Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 02000/07.0BEPRT |
Data do Acordão: | 11/27/2019 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ARAGÃO SEIA |
Descritores: | IMPOSTO SOBRE PRODUTOS PETROLÍFEROS GASÓLEO INCONSTITUCIONALIDADE ORGÂNICA INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL JUROS INDEMNIZATÓRIOS ERRO IMPUTÁVEL AOS SERVIÇOS |
Sumário: | I - A norma do § 7.º da Portaria n.º 234/97, de 4 de Abril, na medida em que responsabiliza os proprietários ou os responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e marcado pelo pagamento do ISP resultante da diferença entre a taxa do imposto aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa do imposto aplicável ao gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem documentadas no sistema de controlo subjacente à obrigatoriedade de a venda ser feita a titulares de cartões com microcircuito, é organicamente inconstitucional, por violação dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i) da Constituição; II - Os juros indemnizatórios são devidos nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária quando se demonstre que houve erro imputável aos serviços; III - Não é imputável aos serviços o erro na aplicação de uma norma julgada inconstitucional, se não está em causa o desrespeito de normas constitucionais diretamente aplicáveis ou a aplicação de uma norma que já tenha sido declarada inconstitucional com força obrigatória geral. |
Nº Convencional: | JSTA000P25240 |
Nº do Documento: | SA22019112702000/07 |
Data de Entrada: | 04/23/2019 |
Recorrente: | COOPERATIVA AGRICOLA ........., CRL |
Recorrido 1: | AT-AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: COOPERATIVA AGRÍCOLA ……………., CRL, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto (TAF do Porto) datada de 11 de Outubro de 2018, que julgou improcedente a Impugnação Judicial deduzida contra o acto de liquidação de Imposto sobre os Produtos Petrolíferos e Energéticos (ISP) e juros compensatórios, da Alfândega do Freixieiro no âmbito FX/S/07/PC/05. Alegou, tendo apresentado conclusões, como se segue: I) Cooperativa Agrícola que tem por objeto o fornecimento aos associados de produtos, materiais e serviços destinados à agricultura, e adquire nesse âmbito gasóleo colorido e marcado para revenda a utilizadores finais, a ora Recorrente foi em Abril de 2006 sujeita a Ação de Inspeção levada a efeito pelos Serviços da Alfândega do Freixieiro que teve por objeto o controlo dos movimentos desse produto desde o início de 2004 até então. II) Os Serviços Aduaneiros concluíram pela ocorrência nesse período de uma diferença de 459.545,42€ entre as quantidades de gasóleo colorido e marcado vendidas pela ora Recorrente e as informaticamente registadas em terminal POS através de cartões de microcircuito atribuídos aos beneficiários do produto, e procederam por esse facto à liquidação de ISP respeitante a tal diferença e exigiram da ora recorrente o respetivo pagamento, com acréscimo de juros compensatórios e impresso. III) A ora Recorrente pagou em 25/05/2007, com juros de mora, os montantes liquidados, mas impugnou a liquidação efetuada, alegando, entre outros argumentos, que esses valores de ISP e acréscimos não podiam ser dela exigidos, por não haver norma válida de incidência subjetiva que a qualificasse como sujeito passivo e a responsabilizasse pelo imposto, o que não podia ser extraído nem do nº 5 do art. 74º do CIEC de 1999 nem do nº 7 da Portaria nº 234/97, invocados pelos Serviços Aduaneiros em fundamento da liquidação para lhe atribuírem a obrigação de pagamento. IV) Sustentou, nesse sentido, que o nº 5 do art. 74º do CIEC de 1999, com a redação que tinha à data dos factos, ocorridos entre o início de 2004 e Abril de 2006, dada pela Lei nº 109-B/2001, de 29/12 e anterior à da Lei nº 53-A/2006, de 27/12, considerando embora que o gasóleo colorido e marcado só poderia ser adquirido por titulares de cartões de microcircuito instituídos para controlo da sua utilização, não definia quaisquer factos constitutivos de uma obrigação tributária nem as pessoas obrigadas ao pagamento de imposto, V) E que, apesar de a Portaria nº 234/97, no seu nº 7, atribuir aos proprietários ou responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados à venda a público de gasóleo colorido e marcado a responsabilidade pelo pagamento de ISP relativo a quantidades desse produto que vendessem sem ficarem registadas no sistema informático, não o fazia validamente, por se tratar de uma diploma com natureza regulamentar e a matéria de incidência, objetiva como subjetiva, dos impostos, se subordinar a um princípio de legalidade fiscal consagrado no nº 2 do art. 103º da CRP e à reserva relativa de competência da AR consagrada na al. i) do nº 1 do seu art. 165º, sustentando assim a inconstitucionalidade, nessa parte, daquele diploma. VI) A Sentença Recorrida desatendeu todos os argumentos alegados pela ora Recorrente em fundamento da impugnação, considerando, quanto à arguida inconstitucionalidade do nº 7 da Portaria nº 234/97, que a questão já havia sido decidida, no sentido da constitucionalidade da norma, por Acórdão nº 321/2008 do TC. VII) Todavia, contra o decidido na Sentença Recorrida, esse nº 7 da Portaria nº 234/97, ao determinar a responsabilidade pelo pagamento de ISP dos titulares dos postos de venda a público de gasóleo colorido e marcado quanto a quantidades desse produto que vendam e não fiquem registadas no sistema informático através dos cartões de microcircuito, enferma efetivamente do vício de inconstitucionalidade que a aqui Recorrente lhe atribuiu. VIII) Na verdade, a definição das pessoas responsáveis pelo pagamento de ISP, respeitando à incidência subjetiva do imposto, subordina-se ao princípio da legalidade fiscal consagrado no nº 2 do art. 103º da CRP, segundo o qual os impostos são criados por lei, que determina a incidência, a taxa, os benefícios fiscais e as garantias dos contribuintes, não podendo ser definida por portaria, com natureza regulamentar. IX) E também não pode considerar-se, como inicialmente considerou o TC no Acórdão em que a Sentença Recorrida se fundou, que ao prever a responsabilidade pelo pagamento de ISP dos titulares dos postos de venda ao público de gasóleo colorido e marcado em caso de falta de registo informático, o nº 7 da Portaria nº 234/97 se teria limitado a dar atuação ao que já estaria validamente consagrado na al. e) do nº 2 do art. 3º do CIEC de 1999, que incluía entre os sujeitos passivos do imposto as pessoas que, em situação irregular, vendam produtos a ele sujeitos. X) Com efeito, respeitando a um elemento essencial do imposto, a matéria da incidência subjetiva contém-se no âmbito da reserva relativa de competência da AR a que se refere a al. i) do nº 1 do art. 165º da CRP, só podendo ser conformada por decreto-lei do Governo ao abrigo de autorização legislativa concedida nos termos dos nºs 2 e segs. da mesma disposição, e que deve definir com precisão o seu objeto, sentido e extensão. XI) Ora o Governo aprovou o CIEC de 1999, pelo Dec.-Lei nº 566/99, ao abrigo de autorização concedida pela Lei nº 87-B/98, de 31/12, que lhe permitia codificar num único diploma as matérias anteriormente constantes de uma pluralidade deles, harmonizando os regimes entre si e com a LGT, mas sem alteração das regras de incidência e taxas. XII) E anteriormente ao CIEC de 1999, a matéria da incidência subjetiva do ISP encontrava-se consagrada no art. 6º do Dec.-Lei nº 123/94, que previa como sujeitos passivos do imposto as pessoas em nome das quais os produtos fossem declarados para introdução no consumo e, no caso de detenção ou introdução irregular no consumo, as pessoas que detivessem, utilizassem ou tivessem beneficiado com o consumo dos produtos. XIII) Sendo o gasóleo colorido e marcado regularmente introduzido no consumo pelas companhias petrolíferas habilitadas com o estatuto de depositário autorizado à saída dos entrepostos fiscais, nos quais se procede à sua coloração e marcação, os titulares dos postos que subsequentemente o vendem ao público não são pessoas em nome das quais o produto é introduzido no consumo, que estivessem contemplados no nº 1 do art. 6º do Dec.-Lei nº 123/94, nem a venda por eles efetuada sem registo informático se incluía nos casos de detenção ou introdução no consumo irregular previstos no nº 2, de modo a poderem ser considerados sujeitos passivos por força desta disposição, XIV) Pelo que da interpretação da al. e) do nº 2 do art. 3º do CIEC de 1999 com o sentido de consagrar a responsabilidade dos titulares dos postos de venda de gasóleo colorido e marcado pelo pagamento de ISP, em caso de venda desse produto sem registo no sistema informático, resultaria a criação, por essa norma, de uma categoria de sujeitos passivos que não se continha na lei anterior, sem que o Governo que criou o novo diploma estivesse para esse efeito habilitado com a necessária credencial parlamentar. XV) Na medida em que responsabilizassem os titulares dos postos de venda a público de gasóleo colorido e marcado por ISP respeitante a vendas desse produto que não ficassem registadas no sistema informático, ampliando o âmbito de incidência subjetiva do imposto, tanto a norma do nº 7 da Portaria nº 234/97 como a da al. e) do nº 2 do art. 3º do CIEC de 1999 eram inconstitucionais, por violação do estabelecido nos arts. 103º, nº 2 e 165º, nº 1, al. i) da CRP, conforme veio a ser reconhecido, posteriormente ao Acórdão do TC em que a Sentença Recorrida se fundou, pelo Acórdão nº 176/2010 do Pleno do mesmo Tribunal, e foi depois sistematicamente confirmado em numerosas decisões do TC e do STA. XVI) Essa inconstitucionalidade veio a ser superada com a entrada em vigor, em 01/01/2007, da Lei nº 53-A/2006, e a nova redação que deu ao nº 5 do art. 74º do CIEC de 1999, com a qual ficou consagrada, através de lei da AR, a responsabilidade pelo pagamento de ISP dos proprietários ou responsáveis legais pela exploração de postos de venda a público de gasóleo colorido e marcado que vendessem esse produto sem registo informático através dos cartões de microcircuito, mas sem aplicabilidade, face ao estabelecido no nº 3 do art. 103º da CRP e no nº 1 dos arts. 12º da LGT e do Código Civil, a factos anteriores, como os que estão em causa neste processo, ocorridos entre o início de 2004 e Abril de 2006. XVII) A Sentença Recorrida incorreu, portanto, em violação do disposto nos arts. 103º, nº 2 e 165º, nº 1, al. i), da CRP, ao confirmar a liquidação impugnada, que tinha considerado a ora Recorrente responsável pelo pagamento e ISP por ter sido encontrada uma diferença entre as quantidades de gasóleo colorido e marcado por ela vendidas e as registadas no sistema informático através de cartões de microcircuito, baseando-se para tanto no disposto no nº 7 da Portaria nº 234/97. XVIII) Devia, ao invés, a Sentença Recorrida ter desaplicado esta norma e anulado a liquidação, e não o fazendo violou o estabelecido tanto naqueles arts. 103º, nº 2 e 165º, nº 1, al. i), como nos arts. 204º e 277º também da CRP, além do determinado nº 2 do art. 1º do ETAF. XIX) Contra o que nessa Sentença se decidiu, deve decidir-se agora, em observância destes arts. 204º e 277º da CRP e 1º, nº 2, do ETAF, pela desaplicação da norma do nº 7 da Portaria nº 234/97, por violar o disposto nos arts. 103º, nº 2 e 165º, nº 1, al. i) da CRP, desaplicando-se identicamente a norma da al. e) do nº 2 do art. 3º do CIEC de 1999, também violadora dos mesmos arts. 103º, nº 2, e 165º, nº 1, al. i), se interpretada com o sentido de responsabilizar os vendedores a público de gasóleo colorido e marcado pelo pagamento de ISP respeitante a quantidades desse produto vendidas sem registo informático através dos cartões de microcircuito. XX) E como o nº 5 do art. 74º do CIEC, na redação anterior à da Lei nº 53-A/2006, também não definia pessoas responsáveis pelo pagamento do ISP, terá de concluir-se que não existe norma suscetível de fundamentar a responsabilidade da aqui Recorrente pelo pagamento de qualquer valor desse imposto, a pretexto de ter vendido quantidades de gasóleo colorido e marcado que não ficaram registadas no sistema informático de controlo, contrariamente ao que a liquidação impugnada considerou. XXI) Deverá, nessa conformidade, e na procedência da impugnação, revogar-se a Sentença Recorrida e anular-se a liquidação impugnada, com as legais consequências, desde logo a restituição à aqui Recorrente dos valores de ISP e acréscimos que a Administração Aduaneira dela cobrou. XXII) Julgando-se a impugnação procedente, deverá também reconhecer-se o direito da aqui Recorrente a reaver com juros indemnizatórios os montantes que indevidamente lhe foram exigidos, para que seja compensada do desembolso e em ordem à plena reconstituição da situação que existiria se o ato anulado não tivesse sido praticado, XXIII) Posto que a obediência da Administração à lei abrange todos os graus hierárquicos, e a obrigação de pagamento de juros indemnizatórios consagrada no art. 43º da LGT tem natureza civil extracontratual que inclui a responsabilidade por atos normativos, devendo essa norma ser interpretada com o sentido de conferir também aos contribuintes direito a esses juros em caso de anulação judicial da liquidação tributária por inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma legislativa ou regulamentar que a fundou. Não houve contra-alegações. O Ministério Público notificado, pronunciou-se pela procedência do recurso, entendendo contudo que não há lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do artº 43º da LGT, por o fundamento ser a inconstitucionalidade das invocadas disposições legais. Colhidos os vistos legais cumpre decidir. Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta: 1) A Impugnante é uma cooperativa agrícola que tem por objecto o fornecimento aos associados de produtos, materiais e serviços directamente destinados à agricultura; 2) No âmbito desse exercício adquire para revenda a utilizadores finais gasóleo colorido e marcado; 3) Em Abril de 2006 a impugnante foi sujeita a inspecção pelos serviços da Alfandega do Freixieiro que visou o controlo físico, documental e contabilístico do gasóleo colorido e marcado movimentado pela Impugnante desde 2004; 4) Os serviços aduaneiros encontraram uma diferença de 459.545,42 litros de gasóleo colorido correspondente às diferenças entre as quantidades vendidas e as quantidades registadas, tendo concluído que a Impugnante vendeu essa quantidade sem que houvesse registo no POS detido pela firma através da utilização de cartão com microcircuito; 5) As referidas diferenças constam do relatório final de inspecção, no PA, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido; 6) Tendo a ATA procedido à liquidação de ISP sobre essa quantidade, que fixou em €120.354,95 em função da taxa estabelecida para o gasóleo colorido à data do varejo (Abril de 2006), acrescida de €5.354 de juros compensatórios e de €1,60 de impresso; 7) Por ofício de 12/06/2007 a Impugnante foi notificada dos montantes a pagar; 8) Em 25/07/2007 a Impugnante procedeu ao pagamento desse montante; 9) Acrescido de €2.514,23 de juros de mora; Nada mais se deu como provado. Há que conhecer do recurso que nos vem dirigido. A questão aqui trazida já há muito se encontra resolvida na jurisprudência do Tribunal Constitucional e deste Supremo Tribunal, precisamente em sentido contrário ao defendido na sentença recorrida. A este propósito escreveu-se no acórdão datado de 16.11.2011, recurso n.º 0194/11: A legalidade da norma do artigo 7º da Portaria nº 234/97, na vertente de reserva de lei ou conformidade, quanto à natureza do parâmetro normativo requerido pela Constituição, já foi objecto de várias decisões, quer do Tribunal Constitucional quer do Supremo Tribunal Administrativo, tendo-se consolidado a tese de que aquela norma (e também a alínea e) do nº 2 do art. 3º do Código dos Impostos Especiais sobre o Consumo – CIEC aprovado pela DL nº 566/99 de 22/12) é organicamente inconstitucional. Aquele artigo 7º prescreve o seguinte: «Os proprietários ou os responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e marcado só poderão vender o produto aos titulares de cartões com microcircuito, emitidos sob a responsabilidade do Ministério da Agricultura, do Desenvolvimento Rural e das Pescas, sendo responsáveis pelo pagamento do ISP e respectivo IVA resultantes da diferença entre a taxa do imposto aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa do imposto aplicável ao gasóleo colorido e marcado em relação às quantidades que venderem e que não fiquem documentadas no movimento contabilístico do posto». A questão da constitucionalidade desta norma foi levantada pela primeira vez no acórdão do STA de 3/10/2007, proferido no recurso nº 363/07, onde se considerou que, qualquer que seja a perspectiva, a estatuição contida nessa norma insere-se na reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República: «é uma norma que prevê o pagamento da taxa correspondente ao gasóleo rodoviário relativamente a factos tributários que não consistem na comercialização deste tipo de mercadoria, sendo desta perspectiva, uma norma definidora da incidência objectiva do ISP; ou, doutra perspectiva, uma norma que «impõe a quem não vendeu gasóleo rodoviário o pagamento do imposto correspondente à sua comercialização, na parte em que este imposto excede o correspondente à comercialização de gasóleo marcado e colorido, sendo, desta óptica, uma norma que define a incidência subjectiva do ISP»; Ou, ainda doutra perspectiva, a norma «reconduz-se a aplicar a taxa correspondente à comercialização de gasóleo rodoviário, à comercialização de gasóleo marcado e colorido, sendo, por isso, uma norma definidora da taxa aplicável à comercialização deste tipo de gasóleo, em termos diferentes da prevista no Código, nas circunstâncias aí indicadas». Este acórdão foi objecto de recurso para o Tribunal Constitucional, tendo este decidido, em acórdão de 18/6/2008, com o n.º 321/2008, e publicado no DR II Série, n.º 154, que a norma constante do n.º 7 da Portaria 234/97, de 4 de Abril, não reveste carácter inovatório, limitando-se a precisar mecanismos de cobrança do imposto devido nos termos dos artigos 3.º, n.º 2, alínea e) e 74.º do CIEC, não sendo, por isso, inconstitucional na parte em que prevê a responsabilidade dos proprietários ou dos responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e marcado pela diferença entre o montante do ISP liquidado e pago e a que seria devida se se tratasse de gasóleo rodoviário. Nesse acórdão argumentou-se que, «mesmo antes da introdução da redacção actualmente vigente do n.º 5 do artigo 74º do CIEC – recorde-se, pelo artigo 69º da Lei n.º 53-A/2006, de 31 de Dezembro –, aquele diploma legal já permitia concluir pela responsabilidade tributária dos vendedores de gasóleo colorido ou marcado a consumidores não portadores de cartão válido. É que, sempre que o gasóleo não se destinasse àquelas finalidades, seria evidente que a venda se afiguraria como irregular, ficando sujeita à taxa normal de imposto especial sobre o consumo. Ora, na medida em que a alínea e) do n.º 2 do artigo 3º do CIEC sempre determinou a sujeição a imposto das pessoas singulares ou colectivas que vendessem, de modo irregular, produtos sujeitos a imposto especial de consumo, torna-se forçoso concluir que o disposto no § 7º da Portaria n.º 234/97 não pode afigurar-se como inovatório face ao já preceituado nos referidos preceitos legais do CIEC». A conclusão a que chegou o Tribunal Constitucional nesse processo, acabou por influenciar de certo modo uma nova decisão do STA sobre a mesma matéria, tomada no recurso nº 836/08, de 3/12/2008, onde, embora com voto de vencido, se aderiu àqueles argumentos, julgando-se que «o n.º 7 da Portaria n.º 234/97, de 4 de Abril, não é material nem organicamente inconstitucional, na parte em que prevê a responsabilidade dos proprietários ou dos responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e marcado pela diferença entre o montante do ISP liquidado e pago e a que seria devida se se tratasse de gasóleo rodoviário, em relação às quantidades vendidas e não devidamente registadas no sistema informático subjacente aos cartões com microcircuito atribuídos». Tendo sido interposto recurso deste acórdão, o Tribunal Constitucional, reunido em plenário, refez a posição anteriormente tomada no acórdão nº 321/2008, e decidiu julgar organicamente inconstitucional, por violação dos artigos 103.º, n.º 2, e 165.º, n.º 1, alínea i), da Constituição (na sua numeração actual), a norma do § 7.º da Portaria n.º 234/97, de 4 de Abril, na medida em que responsabiliza os proprietários ou os responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e marcado pelo pagamento do ISP resultante da diferença entre a taxa do imposto aplicável ao gasóleo rodoviário e a taxa do imposto aplicável ao gasóleo colorido e marcado, em relação às quantidades que venderem e que não fiquem documentadas no sistema de controlo subjacente à obrigatoriedade de a venda ser feita a titulares de cartões com microcircuito. Depois de pôr em confronto o conteúdo prescritivo da norma do nº 7 da mencionada Portaria (e do próprio artigo 3º, nº 2 alínea e) do CIEC), com o quadro legal anterior, concluiu que «uma leitura contextualizada e sistémica dos conceitos indeterminados constantes da norma do n.º 2 do artigo 6.º do Decreto-Lei n.º 123/94 não permite a interpretação de que esta norma é susceptível de abranger os proprietários ou os responsáveis legais pela exploração dos postos de abastecimento enquanto responsáveis pelo pagamento da diferença entre a taxa normal e a taxa reduzida, nos casos de venda irregular acima referidos. O que leva a concluir pela “novidade” da previsão normativa constante do § 7.º da Portaria n.º 234/97, relativamente à legislação que a antecedeu». E na medida em que anteriormente nada se previa quanto às condições em que se verifica a responsabilidade dos proprietários e responsáveis legais pela exploração de postos de abastecimento no conjunto dos sujeitos passivos, nada se definia sobre a incidência objectiva e subjectiva relativamente a um “produto petrolífero misto” para efeitos tributários, com as “características físicas do gasóleo colorido e marcado, mas a que é aplicável a taxa do gasóleo rodoviário”, conclui-se que o § 7 da Portaria nº 234/97 é organicamente inconstitucional, por violação do princípio constitucional da reserva da lei fiscal. A divergência de soluções quanto à questão da constitucionalidade desta norma tomadas nos acórdãos do STA nº 363/07 e nº 836/08, acima referidos, os quais também foram objecto de acórdãos divergentes do Tribunal Constitucional, foi por sua vez objecto do recurso por oposição de julgados – o recurso nº 173/10 - tendo o Pleno da Secção do Contencioso Tributário assumido a última posição do Tribunal Constitucional no acórdão de 16/12/2010. Para o STA, na respectiva Secção, está assente que o § 7 da Portaria nº 234/97 sofre de inconstitucionalidade orgânica. Remetendo-se para a fundamentação deste último acórdão, com o qual se concorda inteiramente, considera-se também que «de acordo com o disposto no nº 5 do art. 74º do CIEC (na redacção introduzida pelo DL 223/2002, de 30/10, que é a aplicável tendo em conta a data dos factos) a venda de gasóleo marcado e colorido com violação do disposto no nº 4 do mesmo normativo, faz incorrer os responsáveis pela venda, aquisição ou consumo nas sanções previstas no RGIT ou em legislação especial, não resultando do mesmo CIEC que a venda de gasóleo marcado e colorido a quem não seja titular de cartão com microcircuito, altere a natureza jurídica desse gasóleo, designadamente que estabeleça que ele passa a ser considerado gasóleo rodoviário, ficando a sua comercialização sujeita às taxas aplicáveis à comercialização deste tipo de produto petrolífero, havemos de concluir que o § 7 da Portaria nº 234/97, de 4/4, na medida em que atribui aos proprietários ou aos responsáveis legais pela exploração dos postos autorizados para a venda ao público do gasóleo colorido e marcado, a responsabilidade pelo pagamento de ISP e IVA resultantes da diferença entre o imposto aplicável ao gasóleo rodoviário e o imposto aplicável ao gasóleo colorido e marcado em relação às quantidades que venderem e que não fiquem documentadas no movimento contabilístico do posto, é uma norma que altera a taxa ou a incidência do ISP e, reflexamente, a incidência do IVA, nestas situações». E igualmente se conclui que a «tipificação dos elementos objectivos e subjectivos exigidos para aquela responsabilização também não pode ser retirada da conjugação da dita Portaria com a al. e) do nº 2 do art. 3º e com o art. 74º, ambos do CIEC (na redacção anterior à Lei nº 53-A/2006), uma vez que aí apenas se estabelecia a obrigação de utilização de cartões de microcircuito em todos os abastecimentos efectuados (como forma de evitar situações de abastecimento de gasóleo colorido e marcado por pessoas que legalmente não podiam efectuar esses abastecimentos, ou seja, que não podiam beneficiar da taxa reduzida a estes aplicada), bem como a aplicação de “sanções” em caso de venda sem cumprimento destas regras. Ora, uma vez que a norma constante do § 7º da Portaria nº 234/97 tem natureza meramente regulamentar e, de acordo com o princípio da legalidade fiscal, os impostos e a definição dos seus elementos essenciais só podem ser criados por lei ou por decreto-lei emitido ao abrigo de autorização legislativa (cfr. al. i) do nº 1 e o nº 2 do art. 165º da CRP), há, finalmente, que concluir que aquele citado § 7 da Portaria nº 234/97 sofre da invocada inconstitucionalidade orgânica». Em face de tudo o que se vem dizendo, e estando vedado aos tribunais aplicar normas que infrinjam o disposto na Constituição ou os princípios nela consignados (cfr. art. 204º da CRP e nº 2 do art. 1 do ETAF), a liquidação impugnada enferma de vício de violação de lei, o que determina a sua anulação. Como o acórdão recorrido, em parte, aplicou o § 7 da Portaria 234/97, o mesmo não pode manter-se e consequentemente o recurso procede. Também agora no caso dos autos se continuam a manter válidos os argumentos vertidos neste acórdão, havendo por isso, que reconhecer razão à recorrente. Pretende ainda a recorrente ao recebimento de juros indemnizatórios nos termos do artigo 43º da LGT. Já vimos que o fundamento da procedência da impugnação traduz-se na desaplicação do disposto no § 7 da Portaria nº 234/97 por se encontrar afectado de inconstitucionalidade orgânica, sendo certo que a jurisprudência tem entendido que no caso de anulação da liquidação com fundamento na inconstitucionalidade da norma em que se apoia, não existe o direito ao recebimento de juros indemnizatórios. A propósito desta questão escreveu-se no recente acórdão deste Supremo Tribunal, datado de 30.10.2019, recurso n.º 1344/11.1BELRS: O artigo 43.º da Lei Geral Tributária consagra um meio célere e simplificado de o sujeito passivo da relação jurídica tributária ser indemnizado pela prática de atos ilegais por parte da Administração Tributária no próprio procedimento ou processo onde for reconhecida a ilegalidade. Em contrapartida, a indemnização por este meio obtida é atribuída sob a forma de juros calculados a uma taxa legal. As especificidades deste meio célere e simplificado de aceder à indemnização justifica, por um lado, o recurso a uma série de presunções ou ficções legais para desonerar o sujeito passivo de demonstrar a verificação em concreto de alguns requisitos do direito à indemnização e, por outro lado, a introdução de algumas condições específicas que estreitam os casos em que os juros indemnizatórios são devidos. Assim, prescinde-se da imputação do facto a um agente em concreto (culpa) e até da demonstração de que não é possível fazer-se essa imputação subjetiva, bastando-se o legislador com uma imputação objetiva a um serviço da Administração Tributária. Também se prescinde da demonstração dos danos (que se presumem em montante igual ao dos juros) e, por consequência, do estabelecimento do nexo causal entre estes o facto. Em contrapartida, exige-se que o comportamento específico por parte da Administração Tributária: ou um ato tributário de liquidação, ou a emissão de orientações genéricas seguidas pelo contribuinte na sua declaração, ou a omissão do dever de rever essa liquidação ou de restituir o tributo liquidado dentro de determinado prazo. Por outro lado, exige-se uma forma específica de ilicitude: a violação pelos serviços da Administração Tributária da lei tributária substantiva, de que resulte não ser devido o tributo cobrado. Finalmente, exige-se a verificação de um resultado específico: o pagamento do tributo indevido. … Não lhe pode ser imputada a ilicitude porque não estava na disponibilidade da Administração Tributária uma atuação diversa da adotada. E não estava na sua disponibilidade, porque não lhe é concedido o direito de recusa de uma norma entendida inconstitucional. Ora, embora derive da alínea a) do n.º 2 do artigo 95.º da Lei Geral Tributária que a autoliquidação é também considerada, para os efeitos dessa lei, como «liquidação de tributos», resulta do próprio dispositivo em causa que não deve ser assim interpretado para delimitação dos requisitos do direito a juros indemnizatórios. O n.º 2 do artigo 43.º especifica o caso de a liquidação ter sido efetuada com base na declaração do contribuinte, o que demonstra que o legislador só tinha ali em vista a liquidação administrativa. O único comportamento que, no caso, poderia ser imputado à Administração Tributária seria a omissão do dever de rever a autoliquidação no próprio procedimento de reclamação graciosa instaurado pela RECORRIDA. Na verdade, se a lei consagra o direito a juros indemnizatórios quando, verificadas certas condições, a própria Administração Tributária revê a liquidação [ver a alínea c) do n.º 3 do mesmo dispositivo], poderia defender-se que, por maioria de razão, deveria existir esse direito quando a Administração Tributária fosse chamada a revê-la e não o fez indevidamente. Poderia então falar-se na «administrativização» do erro do sujeito passivo: ao sancionar que não existe o erro (substancial) que o sujeito passivo imputou à autoliquidação, a Administração Tributária estaria, por assim dizer, a reincidir no erro que o sujeito passivo quis corrigir. Mas é uma hipótese que não vale a pena considerar aqui. Porque, na esteira de diversa doutrina, vem sendo entendido por este Tribunal, de forma reiterada e consistente, que a Administração Tributária não pode recusar-se a aplicar uma norma com fundamento na sua inconstitucionalidade, a menos que o Tribunal Constitucional já tenha declarado a inconstitucionalidade da mesma com força obrigatória geral ou esteja em causa o desrespeito por normas constitucionais diretamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias [ver. por todos, o acórdão deste Tribunal de 12 de outubro de 2011, processo n.º 860/10]. E que, nestes casos, não podendo a Administração Tributária decidir de outro modo, também não lhe pode ser assacada a responsabilidade por decidir no sentido em que decidiu. O que significa que não pode ser condenada no pagamento dos juros indemnizatórios, por falta de um dos requisitos de que depende a atribuição deste direito: a imputação do erro respetivo aos serviços [ver, entre muitos, o Acórdão deste Tribunal de 2017/03/22, Processo n.º 0471/14]. Jurisprudência de cuja fundamentação não se vê agora razão para divergir. É certo que a Lei n.º 9/2019, de 1 de fevereiro veio, entretanto, aditar uma alínea d) ao n.º 3 do artigo 43.º da Lei Geral Tributária, nos termos da qual são devidos juros indemnizatórios em caso de decisão judicial transitada em julgado que declare ou julgue a inconstitucionalidade da norma legislativa em que se fundou a liquidação e que determine a sua devolução. Mas, como deriva do seu artigo 3.º, esta alteração só se aplica a liquidações posteriores a 1 de janeiro de 2011. Sendo a liquidação em causa nos autos anterior àquela data, Janeiro de 2011, impõe-se que se mantenha a jurisprudência deste Supremo Tribunal. Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em, dando provimento ao recurso, revogar a sentença proferida em 1ª instância e julgar procedente a impugnação, assim se anulando a liquidação impugnada. Mais se absolve a recorrida do pagamento dos juros indemnizatórios. Custas em ambas as instâncias pela recorrida. D.n. Lisboa, 27 de Novembro de 2019. – Aragão Seia (relator) – Suzana Tavares da Silva – Aníbal Ferraz. |