Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0636/18.3BELRS |
Data do Acordão: | 01/13/2021 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FRANCISCO ROTHES |
Descritores: | REVISTA APRECIAÇÃO PRELIMINAR CPPT |
Sumário: | I – O recurso de revista excepcional previsto no art. 150.º do CPTA não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso. II – Justifica-se a admissão da revista relativamente à questão de saber se o pedido de dispensa da prestação de garantia, se formulado com a comunicação da intenção de deduzir reclamação graciosa, mas antes da apresentação desta, pode ser indeferido por intempestividade, à luz do disposto no n.º 4 do art. 170.º do CPPT, caso a reclamação graciosa não seja deduzida no prazo de 10 dias, a contar da apresentação daquele pedido. III - Essa questão reveste importância fundamental, pela sua relevância jurídica e, de igual modo, a sua resolução por este Supremo Tribunal impõe-se em ordem à melhor aplicação do direito, atenta a capacidade de expansão da controvérsia, pela susceptibilidade de repetição e por a sua solução poder ser um paradigma ou orientação para apreciação de outros casos, o que significa que a utilidade da decisão ultrapassa, claramente, os limites do caso concreto. |
Nº Convencional: | JSTA000P26998 |
Nº do Documento: | SA2202101130636/18 |
Data de Entrada: | 11/13/2020 |
Recorrente: | A............, LDA. |
Recorrido 1: | AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Apreciação preliminar da admissibilidade do recurso excepcional de revista interposto no processo n.º 636/18.3BELRS
1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada, inconformada com o acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 13 de Setembro de 2018 (Disponível em «IV- CONCLUSÕES A) O presente recurso de revista tem por objecto o Acórdão proferido pelo TCAS, do qual foi a Recorrente notificada em 20.09.2018, que concedeu provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, tendo revogado a sentença recorrida e confirmado o despacho reclamado, que indeferiu o pedido de dispensa de garantia com fundamento na sua extemporaneidade; B) Os pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso de revista, estabelecidos no artigo 150.º, do CPTA, encontram-se reunidos in casu, pelo que deve o mesmo ser admitido; C) Em causa encontram-se questões passíveis de se repetir num número indeterminado de casos futuros, o que torna a admissão da revista claramente necessária para a melhor aplicação do direito, nos termos do n.º 1, do artigo 150.º, do CPTA; D) Por outro lado, uma das questões que pretende a Recorrente ver apreciada em sede de revista reveste uma relevância social que lhe imprime a importância fundamental a que se reporta o n.º 1, do artigo 150.º, do CPTA, e que se assume como um dos pressupostos que justifica a admissibilidade do recurso de revista; E) As questões que se colocam no caso sub judice que justificam a necessidade de admissão da revista para que se proceda a uma melhor aplicação do direito – uma das quais reveste uma relevância social fundamental conforme se detalhará – são as seguintes: F) Estas questões resultam de o Tribunal a quo ter considerado que a apresentação antecipada, em face do prazo estabelecido no artigo 170.º, n.º 1 do CPPT, do pedido de dispensa de garantia tem como conditio sine qua non a dedução do meio gracioso ou judicial tendente à discussão da legalidade ou exigibilidade da dívida no prazo de 10 dias previsto no artigo 170.º, n.º 4 do CPPT; G) Impõe-se, assim, clarificar se, à semelhança do que sucede no caso do pedido de prestação de garantia, cujo propósito é o mesmo do pedido de dispensa de garantia – suspensão provisória do processo de execução fiscal – para decidir o pedido de dispensa de garantia basta a indicação, por parte do executado, da intenção de vir a deduzir meio gracioso ou judicial tendente à discussão da legalidade ou exigibilidade da dívida; H) Ou, no limite, se a consequência da apresentação antecipada do pedido de dispensa de garantia será o conhecimento do mesmo por parte da AT apenas após a apresentação do meio de reacção que o executado haja indicado como tendo intenção de usar; I) Estranho seria já, contudo, aceitar-se o entendimento de acordo com o qual o pedido de dispensa de garantia pode ser antecipado, embora para poder sê-lo, tenha de ser deduzido em dez dias o meio gracioso ou judicial tendente à discussão da legalidade ou exigibilidade da dívida, por se tratar de interpretação que, restringindo desnecessariamente direitos liberdades e garantias dos contribuintes (no caso, o direito a uma tutela jurisdicional efectiva, consagrado no artigo 20.º, n.º 1 da CRP) desrespeitaria o artigo 18.º, n.º 2 da CRP e, simultaneamente, consubstanciaria uma interpretação contrária ao princípio pro actione, por seu turno corolário daquele princípio a uma tutela jurisdicional efectiva, revelando-se por isso materialmente inconstitucional; J) A segunda questão encontra-se relacionada com o facto de, por via da interpretação sancionada no Acórdão recorrido, se transformar o prazo de decisão do pedido de dispensa de garantia (previsto no artigo 170.º, n.º 4 do CPPT) no prazo para deduzir o meio gracioso ou judicial através do qual se discute a legalidade ou exigibilidade da dívida (previsto em diferentes artigos, como o artigo 70.º, n.º 1 do CPPT, o artigo 102.º, n.º 1 do CPPT, o artigo 10.º, n.º 1 do RJAT, o artigo 203.º, n.º 1 do CPPT, etc.), em violação do princípio da tipicidade, na vertente de reserva material da lei, de acordo com o qual a matéria das garantias dos contribuintes deve constar de lei (como consta in casu, embora em nenhum caso o prazo legalmente previsto seja de dez dias); K) A terceira questão, por seu turno, tem que ver com o facto de a interpretação veiculada no Acórdão recorrido, desincentivando de forma significativa e velada a apresentação antecipada do pedido de dispensa de garantia – porquanto apenas a admite se acompanhada do meio gracioso ou judicial tendente à discussão da legalidade ou exigibilidade da dívida no prazo de dez dias – contraria o princípio geral univocamente reconhecido em jurisprudência do STA de acordo com o qual os prazos processuais, não podendo ser excedidos, podem em regra ser antecipados; L) Todas estas questões integram uma matéria que, ultrapassando os limites dos casos concreto e afectando interesses comunitários relevantes, reclamam uma decisão deste Supremo Tribunal nos termos definidos para a revista pelo artigo 150.º do CPTA, revestindo uma delas uma relevância social que lhe imprime a importância fundamental a que se reporta aquela mesma disposição legal. V- DO PEDIDO Nestes termos e nos mais de Direito, se requer a V. Exas. se dignem admitir o presente recurso de revista e revogar o acórdão recorrido, substituindo-o por outro que, com base na pronúncia acerca das questões acima identificadas, determine a anulação do despacho reclamado que indeferiu o pedido de dispensa de garantia com base na sua intempestividade, com as demais consequências legais». 1.2 A Fazenda Pública não apresentou contra-alegações. 1.3 O Procurador-Geral-Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido da admissão da revista. Isto, após tecer diversos considerando sobre o objecto do recurso e os requisitos da admissibilidade da revista e a interpretação que dos mesmos tem vindo a ser efectuada pela jurisprudência, com a seguinte fundamentação: «Em consonância com a recorrente, entendemos que se verificam os pressupostos de admissão do recurso excepcional de revista. 1.4 Cumpre apreciar e decidir da admissibilidade do recurso, nos termos do disposto no n.º 6 do art. 150.º do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) (Apesar de entretanto, após a alteração introduzida no regime de recursos da jurisdição tributária pela Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro, o recurso de revista excepcional ter passado a ter previsão no art. 285.º do CPPT, que decalca o regime do art. 150.º do CPTA, o novo regime apenas é aplicável «[a]os recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor da presente lei», nos termos da alínea c) do n.º 1 do art. 13.º da referida Lei.). * * * 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1 DE FACTO Nos termos do disposto nos arts. 663.º, n.º 6, e 679.º do Código de Processo Civil (CPC), aplicáveis ex vi do art. 281.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), remete-se para a matéria de facto constante do acórdão recorrido. * 2.2 DE FACTO E DE DIREITO 2.2.1 DOS PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO 2.2.1.1 Em princípio, as decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos não são susceptíveis de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo; mas, excepcionalmente, tais decisões podem ser objecto de recurso de revista em duas hipóteses: i) quando estiver em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, assuma uma importância fundamental ou ii) quando a admissão da revista for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito (cf. art. 150.º, n.º 1, do CPTA). 2.2.1.2 Como a jurisprudência também tem vindo a salientar, incumbe ao recorrente alegar e demonstrar essa excepcionalidade, que a questão que coloca ao Supremo Tribunal Administrativo assume uma relevância jurídica ou social de importância fundamental ou que o recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. Ou seja, em ordem à admissão do recurso de revista, a lei não se satisfaz com a invocação da existência de erro de julgamento no acórdão recorrido, devendo o recorrente alegar e demonstrar que se verificam os referidos requisitos de admissibilidade da revista (cf. art. 144.º, n.º 2, do CPTA e art. 639.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, subsidiariamente aplicável). 2.2.1.3 Na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema» (Cf., por todos, o acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo de 2 de Abril de 2014, proferido no processo n.º 1853/13, disponível em 2.2.2 O CASO SUB JUDICE 2.2.2.1 O recurso vem interposto do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul que, concedendo provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública, revogou a sentença proferida no Tribunal Tributário de Lisboa e, em substituição, manteve o despacho do órgão da execução fiscal que aquela anulara, de indeferimento, por extemporaneidade, do pedido de dispensa da prestação de garantia formulado pela sociedade ora Recorrente. 2.2.2.2 A nosso ver, e tendo sempre presente que no caso está em causa apenas indagar da tempestividade do pedido de dispensa de prestação de garantia – que não da susceptibilidade de o pedido formulado nesses termos ter efeito suspensivo provisório – é manifesta quer a relevância jurídica da questão, quer a necessidade de admitir o recurso em ordem à melhor aplicação do direito. 2.2.3 CONCLUSÕES Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões: I - O recurso de revista excepcional previsto no art. 150.º do CPTA não corresponde à introdução generalizada de uma nova instância de recurso, funcionando apenas como uma “válvula de segurança” do sistema, pelo que só é admissível se estivermos perante uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental, ou se a admissão deste recurso for claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, incumbindo ao recorrente alegar e demonstrar os requisitos da admissibilidade do recurso. II - Justifica-se a admissão da revista relativamente à questão de saber se o pedido de dispensa da prestação de garantia, se formulado com a comunicação da intenção de deduzir reclamação graciosa, mas antes da apresentação desta, pode ser indeferido por intempestividade, à luz do disposto no n.º 4 do art. 170.º do CPPT, caso a reclamação graciosa não seja deduzida no prazo de 10 dias, a contar da apresentação daquele pedido. III - Essa questão reveste importância fundamental, pela sua relevância jurídica e, de igual modo, a sua resolução por este Supremo Tribunal impõe-se em ordem à melhor aplicação do direito, atenta a capacidade de expansão da controvérsia, pela susceptibilidade de repetição e por a sua solução poder ser um paradigma ou orientação para apreciação de outros casos, o que significa que a utilidade da decisão ultrapassa, claramente, os limites do caso concreto. * * * 3. DECISÃO Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência da formação prevista no n.º 6 do art. 150.º do CPTA, em admitir o presente recurso. * Custas a final. * Lisboa, 13 de Janeiro de 2021. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Isabel Marques da Silva. |