector da construção civil” – Cadernos IVA 2016, “A Regra de Inversão do Sujeito Passivo nos Serviços de Construção Civil”, Coord. SÉRGIO VASQUES, Almedina pp. 389-408 (cit. p. 393). // Resulta do probatório que foi incumprida a obrigação de autoliquidação pelo adquirente [a aqui Requerente] estabelecida pela citada alínea j) do n.º 1 do artigo 2.º do Código do IVA. Nestas circunstâncias, o artigo 19.º, n.º 8 deste diploma, introduzido pela Lei n.º 66-B/2012, de 31 de Dezembro 7 [7 Dispõe o artigo 19.º, n.º 8 do Código do IVA nos seguintes termos: “Nos casos em que a obrigação de liquidação e pagamento do imposto compete ao adquirente dos bens e serviços, apenas confere direito a dedução o imposto que for liquidado por força dessa obrigação.”], determina que o direito à dedução não pode ser exercido, pois apenas confere direito à dedução o imposto que tenha sido autoliquidado. O que não sucedeu, pois a Requerente não autoliquidou o IVA destes serviços, tendo o imposto sido liquidado nas facturas pelos prestadores.
De sublinhar que a norma em análise [artigo 19.º, n.º 8 do Código do IVA] não sujeita a indedutibilidade do imposto à condição negativa de os prestadores não entregarem o IVA ao Estado. A indedutibilidade opera e é independente do pagamento do IVA ao Estado pelo prestador que o liquidou incorrectamente. O que constitui, segundo entendemos, uma forma de promover a efectiva aplicação do regime de autoliquidação pelo adquirente (inversão do sujeito passivo), a que alguns prestadores tendem a ser menos receptivos, nomeadamente para evitarem entrar em situação de reembolso de IVA que, em regra, suscita acções inspectivas por parte da AT.
(…)
Em relação à alegada violação do princípio da neutralidade, que impregna o sistema comum do IVA, o Tribunal de Justiça pronunciou-se sobre a questão no processo de reenvio prejudicial C-424/12, SC Fatorie, com acórdão de 6 de Fevereiro de 2014, no sentido de que no âmbito de uma operação sujeita ao regime da autoliquidação, a Directiva IVA e o princípio da neutralidade fiscal não se opõem a que o beneficiário dos serviços fique privado do direito à “dedução do IVA que pagou indevidamente ao prestador de serviços com base numa factura mal passada, incluindo quando for impossível corrigir esse erro, devido à falência do referido prestador.”
Não se trata apenas de um mero formalismo, mas de uma medida que faz incorrer o Estado num risco de perda efectiva de receitas fiscais. O referido aresto acrescenta que “o exercício do direito a dedução está limitado apenas aos impostos devidos, isto é, aos impostos correspondentes a uma operação sujeita ao IVA, ou pagos na medida em que sejam devidos (acórdãos de 13 de Dezembro de 1989, Genius, C-342/87, Colet., p. 4227, n.º 13, e de 19 de Setembro de 2000, Schmeink & Cofreth e Strobel, C-454/98, Colet., p. I-6973, n.º 53). Assim, visto que o IVA pago pela Fatorie à Megasal não era devido e que esse pagamento não preenchia um requisito substantivo do regime da autoliquidação, a Fatorie não pode invocar o direito a dedução desse IVA.” [pontos 39 e 40]
Por fim, importa notar que a Requerente não prova que o IVA liquidado pelo prestador de serviços de construção civil foi entregue nos cofres do Estado.
Conclui-se, neste segmento, que os actos tributários de liquidação de IVA não enfermam do vício de violação de lei suscitado pela Requerente, mantendo a sua validade».

4.3. Consta do acórdão recorrido: «Também não oferece dúvidas que as liquidações que cumpria ao Requerente efectuar foram “substituídas” por liquidações de igual valor feitas pelos fornecedores, por aplicação das regras gerais, os quais entregaram nos cofres do estado o montante total em causa».
E do acórdão fundamento: «Por fim, importa notar que a Requerente não prova que o IVA liquidado pelo prestador de serviços de construção civil foi entregue nos cofres do Estado» (página 19 do acórdão).
Salvo o devido respeito, não se estará, assim, perante idêntico quadro de facto e de direito, na medida em que no caso do acórdão recorrido, o Estado não ficou prejudicado visto que os prestadores de serviços entregaram nos cofres do Estado o montante total do IVA, que o adquirente dos serviços estava legalmente obrigado a entregar como sujeito passivo, o que determinou a anulação das liquidações adicionais.
Ao contrário, no acórdão fundamento, a requerente não fez a prova que o IVA liquidado pelo prestador de serviços de construção civil foi entregue nos cofres do Estado, que ficou prejudicado, tendo as correcções ao IVA sido mantidas válidas na ordem jurídica.
Esta diferença entre os factos provados e não provados, que ditam a existência de um prejuízo do Estado (acórdão fundamento) ou a sua inexistência (acórdão recorrido), salvo o devido respeito, motivam as diferentes decisões de um e de outro arestos.
Inexiste, neste contexto, identidade substancial das situações fácticas, que originaram disparidade quanto à questões de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto. A falta deste requisito, a que alude o artigo 25.º, n.ºs 2 e 3 do RJAT e o artigo 152.º, n.º 1 do CPTA.

4.4 Aliás, o acórdão recorrido decidiu em conformidade com outros arestos do Tribunal Arbitral Tributário do CAAD, v.g., os acórdãos n.º 316/2023-T, 745/2020-T, e com o acórdão do TCAN de 15/09/2022, processo n.º 00442/18.5BECBR, não se vislumbrando que padeça de qualquer erro de direito».

1.4 Cumpre apreciar e decidir, sendo que, primeiro, há que examinar se estão verificados os requisitos da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência.
Só se concluirmos pela verificação desses requisitos, passaremos a conhecer do mérito do recurso, ou seja, da infracção imputada à decisão arbitral recorrida [cf. art. 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA)].

1.5 Como adiantámos, é de deferir a requerida rectificação do erro de escrita quanto à decisão invocada como fundamento, nos termos do art. 146.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável ex vi da alínea e) do art. 2.º do CPPT, e do art. 249.º do Código Civil, pois o lapso é manifesto e decorre da leitura das alegações.
Assim, sem necessidade de mais considerandos – atenta a posição de concordância com o requerido assumida pela Recorrida e o parecer do Ministério Público –, deferimos a requerida rectificação.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

2.1.1 A decisão arbitral recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto:

«a. A Requerente foi sujeita a uma acção inspectiva externa da qual decorreram as liquidações ora impugnadas.

b. A Requerente não cumpriu com obrigação de autoliquidação do IVA relativamente aos serviços de construção civil adquiridos para a realização de operações isentas nos termos do art. 9.º do CIVA e constantes das facturas, em violação do art. 2.º n.º 1 alínea j) do CIVA.

c. Aquando da aquisição desses serviços de construção civil, a Requerente tinha em curso um pedido de “renúncia de isenção de IVA”, apresentado em 2018.02.19, o qual veio a ser indeferido em 25.09.2019,

d. Razão pela qual as facturas n.ºs FT 1/...9, FT 1/...4, FT 1/..6, FT 1/...49, FT 1/...59, FT 1/...3, FT 1/...80, FT 1/...1, FT 1/...6, FT 1/...9, FT 1/...19, FT 1/...5, e FT 1/...8 de 2018 apenas foram registadas na contabilidade em 2019 na conta ...18.

e. A quase totalidade das facturas em causa foi emitida pela sociedade B..., que as emitiu sem a menção “IVA - Autoliquidação”, antes liquidando indevidamente o IVA à taxa legal.

f. O IVA indevidamente liquidado foi entregue pelos fornecedores nos cofres do Estado.

g. Tendo sido pago a estes pela Requerente e por ela registado pela A... na Conta ...18, em obras em curso com identificação do imóvel a que se referiam.

h. O IVA pago foi assim imputado ao imóvel em questão e tratado, no exercício, como compras na conta 31, tendo transitado no final ano para a conta 36 - obras em curso; terminada a obra passou para a conta 34 - Produtos acabados.

i. Tal IVA nunca figurou na conta 24 (Estado e outros entes públicos), nem tão pouco foi deduzido.

j. A Requerente aceita que deduziu indevidamente IVA no montante de 10.304,00€ no período de 201909T por lapso, uma vez que a aquisição de serviços de “elaboração de projecto de remodelação e prestação de serviços de decoração” contidos na factura n.º ...00 de 2019 de 2019.08.16, da B..., foi contabilizada na conta ...13 como IVA Dedutível Investimentos, devido ao local de descarga constante dessa factura referir a sede da A... e não o local da obra em ....

k. Em 05.06.2023, a Requerente reclamou graciosamente das liquidações que ora impugna. O silêncio administrativo manteve-se para além do prazo legal de decisão.

[…]

Não foram considerados não-provados quaisquer factos tidos por relevantes para a decisão da causa».

2.1.2 A decisão fundamento (que, como já referido, é a que foi proferida pelo CAAD, em 8 de Janeiro de 2024, no processo arbitral n.º 462/2023-T) deu como provada a seguinte factualidade:

«A. A..., Unipessoal, Lda., aqui Requerente, iniciou a sua actividade em 2013 e encontra-se registada para o exercício da actividade principal de “Organização de Actividades de Animação Turística” – CAE 93293 e, entre outras, a título secundário, de “Alojamento Mobilado para Turistas” – CAE 55201 e de “Transporte Ocasional de Passageiros em Veículos Ligeiros” – CAE 49320 – cf. Relatório de Inspecção Tributária (“RIT”) constante do PA.

B. A Requerente está enquadrada no regime normal de IVA, com periodicidade trimestral até 31 de Dezembro de 2020 e mensal a partir de 1 de Janeiro de 2021 – cf. RIT.

C. No decurso dos anos 2017 e 2018 a Requerente adquiriu diversos serviços de construção civil, tendo os respectivos prestadores dos serviços liquidado IVA, o qual foi deduzido pela Requerente, no campo 24 das declarações de IVA dos períodos e nos valores indicados no quadro seguinte – cf. RIT:

Período
IVA*
2017-12T
125,95
2018-03T
74,09
2018-06-T
131,32
2018-09-T
937,45
2018-12T
99,05
Total
1.367,86
* Valores em euros

D. Nos anos 2017, 2018, 2019 e 2020, a Requerente facturou aos seus clientes nacionais serviços prestados de passeios turísticos, de percursos variados, e vendas de bilhetes de acesso ao ..., em Sintra, nos quais liquidou IVA à taxa de 6%, conforme detalhado no quadro seguinte, cuja informação foi extraída do RIT e não contestada pela Requerente:

Ano
Base Tributável
IVA liquidado

taxa de 6%

Total Facturado
Serviços de Passeios Turísticos
2017
136.700,72
8.202,04
144.902,76
2018
107.320,22
6.439,21
113.759,43
2019
103.517,84
6.211,07
109.728,91
2020
15.277,74
916,66
16.194,40
SUBTOTAL
362.816,52
21.768,98
384.585,50
Transmissão de bilhetes de acesso ao ...
20186,130,746,87
20191.379,4482,771.462,21
20201.442,2621,56[2]1.463,82
SUBTOTAL2.827,83105,072.932,90
TOTAL365.644,3521.874,05387.518,40
* Valores em euros

E. Nos anos 2017, 2018, 2019 e 2020, a Requerente prestou serviços de transporte de passageiros e de passeios turísticos a clientes da União Europeia, nomeadamente originários de Espanha e da Alemanha, e de países terceiros, como os Estados Unidos da América, nos quais não liquidou qualquer IVA, por ter aplicado erradamente a norma de localização das prestações de serviços prevista no artigo 6.º, n.º 6 do Código do IVA – cf. RIT.

F. No quadro infra, sintetizam-se os valores, por anos, das prestações de serviços de transporte de passageiros e de passeios turísticos realizadas a clientes da União Europeia e de países terceiros, sem tributação em IVA – cf. RIT:

Ano
Base Tributável
Total Facturado
Serviços de Transporte de Passageiros
2017
24.318,91
24.318,91
2018
25.989,17
25.989,17
2019
121.349,22
121.349,22
2020
23,271,92
23,271,92
SUBTOTAL
194.929,22
194.929,22
Serviços de Passeios Turísticos
201792.748,4092.748,40
2018138.251,64138.251,64
2019475.526,49475.526,49
202052.042,6052.042,60
SUBTOTAL758.569,13758.569,13
TOTAL953.498,35953.498,35
* Valores em euros

G. A Requerente foi objecto de um procedimento inspectivo de âmbito parcial – IVA, na sequência de um pedido de reembolso do imposto, no montante de € 81.220,02, efectuado na declaração periódica de 202012T, ao abrigo das Ordens de Serviço OI2021..., OI2021..., OI2021... e OI2021..., abrangendo os anos 2020, 2017, 2018 e 2019, respectivamente – cf. RIT.

H. A referida acção inspectiva foi concluída com correcções efectuadas pela AT a IVA indevidamente deduzido pela Requerente nos serviços de construção civil adquiridos a prestadores que os facturaram com liquidação de IVA, não tendo a Requerente aplicado a regra de inversão do sujeito passivo prevista no artigo 2.º, n.º 1, alínea j) do Código deste imposto (i.e., autoliquidação pelo adquirente), no valor de € 1.367,86 – cf. RIT.

I. Em relação ao IVA liquidado, a AT concluiu por correcções fundadas:

a. Em erro na aplicação da taxa reduzida aos serviços de passeios turísticos e de transmissão de bilhetes de acesso ao ..., que foram tributados pela Requerente à taxa de 6% e, de acordo com a Requerida, deveriam tê-lo sido à taxa normal, de 23%; bem como,

b. Em erro na (des)localização das prestações de serviços de transporte de passageiros e de passeios turísticos efectuadas a clientes da União Europeia e de países terceiros, que a Requerente, por essa razão, não tributou e que, segundo a Requerida, são localizados em território nacional e sujeitos a IVA à taxa reduzida de 6%, no caso dos serviços de transporte de passageiros, e à taxa normal de 23%, no caso dos passeios turísticos, tudo de acordo com os pressupostos e valores constantes dos quadros infra [3][3 Podem verificar-se algumas diferenças de cêntimos derivadas de arredondamentos.] cuja informação foi extraída do RIT:

Quadro de IVA liquidado a clientes nacionais

Ano
Base Tributável
IVA liquidado taxa de 6%
Total Facturado
IVA a Liquidar à Taxa de 23%
IVA em Falta
Serviços de Passeios Turísticos
2017
136.700,72
8.202,04
144.902,76
31.441,17
23.239,12
2018
107.320,22
6.439,21
113.759,43
24.683,65
18.244,44
2019
103.517,84
6.211,07
109.728,91
23.809,10
17.598,03
2020
15.277,74
916,66
16.194,40
3.513,88
2.597,22
SUBTOTAL
362.816,52
21.768,98
384.585,50
83.447,80
61.678,81
Transmissão de bilhetes de acesso ao ...
2018
6,13
0,74
6,87
2,82**
2,08
2019
1.379,44
82,77
1.462,21
317,27
234,50
2020
1.442,26
21,56 [4]
1.463,82
331,72
310,16
SUBTOTAL
2.827,83
105,07
2.932,90
651,81
546,74
TOTAL
365.644,35
21.874,05
387.518,40
84.099,61
62.225,55
* Valores em euros

** Este valor não corresponde à aplicação da taxa de 23% à base tributável

[[4] Este valor não corresponde à aplicação da taxa de 6% sobre o valor de 1.442,26, que seria de 86,54, não conseguindo este Tribunal identificar/explicar a origem da divergência]

Quadro de IVA liquidado a clientes da União Europeia e de países terceiros

Serviços de Transporte de Passageiros
Ano
Base Tributável
Total Facturado
IVA a Liquidar à Taxa de 6%
IVA em Falta
2017
24.318,91
24.318,91
1.459,13
1.459,13
2018
25.989,17
25.989,17
1.559,35
1.559,35
2019
121.349,22
121.349,22
7.280,95
7.280,95
2020
23.271,92
23.271,92
1.396,32
1.396,32
SUBTOTAL
194.929,22
194.929,22
11.695,75
11.695,75
Serviços de Passeios Turísticos
Ano
Base Tributável
Total Facturado
IVA a Liquidar à taxa de 23%
IVA em Falta
2017
92.748,40
92.748,40
21.332,13
21.332,13
2018
138.251,64
138.251,64
31.797,88
31.797,88
2019
475.526,49
475.526,49
109.371,09
109.371,09
2020
52.042,60
52.042,60
11.969,80
11.969,80
SUBTOTAL
758.569,13
758.569,13
174.470,90
174.470,90
TOTAL
953.498,35
953.498,35
186.166,65
186.166,65
* Valores em euros

J. Em síntese, as correcções propostas no RIT perfazem o valor total de IVA de € 249.760,06, correspondente à soma das seguintes componentes:

a. € 1.367,86 de IVA indevidamente deduzido por ter sido liquidado pelos prestadores de serviços de construção civil, em vez de autoliquidado pela Requerente;

b. € 62.225,55 de IVA não liquidado em serviços de passeios turísticos e de transmissão de bilhetes de acesso ao ... a clientes nacionais, por ter sido aplicada erradamente a taxa de 6%, quando devia ter sido a taxa de 23% (diferencial de taxa);

c. € 186.166,65 de IVA não liquidado em serviços de transporte de passageiros e de passeios turísticos efectuadas a clientes da União Europeia e de países terceiros, nos quais devia ter sido aplicada a taxa de 6% no primeiro caso e de 23% no segundo.

K. Na sequência da notificação do RIT, foi anulado o crédito de IVA da Requerente de € 81.220,02 (cujo reembolso havia sido solicitado) e esta foi notificada das liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios a seguir discriminadas:

· liquidação n.º 2021..., referente ao período de 2017-03T, no valor de € 3.773,83;

· liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., referente ao período de 2017-03T, no valor de € 665,67;

· liquidação n.º 2021..., referente ao período de 2017-06T, no valor de € 9.657,89;

· liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., referente ao período de 2017-06T, no valor de € 1.610,88;

· liquidação n.º 2021..., referente ao período de 2017-09T, no valor de € 18.835,42;

· liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., referente ao período de 2017-09T, no valor de € 2.938,90;

· liquidação n.º 2021..., referente ao período de 2017-12T, no valor de € 11.815,22;

· liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., referente ao período de 2017-12T, no valor de € 1.735,05;

· liquidação n.º 2021..., referente ao período de 2018-03T, no valor de € 5.012,67;

· liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., referente ao período de 2018-03T, no valor de € 687,16;

· liquidação n.º 2021..., referente ao período de 2018-09T, no valor de € 3.728,73;

· liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., referente ao período de 2018-09T, no valor de € 436,41;

· liquidação n.º 2021..., referente ao período de 2018-12T, no valor de € 10.521,78;

· liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., referente ao período de 2018-12T, no valor de € 1.125,39;

· liquidação n.º 2021..., referente ao período de 2019-03T, no valor de € 699,09;

· liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., referente ao período de 2019-03T, no valor de € 67,95;

· liquidação n.º 2021..., referente ao período de 2019-06T, no valor de € 23.542,53;

· liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., referente ao período de 2019-06T, no valor de € 2.048,52;

· liquidação n.º 2021..., referente ao período de 2019 -09T, no valor de € 63.835,23;

· liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., referente ao período de 2019-09T, no valor de € 4.882,95;

· liquidação n.º 2021..., referente ao período de 2019-12T, no valor de € 7.498,09;

· liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., referente ao período de 2019-12T, no valor de € 497,95;

· liquidação n.º 2021..., referente ao período de 2020-03T, no valor de € 7.193,76;

· liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., referente ao período de 2020-03T, no valor de € 237,29;

· liquidação n.º 2021..., referente ao período de 2020-09T, no valor de € 1.330,53;

· liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., referente ao período de 2020-09T, no valor de € 46,65;

· liquidação n.º 2021..., referente ao período de 2020-12T, no valor de € 1.233,80;

· liquidação de juros compensatórios n.º 2021..., referente ao período de 2020-12T, no valor de € 34,65.

perfazendo o total de € 185.693,99, sendo € 168.678,57 de IVA e € 17.015,42 de juros – cf. procedimento de reclamação graciosa constante do PA.

L. Inconformada com as correcções efectuadas e o IVA e juros compensatórios liquidados adicionalmente pela AT, em 4 de Março de 2022, a Requerente apresentou reclamação graciosa – cf. procedimento de reclamação graciosa constante do PA.

M. A reclamação graciosa foi indeferida por despacho de 22 de Março de 2023, do que a Requerente foi notificada em 30 de Março de 2023 – cf. documento junto pela Requerente e procedimento de reclamação graciosa constante do PA.

N. Em discordância da decisão de indeferimento da reclamação graciosa que manteve as liquidações adicionais de IVA e juros compensatórios controvertidas, referentes aos anos de 2017 a 2020, a Requerente apresentou junto do CAAD, em 26 de Junho de 2023, o pedido de constituição do Tribunal Arbitral que deu origem ao presente processo – cf. registo de entrada do pedido de pronúncia arbitral (“ppa”) no SGP do CAAD.

[…]

Relativamente aos factos não provados, a Requerente não demonstrou a alegação de que o imposto liquidado pelos prestadores de serviços de construção civil nas facturas emitidas foi efectivamente pago ao Estado (v.g. artigos 15.º, 17.º e 21.º do ppa).

Com relevo para a decisão não existem outros factos alegados que devam considerar-se não provados».


*

2.2 DE DIREITO

2.2.1 DOS REQUISITOS DA ADMISSIBILIDADE DO RECURSO

Constituem requisitos de admissibilidade do presente recurso:

i) que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral (art. 25.º, n.º 2, primeira parte, do RJAT);

ii) que esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo (art. 25.º, n.º 2, segunda parte, do RJAT);

iii) que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo [art. 152.º, n.º 3, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), aplicável ex vi do n.º 3 do art. 25.º do RJAT].

iv) que a decisão arbitral fundamento tenha transitado em julgado [art. 688.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC), aplicável por força do disposto no art. 140.º, n.º 3, do CPTA e no art. 281.º do CPPT].

2.2.2 DA OPOSIÇÃO

Não havendo dúvidas quanto à verificação do primeiro requisito enunciado, passemos de imediato à apreciação do requisito que enunciámos sob o n.º ii), dizendo, desde já, que é de considerar que a questão fundamental de direito é a mesma quando as situações fácticas em ambas as decisões arbitrais sejam substancialmente idênticas, entendendo-se como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais e cujo quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfira, nem directa nem indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida; entende-se também que as duas decisões arbitrais estão em oposição entre si quando se opõem as decisões respectivas, não bastando que se oponham os seus fundamentos.
A Recorrente identificou como questão jurídica decidida em sentido divergente pelo CAAD nas decisões arbitrais em confronto a «da dedutibilidade do IVA indevidamente liquidado, em desrespeito da regra de inversão do sujeito passivo, prevista na al. j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA» (cf. conclusão Q).
Se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, sustenta a Recorrente, em síntese, o seguinte: que nas situações sujeitas à apreciação do CAAD, discutia-se a legalidade das liquidações oficiosas de IVA que foram efectuadas por a AT ter entendido que as aí requerentes não podiam deduzir, como deduziram, o IVA que, em desrespeito pelo regime de autoliquidação pelo adquirente (reverse charge), não foi por elas liquidado, mas pelos prestadores dos serviços de construção civil; que enquanto no acórdão recorrido o CAAD considerou que a liquidação era ilegal, «com fundamento em duplicação de colecta» – se bem que a decisão arbitral recorrida, «estrategicamente» e «por forma a obviar à uniformização de jurisprudência» por parte do Supremo Tribunal Administrativo, tenha incorrido em «travestismo jurídico» (sic), pois apelidou a ilegalidade invalidante «somente de violação do Princípio da Proporcionalidade» – na decisão fundamento o CAAD considerou que a liquidação era legal, não configurando a indedutibilidade do IVA a duplicação de colecta nem violando o princípio da neutralidade.
Lidas as decisões arbitrais em confronto, logo verificamos que não divergem quanto à solução dada à questão enunciada pela Recorrente. Vejamos:
É certo que em ambas os casos estamos perante sociedades requerentes que têm natureza de sujeito passivo com direito à dedução (total ou parcial) de IVA.
É também certo que ambas adquiriram serviços de construção civil, nos quais, em desrespeito pelo regime de inversão do sujeito passivo de imposto (reverse charge), os prestadores dos serviços liquidaram IVA.
Mas, contrariamente ao que sustenta a Recorrente, não há oposição relativamente à dedutibilidade do IVA que foi liquidado em desrespeito pelo regime de autoliquidação pelo adquirente.
Na verdade, na decisão arbitral recorrida, tal como na decisão arbitral fundamento, considerou-se que não existia o direito à dedução do IVA que foi indevidamente liquidado pelo prestador dos serviços de construção civil, em violação do regime da inversão do sujeito passivo. Aliás, a Requerente no processo em que foi proferida a decisão recorrida até admitiu que tinha deduzido indevidamente o IVA relativamente a algumas dessas facturas.
Ou seja, não há oposição alguma relativamente à questão enunciada pela Recorrente como sendo a decidida em sentido divergente, a da «dedutibilidade do IVA indevidamente liquidado, em desrespeito da regra de inversão do sujeito passivo, prevista na al. j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA». Inequivocamente, ambas as decisões concluem pela não dedutibilidade desse imposto.
O que sucedeu na decisão recorrida foi que o CAAD considerou que, perante uma situação de violação da regra de inversão do sujeito passivo respeitante a serviços de construção civil, a exigência pela AT ao adquirente desses serviços, mediante liquidação adicional, do montante do IVA respeitante à operação – quando o prestador dos serviços recebeu esse montante do adquirente dos serviços e o entregou nos cofres do Estado e quando o adquirente dos serviços não deduziu esse imposto e ficou demonstrada nos autos a inexistência de prejuízo para o Estado –, constitui uma violação do princípio da proporcionalidade, na sua dimensão de necessidade (() A decisão afirma que «aas liquidações em causa não preenchem o subcritério da necessidade: qual a necessidade (substantiva) de liquidações adicionais, as quais por definição visam o pagamento de (mais) imposto legalmente devido quando é certo não existir, na situação concreta, qualquer prejuízo para o Estado uma vez que o mesmo valor de imposto foi liquidado por outa via (incorrectamente, é certo) e deu entrada nos cofres do Estado?» e «[t]emos a maior dificuldade em compreender liquidações adicionais que, em muitas e diferentes circunstâncias, a AT decide efectuar em situações em que, manifestamente, não houve prejuízo para o Estado».). Isto porque a liquidação adicional e consequente exigência do IVA «pode resultar, em definitivo num “duplo pagamento” de imposto pelo Requerente [( Diz a decisão recorrida: «a manterem-se as liquidações impugnadas, o Requerente suportaria duas vezes o encargo económico do imposto: suportou-o uma primeira vez quanto pagou aos seus fornecedores o imposto por estes liquidado; é chamado a suportá-lo uma segunda vez em razão das liquidações adicionais ora em causa».)] e num consequente “enriquecimento sem causa” do Estado, o que consubstanciaria, também, clara violação do princípio de justiça».
Ora, a decisão arbitral fundamento não abordou essa questão – da violação do princípio da proporcionalidade, na sua vertente da necessidade, e consequente violação do princípio da justiça –, nem faria sentido que o tivesse feito, na medida em que nela não se demonstrou a inexistência de prejuízo para o Estado e, aliás, se referiu expressamente que «importa notar que a Requerente não prova que o IVA liquidado pelo prestador de serviços de construção civil foi entregue nos cofres do Estado».
Ou seja, na decisão fundamento não há evidência de que o IVA respeitante às operações (igualmente liquidado em violação da regra da inversão do sujeito passivo aplicável a serviços de construção civil) tenha entrado nos cofres do Estado, nem de que não tenha havido prejuízo para o Estado, designadamente por força da eventual, e indevida, dedução desses montantes.
Em síntese:
As decisões em confronto deram a mesma resposta à questão da «dedutibilidade do IVA indevidamente liquidado, em desrespeito da regra de inversão do sujeito passivo, prevista na al. j) do n.º 1 do artigo 2.º do CIVA» – que foi a questão enunciada pela Recorrente como sendo aquela sobre a qual pretendia que este Supremo Tribunal uniformizasse jurisprudência –, sendo que em ambas se afirmou expressamente a impossibilidade de deduzir o IVA incorrido em serviços de construção civil sujeitos ao regime de autoliquidação pelo adquirente, quando este imposto tenha sido erradamente liquidado pelos prestadores desses serviços e não pelos seus adquirentes.
Quanto à violação do princípio da proporcionalidade, com base na qual a decisão recorrida declarou a ilegalidade de algumas das liquidações adicionais impugnadas, a questão apenas foi conhecida na decisão recorrida, pois apenas nesta – e já não da decisão fundamento – se deu como provada a inexistência de qualquer prejuízo para o Estado em resultado da violação da regra de reverse charge.


Ou seja, como bem salientaram a Recorrida e o Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal, há nas decisões em confronto uma divergência na matéria de facto que foi dada como assente, que, por si só, determinou a diferente resposta que foi dada à questão da legalidade das liquidações adicionais.
Concluímos, pois, que não se verifica o requisito da admissibilidade do recurso que acima deixámos enunciado em ii) do ponto 2.2.2, motivo por que entendemos não poder passar ao conhecimento do mérito do recurso, como decidiremos a final.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral ao abrigo do disposto no n.º 2 do art. 25.º do RJAT por oposição com outra decisão arbitral pressupõe, para além do mais, que as decisões em confronto tenham dado resposta divergente à mesma questão fundamental de direito.

II - Verificando-se que as decisões recorrida e fundamento se pronunciaram no mesmo sentido sobre a questão fundamental de direito que foi identificada pelo recorrente no presente recurso para uniformização de jurisprudência e que a divergência no sentido decisório resulta da consideração de factos só dados como provados na decisão arbitral recorrida, inexiste motivo para uniformização de jurisprudência.


* * *

3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em não tomar conhecimento do mérito do recurso.


*

Custas pela Recorrente (cfr. arts. 527.º, n.ºs 1 e 2, 529.º. n.º 1 e 2 e 530.º, n.ºs 1 e 7 do CPC, aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT).

*

Comunique-se ao CAAD.

*
Lisboa, 22 de Janeiro de 2025. – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (relator) – Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Dulce Manuel da Conceição Neto – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Gustavo André Simões Lopes Courinha - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo – João Sérgio Feio Antunes Ribeiro – Catarina Alexandra Amaral Azevedo de Almeida e Sousa.