Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0617/14.6BEALM
Data do Acordão:10/23/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOSÉ GOMES CORREIA
Descritores:SERVIÇOS
TELEVISÃO
CONTRIBUIÇÃO FINANCEIRA
INCONSTITUCIONALIDADE
Sumário:I - Quer os impostos, quer as contribuições, podem ter na sua origem prestações administrativas dirigidas a grupos mais ou menos alargados de sujeitos passivos, embora nenhum desses tributos tenha como pressuposto uma prestação administrativa de que o sujeito passivo seja efectivo e directo beneficiário.
II - Ao contrário dos impostos e, mesmo, das contribuições especiais, as contribuições financeiras têm como finalidade compensar prestações administrativas e realizadas, de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário. O elemento distintivo mais saliente das contribuições financeiras face aos impostos é a finalidade compensatória a que se dirigem.
III - A distinção entre as contribuições e as taxas assenta essencialmente na circunstância de aquelas não se dirigirem à compensação de prestações efectivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas, à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica.
IV - A denominada «taxa anual» devida por operadores de serviços de televisão por subscrição prevista na Lei nº 55/2012, de 6/9, caracteriza-se como a contrapartida de uma prestação administrativa tendo em vista o desenvolvimento e protecção da arte do cinema e das actividades cinematográficas e audiovisuais - presumivelmente aproveitada por um determinado grupo homogéneo de sujeitos passivos - os operadores de serviços de televisão por subscrição;
V - O Instituto do Cinema e do Audiovisual IP, ao receber a «taxa anual», fá-lo no âmbito da gestão do sector cinematográfico e audiovisual, permitindo-lhe prosseguir as atribuições que lhe foram confiadas pelo Ministério da Cultura;
VI - A «taxa» em apreço consiste numa receita que é consignada à satisfação de despesas públicas na área da cultura, decorrentes da prossecução das atribuições do ICA (cf. artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 79/2012 e artigo 13.º da Lei n.º 55/2012) pelo que deve ser qualificada como contribuição financeira e não está abrangida pelo domínio de incidência do artigo 103.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa.
VII – É que deixou de fazer sentido equiparar a figura das contribuições financeiras aos impostos para efeitos de considerá-las sujeitas à reserva da lei parlamentar.
VIII - Partindo, pois, da qualificação jurídicas das denominadas taxas como contribuições financeiras a sua criação pelo governo não enferma de inconstitucionalidade orgânica, pois, a ausência de aprovação de um regime geral das contribuições financeiras, por parte da AR não impede o Governo de aprovar a criação de contribuições financeiras individualizadas, no exercício de uma competência concorrente, sem prejuízo de a AR sempre poder revogar, alterar ou suspender a regulamentação criada pelo Governo.
IX – À luz da jurisprudência deste STA e do Tribunal Constitucional, não foi violado o princípio supralegal da proibição da consignação de receitas fiscais, os princípios constitucionais da reserva de lei, legalidade fiscal, irretroactividade da lei fiscal, segurança jurídica e tutela da confiança, os princípios da equivalência e da proporcionalidade, decorrente do princípio da igualdade, quando aplicado a taxas (em sentido próprio), as normas de Direito Europeu relativas a auxílios de Estado e, bem assim, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Nº Convencional:JSTA000P32771
Nº do Documento:SA2202410230617/14
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:INSTITUTO DO CINEMA E DO AUDIOVISUAL, I.P.
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

1. – Relatório

Vem interposto recurso jurisdicional por B..., S.A. (anteriormente designada A..., S.A.), com demais sinais nos autos, visando a revogação da decisão de 20/02/2023, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, que julgou totalmente improcedente a impugnação intentada contra o indeferimento expresso da reclamação graciosa da autoliquidação efectuada relativa à taxa anual devida por operadores de serviços de televisão por subscrição prevista na Lei nº 55/2012, absolvendo o Instituto do Cinema e Audiovisual, I.P., também sinalizado nos autos, do pedido.

Inconformado, nas suas alegações, formulou o recorrente B..., S.A., as seguintes conclusões:

A) O presente recurso vem interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal a quo, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial;
B) A Impugnante, ora Recorrente, entende que a Sentença Recorrida padece de erro de julgamento, uma vez que se impunha a declaração de ilegalidade e consequente anulação do Despacho de Indeferimento e da autoliquidação do Imposto por Subscrição do ano de 2013;
C) O Imposto por Subscrição constitui, em substância, um verdadeiro imposto e não uma taxa ou contribuição financeira, uma vez que não lhe subjaz qualquer relação sinalagmática ou comutatividade, nem mesmo difusa, inexistindo qualquer contraprestação a favor dos operadores de serviços de televisão por subscrição (e da ora Recorrente em particular), nem direta e específica, nem sequer reflexa ou meramente presumida;
D) Por conseguinte, o disposto no artigo 10.º, n.º 2 e n.º 4, da Lei 55/2012, que criou o Imposto por Subscrição, é inconstitucional por violação dos princípios constitucionais da universalidade, da igualdade, da tributação do rendimento real e da justiça tributária, previstos nos artigos 13.º e 103.º da CRP;
E) Em particular, o Imposto por Subscrição não respeita as obrigações de generalidade e uniformidade da lei de imposto, onerando exclusivamente um conjunto restrito de apenas cinco contribuintes, injustificadamente tratados de forma desigual e discriminatória relativamente aos demais, sendo selecionados como “alvo” da tributação em causa por uma alegada “relação” com os objetivos da lei ou por serem supostamente agentes de uma “indústria” não densificada nem delimitada, como o exigiria o princípio da legalidade tributária;
F) O Imposto por Subscrição, enquanto mera capitação por cliente, alheia da margem ou lucro, desconsidera ainda em absoluto a capacidade contributiva enquanto pressuposto aferidor da incidência de tributos de natureza fiscal, tanto relativamente aos demais agentes económicos, como no que respeita aos mencionados operadores de serviços de televisão por subscrição entre si mesmos, prescindindo de tentar qualquer aproximação ao rendimento real;
G) Situação que é aliás reconhecida pelo ICA ao considerar ser decisivo para o escrutínio do princípio da proporcionalidade o rendimento disponível após a incidência do tributo, quando no caso vertente a ora Recorrente apurou lucro tributável equivalente a cerca de metade do montante do Imposto de Subscrição;
H) O Imposto por Subscrição revela-se assim como um imposto arbitrário e discriminatório, intolerável à luz do princípio da justiça tributária;
I) Verifica-se ainda que a inconstitucionalidade do disposto no artigo 11.º, n.º 3, da Lei 55/2012, e nos artigos 2.º e 3.º do DL 9/2013, pela violação dos princípios da reserva de lei formal na criação de impostos e da legalidade fiscal, previstos no artigo 165.º, n.º 1, al. i), e 266.º, n.º 2, da CRP, na medida em que a regulação da liquidação, cobrança e pagamento do Imposto por Subscrição é cometida a Decreto-Lei do Governo, sem que seja facultada a mínima parametrização parlamentar, dessa forma se subvertendo igualmente o princípio da legalidade fiscal (o que se verifica igualmente a propósito da matéria sancionatória relativa a eventuais infrações);
J) O normativo sobre a forma de cálculo do Imposto por Subscrição relativamente ao pagamento a efetuar no ano de 2013, previsto no artigo 10.º, n.º 4, da Lei 55/2012, é também inconstitucional por grosseiras violações ao princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal ou do princípio da tutela da confiança decorrente do princípio do Estado de Direito, previstos, respetivamente, nos artigos 103.º, n.º 3, e 2.º, da CRP;
K) Em primeiro lugar, afigura-se inteiramente inconcebível que possam ser consideradas na delimitação da base de incidência factos tributários já completamente consumados aquando da entrada em vigor da norma de incidência (6 de outubro de 2012), mas é o que sucede relativamente às subscrições ativas em cada um dos primeiros 3 trimestres de 2012;
L) É ainda particularmente censurável que o mecanismo de autoliquidação instituído não permita sequer aos contribuintes limitar os efeitos da retroatividade do Imposto por Subscrição, uma vez que os obriga a considerar os 4 trimestres de 2012 no cálculo do valor a pagar, sob pena de não conseguirem efetuar qualquer autoliquidação;
M) Por outro lado, não é menos inadmissível que as regras relativas à liquidação e cobrança do Imposto por Subscrição apenas tenham sido publicadas em 24 de janeiro de 2013 e iniciado a sua vigência em 23 de fevereiro de 2013, pretendendo aplicar-se a factos ocorridos em 2012 – eufemisticamente, “apenas” considerando os dados de 2012… –, o que nem sequer permitiu aos contribuintes orçamentar o imposto em causa (desde logo porquanto as próprias regras transitórias da Lei 55/2012 se tornaram “letra morta”);
N) O Imposto por Subscrição, tendo a sua receita afeta a um propósito específico e permanente, sem qualquer causa especial de justificação nem limite temporal, viola ainda de forma evidente o princípio supralegal da proibição da consignação das receitas fiscais consagrado pela Lei de Enquadramento Orçamental;
O) De onde resulta, portanto, a ilegalidade do disposto no artigo 13.º, n.º 2, da Lei 55/2012, por violação do princípio da consignação previsto no artigo 7.º da LEO, sendo esta última uma lei de valor reforçado, tal como previsto no artigo 3.º da própria LEO e ainda no artigo 112.º da CRP;
P) Ainda que o Imposto por Subscrição constituísse uma taxa, conforme decidiu o Tribunal a quo, a sua existência e aplicação continuaria a ser inaceitável no plano constitucional;
Q) Os princípios da universalidade, igualdade e justiça na repartição dos encargos públicos, decorrentes do artigo 13.º da CRP, exigem que as taxas respeitem os princípios da equivalência e da proporcionalidade;
R) Contrariamente ao que resulta da Sentença Recorrida, não existe qualquer equivalência jurídica entre o Imposto por Subscrição e um qualquer benefício para os operadores de serviços de televisão por subscrição na medida em que não existe qualquer prestação concreta de um serviço público, qualquer utilização de um bem do domínio público ou qualquer remoção de um obstáculo jurídico à respetiva atividade;
S) A ausência de qualquer comutatividade desemboca inevitavelmente na inexistência de qualquer “causa e justificação” do Imposto por Subscrição “no serviço recebido pelo utente”, nas palavras do Tribunal Constitucional, pelo que a sua incidência afronta de modo indiscutível o princípio da equivalência;
T) E, assim sendo, é inconstitucional o normativo contido no artigo 10.º, n.º 2 e n.º 4, da Lei 55/2012, na redação e numeração em vigor na data a que se reportam os factos, por violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP, na dimensão da equivalência, quando aplicado a taxas e mesmo a contribuições financeiras;
U) Adicionalmente, é patente a violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP, e ainda como manifestação do disposto no artigo 18.º da CRP, uma vez que o Imposto por Subscrição não é adequado (atento o caráter discriminatório), nem imprescindível (podendo as suas receitas ser angariadas através dos impostos gerais) nem certamente o meio menos restritivo (onerando de forma exclusiva agentes económicos que nenhuns benefícios específicos e individualizados extraem da prossecução de uma tarefa geral do Estado), o que, uma vez mais, determina a inconstitucionalidade do normativo contido no artigo 10.º, n.º 2 e n.º 4, da Lei 55/2012;
V) No domínio do Direito Europeu, caso se procure justificar o Imposto por Subscrição como um auxílio de Estado, sempre cumprirá concluir pela respetiva ilegalidade substantiva e pelo incumprimento das regras formais relativas à respetiva aprovação pela Comissão Europeia, uma vez que a concessão de um auxílio de Estado se encontra sujeita a apreciação e autorização prévia da Comissão Europeia, a qual, no caso, não foi sequer solicitada;
W) Por fim, importa recordar que uma tributação discriminatória como aquela em que se traduz o Imposto por Subscrição viola ainda o disposto na CEDH, em articulação com o seu Primeiro Protocolo, visto que a interferência do Estado no direito de propriedade privada apenas é legítima se efetuada de forma não discriminatória e proporcional, atingindo um “justo equilíbrio” entre tal direito e os encargos tributários;
X) Sucede que o Imposto por Subscrição constitui uma interferência completamente discriminatória e não proporcional no direito de propriedade privada dos operadores de serviços de televisão por subscrição, configurando uma transferência coativa de recursos financeiros de um conjunto restrito de cinco contribuintes – claramente discriminados relativamente aos demais – em benefício do setor cinematográfico e audiovisual que, entendendo o Estado que deve promover e incentivar, deverá ser financiado pelos impostos gerais;
Y) O que determina, também, a inconstitucionalidade do disposto no artigo 10.º da Lei 55/2012, por violação artigo 1.º do Primeiro Protocolo à CEDH e, indiretamente, do princípio do primado do Direito da União Europeia, previsto no artigo 8.º, n.º 2, da CRP;
Z) Em suma, o Imposto por Subscrição é inconstitucional e ilegal, por violação de diversos princípios constitucionais, supralegais, de Direito Europeu e de direito internacional a que o Estado português se encontra vinculado, o que inquina de forma inevitável e absoluta o Despacho de Indeferimento e o ato de autoliquidação cuja anulação se peticionou;
AA) Em caso de procedência do presente recurso – o que a Recorrente legitimamente espera que venha a suceder –, a Recorrente deve ser indemnizada por todos os encargos suportados com a prestação e manutenção da garantia bancária prestada, que permitiu suspender o processo executivo, desde a data da sua emissão pelo então Banco 1... e até ao trânsito em julgado da decisão favorável a proferir nos presentes autos, em conformidade com o disposto no artigo 53.º do CPPT;
BB) Termos em que se conclui que a Sentença Recorrida, ao julgar improcedente a impugnação judicial, padece de erro de julgamento, devendo ser revogada.
Termos em que, deverá ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se a Douta Sentença recorrida, e determinando-se a anulabilidade do Despacho de Indeferimento e da autoliquidação do Imposto de Subscrição do ano de 2013, e a indemnização da Recorrente por todos os encargos suportados com a prestação e manutenção da garantia bancária para efeitos de suspensão do processo executivo associado, nos termos peticionados. Pois só assim se fará a costumada JUSTIÇA!

O recorrido Instituto do Cinema e Audiovisual, I.P. veio apresentar contra-alegações que rematou com as seguintes conclusões:

A. As presentes contra-alegações têm por objeto o recurso jurisdicional interposto pela Recorrente da sentença proferida no âmbito do Processo n.º 617/14.6BEALM, que julgou totalmente improcedente a impugnação judicial do ato de indeferimento expresso da reclamação graciosa da autoliquidação efetuada relativa à taxa anual devida por operadores de serviços de televisão por subscrição prevista na Lei n.º 55/2012, por referência ao ano de 2013.
B. A Recorrente fundamenta a sua oposição à sentença recorrida no entendimento de que “O imposto por subscrição constitui, em substância, um verdadeiro imposto e não uma taxa ou contribuição financeira, uma vez que não lhe subjaz qualquer relação sinalagmática ou comutatividade, nem mesmo difusa, inexistindo qualquer contraprestação a favor dos operadores de serviços de televisão por subscrição, nem direta e específica, nem sequer reflexa ou meramente presumida”.
C. Porém, e como resulta da análise apresentada à «taxa anual» sindicada nos presentes autos, a mesma configura contribuição financeira a favor do ICA, sendo para o efeito irrelevante a designação ou qualificação expressa adotada pelo legislador.
D. Com efeito, a «taxa anual» é uma contribuição financeira porque constitui uma contrapartida da suscetibilidade de uso pelos operadores de televisão por subscrição de conteúdos cinematográficos e audiovisuais criados e produzidos através dos programas de apoio e medidas de apoio financiados pela cobrança de taxas, incluindo, a «taxa anual».
E. Pelo que, consistindo a atividade dos prestadores do serviço de distribuição de televisão por subscrição na transmissão e retransmissão de informação, compreendendo, nomeadamente, a difusão de emissões de televisão (e de radiodifusão sonoras), próprias e de terceiros, codificadas ou não, essa atividade só existe se a montante existirem conteúdos disponíveis para serem transmitidos.
F. É com base no que antecede que se pode afirmar que as prestações administrativas realizadas pelo ICA (apoio ao desenvolvimento e criação de conteúdos cinematográficos e audiovisuais) beneficiam, ainda que de modo presumido, a atividade dos operadores de televisão de subscrição na medida em que beneficiam da garantia da existência de conteúdos dos quais depende a sua atividade.
G. Ora, precisamente por se tratar de uma contribuição financeira, ou seja, voltada à compensação de prestações de que o sujeito passivo apenas é presumido causador ou beneficiário, o custo ou benefício é reportado ao grupo em que o sujeito passivo se integra (equivalência de grupo).
H. No caso, o grupo é constituído pelos operadores de televisão por subscrição cujo benefício consiste precisamente na garantia da existência de conteúdos cinematográficos ou audiovisuais disponíveis para transmissão.
I. Nesse sentido, pode afirmar-se com segurança que a «taxa anual» configura, assim, a contrapartida de uma prestação administrativa - que visa o desenvolvimento e proteção da arte do cinema e das atividades cinematográficas e audiovisuais - presumivelmente aproveitada por um determinado grupo homogéneo de sujeitos passivos - os operadores de serviços de televisão por subscrição.
J. Ademais, o ICA ao receber a «taxa anual», fá-lo no âmbito da gestão do setor cinematográfico e audiovisual, permitindo-lhe prosseguir as atribuições que lhe foram confiadas pelo Ministério da Cultura.
K. Sendo inequívoco que a taxa sindicada constituiu uma receita que é consignada à satisfação de despesas públicas na área da cultura, decorrentes da prossecução das atribuições do ICA (cf. artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 79/2012 e artigo 13.º da Lei n.º 55/2012).
L. Concluindo-se que a «taxa anual» é uma verdadeira contribuição financeira», e não um imposto, então, a mesma não se encontra sob o domínio de incidência do artigo 103.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, mostrando-se prejudicada a análise dos argumentos invocados pela Recorrente com vista a sustentar a inconstitucionalidade material das normas em que se sustenta o tributo, por violação dos princípios constitucionais materiais relativos à configuração dos impostos, em concreto, violação dos princípios da universalidade, igualdade, tributação do rendimento real e justiça tributária.
M. Ainda assim, e no que respeita à alegada inconstitucionalidade por violação do princípio da reserva de lei na criação de impostos, a mesma é igualmente improcedente.
N. Com efeito, na medida em que a «taxa anual» configura uma contribuição financeira, por força do disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, apenas se inscreve na reserva de competência legislativa da Assembleia da República o respetivo regime geral.
O. E, por apenas se inscrever na reserva legislativa da Assembleia da República o regime geral das taxas devidas às entidades públicas, o Governo pode legislar sobre o regime particular de cada uma dessas taxas sem necessidade de autorização legislativa, incluindo sobre a «taxa anual».
P. Também no que respeita à alegada violação do princípio supralegal da proibição da consignação de receitas fiscais, uma vez mais, deve esta alegação ser julgada totalmente improcedente.
Q. Qualificando-se a «taxa anual» como uma contribuição, a consignação de receitas à entidade competente (no caso, ao ICA) para financiar as prestações subjacentes aos tributos que as geram é legalmente admissível, sendo aliás, uma qualidade reveladora da natureza comutativa destes tributos, por tal consignação significar que a receita não pode ser desviada para o financiamento de despesas públicas gerais.
R. No caso, a receita proveniente da «taxa anual» encontra-se totalmente consignada ao financiamento da atividade promovida pelo ICA no âmbito das suas atribuições legais, não podendo ser desviada para o financiamento de despesas públicas gerais.
S. Sendo que a contribuição financeira sindicada se mostra compatível com os princípios estruturantes do sistema fiscal que fundamentam a proibição da retroatividade da lei fiscal, em particular com os princípios da segurança jurídica e da tutela da confiança, ambos decorrentes do artigo 2.º da Constituição.
T. Por fim, e quanto à alegada violação do princípio da equivalência e da proporcionalidade quando aplicado a taxas (em sentido próprio), e como já explicado, cada um dos operadores de televisão por subscrição, enquanto sujeitos passivos da «taxa anual», aproveita, ainda que presumivelmente, da prestação pública desenvolvida pelo ICA, ou seja, a produção e desenvolvimento de conteúdos cinematográficos e audiovisuais que lhes permite desenvolver a sua atividade de transmissão de conteúdos.
U. No caso, e demonstrada que está a vantagem da «taxa anual» para o grupo dos operadores de televisão por subscrição onde se incluiu a Recorrente, qualquer indício de desigualdade é afastado quando se constata que a «taxa anual» é diferenciada em função do número de subscritores que cada um desses operadores tenha em cada ano civil.
V. É precisamente essa diferenciação que anula a imposição de um encargo à generalidade dos contribuintes, e ajustando a base de incidência em função dos diferentes grupos de sujeitos passivos do tributo, não é, ao contrário do que sustenta a Recorrente, indício de desigualdade, mas, antes, de delimitação da base de incidência em função da presumida contraprestação.
W. Adicionalmente, a Recorrente vem ainda invocar que o Imposto por Subscrição deve ser entendido como um auxílio de Estado na aceção do artigo 107.º do TFUE, entendimento esse deve ser julgado totalmente improcedente.
X. Destaque-se que é a própria legislação europeia que reconhece a necessidade de impor aos organismos com funções similares ao ICA, existentes nos diversos Estados-Membros, a obrigação de financiar a promoção e divulgação de obras cinematográficas de produção ou coprodução “nacionais, precisamente pelo facto de o direito europeu reconhecer o papel que as obras cinematográficas desempenham na formação das identidades europeias e na sua qualificação como “bens económicos, que oferecem possibilidades importantes em termos de criação de riqueza e de emprego, e bens culturais, que refletem e moldam as nossas sociedades.” (cf. parágrafo 1 da Comunicação 2013).
Y. Ademais, estes regimes de financiamento são considerados compatíveis com o Tratado e conformes ao artigo 107.º, n.º 3, alínea d), do TFUE tendo a Comissão definido os critérios de aferição dessa conformidade, encontrando-se os mesmos plenamente cumpridos na Lei n.º 55/2012.
Z. Finalmente, e quanto à alegada violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, é falso que a Recorrente não beneficie, ainda que de modo presumido, da atividade desenvolvida pelo Recorrido no âmbito das suas funções institucionais, improcedendo a qualificação da «taxa anual» como uma interferência discriminatória e não proporcional no direito de propriedade da Recorrente.
Termos em que deverá ser negado provimento ao recurso nos termos peticionados, mantendo-se a Douta Sentença Recorrida.

Neste Supremo Tribunal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos do art. 146.º, n.º 1, do CPTA, pronunciou-se no sentido de ser negado provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação:

1.Âmbito do recurso
Vem o presente recurso interposto da sentença, de 20/2/2023, do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, a qual julgou improcedente a impugnação judicial apresentada pela ora recorrente, tendo por objecto o indeferimento expresso da reclamação graciosa da autoliquidação efectuada, relativa à taxa anual devida, ao Instituto do Cinema e do Audiovisual IP, por operadores de serviços de televisão por subscrição prevista na Lei nº 55/2012, de 6/9.
O Instituto do Cinema e do Audiovisual IP (ICA) apresentou contra-alegações de recurso.
Cumpre emitir parecer sobre as questões colocadas pela recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações.
2-Apreciação
Nos autos, encontra-se em causa a taxa a que se refere o nº 2, do art. 10º, da Lei nº 55/2012, de 6/9, o qual tem a seguinte redacção:
“Os operadores de serviços de televisão por subscrição encontram-se sujeitos ao pagamento de uma taxa anual de três euros e cinquenta cêntimos por cada subscrição de acesso a serviços de televisão, a qual constitui um encargo dos operadores”.
Operador de serviços de televisão por subscrição é “a pessoa coletiva que fornece, no território nacional, acesso a serviços de programas televisivos, através de qualquer plataforma, terminal ou tecnologia, mediante uma obrigação contratual condicionada a uma assinatura ou a qualquer outra forma de autorização prévia individual, que implique um pagamento por parte do utilizador final pela prestação do serviço, seja ele prestado numa oferta individual ou numa oferta agregada com outros serviços de comunicações eletrónicas, independentemente do tipo de equipamento usado para usufruir dos serviços, e ainda que a oferta comercial global induza à interpretação de que o serviço de televisão é prestado gratuitamente”, al. o), do art. 2º, da Lei 55/2012.
A taxa em análise nos autos é relativa ao ano de 2013.
A recorrente, ao contrário do recorrido e do Tribunal a quo, defende que o tributo em causa (taxa anual) tem a natureza de imposto e, nessa medida, imputa-lhe um conjunto de vícios cuja apreciação depende em exclusivo da qualificação jurídica que venha a ser adoptada.
A posição da recorrente, à qual não aderimos, encontra-se sustentada com inegável brilho jurídico e encontra amparo em parecer subscrito pelo Ex.mº Professor Gomes Canotilho, junto aos autos.
Em termos substanciais, o Ministério Público adere aos fundamentos da sentença em recurso e concorda com o contra-alegado pelo recorrido.
Relativamente à natureza jurídica do tributo ora em análise não encontramos jurisprudência dos Tribunais Superiores, nem do Tribunal Constitucional, que se tenha pronunciado sobre tal matéria em concreto.
Defende a recorrente (al. C) das conclusões de recurso) o seguinte:
“O Imposto por Subscrição constitui, em substância, um verdadeiro imposto e não uma taxa ou contribuição financeira, uma vez que não lhe subjaz qualquer relação sinalagmática ou comutatividade, nem mesmo difusa, inexistindo qualquer contraprestação a favor dos operadores de serviços de televisão por subscrição (e da ora Recorrente em particular), nem direta e específica, nem sequer reflexa ou meramente presumida”.
O produto da «taxa anual»» prevista no artigo 10.º, n.º 2 da Lei n.º 55/2012, constitui, na sua totalidade, receita própria do ICA, e a totalidade dessa receita destina-se, na proporção de 80%, ao apoio à arte cinematográfica e, na proporção de 20%, ao apoio à produção audiovisual e multimédia.
O recorrido é um instituto público integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio, tutelado pelo Secretário de Estado da Cultura, tendo por missão apoiar o desenvolvimento das actividades cinematográficas e audiovisuais, art. 1.º, do Dec. Lei n.º 79/2012, de 27/3.
A Lei n.º 55/2012 viria a estabelecer os “princípios de ação do Estado no quadro do fomento, desenvolvimento e proteção da arte do cinema e das atividades cinematográficas e audiovisuais”, art. 1º.
Consagrando-se, entre outros, o “apoio à criação, produção, distribuição, exibição, difusão e promoção de obras cinematográficas e audiovisuais enquanto instrumentos de expressão da diversidade cultural, afirmação da identidade nacional, promoção da língua e valorização da imagem de Portugal no mundo, em especial no que respeita ao aprofundamento das relações com países de língua oficial portuguesa”, art. 3.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma legal.
Bem como o “incentivo à criação, produção, distribuição, exibição, difusão e edição de obras cinematográficas e audiovisuais nacionais, nomeadamente através de medidas de apoio e de incentivo”, art. 3.º, n.º 2, alínea a).
As medidas de incentivo ao sector do cinema e do audiovisual são financiadas por meio da cobrança de taxas e do estabelecimento de obrigações de investimento, art. 9.º.
Uma das taxas concebidas para financiar o sector do cinema e do audiovisual foi a «taxa anual» prevista no art. 10.º, n.º 2 da Lei n.º 55/2012.
O imposto é uma prestação pecuniária, coactiva e unilateral com vista à realização de fins públicos.
O Tribunal Constitucional recortou o conceito de imposto nos seguintes termos: “Assim, pode dizer-se que o imposto consiste numa contribuição imposta pelo poder público a todos ou a uma certa categoria de pessoas, destinada a financiar o Estado e as funções públicas em geral. Trata-se de uma prestação pecuniária unilateral, uma vez que não tem como contrapartida uma qualquer contraprestação específica atribuída ao contribuinte por parte do Estado, mas apenas a contrapartida genérica do funcionamento dos serviços estaduais”, Ac. nº 80/2014, de 22/1/2014.
A definição de taxas poderá fazer-se pelo confronto com o conceito de impostos.
Nos impostos prevalece a característica da unilateralidade, nas taxas e contribuições financeiras, a característica dominante é a da bilateralidade (individual nas taxas e grupal nas contribuições financeiras).
“As taxas assentam na prestação concreta de um serviço público, na utilização de um bem do domínio público ou na remoção de um obstáculo jurídico ao comportamento dos particulares”, nº 2, do art. 4º, da LGT.
A taxa é uma prestação pecuniária devida a uma entidade que exerça funções públicas em contrapartida de uma prestação dessa entidade, provocada ou utilizada pelo sujeito passivo.
As contribuições financeiras, que se poderão qualificar como taxas colectivas, surgiram na revisão constitucional de 1997, porque, no universo dos tributos parafiscais encontravam-se realidades que, não podendo considerar-se taxas, correspondiam a contribuições criadas para e a favor de determinadas entidades públicas, de forma a assegurar o seu financiamento e a manutenção das possibilidades de exercício das suas funções.
“contrariamente ao que sucede com as taxas, no caso das contribuições financeiras a estrutura bilateral subjacente caracteriza-se por uma tendencial impossibilidade de aferição casuística em relação ao beneficio proveniente de uma determinada prestação pública, já que cada tipo de contribuição financeira é caracterizado por um nexo relacional complexo ou derivado, constituído com base no tipo de relação grupal existente, assim como pela natureza dos serviços ou utilidades públicas que, sendo pois de base grupal e presumida, derivadamente se tornam imputáveis a cada sujeito passivo.
Como tal, o elemento distintivo das contribuições financeiras é a existência de um grupo determinado e facilmente diferenciável, de tal forma que entre uma utilização efetiva e uma utilização presumida, acaba por ser sobre o segundo tipo de utilização que é delimitado o facto tributário de cada uma das contribuições financeiras – embora não sem antes determinada a existência de uma real prestação incidente sobre aquele mesmo grupo, capaz de fazer gerar benefícios”, Filipe de Vasconcelos Fernandes, As “Demais Contribuições Financeiras a Favor das Entidades Públicas” e a Jurisprudência do Tribunal Constitucional, AAFDL Editora, Lisboa 2022, pp. 61.
“II - Ao contrário dos impostos e, mesmo, das contribuições especiais, as contribuições financeiras têm como finalidade compensar prestações administrativas e realizadas, de que o sujeito passivo seja presumidamente beneficiário. O elemento distintivo mais saliente das contribuições financeiras face aos impostos é a finalidade compensatória a que se dirigem.
III - A distinção entre as contribuições e as taxas assenta essencialmente na circunstância de aquelas não se dirigirem à compensação de prestações efectivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas, à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica”, Ac. do STA de 26/9/2018, proc. nº 0392/13.
Como refere a recorrida, citando o Ac. do Tribunal Constitucional nº 363/2019, de 19/6/2019, “A característica estruturante das contribuições financeiras é, á semelhança das taxas, a sua bilateralidade, porém “(…) não se dirigem à compensação de prestações efetivamente provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, mas à compensação de prestações que apenas presumivelmente são provocadas ou aproveitadas pelo sujeito passivo, correspondendo a uma relação de bilateralidade genérica. Preenchem esse requisito as situações em que a prestação poderá beneficiar potencialmente um grupo homogéneo ou um conjunto diferenciável de destinatários e aquelas em que a responsabilidade pelo financiamento de uma tarefa administrativa é imputável a um determinado grupo que mantém alguma proximidade com as finalidades que através dessa actividade se pretendem atingir”.
A sentença recorrida referindo que a Lei nº 55/2012 “estabelece uma política pública do cinema e do audiovisual português, criando um modelo de financiamento capaz de garantir a estabilidade do sector e assegurar meio de promoção, divulgação e produção de obras cinematográficas e audiovisuais em língua portuguesa.
As taxas por ela criadas recaem sobre os operadores e têm como propósito o acima referido, ou seja, financiar o sector e assegurar meios de promoção, produção e divulgação daquelas obras.
Com estas taxas os operadores de televisão custeiam os produtores daquele tipo de obras através duma transferência de recursos privados. Elas possuem como uma das suas características serem devidas independentemente dos lucros auferidos pelos operadores.
Estamos perante uma taxa anual que incide exclusivamente sobre os operadores de serviços de televisão e é calculada por subscrição, sendo o seu montante de € 3,50 por cada subscrição”, conclui que o tributo em causa não tem a natureza jurídica de imposto mas sim de taxa.
Aquela sentença concluindo que aquele tributo tem a natureza de taxa, fundamenta-se na seguinte ordem de razões:
“Na verdade, o tributo aqui em causa tem um fim concreto de beneficiar as produções nacionais, sejam elas cinematográficas, de multimédia ou audiovisual, das quais a impugnante beneficia pois tem acessos a mais e melhores conteúdos para exigir nos canais que disponibiliza aos seus clientes.
De facto, quando o ICA apoia a produção daquelas criações está, necessariamente, a potenciar uma maior produção dos mesmos e com isso dá maior leque de opções à impugnante e suas congéneres.
Concluímos, deste modo, que existe uma relação sinalagmática entre a taxa e os serviços prestados pela impugnada, pelo que não estamos perante num imposto, mas sim uma taxa”.
Concordamos com a sentença recorrida ao decidir que o tributo em causa não tem a natureza de imposto.
Divergimos daquela sentença na parte em que decidiu que aquele tributo tem a natureza de taxa.
Afigura-se-nos, salvo melhor entendimento, que o tributo em análise tem a natureza de uma contribuição financeira.
A «taxa anual» não visa financiar as despesas públicas em geral e tem como sujeitos passivos um grupo concretamente definido, os operadores de serviços de televisão por subscrição, ao qual estão presumivelmente associados custos e benefícios comuns.
Aquela taxa anual é uma contribuição financeira, constituindo uma contrapartida pela susceptibilidade de uso pelos operadores de televisão por subscrição de conteúdos cinematográficos e audiovisuais criados e produzidos através dos programas de apoio e medidas de apoio financiados pela cobrança de taxas.
A actividade dos operadores do serviço de distribuição de serviços de televisão por subscrição inclui a difusão de emissões de televisão, próprias ou de terceiros.
A actividade daqueles operadores só existe se a montante existirem conteúdos disponíveis para serem transmitidos.
Numa situação de inexistência de conteúdos, entre os quais se encontram as obras cinematográficas ou audiovisuais, incluindo as que são desenvolvidas e produzidas através dos apoios previstos na Lei n.º 55/2012, a actividade dos operadores de televisão por subscrição mostrar-se inviabilizada.
Refere a recorrente que aqueles operadores não escolhem os conteúdos dos canais de televisão que por si são transmitidos; porém, se esses canais de televisão não dispuserem de conteúdos, incluindo os conteúdos cinematográficos e audiovisuais então, passam a ser os próprios operadores de televisão por subscrição que deixam de dispor de canais que possam distribuir ao público.
Existe uma relação de dependência dos operadores de televisão por subscrição relativamente à existência de conteúdos, entre os quais se incluem os conteúdos cinematográficos e audiovisuais que são criados e desenvolvidos com os apoios financeiros do ICA.
Improcede o entendimento defendido pela recorrente segundo o qual os operadores de televisão por subscrição não extraem, nem sequer de forma reflexa ou presumida, qualquer benefício da actividade desenvolvida pelo ICA.
Assim, fica prejudicada a análise dos fundamentos invocados pela recorrente com vista a sustentar a inconstitucionalidade material das normas em que se sustenta o tributo, por violação dos princípios constitucionais materiais relativos à configuração dos impostos, em concreto, violação dos princípios da universalidade, igualdade, tributação do rendimento real e justiça tributária.
Invoca a recorrente a inconstitucionalidade do tributo por violar o princípio da não retroactividade da lei fiscal ou do princípio da tutela da confiança decorrente do princípio do Estado de Direito, previstos, respectivamente, nos artigos 103.º, n.º 3, e 2.º, da CRP.
Nesta sede, por se concordar com a respectiva fundamentação aderimos à posição vertida na sentença recorrida, bem como às considerações tecidas nas contra-alegações.
Vem alegada a violação do princípio da não consignação de receitas consagrado pela Lei de Enquadramento Orçamental.
Tal questão não foi objecto de análise e decisão na sentença recorrida. Por tal motivo, tal questão não poderá ser conhecida nesta sede.
“I - Os recursos no ordenamento jurídico português visam o reexame, por parte do tribunal superior, de questões precedentemente resolvidas pelo tribunal a quo, e não a pronúncia por parte do tribunal ad quem sobre questões novas, ou seja, visam, em regra, a modificação de decisões do tribunal a quo e não criar decisões que não tenham sido objecto da decisão recorrida, só assim não sendo quando a própria lei estabeleça uma excepção a essa regra ou quando está em causa matéria de conhecimento oficioso.
II - Se o legislador não consagrou quanto à questão colocada em recurso essa excepção e o novo fundamento invocado tendo em vista a revogação da sentença recorrida não é de conhecimento oficioso, está legalmente vedado ao tribunal ad quem conhecer e decidir essa questão”, Ac. do STA de 9/11/2022 proc. nº 045/13, no mesmo sentido Ac. do STA de 13/3/2013, proc. nº 836/12, Ac. do STA de 28/11/2012, proc. nº 0598/12, Ac. do STA de 27/6/2012, proc. nº 0218/12, Ac. do STA de 25/1/2012, proc. 012/12.
Invoca ainda a recorrente, como fundamento de recurso, que o tributo, objecto dos autos, viola normas de Direito Europeu por dever ser entendido como um auxílio de Estado, na acepção do disposto 107.º do Tratado da sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”).
Tal entendimento não foi sufragado na sentença recorrida, com cuja fundamentação se concorda, e que aqui se dá por reproduzida nessa parte.
A mesma matéria foi objecto de ampla análise, em sede de contra-alegações (arts. 127 a 143), que, igualmente, aqui se dão por reproduzidos, por se concordar na íntegra com a respectiva fundamentação.
Finalmente, vem alegada a violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem na medida em que a tributação em análise é insustentável e aplicada de forma discriminatória.
Pelas razões referidas em sede de sentença e complementadas pelas considerações tecidas nas contra-alegações não ocorre a invocada violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
3-Conclusão: Nestes termos, emite-se parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso interposto.

Notificada do Parecer supra, a recorrente veio expor e requerer o seguinte:

1. O Parecer sob resposta foi emitido pelo Digno Magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal na sequência do recurso interposto pela Impugnante, ora Recorrente, em 29 de março de 2023.
2. No Douto Parecer proferido em 10 de junho de 2023, o Digno Magistrado do Ministério Público vem pronunciar-se no sentido de dever ser negado provimento ao recurso, pugnando, dessa forma, pela manutenção da sentença recorrida e da autoliquidação mediatamente impugnada, na ordem jurídica.
3. Para tanto, o Digno Magistrado do Ministério Público adere aos fundamentos da sentença recorrida e aos argumentos apresentados nas contra-alegações do Recorrido, nos seguintes termos:
(i) Recusa a qualificação do tributo em apreço como um imposto, divergindo da sentença recorrida e das contra-alegações do Recorrido apenas por considerar que o tributo não tem a natureza de taxa, mas antes de contribuição financeira;
(ii) Entende que fica prejudicada a análise dos fundamentos relativos à inconstitucionalidade material das normas em que se sustenta o tributo, por violação dos princípios constitucionais relativos à configuração dos impostos (i.e., universalidade, igualdade, tributação do rendimento real e justiça tributária);
(iii) Considera que não existe qualquer violação dos princípios da não retroatividade e da tutela da confiança;
(iv) Entende que a questão da violação do princípio da não consignação de receitas não pode ser analisada por este Supremo Tribunal, por não ter sido objeto de análise e decisão na sentença recorrida;
(v) Recusa a qualificação do tributo como um auxílio de Estado e pronuncia-se no sentido da inexistência de uma violação do Direito da União Europeia;
(vi) Entende que não existe qualquer violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem (“CEDH”).
4. Verifica, assim, a Impugnante, ora Recorrente, que o Digno Magistrado do Ministério Público invoca questões que obstam ao conhecimento de (parte do) recurso, do mesmo modo que verifica que as conclusões vertidas no Parecer partem de um enquadramento legal e factual que não se afigura totalmente correto,
5. Razão pela qual, ressalvado o devido respeito, entende que não pode deixar de responder ao mesmo.
Vejamos então.
II. Dos fundamentos do Parecer
a. Da natureza da Imposto por Subscrição
6. A propósito da qualificação do Imposto por Subscrição, o Digno Magistrado do Ministério Público afirma, em síntese, o seguinte:
“Aquela taxa anual é uma contribuição financeira, constituindo uma contrapartida pela susceptibilidade de uso pelos operadores de televisão por subscrição de conteúdos cinematográficos e audiovisuais criados e produzidos através dos programas de apoio e medidas de apoio financiados pela cobrança de taxas.
A actividade dos operadores do serviço de distribuição de serviços de televisão por subscrição inclui a difusão de emissões de televisão, próprias ou de terceiros.
A actividade daqueles operadores só existe se a montante existirem conteúdos disponíveis para serem transmitidos.
Numa situação de inexistência de conteúdos, entre os quais se encontram as obras cinematográficas ou audiovisuais, incluindo as que são desenvolvidas e produzidas através dos apoios previstos na Lei n.º 55/2012, a actividade dos operadores de televisão por subscrição mostrar-se inviabilizada.
Refere a recorrente que aqueles operadores não escolhem os conteúdos dos canais de televisão que por si são transmitidos; porém, se esses canais de televisão não dispuserem de conteúdos, incluindo os conteúdos cinematográficos e audiovisuais então, passam a ser os próprios operadores de televisão por subscrição que deixam de dispor de canais que possam distribuir ao público.
Existe uma relação de dependência dos operadores de televisão por subscrição relativamente à existência de conteúdos, entre os quais se incluem os conteúdos cinematográficos e audiovisuais que são criados e desenvolvidos com os apoios financeiros do ICA.
Improcede o entendimento defendido pela recorrente segundo o qual os operadores de televisão por subscrição não extraem, nem sequer de forma reflexa ou presumida, qualquer benefício da actividade desenvolvida pelo ICA.” (cf. pp. 7 e 8 do Parecer, sublinhado da Recorrente)
7. Diferentemente, a Impugnante e Recorrente entende que o Imposto por Subscrição tem a natureza de imposto, pelos fundamentos expostos nos pontos 22. a 148. das alegações de recurso, para os quais se remete, por brevidade de exposição.
8. Em todo o caso, importa reiterar que, relativamente ao Imposto por Subscrição, os operadores encontram-se obrigados a pagar um tributo – e não apenas a recolhê-lo, mas a suportá-lo efetivamente, pois que tal como referido a lei vai ao ponto de estipular que a taxa “constitui um encargo dos operadores” – sem que seja possível identificar, qualquer aproveitamento ou utilização, diretos ou indiretos, específicos ou em conjunto, imediatos ou reflexos, de qualquer bem ou serviço público associados ao Imposto por Subscrição.
9. Conforme foi referido supra, no Parecer, o Digno Magistrado do Ministério Público entende que o Imposto por Subscrição constitui “uma contrapartida pela susceptibilidade de uso pelos operadores de televisão por subscrição de conteúdos cinematográficos e audiovisuais criados e produzidos através dos programas de apoio e medidas de apoio financiados pela cobrança de taxas.” (cf. p. 7 do Parecer)
10. Ora, evidentemente, não pode a Recorrente senão refutar esta conclusão, se com ela se pretender afirmar que o ICA é um promotor de conteúdos em benefício dos operadores, quando, como é consabido, os mesmos apenas disponibilizam o acesso a canais de televisão, sendo absolutamente alheios aos conteúdos que, em concreto, cada canal opta por difundir.
11. Na verdade, como é do conhecimento público, são os canais de televisão que determinam, unilateralmente, os conteúdos que difundem,
12. Conteúdos esses que, nuns casos, são produzidos pelos mesmos (por exemplo, no caso dos programas de entretenimento), ou cujos direitos de emissão são adquiridos a terceiros (por exemplo, no caso dos filmes).
13. Para admitir que o Imposto por Subscrição é uma contribuição financeira, e não um imposto, seria necessário demonstrar em que medida é que os conteúdos produzidos com auxílio – rectius, o subsídio – do ICA implicam a provocação ou aproveitamento de uma prestação pública, que se possam dizer “seguros quanto a determinado grupo”, mesmo que “apenas prováveis quando referidos ao indivíduo que o integra” (Sérgio Vasques, O Princípio da Equivalência como Critério de Igualdade Tributária, Almedina, 2008, pág. 248.).
14. Mas não é isso que sucede, dado que o Digno Magistrado do Ministério Público e, na verdade, também o Tribunal a quo, se limitam a presumir que esse aproveitamento existe.
15. Seria interessante, aliás, que o Recorrido identificasse o número de produções apoiadas que são, efetivamente, difundidas pelos canais de televisão a que os subscritores dos serviços da Recorrente têm acesso…
16. Infelizmente, essa informação não se encontra coligida, e acaba por não ser possível demonstrar, numericamente, que a serem difundidos nos canais de televisão que a Recorrente disponibiliza – o que se questiona – os conteúdos cuja produção foi apoiada pelo ICA corresponderão a uma ínfima parte dos conteúdos totais, disponibilizados aos Clientes da Recorrente.
17. Simplisticamente, a tese sufragada pelo Digno Magistrado do Ministério Público assenta, sem qualquer justificação palpável, na premissa de que o apoio que o ICA pretende dar à produção cinematográfica é “uma coisa boa” para a sociedade em geral, e para os operadores de serviços de comunicações eletrónicas em particular.
18. Contudo, no entender da Recorrente, não assiste aos operadores de serviços de televisão por subscrição qualquer contrapartida, nem sequer potencial ou presumida, decorrente da atividade do ICA, que possa justificar o lançamento do Imposto por Subscrição.
19. Conforme resulta do artigo 9.º da Lei n.º 55/2012, o Imposto por Subscrição tem por objetivo financiar os incentivos e apoios à atividade cinematográfica e audiovisual, o que constitui um dever geral do Estado.
20. E é, precisamente, para cumprimento destes deveres gerais que o sistema fiscal – mormente, através da liquidação e cobrança de impostos – se encontra estruturado, configurando assim “um instrumento normal de política económica” (J. J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, Vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, p. 1090.).
21. E se dúvidas persistissem, as mesmas seriam certamente ultrapassadas com a análise dos fins a que se encontra afeta a receita do Imposto por Subscrição.
22. Com efeito, os operadores de serviços de televisão por subscrição são obrigados a pagar e suportar economicamente um tributo que se destina a acudir aos encargos de funcionamento e à prossecução das atribuições de um instituto público que tem por fim, como se viu, “apoiar o desenvolvimento das atividades cinematográficas e audiovisuais”.
23. Ou seja, os operadores de serviços de televisão por subscrição são convocados, de forma específica e direta enquanto grupo autonomizado face às demais empresas e cidadãos em geral, (i) para financiar o funcionamento de um instituto público cuja atividade lhes é completa e absolutamente alheia, bem como (ii) para muni-lo dos meios financeiros necessários para apoiar autores/criadores, produtores, distribuidores e exibidores de obras cinematográficas e audiovisuais.
24. Assim, não existe qualquer sinalagma difuso relativo a um aproveitamento meramente presumido, ou reflexo, de bens ou serviços públicos por parte dos operadores de serviços de televisão por subscrição enquanto conjunto homogéneo de contribuintes, que pudesse configurar o tributo em causa como “contribuição financeira”.
25. Nenhuma comutatividade, nem sequer difusa, pode aqui ser surpreendida, pois a atividade do ICA para os operadores de serviços de televisão por subscrição é, factualmente, irrelevante.
26. Com efeito, o ICA não exerce quaisquer funções de que os operadores de serviços de televisão por subscrição possam beneficiar, ainda que presumível, potencial ou reflexamente, porquanto o ICA não supervisiona a atividade dos operadores de serviços de televisão por subscrição,
27. Não regula os conteúdos disponibilizados no âmbito dos serviços de televisão por subscrição,
28. Nem, por seu turno, dispõe de quaisquer competências no âmbito das comunicações eletrónicas e respetivas plataformas através das quais tais serviços são prestados aos consumidores.
29. Contrariamente ao avançado no Parecer do Digno Magistrado do Ministério Público, nem a atuação do ICA é relevante para a atividade dos operadores de serviços de televisão por subscrição, nem esta última é causa ou condição daquela.
30. E não se compreende em que medida é que se pode admitir que um serviço de comunicações eletrónicas beneficia de forma específica, ainda que reflexa ou presumida, da atividade do ICA, nem tão pouco de que forma é que a afeta ou prejudica.
31. Os operadores de serviços de televisão por subscrição são meros distribuidores de televisão através dos seus sistemas de comunicações eletrónicas, não produzindo nem revendendo conteúdos, sejam cinematográficos ou audiovisuais.
32. Mais: conforme se sublinhou, os operadores não podem, sequer, escolher os conteúdos concretamente difundidos pelos diferentes canais, pelo que não se compreende sequer de onde decorre a asserção de que existe “uma relação de dependência dos operadores de televisão por subscrição relativamente à existência de conteúdos, entre os quais se incluem os conteúdos cinematográficos e audiovisuais que são criados e desenvolvidos com os apoios financeiros do ICA.” (cf. p. 8 do Parecer)
33. A afirmação de que “A actividade daqueles operadores só existe se a montante existirem conteúdos disponíveis para serem transmitidos” é, factualmente, correta,
34. Mas ela presume que os operadores dispõem de conteúdos para transmitir porque o ICA apoia o desenvolvimento das atividades cinematográficas e audiovisuais… o que não é verdade!
35. Não será por demais recordar que o ICA apenas foi criado pelo Decreto-Lei n.º 95/2007, de 29 de março, tendo a sua estrutura orgânica e os respetivos Estatutos sido aprovados pela Portaria n.º 375/2007, de 30 de março,
36. Ao passo que os serviços de televisão por cabo tiveram uma maior penetração no mercado Português nos anos 90, o que certamente não teria sucedido se, já nessa data, tivessem poucos ou nenhuns conteúdos para disponibilizar aos seus Clientes…
37. Na verdade, não só a atividade da Recorrente não se limita à distribuição de televisão por subscrição (abrangendo igualmente serviços de acesso a redes de dados (Internet) e telefone), como a Recorrente não se encontra exclusiva nem sequer primordialmente dependente das obras cinematográficas ou audiovisuais desenvolvidas e produzidas através dos apoios previstos na Lei n.º 55/2012.
38. Bem pelo contrário: não existe qualquer relação de dependência dos operadores de televisão por subscrição relativamente às obras cinematográficas ou audiovisuais desenvolvidas e produzidas através dos apoios previstos na Lei n.º 55/2012.
39. A isto acresce que a Recorrente atua enquanto mero “operador de distribuição” (na aceção da Lei n.º 27/2007, de 30 de julho), não desenvolvendo atividades de produção e de fornecimento de conteúdos (ao contrário do que sucede no caso de grupos que integram não apenas distribuidores de televisão como também entidades que produzem conteúdos), nem dispondo de qualquer serviço de programas televisivo através do qual possa difundir as obras de produção cinematográfica e audiovisual que eventualmente apoie.
40. Como tal, não pode beneficiar minimamente do Imposto por Subscrição que lhe é exigido, daí se distinguindo dos “operadores de televisão” e dos produtores de conteúdos, que revendem os conteúdos que são chamados a financiar.
41. Como os conteúdos financiados acabam por ser integrados em serviços de programas televisivos fornecidos pelos operadores de televisão (e meramente distribuídos pela Recorrente), na realidade a Recorrente acaba por pagar duas vezes pela atividade do ICA – porquanto é evidente que os encargos incidentes sobre os operadores de televisão ao abrigo da Lei n.º 55/2012 acabam por integrar o preço do acesso aos programas televisivos que a Recorrente tem de pagar.
42. Perante todo o exposto, necessariamente se conclui que os operadores de serviços de televisão por subscrição não extraem, nem sequer de forma reflexa ou presumida, qualquer benefício da atividade desenvolvida pelo ICA.
43. Os eventuais efeitos positivos resultantes desta atividade do ICA podem beneficiar, outrossim, toda a sociedade, de forma genérica e difusa.
44. Com efeito, todos os setores, para não dizer a generalidade dos cidadãos, beneficiam possivelmente – mas de forma genérica, por se tratar de bens públicos (Entendendo-se, para este efeito, que o bem público é aquele (i) cuja apropriação não depende de nenhum esforço por parte do consumidor ou administrado, (ii) que não permite privar ninguém da sua utilização, e que (iii) não é emulativo, no sentido em que os respetivos utilizadores não entram em concorrência para lograrem assegurar a respetiva utilização. Vd. Maria d’Oliveira Martins, Lições de Finanças Públicas e Direito Financeiro, 3.ª Edição, Almedina, 2013, pág. 25.) – da proteção e valorização do património cultural do povo português e da promoção e difusão da língua portuguesa de que, no fundo, a promoção da atividade cinematográfica e audiovisual constitui uma concretização.
45. A não se entender assim, tornar-se-ia legítimo criar supostas contribuições financeiras destinadas a acorrer às necessidades de financiamento geral do Estado afetando-as a algumas das respetivas tarefas fundamentais e fazendo-as incidir sobre os cidadãos e setores que apresentassem um qualquer – remoto, indireto e mediato – elemento de conexão com as mesmas.
46. De forma transparente, o Imposto por Subscrição assume-se como um dos meios de financiamento das medidas de incentivo e apoio à arte cinematográfica e ao setor audiovisual, independentemente (i) dos encargos incorridos pelo ICA especificamente relativos aos operadores de serviços de televisão por subscrição (encargos esses que são nenhuns), e (ii) dos benefícios obtidos especificamente pelos operadores de serviços de televisão por subscrição da atividade do ICA (benefícios esses que nenhuns são).
47. Em face de todo o exposto, necessariamente se conclui que o Imposto por Subscrição se qualifica como um imposto e não como uma taxa ou uma contribuição financeira.
48. E é por isso que, ressalvado o devido respeito, a Recorrente discorda da posição sufragada pelo Digno Magistrado do Ministério Público, no Parecer.
49. Pelo exposto, e conforme invocado nos pontos 149. a 201. das alegações de recurso, para os quais se remete, importa reiterar e, a final, concluir, que o Imposto por Subscrição, encerra um conjunto amplo de violações de diversos princípios constitucionais.
Senão vejamos,
50. O Imposto por Subscrição não respeita as obrigações de generalidade e uniformidade da lei de imposto, onerando exclusivamente um conjunto restrito de apenas cinco contribuintes, injustificadamente tratados de forma desigual e discriminatória relativamente aos demais, sendo selecionados como “alvo” da tributação em causa por uma alegada “relação” com os objetivos da lei ou por serem supostamente agentes de uma “indústria” não densificada nem delimitada, como o exigiria o princípio da legalidade tributária.
51. Por outro lado, o Imposto por Subscrição, enquanto mera capitação por cliente, alheia da margem ou lucro, desconsidera ainda em absoluto a capacidade contributiva enquanto pressuposto aferidor da incidência de tributos de natureza fiscal, tanto relativamente aos demais agentes económicos, como no que respeita aos mencionados operadores de serviços de televisão por subscrição entre si mesmos, prescindindo de tentar qualquer aproximação ao rendimento real.
52. O Imposto por Subscrição revela-se, pois, como um imposto arbitrário e discriminatório, intolerável à luz do princípio da justiça tributária,
53. Razão pela qual o disposto no artigo 10.º, n.º 2 e n.º 4, da Lei n.º 55/2012, que criou o Imposto por Subscrição, é inconstitucional por violação dos princípios constitucionais da universalidade, da igualdade, da tributação do rendimento real e da justiça tributária, previstos nos artigos 13.º e 103.º da Constituição da República Portuguesa (“CRP”).
b. Da violação do princípio supralegal da proibição da consignação de receitas fiscais
54. Relativamente à violação do princípio da não consignação de receitas, afirma-se no Parecer o seguinte:
“Vem alegada a violação do princípio da não consignação de receitas consagrado pela Lei de Enquadramento Orçamental.
Tal questão não foi objecto de análise e decisão na sentença recorrida. Por tal motivo, tal questão não poderá ser conhecida nesta sede.” (cf. p. 8 do Parecer)
55. Pelo exposto, invocando o Digno Magistrado do Ministério Público a impossibilidade de conhecimento de parte do pedido da ora Recorrente, importa nesta sede reiterar que está em causa um verdadeiro imposto, e isso é quanto basta para demonstrar a violação do princípio da não consignação de receitas.
56. Com efeito, o Imposto por Subscrição, tendo a sua receita afeta a um propósito específico e permanente, sem qualquer causa especial de justificação nem limite temporal, viola ainda de forma evidente o princípio supralegal da proibição da consignação das receitas fiscais consagrado pela Lei de Enquadramento Orçamental (“LEO”).
57. De onde resulta, portanto, a ilegalidade do disposto no artigo 13.º, n.º 2, da Lei n.º 55/2012, por violação do princípio da consignação previsto no artigo 7.º da LEO, sendo esta última uma lei de valor reforçado, tal como previsto no artigo 3.º da própria LEO e ainda no artigo 112.º da CRP.
c. Da violação de princípios constitucionais da reserva de lei, legalidade fiscal, irretroatividade da lei fiscal, segurança jurídica e tutela da confiança
58. Quanto à violação de princípios constitucionais formais e orgânicos, afirma-se no Parecer que:
“Invoca a recorrente a inconstitucionalidade do tributo por violar o princípio da não retroactividade da lei fiscal ou do princípio da tutela da confiança decorrente do princípio do Estado de Direito, previstos, respectivamente, nos artigos 103.º, n.º 3, e 2.º, da CRP.
Nesta sede, por se concordar com a respectiva fundamentação aderimos à posição vertida na sentença recorrida, bem como às considerações tecidas nas contra-alegações.” (cf. p. 8 do Parecer)
59. Assim, o Digno Magistrado do Ministério Público não se pronuncia quanto à violação dos princípios da reserva de lei na criação de impostos e da legalidade fiscal, limitando-se a remeter para a sentença recorrida e para as contra-alegações de recurso do Recorrido no que diz respeito à violação dos princípios da irretroatividade da lei fiscal, segurança jurídica e tutela da confiança.
60. Por sua vez, o Tribunal a quo concluiu que os princípios da irretroatividade da lei fiscal, segurança jurídica e tutela da confiança não eram aplicáveis, por considerar que o Imposto por Subscrição se qualifica como taxa e por entender não existir uma retroatividade inadmissível e arbitrária.
61. Ora, sem prejuízo de remeter, por brevidade de exposição, para o exposto nos pontos 202. a 274. das alegações de recurso, a Impugnante e Recorrente não pode deixar de sublinhar que não se conforma com as conclusões expressas na sentença recorrida e nas contra-alegações de recurso do Recorrido, às quais o Digno Magistrado do Ministério Público aderiu,
62. Desde logo porque a afirmação de que não existe qualquer violação do princípio da irretroatividade da lei fiscal assenta na conclusão errónea de que o Imposto por Subscrição se qualifica como uma taxa ou uma contribuição financeira, quando na verdade assume a natureza de imposto.
63. Neste contexto, é manifesta a inconstitucionalidade do disposto no artigo 11.º, n.º 3, da Lei n.º 55/2012, e nos artigos 2.º e 3.º do DL 9/2013, pela violação dos princípios da reserva de lei formal na criação de impostos e da legalidade fiscal, previstos no artigo 165.º, n.º 1, al. i), e 266.º, n.º 2, da CRP, na medida em que a regulação da liquidação, cobrança e pagamento do Imposto por Subscrição é cometida a Decreto-Lei do Governo, sem que seja facultada a mínima parametrização parlamentar, dessa forma se subvertendo igualmente o princípio da legalidade fiscal (o que se verifica igualmente a propósito da matéria sancionatória relativa a eventuais infrações).
64. O normativo sobre a forma de cálculo do Imposto por Subscrição relativamente ao pagamento a efetuar no ano de 2013, previsto no artigo 10.º, n.º 4, da Lei n.º 55/2012, é também inconstitucional por grosseira violação do princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal ou do princípio da tutela da confiança decorrente do princípio do Estado de Direito, previstos, respetivamente, nos artigos 103.º, n.º 3, e 2.º, da CRP.
65. Em primeiro lugar, porque são considerados na delimitação da base de incidência factos tributários já completamente consumados aquando da entrada em vigor da norma de incidência (6 de outubro de 2012), que tributa subscrições ativas em cada um dos primeiros 3 trimestres de 2012.
66. É ainda particularmente censurável que o mecanismo de autoliquidação instituído não permita sequer aos contribuintes limitar os efeitos da retroatividade do Imposto por Subscrição, uma vez que os obriga a considerar os 4 trimestres de 2012 no cálculo do valor a pagar, sob pena de não conseguirem efetuar qualquer autoliquidação.
67. Por outro lado, não é menos impressivo – e ilegal – que as regras relativas à liquidação e cobrança do Imposto por Subscrição apenas tenham sido publicadas em 24 de janeiro de 2013 e iniciado a sua vigência em 23 de fevereiro de 2013, pretendendo aplicar-se a factos ocorridos em 2012 – eufemisticamente, “apenas” considerando os dados de 2012… –, o que nem sequer permitiu aos contribuintes orçamentar o imposto em causa (desde logo porquanto as próprias regras transitórias da Lei n.º 55/2012 se tornaram “letra morta”).
68. Em face de todo o exposto deve este Supremo Tribunal concluir pela inconstitucionalidade do disposto nos artigos 10.º, n.º 4, e 27.º, n.º 3, da Lei n.º 55/2012, na redação em vigor na data a que se reportam os factos, por violação do princípio da proibição da retroatividade da lei fiscal ou do princípio da tutela da confiança decorrente do princípio do Estado de Direito, previstos nos artigos 103.º, n.º 3, e 2.º, da CRP.
d. Da violação dos princípios da equivalência e da proporcionalidade, decorrente do princípio da igualdade, quando aplicado a taxas (em sentido próprio)
69. Por entender que o Imposto por Subscrição tem a natureza de contribuição financeira, o Digno Magistrado do Ministério Público também não se pronunciou sobre a violação dos princípios da equivalência e da proporcionalidade.
70. Em todo o caso, uma vez que o Imposto por Subscrição foi qualificado como taxa na sentença recorrida, importa sublinhar que, ainda que se admitisse tal qualificação – o que se coloca em tese e sem conceder –, a sua existência e aplicação continuaria a ser inaceitável no plano constitucional, pelos fundamentos expostos nos pontos 283. a 347. das alegações de recurso, para os quais se remete.
71. Isto porque os princípios da universalidade, igualdade e justiça na repartição dos encargos públicos, decorrentes do artigo 13.º da CRP, exigem que quer as taxas, quer as contribuições financeiras, respeitem os princípios da equivalência e da proporcionalidade.
72. Contrariamente ao que resulta da sentença recorrida, não existe qualquer equivalência jurídica entre o Imposto por Subscrição e um qualquer benefício para os operadores de serviços de televisão por subscrição na medida em que não existe qualquer prestação concreta de um serviço público, qualquer utilização de um bem do domínio público ou qualquer remoção de um obstáculo jurídico à respetiva atividade.
73. A ausência de qualquer comutatividade desemboca inevitavelmente na inexistência de qualquer “causa e justificação” do Imposto por Subscrição “no serviço recebido pelo utente”, nas palavras do Tribunal Constitucional, pelo que a sua incidência afronta de modo indiscutível o princípio da equivalência.
74. E, assim sendo, é inconstitucional o normativo contido no artigo 10.º, n.º 2 e n.º 4, da Lei n.º 55/2012, na redação e numeração em vigor na data a que se reportam os factos, por violação do princípio da igualdade, previsto no artigo 13.º da CRP, na dimensão da equivalência, quando aplicado a taxas e mesmo a contribuições financeiras.
75. Adicionalmente, é patente a violação do princípio da proporcionalidade, ínsito no princípio da igualdade previsto no artigo 13.º da CRP, e ainda como manifestação do disposto no artigo 18.º da CRP, uma vez que o Imposto por Subscrição não é adequado (atento o caráter discriminatório), nem imprescindível (podendo as suas receitas ser angariadas através dos impostos gerais) nem certamente o meio menos restritivo (onerando de forma exclusiva agentes económicos que nenhuns benefícios específicos e individualizados extraem da prossecução de uma tarefa geral do Estado), o que, uma vez mais, determina a inconstitucionalidade do normativo contido no artigo 10.º, n.º 2 e n.º 4, da Lei n.º 55/2012.
e. Da violação das normas de Direito Europeu relativas a auxílios de Estado
76. Quanto à violação das normas de Direito Europeu relativas a auxílios de Estado, o Digno Magistrado do Ministério Público afirma o seguinte:
“Invoca ainda a recorrente, como fundamento de recurso, que o tributo, objecto dos autos, viola normas de Direito Europeu por dever ser entendido como um auxílio de Estado, na acepção do disposto 107.º do Tratado da sobre o Funcionamento da União Europeia (“TFUE”).
Tal entendimento não foi sufragado na sentença recorrida, com cuja fundamentação se concorda, e que aqui se dá por reproduzida nessa parte.
A mesma matéria foi objecto de ampla análise, em sede de contra-alegações (arts. 127 a 143), que, igualmente, aqui se dão por reproduzidos, por se concordar na íntegra com a respectiva fundamentação.” (cf. p. 9 do Parecer)
77. Ora, a este respeito, o que importa salientar é que, no domínio do Direito Europeu, caso se procure justificar o Imposto por Subscrição como um auxílio de Estado, sempre cumprirá concluir pela respetiva ilegalidade substantiva e pelo incumprimento das regras formais relativas à respetiva aprovação pela Comissão Europeia, uma vez que a concessão de um auxílio de Estado se encontra sujeita a apreciação e autorização prévia da Comissão Europeia, a qual, no caso, não foi sequer solicitada.
78. Pelo exposto, é manifesto que o Imposto por Subscrição, consubstanciando um auxílio de Estado, é ilegal, por violação do disposto nos artigos 107.º e 108.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia.
f. Da violação da CEDH
79. Por fim, quanto à violação da CEDH, o Digno Magistrado do Ministério Público afirma o seguinte:
“Finalmente, vem alegada a violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem na medida em que a tributação em análise é insustentável e aplicada de forma discriminatória.
Pelas razões referidas em sede de sentença e complementadas pelas considerações tecidas nas contra-alegações não ocorre a invocada violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.” (cf. p. 9 do Parecer)
80. Contrariamente ao avançado no Parecer, entende a Recorrente que uma tributação discriminatória como aquela em que se traduz o Imposto por Subscrição viola o disposto na CEDH, em articulação com o seu Primeiro Protocolo, visto que a interferência do Estado no direito de propriedade privada apenas é legítima se efetuada de forma não discriminatória e proporcional, atingindo um “justo equilíbrio” entre tal direito e os encargos tributários.
81. Sucede que, tal como se avançou em sede de alegações de recurso e ora se reitera, o Imposto por Subscrição constitui uma interferência completamente discriminatória e não proporcional no direito de propriedade privada dos operadores de serviços de televisão por subscrição, independentemente da qualificação jurídica da prestação que lhes é imposta.
82. Com efeito, o Imposto por Subscrição configura uma transferência coativa de recursos financeiros de um conjunto restrito de cinco contribuintes – claramente discriminados relativamente aos demais – em benefício do setor cinematográfico e audiovisual que, entendendo o Estado que deve promover e incentivar, deverá ser financiado pelos impostos gerais,
83. O que determina, também, a inconstitucionalidade do disposto no artigo 10.º da Lei n.º 55/2012, por violação artigo 1.º do Primeiro Protocolo à CEDH e, indiretamente, do princípio do primado do Direito da União Europeia, previsto no artigo 8.º, n.º 2, da CRP.
84. Tudo ponderado e ressalvado o devido respeito por opinião contrária, não podem ser acolhidas as conclusões expressas no Parecer.
85. Pelo contrário, em face de todo o exposto, não resta senão concluir, tal como aventado pela Impugnante e Recorrente, que o Imposto por Subscrição é inconstitucional e ilegal, por violação de diversos princípios constitucionais, supralegais, de Direito Europeu e de direito internacional a que o Estado português se encontra vinculado, o que inquina de forma inevitável e absoluta o ato de autoliquidação cuja anulação se peticionou.
86. Pelo que, e em suma, se reitera o pedido formulado, no sentido de ser concedido provimento ao recurso interposto pela Recorrente.
Pedem e esperam deferimento.
*

Os autos vêm à conferência satisfeitos os vistos legais.
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2. FUNDAMENTAÇÃO:

2.1. - Dos Factos:

Na decisão recorrida foi fixado o seguinte probatório reputado relevante para a decisão:

1. Por ofício de 09/08/2013 foi a Impugnante notificada para efectuar o pagamento da quantia de € 886.042,50 referente à taxa anual devida por operadores de televisão por subscrição (cfr. doc. junto a fls. 14 do processo instrutor junto aos autos);
2. Em 27/08/2013 foi emitida pelo Instituto uma certidão de dívida no montante de € 886.042,50 referente à taxa liquidada e melhor identificada no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 120 da segunda parte do processo instrutor junto aos autos);
3. A certidão de dívida identificada no ponto anterior foi remetida ao Serviço de Finanças de Palmela (cfr. doc. junto a fls. 119 da segunda parte do processo instrutor junto aos autos);
4. Em 02/10/2013 a Impugnante apresentou uma reclamação graciosa contra o acto de liquidação identificado no ponto anterior (cfr. doc. junto a fls. 36 do processo instrutor junto aos autos);
5. Em 02/10/2013, foi emitida pelo Banco 1..., S.A. uma garantia bancária a pedido da A..., S.A. no montante de € 1.124.815,56 para efeitos de suspensão do processo de execução fiscal nº ...95 que corre termos no Serviço de Finanças de Palmela (cfr. doc. junto a fls. 38 do doc. 125 -numeração do SITAF);
6. Por despacho cuja data concreta se desconhece mas notificado à impugnante por ofício de 27/05/2014, foi indeferida a reclamação graciosa identificada no ponto 2 (cfr. doc. junto a fls. 81 e segs. da segunda parte do processo instrutor junto aos autos);
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2.2.- Motivação de Direito

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, nos termos dos artigos 144º nº 2 e 146º nº 4 do CPTA e dos artigos 5º, 608º nº 2, 635º nºs 4 e 5 e 639º do CPC ex vi dos artigos 1º e 140º do CPTA e 2º., al. e) do CPPT.
No caso, em face dos termos em que foram enunciadas as conclusões de recurso pelo recorrente, as questões que cumpre decidir subsumem-se a saber se a decisão vertida na sentença, a qual julgou totalmente improcedente a impugnação, padece de erro de julgamento, porquanto a Taxa de Subscrição é, em substância, um verdadeiro imposto e não uma taxa ou contribuição financeira, uma vez que não lhe subjaz qualquer relação sinalagmática ou comutatividade, nem mesmo difusa, inexistindo qualquer contraprestação a favor dos operadores de serviços de televisão por subscrição (e da ora Recorrente em particular), nem directa e específica, nem sequer reflexa ou meramente presumida, pelo que foi violado o princípio supralegal da proibição da consignação de receitas fiscais, os princípios constitucionais da reserva de lei, legalidade fiscal, irretroactividade da lei fiscal, segurança jurídica e tutela da confiança, os princípios da equivalência e da proporcionalidade, decorrente do princípio da igualdade, quando aplicado a taxas (em sentido próprio), as normas de Direito Europeu relativas a auxílios de Estado e, bem assim, a Convenção Europeia dos Direitos do Homem.
Está, pois, em causa a autoliquidação relativa à denominada “taxa anual” devida no ano de 2013, ao Instituto do Cinema e do Audiovisual IP, por operadores de serviços de televisão por subscrição prevista na Lei nº 55/2012, de 6/9.
A nomeada “taxa” foi instituída pelo nº 2, do art. 10º, da citada Lei, nos seguintes termos:
“Os operadores de serviços de televisão por subscrição encontram-se sujeitos ao pagamento de uma taxa anual de três euros e cinquenta cêntimos por cada subscrição de acesso a serviços de televisão, a qual constitui um encargo dos operadores”.
E, consoante o estatuído na al. o), do mesmo art. 2º, da Lei 55/2012, operador de serviços de televisão por subscrição é “a pessoa coletiva que fornece, no território nacional, acesso a serviços de programas televisivos, através de qualquer plataforma, terminal ou tecnologia, mediante uma obrigação contratual condicionada a uma assinatura ou a qualquer outra forma de autorização prévia individual, que implique um pagamento por parte do utilizador final pela prestação do serviço, seja ele prestado numa oferta individual ou numa oferta agregada com outros serviços de comunicações eletrónicas, independentemente do tipo de equipamento usado para usufruir dos serviços, e ainda que a oferta comercial global induza à interpretação de que o serviço de televisão é prestado gratuitamente”.
É essa a normação essencial que está na base do presente litígio, centrando-se a divergência na circunstância de a recorrente sustentar que o tributo em causa (taxa anual) tem a natureza de imposto e, nessa medida, imputa-lhe um conjunto de vícios cuja apreciação depende em exclusivo da qualificação jurídica que venha a ser adoptada.
A sentença recorrida considera que a Lei nº 55/2012 “estabelece uma política pública do cinema e do audiovisual português, criando um modelo de financiamento capaz de garantir a estabilidade do sector e assegurar meio de promoção, divulgação e produção de obras cinematográficas e audiovisuais em língua portuguesa.
As taxas por ela criadas recaem sobre os operadores e têm como propósito o acima referido, ou seja, financiar o sector e assegurar meios de promoção, produção e divulgação daquelas obras.
Com estas taxas os operadores de televisão custeiam os produtores daquele tipo de obras através duma transferência de recursos privados. Elas possuem como uma das suas características serem devidas independentemente dos lucros auferidos pelos operadores.
Estamos perante uma taxa anual que incide exclusivamente sobre os operadores de serviços de televisão e é calculada por subscrição, sendo o seu montante de € 3,50 por cada subscrição”.
Com base em tal discurso jurídico, a sentença recorrida conclui que o questionado tributo tem a natureza de taxa, na medida em que “…o tributo aqui em causa tem um fim concreto de beneficiar as produções nacionais, sejam elas cinematográficas, de multimédia ou audiovisual, das quais a impugnante beneficia pois tem acessos a mais e melhores conteúdos para exigir nos canais que disponibiliza aos seus clientes.
De facto, quando o ICA apoia a produção daquelas criações está, necessariamente, a potenciar uma maior produção dos mesmos e com isso dá maior leque de opções à impugnante e suas congéneres.
Concluímos, deste modo, que existe uma relação sinalagmática entre a taxa e os serviços prestados pela impugnada, pelo que não estamos perante num imposto, mas sim uma taxa”.
Adversamente, sustenta a recorrente (al. C) das conclusões de recurso) que “O Imposto por Subscrição constitui, em substância, um verdadeiro imposto e não uma taxa ou contribuição financeira, uma vez que não lhe subjaz qualquer relação sinalagmática ou comutatividade, nem mesmo difusa, inexistindo qualquer contraprestação a favor dos operadores de serviços de televisão por subscrição (e da ora Recorrente em particular), nem direta e específica, nem sequer reflexa ou meramente presumida”.
Por seu turno, o recorrido e o Ministério Público, advogam, no essencial, que o tributo em análise tem a natureza de uma contribuição financeira pois a denominada «taxa anual» não visa financiar as despesas públicas em geral e tem como sujeitos passivos um grupo concretamente definido, os operadores de serviços de televisão por subscrição, ao qual estão presumivelmente associados custos e benefícios comuns.
Donde que aquela “taxa anual” é uma contribuição financeira, constituindo uma contrapartida pela susceptibilidade de uso pelos operadores de televisão por subscrição de conteúdos cinematográficos e audiovisuais criados e produzidos através dos programas de apoio e medidas de apoio financiados pela cobrança de “taxas”.
Como denota o EPGA junto deste Tribunal no seu douto Parecer que vai na linha de entendimento perfilhado pelo recorrido, o tributo em causa consubstancia uma contribuição financeira e não um imposto e/ou taxa, como sustenta a recorrente, e que os atinentes e já referidos normativos do respectivo regime jurídico estão em absoluta harmonia com a CRP.
E não se antolham razões ponderosas para não seguir esse entendimento, como adiante se justificará.
Vejamos.
Numa conjuntura de crescente movimento e gradual especialização de vários segmentos de mercado, passou a revelar-se um contínuo recurso a figuras tributárias de base comutativa, mas cujo recorte não se ajustava exactamente ao das taxas.
Com efeito, temos assistido nos últimos anos a um crescimento exponencial de contribuições financeiras, que elevam sobremodo a carga fiscal das empresas.
No nosso ordenamento, podemos referir que não há uma definição legal de tributo.
Presume-se que tal ausência decorre da atenção dedicada pelos juristas aos tributos unilaterais ou impostos. A aprovação da Lei Geral Tributária (LGT) não trouxe uma definição de tributo. Na verdade, trata-se de uma lei geral sobre as relações tributárias inerentes aos impostos.
É o que resulta do nº 3, do artigo 3º da LGT, ao prescrever que o regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas consta de lei especial. Por conseguinte, tentando um conceito mais doutrinal, podemos definir tributo a partir de três elementos: o elemento objectivo, o elemento subjectivo e o elemento teleológico.
De um ponto de vista objectivo, o tributo corresponde a uma prestação reveladora da natureza obrigacional das relações jurídicas que origina, pecuniária, pois reporta-se a prestações concretizadas em dinheiro ou em algo equivalente a dinheiro, e coactiva já que tem por fonte a lei, tratando-se, por conseguinte, de obrigações ex lege. (vide Nabais, José Casalta – “Sobre o regime jurídico das taxas”, in Por um Estado Fiscal Suportável – Estudos de Direito Fiscal, Volume IV, Almedina, 2015, p. 210).
De acordo com um prisma subjectivo, somos confrontados com uma prestação que possui as características antes enunciadas exigidas a favor de entidades que exercem funções ou tarefas públicas a detentores de capacidade contributiva, ou a beneficiários ou fomentadores de específicos serviços públicos. Dito de outro modo, a detentores de capacidade contributiva no caso de tributos unilaterais ou impostos, e a beneficiários ou fautores de específicos serviços públicos, nos casos dos tributos bilaterais ou taxas (ou contribuições de estrutura bilateral).
Do ponto de vista teleológico ou finalista, os tributos são exigidos pelas entidades que exerçam funções ou tarefas públicas para a realização dessas mesmas funções ou tarefas desde que não tenham carácter sancionatório.
Nesse sentido, pode concluir-se que os tributos podem ter uma finalidade não apenas financeira ou fiscal, mas também outras finalidades, como as económicas ou sociais, excluída, como acima referido, a função sancionatória.
Na esteira de Vasco Valdez, in “A Constituição e as Normas Fiscais. Noção de Imposto e Taxa. A Relação Jurídica Tributária”, Lições de Fiscalidade, Vol. I, Almedina, 2017, 5ª Edição, p. 181, “pode-se dizer que os tributos principais entre nós são os impostos, as taxas, as contribuições especiais e a designada parafiscalidade, nesta se compreendendo as receitas da Segurança Social.”
À guisa de enquadramento sobre a natureza jurídica da contribuição financeira a favor de entidades públicas, começaremos por dizer que, conceptualmente, a mesma não se reconduz à taxa stricto sensu (não incide sobre uma prestação concreta e individualizada que a administração dirija aos respectivos sujeitos passivos) nem se reconduz a um imposto, pois que não se verifica a respectiva unilateralidade.
Como bem denota Cardoso da Costa “a figura dos tributos, sobretudo no direito continental europeu tem sido tradicionalmente objeto de uma divisão dicotómica, bipartida ou binária, que os distribui por tributos unilaterais ou impostos e tributos bilaterais ou taxas, ou de uma divisão tripartida ou ternária, em que se distingue entre impostos, taxas e contribuições ou tributos especiais.”- cfr. Costa, José Manuel Cardoso da - Sobre o Princípio da legalidade das taxas (e das demais contribuições financeiras)”, Estudos em Homenagem ao Professor Doutor Marcello Caetano no Centenário do seu Nascimento, Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Volume I, Coimbra Editora, 2006, pp. 789-807.
Na óptica de José Casalta Nabais, “Sobre o regime jurídico das taxas”, in Por um Estado Fiscal Suportável – Estudos de Direito Fiscal, ob.cit., p. 213, verifica-se “uma verdadeira summa divisio, em que estes, independentemente da diversidade, do nome que ostentam e da disciplina legal que os tem por objeto, ou são tributos unilaterais, que integram a figura dos impostos, ou tributos bilaterais, que acabam por se reconduzir à figura das taxas. Uma ideia que fez carreira, inclusivamente na jurisprudência constitucional em Portugal, que tinha em seu apoio, a circunstância não despicienda de o próprio texto constitucional não nomear, e, por conseguinte, não conhecer outros tributos que não fossem os impostos ou as taxas.”
Todavia, com a Revisão Constitucional de 1997, operada pela Lei Constitucional nº 1/97, de 20 de Setembro, a Constituição Portuguesa passou a referir-se aos “impostos”, “taxas”, e às demais “contribuições financeiras a favor das entidades públicas”.
Assim, a Constituição da República Portuguesa fixou uma reserva relativa de competência da Assembleia da República para o regime geral das taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas regime esse que, até ao momento, continua por consagrar. Para impostos, verificar os artigos 165º, nº 1, alínea i) (1ª parte), e 103º, nº 2; para as taxas e demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas cite-se o 165º, nº 1, alínea i) (2ª parte), todos da CRP.
Neste âmbito, da imposição, nos termos constitucionais acima referidos, podem ser extraídas algumas consequências no plano normativo, a saber:
(i) necessidade de definir o conceito e o próprio estatuto normativo das contribuições financeiras no sistema fiscal português sendo que, nesta matéria, constata-se uma escassez ao nível da doutrina, distinguindo-se Sérgio Vasques, com O Princípio da Equivalência como Critério de Igualdade Tributária, Almedina, 2008, pp. 172 e ss. e Suzana Tavares da Silva, As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário, 2ª Edição, Coimbra Editora, 2011, pp. 86-94.
E, na jurisprudência, tem sido o Tribunal Constitucional a desempenhar um papel primordial ao nível da análise do regime constitucional desta categoria de tributo, elencando quais são os pressupostos que devem verificar-se para que dado tributo seja qualificado como contribuição financeira.
(ii) necessidade de aprovação do regime geral das demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas: este ónus de concretização de um regime geral para as contribuições financeiras, que o legislador constituinte pretendeu consagrar, faz com que, na respectiva ausência, se possa suscitar, além de outros, um problema de inconstitucionalidade por omissão, ao qual alguns autores, na doutrina fiscal e constitucional, atribuem consequências muito relevantes no que se reporta à determinação do regime constitucional aplicável ao regime individual de cada contribuição financeira- vide Miranda, Jorge - A fiscalização da Inconstitucionalidade por Omissão, RDL, v. 14, nº 1, Jan./Jun. (2012), pp. 9-38.
(iii) a determinação dos principais efeitos que resultam da ausência do referido regime geral, com as diferentes interpretações que vêm sendo apresentadas pela doutrina fiscal e, ao mesmo tempo, as que decorrem da vasta jurisprudência do TC existente nesta matéria.
O certo é que, hodiernamente, as contribuições financeiras são uma categoria dotada de grande relevo no sistema fiscal português, albergando um largo e cada vez mais diversificado conjunto de tributos de base bilateral e grupal, cuja característica estruturante recai sobre o tipo de relação ou expressão de equivalência, que concretizam os benefícios ou utilidades que daí decorrem para os sujeitos passivos, de que é exemplo o caso concreto.
Donde que no momento actual, o critério essencialmente relevante diz respeito à sua qualificação, ou seja, aos elementos caracterizadores da respectiva estrutura de incidência, que permitirão ou não concluir se está em causa um tributo bilateral ou comutativo, alicerçado numa lógica de equivalência de grupo, podendo dizer-se, em conformidade, que, para a densificação do conceito de contribuição financeira não releva, pelo menos como condição essencial, o destino da correspondente receita, mas sim, e verdadeiramente, qual o tipo de nexo que vincula os sujeitos passivos ao pagamento de dada contribuição e qual a respectiva expressão bilateral, mormente para efeitos de distinção face às taxas e às demais categorias de tributos.
De todo o modo, parece que a figura das contribuições financeiras exige a conexão a uma determinada acção material por parte das entidades públicas, sejam elas entidades reguladoras, institutos públicos ou até mesmo associações profissionais, razão pela qual refere Suzana Tavares da Silva, que “em qualquer caso, é o benefício que serve de parâmetro material ao tributo”.
Nesse sentido, estarão em causa razões que se prendem com a natureza das contribuições financeiras enquanto categoria de tributo, designadamente a sua projecção, por via dos serviços prestados por um ente público e projectados num plano grupal que, como tal, são presumíveis causas de um benefício ou utilidade de que os membros daqueles grupos aproveitaram, constituindo-se assim como sujeitos passivos das referidas contribuições.
Neste ponto, assume algum relevo e utilidade fazer a distinção face às contribuições especiais pois, na doutrina fiscal nacional, ainda hoje perdura alguma indeterminação em torno da amplitude do conceito de contribuição, residindo a sua principal expressão ao nível da dicotomia entre contribuições financeiras e especiais.
Cremos que a dita indeterminação resulta da forma como a Revisão Constitucional de 1997 acabou por oferecer e concretizar a figura das “demais contribuições financeiras a favor das entidades públicas”, ao mesmo tempo que, entretanto, no artigo 4º, nº 35 3, da LGT, se passou a aludir às “contribuições especiais que assentam na obtenção pelo sujeito passivo de benefícios ou aumentos de valor dos seus bens em resultado de obras públicas ou da criação ou ampliação de serviços públicos ou no especial desgaste de bens públicos ocasionados pelo exercício de uma atividade”.
Alberto Xavier, no Manual de Direito Fiscal, p. 59, citando inicialmente a doutrina de A.D. Giannini, a propósito da figura das contribuições especiais, defende que “a vantagem económica, a criação de maiores despesas são fundamentos, como quaisquer, que levam a lei a criar tributos, na pressuposição de que revelam capacidade contributiva”, o que atesta que, também para o citado autor, inerente às contribuições especiais acaba por se encontrar um pressuposto, por parte do legislador, em valorar uma capacidade contributiva revelada de forma diferencial, ou seja, por intermédio da ação pública e a ausência de uma intervenção correctiva tendente a proceder à socialização da externalidade positiva auferida.
No plano jurisprudencial, o STA no seu acórdão de 03-12-2014, Processo nº 01273/13 explana que “(…) na contribuição especial ou há uma atividade administrativa que traz benefícios generalizados ou ocorre um gasto ou enfraquecimento do bem público utilizado por força do exercício normal da atividade autorizada. O que efetivamente diferencia a contribuição especial da taxa é em primeiro lugar o facto de a atividade administrativa não traduzir a satisfação de um interesse individual apenas, mas antes a satisfação de um interesse geral e também porque essa contribuição não é a contrapartida de utilização de um bem de domínio público, mas antes uma compensação ou amortização pelo desgaste do exercício de uma determinada atividade ocasional.”
Do que vem dito, brota cristalinamente que a singularidade das contribuições especiais corresponde ao facto de radicarem num benefício sensivelmente superior ao geral, seja pela sua extensão ou, em alternativa, pela sua intensidade. Por assim ser, uma característica que diferencia as contribuições especiais é a sua exclusividade, ou seja, o facto de representarem um benefício diferencial para um determinado sujeito passivo que, por essa via, acaba por ter acesso a um acréscimo tendencialmente líquido.
Nesse sentido, Casalta Nabais in “Jurisprudência do Tribunal Constitucional em Matéria Fiscal” in Por um Estado Fiscal Suportável – Estudos de Direito Fiscal, Almedina, 2005, p. 447 e José Casalta – Manual de Direito Fiscal, ob.cit., p. 51. 89 Ibidem, p. 51, refere quanto às clássicas contribuições especiais e as demais contribuições financeiras, que estão em causa contribuições que têm em comum não se reportarem seja a normais detentores de capacidade contributiva como nos impostos, nem a destinatários de específicas contraprestações individuais como nas taxas, mas antes a grupos de pessoas ligados seja por uma particular manifestação de capacidade contributiva decorrente do exercício de uma atividade administrativa (nas contribuições especiais) seja pela partilha de uma específica contraprestação de natureza grupal.
Efectivamente, não obstante a existência de elementos comuns às duas categorias de contribuições – em especial, a existência de grupos distintos da sociedade em geral – existem inequívocos aspectos que as separam: na maioria dos casos, nas contribuições especiais estão em causa valorações diferenciais de capacidade contributiva (obtidas por virtude de benefícios não socializados ou internalizados e que, como tal, permanecem latentes na esfera dos sujeitos passivos, ou seja, são tributos que se caracterizam pelo facto de “terem por base manifestações de capacidade contributiva de determinados grupos, resultantes do exercício de uma atividade administrativa pública e/ou não exclusivamente, do exercício de uma atividade do respectivo contribuinte, como acontece nos impostos), ao passo que, nas contribuições financeiras, está inequivocamente em causa um nexo de equivalência, revelado ou concretizado sob a forma de equivalência de grupo. Importa dizer que, as contribuições financeiras têm assim como fundamento, prestações que não se dirigem directamente aos respectivos sujeitos passivos, mas do que estes beneficiam de modo indirecto ou reflexo, nomeadamente numa óptica de equivalência de grupo.
De salientar que a consagração da categoria das contribuições financeiras no texto constitucional e a consequente viragem para uma visão tripartida dos tributos públicos foi equacionada num momento em que o sistema fiscal já conhecia a figura das contribuições especiais, pelo que ganham relevo as considerações tecidas por Suzana Tavares da Silva, quando alude à circunstância de as contribuições financeiras corresponderem a uma categoria tributária autónoma “dos impostos e das taxas (e também das contribuições especiais)” salientando que a categoria das contribuições especiais corresponde ao que atualmente se poderá designar por “contribuições especiais de igualdade ou equidade”, que visam “reequilibrar as contas entre o dever e o haver dos cidadãos e do Estado quando este último, através de algumas intervenções – planificação, infraestruturação ou criação de novos serviços – beneficia de forma especial e anormal um determinado grupo.” (in “As Taxas e a Coerência do Sistema Tributário”, p. 86).
Cabe, ainda e a tal propósito, evocar os ensinamentos de Casalta Nabais, quando, ao aludir à contraposição entre contribuições especiais e contribuições financeiras, aponta justamente para uma diferença estrutural entre ambas, sublinhando que “tais contribuições ou tributos especiais não passam de impostos especiais”, ou seja, que “apresentam a particularidade de terem por base manifestações de capacidade contributiva de determinados grupos de pessoas resultantes do exercício de uma atividade administrativa pública e não, ou não exclusivamente, do exercício de uma atividade do respetivo contribuinte como acontece nos impostos.” – vide “Manual de Direito Fiscal,” p. 28.
No caso das contribuições financeiras, não está em causa qualquer tipo de valoração de capacidade contributiva, ainda que em termos diferenciais, porquanto existe um serviço ou atividade pública que lhe dão causa, na medida em que se projectam sobre benefícios ou utilidades para os respectivos sujeitos passivos e que estes aproveitam em face daquela que é a sua própria circunstância como membros de um determinado grupo.
Assim, entendemos que estão reunidas as condições para estabelecer uma distinção muito clara entre as contribuições especiais - que repousam essencialmente num propósito de valorar uma manifestação diferencial de capacidade contributiva e, por isso, seguem o regime dos impostos – e as contribuições financeiras, figura historicamente associada ao reduto dos tributos parafiscais e que hoje alberga um número considerável de realidades - com especial relevo para os tributos regulatórios, fiéis ao denominador comum de uma estrutura ancorada no princípio da equivalência, ainda que projectado sob uma óptica eminentemente grupal.
E, em reforço, citando, mais uma vez, Casalta Nabais (Direito Fiscal, p.24) acrescentamos em favor da especificidade das contribuições financeira, que “não se vislumbrando nenhuma contraprestação específica a favor do contribuinte, não podemos pedir quaisquer préstimos à figura das taxas”, o que evidencia que esta categoria de contribuições pertence a um espectro de análise substancialmente distinto daquele a que respeitam as contribuições financeiras, subordinando-se, como tal, a um percurso interpretativo totalmente autónomo e que, esse sim, é mais próximo do aplicável aos impostos.
No que se refere à substância, tal como expõem Gomes Canotilho e Vital Moreira na sua Constituição da República Portuguesa Anotada, p. 1095, “as contribuições financeiras constituem um tertium genus de receitas fiscais, que poderão ser qualificadas como taxas coletivas, na medida em que compartilham em parte da natureza dos impostos (porque não têm necessariamente uma contrapartida individualizada para cada contribuinte) e em parte da natureza das taxas (porque visam retribuir o serviço prestado por uma instituição pública a certo círculo ou certa categoria de pessoas ou entidades que beneficiam coletivamente de uma atividade administrativa) ”.
Por sua vez, para Sérgio Vasques “as contribuições, constituindo espécies tributárias apenas paracomutativas, estão voltadas à compensação de prestação de que o sujeito passivo é apenas presumível causador ou beneficiário e assentam por isso um exercício de tipificação mais grosseiro, feito em nível mais elevado, por meio do qual se procura imputar o custo ou valor médio de uma prestação ao grupo em que o indivíduo se integra”- vide “O Princípio da Equivalência como Critério de Igualdade Tributária”, Almedina, 2008, pp. 346-347.
No mesmo sentido, o STA, no seu Acórdão de 09-09-2015, Processo nº 0428/14, 2ª Secção, em decisão no âmbito da liquidação da taxa de resíduos, consignou que “as contribuições financeiras traduzem-se em tributos comutativos, porém, apenas quando apresentem uma natureza grupal, isto porque, não é dirigida em termos individualizados por razões de praticabilidade (seja por razões económicas, técnicas ou administrativas), não sendo então possível imputar qual o sujeito que cause ou beneficie de determinada prestação.”
E, como refere Cardoso da Costa, “por via da autonomização das contribuições financeiras no sistema fiscal português, o teste da bilateralidade - no sentido preciso que lhe era atribuído como característica essencial do conceito de taxa - deixou de poder ser sempre decisivo para resolver os casos ambíguos quanto à efetiva natureza do tributo” e, no que concerne às contribuições financeiras, “estas bastar-se-iam com um princípio de legalidade menos exigente, idêntico ao princípio da legalidade das taxas, o qual se satisfaz com a exigência do seu regime geral constar de lei do Parlamento ou de decreto-lei parlamentarmente autorizado. Pelo que, a sua concreta criação e modelação pode ser levada a cabo quer por diploma legislativo ou por regulamento, em conformidade naturalmente com o que constar do referido regime geral. Por seu turno, a sua medida assentaria no princípio da proporcionalidade taxa/prestação estadual proporcionada ou taxa/custos específicos causados à respetiva comunidade pelo correspondente grupo”– vide “Sobre o Princípio da legalidade das taxas (e das demais contribuições financeiras),” pp. 806-807.
Com este enfoque, justifiquemos, então, porque se adopta a tese de que o tributo em causa nos autos reveste a natureza de contribuição financeira.
Como decorre do quadro normativo essencial já acima delineado e a factualidade assente, o produto da «taxa anual»» prevista no artigo 10.º, n.º 2 da Lei n.º 55/2012, constitui, na sua totalidade, receita própria do ICA, e a totalidade dessa receita destina-se, na proporção de 80%, ao apoio à arte cinematográfica e, na proporção de 20%, ao apoio à produção audiovisual e multimédia.
O recorrido é um instituto público integrado na administração indirecta do Estado, dotado de autonomia administrativa e financeira e património próprio, tutelado pelo Secretário de Estado da Cultura, tendo por missão apoiar o desenvolvimento das actividades cinematográficas e audiovisuais, art. 1.º, do Dec. Lei n.º 79/2012, de 27/3.
A Lei n.º 55/2012 viria a estabelecer os “princípios de ação do Estado no quadro do fomento, desenvolvimento e proteção da arte do cinema e das atividades cinematográficas e audiovisuais”, art. 1º.
Consagrando-se, entre outros, o “apoio à criação, produção, distribuição, exibição, difusão e promoção de obras cinematográficas e audiovisuais enquanto instrumentos de expressão da diversidade cultural, afirmação da identidade nacional, promoção da língua e valorização da imagem de Portugal no mundo, em especial no que respeita ao aprofundamento das relações com países de língua oficial portuguesa”, artº. 3.º, n.º 1, alínea a), do mesmo diploma legal.
Bem como o “incentivo à criação, produção, distribuição, exibição, difusão e edição de obras cinematográficas e audiovisuais nacionais, nomeadamente através de medidas de apoio e de incentivo”, art. 3.º, n.º 2, alínea a).
As medidas de incentivo ao sector do cinema e do audiovisual são financiadas por meio da cobrança de taxas e do estabelecimento de obrigações de investimento, art. 9.º.
Uma das taxas concebidas para financiar o sector do cinema e do audiovisual foi a «taxa anual» prevista no art. 10.º, n.º 2 da Lei n.º 55/2012.
Assim, e como assevera o Ministério Público, a denominada «taxa anual» não visa financiar as despesas públicas em geral e tem como sujeitos passivos um grupo concretamente definido, os operadores de serviços de televisão por subscrição, ao qual estão presumivelmente associados custos e benefícios comuns.
Na esteira ainda do EPGA, a chamada «taxa anual» mais não é do que uma contribuição financeira na acepção doutrinal e jurisprudencial acima abundantemente dada, constituindo uma contrapartida pela susceptibilidade de uso pelos operadores de televisão por subscrição de conteúdos cinematográficos e audiovisuais criados e produzidos através dos programas de apoio e medidas de apoio financiados pela cobrança de taxas.
A actividade dos operadores do serviço de distribuição de serviços de televisão por subscrição inclui a difusão de emissões de televisão, próprias ou de terceiros.
A actividade daqueles operadores só existe se a montante existirem conteúdos disponíveis para serem transmitidos.
Numa situação de inexistência de conteúdos, entre os quais se encontram as obras cinematográficas ou audiovisuais, incluindo as que são desenvolvidas e produzidas através dos apoios previstos na Lei n.º 55/2012, a actividade dos operadores de televisão por subscrição mostra-se inviabilizada.
Por esse prisma, falece o argumento da recorrente de que aqueles operadores não escolhem os conteúdos dos canais de televisão que por si são transmitidos porquanto, se esses canais de televisão não dispuserem de conteúdos, incluindo os conteúdos cinematográficos e audiovisuais então, passam a ser os próprios operadores de televisão por subscrição que deixam de dispor de canais que possam distribuir ao público.
É, pois, manifesta a existência de uma relação de dependência dos operadores de televisão por subscrição relativamente à existência de conteúdos, entre os quais se incluem os conteúdos cinematográficos e audiovisuais que são criados e desenvolvidos com os apoios financeiros do ICA pelo que soçobra o argumento esgrimido pela recorrente segundo o qual os operadores de televisão por subscrição não extraem, nem sequer de forma reflexa ou presumida, qualquer benefício da actividade desenvolvida pelo ICA.
Assim, dúvidas não sobram de que o apoio ao desenvolvimento e criação de conteúdos cinematográficos e audiovisuais efectuado pelo ICA beneficiam, ainda que de modo presumido, a atividade dos operadores de televisão de subscrição na medida em que beneficiam da garantia da existência de conteúdos dos quais depende a sua atividade e, como contribuição financeira que é, dirigida à compensação de prestações de que o sujeito passivo apenas é presumido causador ou beneficiário, o custo ou benefício é reportado ao grupo em que o sujeito passivo se integra (equivalência de grupo), sendo o constituído pelos operadores de televisão por subscrição cujo benefício consiste precisamente na garantia da existência de conteúdos cinematográficos ou audiovisuais disponíveis para transmissão.
Em suma:
- a «taxa anual» caracteriza-se como a contrapartida de uma prestação administrativa tendo em vista o desenvolvimento e protecção da arte do cinema e das actividades cinematográficas e audiovisuais - presumivelmente aproveitada por um determinado grupo homogéneo de sujeitos passivos - os operadores de serviços de televisão por subscrição;
-o ICA ao receber a «taxa anual», fá-lo no âmbito da gestão do sector cinematográfico e audiovisual, permitindo-lhe prosseguir as atribuições que lhe foram confiadas pelo Ministério da Cultura;
-a «taxa» em apreço consiste numa receita que é consignada à satisfação de despesas públicas na área da cultura, decorrentes da prossecução das atribuições do ICA (cf. artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 79/2012 e artigo 13.º da Lei n.º 55/2012).

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Perante aquela qualificação do tributo em análise como contribuição financeira, a mesma não está abrangida pelo domínio de incidência do artigo 103.º, n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, pelo que logra acolhimento a tese, sustentada pelo Ministério Público e pelo recorrido, da prejudicialidade de conhecimento dos fundamentos invocados pela recorrente com vista a sustentar a inconstitucionalidade material das normas em que se sustenta o tributo, por violação dos princípios constitucionais materiais relativos à configuração dos impostos, em concreto, violação dos princípios da universalidade, igualdade, tributação do rendimento real e justiça tributária.
Não obstante, quanto à alegada inconstitucionalidade por violação do princípio da reserva de lei na criação de impostos sustentada pela recorrente, a mesma não colhe, precisamente porque a «taxa anual» mais não é do que uma contribuição financeira, pelo que, à luz do disposto na alínea i) do n.º 1 do artigo 165.º da Constituição, o seu regime geral não cabe na reserva de competência legislativa da Assembleia pois tal reserva só abrange o regime geral das taxas devidas às entidades públicas, o que significa que o Governo pode legislar sobre o regime particular de cada uma dessas taxas sem necessidade de autorização legislativa, incluindo sobre a «taxa anual».
Improcede, outrossim, a invocada violação do princípio supralegal da proibição da consignação de receitas fiscais, pois, caracterizando-se a «taxa anual» como uma contribuição, a consignação de receitas à entidade competente - ao ICA - para financiar as prestações subjacentes aos tributos que as geram é legalmente admissível, traduzindo-se tal facto numa manifestação da natureza comutativa do questionado tributo, por tal consignação significar que a receita não pode ser desviada para o financiamento de despesas públicas gerais.
Ora, no caso vertente, a receita proveniente da «taxa anual» encontra-se totalmente consignada ao financiamento da atividade promovida pelo ICA no âmbito das suas atribuições legais, não podendo ser desviada para o financiamento de despesas públicas gerais.
Também se entende, na esteira da posição compartilhada pelo Ministério Público e pelo recorrido que, a contribuição financeira controvertida é conforme aos princípios estruturantes do sistema fiscal que justificam a proibição da retroactividade da lei fiscal, mormente, aos princípios da segurança jurídica e da tutela da confiança que estão consagrados no artigo 2.º da Constituição.
Veio ainda invocada pela recorrente a violação do princípio da não consignação de receitas consagrado pela Lei de Enquadramento Orçamental mas, como bem adverte o recorrido, tal questão não foi objecto de análise e decisão na sentença recorrida, tratando-se, pois, de “questão nova” que não é de conhecimento oficioso e, por isso, não poderá ser conhecida pelo tribunal ad quem já que, como dimana do Ac. do STA de 9/11/2022 proc. nº 045/13 (sumário) “I - Os recursos no ordenamento jurídico português visam o reexame, por parte do tribunal superior, de questões precedentemente resolvidas pelo tribunal a quo, e não a pronúncia por parte do tribunal ad quem sobre questões novas, ou seja, visam, em regra, a modificação de decisões do tribunal a quo e não criar decisões que não tenham sido objecto da decisão recorrida, só assim não sendo quando a própria lei estabeleça uma excepção a essa regra ou quando está em causa matéria de conhecimento oficioso. II - Se o legislador não consagrou quanto à questão colocada em recurso essa excepção e o novo fundamento invocado tendo em vista a revogação da sentença recorrida não é de conhecimento oficioso, está legalmente vedado ao tribunal ad quem conhecer e decidir essa questão”.
Em consonância de pronunciaram também os Acs. do STA de 13/3/2013, proc. nº 836/12, de 28/11/2012, proc. nº 0598/12, de 27/6/2012, proc. nº 0218/12 e de 25/1/2012, proc. 012/12, todos acessíveis em www.dgsi.pt.
Como também não procede a alegada violação do princípio da equivalência e da proporcionalidade quando aplicado a taxas (em sentido próprio), porquanto, cada um dos operadores de televisão por subscrição, enquanto sujeitos passivos da «taxa anual» em apreço, beneficia, ainda que presumivelmente, da prestação pública desenvolvida pelo ICA, qual seja, a produção e desenvolvimento de conteúdos cinematográficos e audiovisuais que lhes permite desenvolver a sua atividade de transmissão de conteúdos.
Em reforço dessa asserção, resulta cristalino que a vantagem da «taxa anual» para o grupo dos operadores de televisão por subscrição que integra a Recorrente, qualquer indício de desigualdade é afastado quando se constata que a «taxa anual» é diferenciada em função do número de subscritores que cada um desses operadores tenha em cada ano civil, sendo tal diferenciação que anula a imposição de um encargo à generalidade dos contribuintes, e ajustando a base de incidência em função dos diferentes grupos de sujeitos passivos do tributo, tal constituindo uma genuína delimitação da base de incidência em função da presumida contraprestação e já não um indício de desigualdade.
Não colhe, igualmente, o argumento esgrimido pela recorrente de que o Imposto por Subscrição deve ser entendido como um auxílio de Estado na acepção do artigo 107.º do TFUE, pois, como bem denota o recorrido, é a própria legislação europeia que reconhece a necessidade de impor aos organismos com funções similares ao ICA, existentes nos diversos Estados-Membros, a obrigação de financiar a promoção e divulgação de obras cinematográficas de produção ou coprodução “nacionais, precisamente pelo facto de o direito europeu reconhecer o papel que as obras cinematográficas desempenham na formação das identidades europeias e na sua qualificação como “bens económicos, que oferecem possibilidades importantes em termos de criação de riqueza e de emprego, e bens culturais, que refletem e moldam as nossas sociedades.” (cf. parágrafo 1 da Comunicação 2013).
Ao que acresce que estes regimes de financiamento são considerados compatíveis com o Tratado e conformes ao artigo 107.º, n.º 3, alínea d), do TFUE tendo a Comissão definido os critérios de aferição dessa conformidade, encontrando-se os mesmos plenamente cumpridos na Lei n.º 55/2012.
Por fim, no tangente à arguida violação da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, apenas cumpre afirmar que, num juízo de normalidade, a Recorrente beneficia, mais não seja de forma presumida, da actividade desenvolvida pelo Recorrido no âmbito das suas funções institucionais, não sendo inaceitável a qualificação da «taxa anual» como uma interferência discriminatória e não proporcional no direito de propriedade da Recorrente.

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Cabe, por fim, ressaltar que, como exuberantemente se demonstra em inúmeros acórdãos do Tribunal Constitucional e deste STA, de que é exemplo o proferido neste tribunal em 29-05-2024, no processo nº 220/22.7BECTB sobre todas essas questões –seja sobre a questão da alegada violação dos princípios constitucionais da legalidade, por violação da reserva de lei formal e por não cumprimento do comando constitucional do artº 103º, nº 2 da CRP) da irretroactividade da lei fiscal e da capacidade contributiva (este enquanto corolário do princípio da igualdade) foram já objecto de análise e decisão, mormente declarando a conformidade constitucional dos diplomas que regem a tributação aqui em causa, no acórdão do STA de 19/06/2019, proferido no processo n.º 02340/13.0BELRS (0683/17) [acórdão que versa a contribuição sobre o sector bancário] em julgamento ampliado desta Secção de Contencioso Tributário realizado ao abrigo do disposto no art. 148° do CPTA, em sentido que granjeia inteiramente a nossa concordância e para o qual se remete nos termos do nº5 do art. 663° do CPC, julgamento mediante o qual se visa, precisamente, «garantir a uniformidade de jurisprudência perante a possibilidade de decisões de sentido divergente ou, pelo menos, com variação substancial do tratamento das questões submetidas e de fundamentação da decisão (...)», dispensando-se qualquer reprodução por ambos os arestos se mostrarem acessíveis em www.dgsi.pt..
Em face da jurisprudência consolidada do Tribunal Constitucional e deste Supremo Tribunal Administrativo e, por paridade quanto à natureza jurídica de contribuição financeira da ora questionada taxa de subscrição e da não inconstitucionalidade do seu regime, adoptando o mesmo entendimento, impõe-se decidir em conformidade com tal jurisprudência.
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Há que ponderar a possibilidade da dispensa das partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça nos termos do artigo 6.º, n.º 7, do Regulamento das Custas Processuais, atenta a lisura das partes na condução processual, atento o nível de complexidade da causa, que se reconduziu a uma questão de ilegalidade e inconstitucionalidade da contribuição financeira por apelo a jurisprudência firme deste STA e do Tribunal Constitucional, atenta a desproporção entre esta complexidade e o elevado montante da taxa de justiça remanescente que resultará do seu apuramento em função do valor, de € 886.042,50, da causa, e bem assim atenta também a inconstitucionalidade já afirmada pelo Tribunal Constitucional de se fixarem custas unicamente em função do valor da causa e sem os limites co-naturais ao princípio da proporcionalidade.
Senão vejamos:
Nos termos do n.º 7 do art. 6.º do RCP, «[n]as causas de valor superior a (euro) 275.000, o remanescente da taxa de justiça é considerado na conta a final, salvo se a especificidade da situação o justificar e o juiz de forma fundamentada, atendendo designadamente à complexidade da causa e à conduta processual das partes, dispensar o pagamento».
Como este Supremo Tribunal Administrativo tem vindo a afirmar, a dispensa do remanescente da taxa de justiça tem natureza excepcional, pressupõe uma menor complexidade da causa e uma simplificação da tramitação processual aferida pela especificidade da situação processual e pela conduta das partes.
No que respeita à simplificação da tramitação processual, seja em razão da específica situação processual, seja pela conduta processual das partes, que se limitou ao que lhes é exigível e legalmente devido, não descortinamos motivo para a requerida dispensa.
Por outro lado, também se nos afigura insustentável a defesa da menor complexidade da causa. A presente impugnação judicial, pelas questões jurídicas nela suscitadas – que se referem à aplicação da lei no tempo sob a perspectiva da aplicação da lei nova aos factos tributários de formação sucessiva – deve até considerar-se de complexidade superior à média.
É certo que a taxa de justiça, como todas as taxas, assume natureza bilateral ou correspectiva (cfr. arts. 3.º, n.º 2, e 4.º, n.º 2, da Lei Geral Tributária), constituindo a contrapartida devida pela utilização do serviço público da justiça por parte do sujeito passivo.
Porém, como este Supremo Tribunal tem vindo a afirmar (Nesse sentido, a título exemplificativo e com citação de numerosa jurisprudência, o seguinte acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 8 de Outubro de 2014, proferido no processo n.º 221/12, disponível em www.dgsi.pt ), não se exige uma equivalência rigorosa entre o valor da taxa e o custo do serviço, que, as mais das vezes, nem seria viável apurar com rigor. Assim, como afirmou já o Tribunal Constitucional, o legislador dispõe de uma «larga margem de liberdade de conformação em matéria de definição do montante das taxas»; mas, como logo advertiu o mesmo Tribunal, é necessário que «a causa e justificação do tributo possa ainda encontrar-se, materialmente, no serviço recebido pelo utente, pelo que uma desproporção manifesta ou flagrante com o custo do serviço e com a sua utilidade para tal utente afecta claramente uma tal relação sinalagmática que a taxa pressupõe» (Cfr. os seguintes acórdãos do Tribunal Constitucional: n.º 227/2007, de 28 de Março de 2007, proferido no processo n.º 946/05; n.º 421/2013, de 15 de Julho de 2013, proferido no processo n.º 907/12, acessíveis em www.tribunalconstitucional.pt).
Mais tem vindo a considerar a jurisprudência constitucional que «os critérios de cálculo da taxa de justiça, integrando normação que condiciona o exercício do direito fundamental de acesso à justiça (art. 20.º da Constituição), constituem, pois, a essa luz, zona constitucionalmente sensível, sujeita, por isso, a parâmetros de conformação material que garantam um mínimo de proporcionalidade entre o valor cobrado ao cidadão que recorre ao sistema público de administração da justiça e o custo/utilidade do serviço que efectivamente lhe foi prestado (artigos 2.º e 18.º, n.º 2, da mesma Lei Fundamental), de modo a impedir a adopção de soluções de tal modo onerosas que se convertam em obstáculos práticos ao efectivo exercício de um tal direito».
Note-se, aliás, que foi para obviar à violação desses princípios constitucionais que o art. 2.º da Lei n.º 7/2012, de 13 de Fevereiro, aditou ao art. 6.º do RCP o n.º 7, que veio permitir (poder-dever) que se atenda ao referido limite máximo de € 275.000,00 e a dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça nas situações também já referidas (Para maior desenvolvimento, vide o acórdão da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 9 de Julho de 2014, proferido no processo n.º 1319/13, disponível em www.dgsi.pt/).
Como nesse aresto ficou dito, «No acórdão n.º 421/2013, de 15/7/2013, processo n.º 907/2012, in DR, 2.ª série - n.º 200, de 16/10/2013, pp. 31096 a 31098, o Tribunal Constitucional havia julgado inconstitucionais, por violação do direito de acesso aos tribunais, consagrado no art. 20.º da CRP, conjugado com o princípio da proporcionalidade, decorrente dos arts. 2.º e 18.º, n.º 2, segunda parte, da CRP, as normas contidas nos arts. 6.º e 11.º, conjugadas com a tabela I-A anexa, do Regulamento das Custas Processuais, na redacção introduzida pelo DL n.º 52/2011, de 13/4, (anteriormente, portanto, à alteração introduzida pela Lei n.º 7/2012, de 13/2) quando interpretadas no sentido de que o montante da taxa de justiça é definido em função do valor da acção sem qualquer limite máximo, não se permitindo ao tribunal que reduza o montante da taxa de justiça devida no caso concreto, tendo em conta, designadamente, a complexidade do processo e o carácter manifestamente desproporcional do montante exigido a esse título.
Neste mesmo sentido se decidira já nos acs. desta Secção do STA, de 31/10/12 e de 26/4/2012, nos procs. n.ºs 0819/12 e 0768/11, respectivamente».).
É certo que o juízo de proporcionalidade entre a taxa cobrada e o valor do serviço prestado se apresenta como problemático, pois envolve a ponderação de diversas variáveis, nem todas objectivas. Mas nem por isso o tribunal se pode eximir do mesmo.
Note-se, finalmente e justificando a dispensa parcial, que a norma do citado n.º 7 do art. 6.º do RCP, referindo apenas a dispensa, deve ser interpretada no sentido de ao juiz ser lícito dispensar o pagamento, quer da totalidade, quer de uma fracção ou percentagem do remanescente da taxa de justiça devida pelo facto de o valor da causa exceder o patamar de € 275.000, consoante o resultado da ponderação das especificidades da situação, feita à luz dos princípios da proporcionalidade e da igualdade (Admitindo a dispensa parcial do pagamento do remanescente da taxa de justiça e também decidindo nesse sentido, respectivamente, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 7 de Maio de 2014, proferido no processo n.º 1953/13; de 3 de Dezembro de 2014, proferido no processo n.º 1351/14; de 23 de Novembro de 2016, proferido no processo n.º 923/16, disponível em http://www.dgsi.pt ).
Assim, aplicando a referida interpretação normativa ao caso dos autos, ponderada a menor complexidade ou simplicidade da causa, a positiva atitude de cooperação das partes e considerando que nos termos do disposto no artigo 530.º/7 do CPC “para efeitos de condenação no pagamento de taxa de justiça, consideram-se de especial complexidade as ações e os procedimentos cautelares que: - Contenham articulados ou alegações prolixas; - Digam respeito a questões de elevada especialização jurídica, especificidade técnica ou importem a análise combinada de questões jurídicas de âmbito muito diverso; e - Impliquem a audição de um elevado número de testemunhas, a análise de meios de prova extremamente complexos ou a realização de várias diligências de produção de prova morosas, no caso dos autos, afigura-se-nos não revelar a acção uma especial complexidade nos termos enunciados, sendo certo que, a nosso ver, as partes tiveram um comportamento processual normal.
Termos em que concede a dispensa das partes do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
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3. Decisão

Em face do exposto, acorda-se nesta secção do contencioso tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida mas com a antecedente fundamentação.

Custas pela recorrente com dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.
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Lisboa, 23 de Outubro de 2024. - José Gomes Correia (relator) – Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Gustavo André Simões Lopes Courinha.