Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal Administrativo
I. Relatório
1. Nos autos à margem identificados, vem AA, magistrada do Ministério Público com a categoria de ..., colocada no DIAP da comarca ..., requerer contra o CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO (“CSMP”) e eventuais contrainteressados (“CI”), previamente à instauração do processo principal, a adoção de providência cautelar de suspensão da eficácia da deliberação do Plenário do requerido, de 20.03.2024, notificada à requerente em 21.05.2024 (“Deliberação”), e, bem assim, da lista de antiguidade dos magistrados do Ministério Público reportada a 31 de dezembro de 2023 (“Lista de Antiguidade”), constante da Deliberação n.° ...24, do CSMP, publicada no Diário da República, 2.ª série, n.° 95, de ..., na parte em que, relativamente à requerente, procede ao desconto de 4 (quatro) dias de antiguidade por aplicação da aludida Deliberação, e, cumulativamente, o decretamento provisório da referida providência cautelar (CPTA, artigos 112.°, n.°s 1 e 2, alíneas a) e i), 114.°, n.° 1, alínea a), 120.° e 131.°),
2. No seu requerimento inicial, invoca a requerente, em síntese, que a Deliberação - e consequentemente a Lista de Antiguidade, na parte em que faz a aplicação daquela ao caso da requerente - enferma de violação de lei, por contrariar a intenção do legislador de não relevar as ausências por doença subtraindo os correspondentes dias de falta à antiguidade do magistrado, por não ser nem justificável nem razoável e por violar o princípio da igualdade; e, considerando o entendimento perfilhado pelo Conselho Superior da Magistratura segundo o qual não podem ser descontadas na antiguidade as ausências por doença dos magistrados judiciais, atenta manifestamente contra o princípio do paralelismo entre as magistraturas consagrado no artigo 96.° do Estatuto do Ministério Público (“EMP”).
Por outro lado, considera a requerente que a antiguidade dos magistrados do Ministério Público, refletida na Lista de Antiguidade, é de vital importância no estatuto jurídico da magistratura do Ministério Público, não só para efeitos de progressão entre índices remuneratórios e para progressão na carreira, mas também no âmbito dos movimentos anuais, enquanto critério de preferência de colocação, em igualdade de condições, uma vez esgotado o critério de melhor classificação de serviço. Por isso, concorrendo a requerente ao movimento de magistrados do Ministério Público de 2024 ("Movimento”), objeto do Aviso n.° ..., publicado no Diário da República, 2.ª série, n.° 112, de ... considera ser essencial, para efeitos da sua colocação no Movimento, o seu correto e devido posicionamento na Lista de Antiguidade.
Deste modo, entende a requerente que a concessão da providência cautelar ora requerida constitui a única forma de evitar a perpetuação na sua esfera jurídica de prejuízos irreparáveis, porquanto, caso não seja deferida, as faltas serão descontadas na sua antiguidade, o que, por sua vez, terá consequências não só a nível de progressão entre índices remuneratórios, mas sobretudo no acesso a determinados cargos e nas perspetivas de colocação da requerente, vista a referida importância atribuída ao tempo de serviço enquanto critério de preferência de colocação, em igualdade de condições. Assim sendo, o mencionado efeito, aliado à passagem do tempo, constituirá, na esfera jurídica da requerente, uma situação de produção constante/diária de prejuízo para esta, reduzindo-se, sucessivamente, o efeito útil da decisão a proferir no processo principal.
No momento presente, tal é agravado pela circunstância de a requerente se ver forçada a concorrer ao Movimento com base numa antiguidade que não corresponde àquela que, efetiva e legalmente, detém, visto que, caso a presente providência cautelar venha a ser indeferida, há o risco de se tornar impossível, no caso de a ação principal vir a ser julgada procedente, colmatar os prejuízos já sofridos pela requerente, e repor a situação que existiria se os diferentes atos ilegais não tivessem sido praticados.
Mas tal situação afetará, para além disso, a sua vida profissional (progressão na carreira, escolha das vagas) e pessoal (contingência de ser forçada a reformular a sua vida pessoal e familiar, não obstante o seu estado de saúde).
Em suma, conclui a requerente, que a manutenção dos atos ora suspendendos constituirá, na sua esfera jurídica, uma situação de facto consumado e a produção de prejuízos irreparáveis ou de muito difícil reparação, o que torna a decisão a proferir em tal processo principal senão inútil - pelo menos, de reduzido efeito - decorrente da conclusão do Movimento. Acresce que, em seu entender, a providência requerida não determina danos para o interesse público.
3. Notificado no despacho liminar de fls. 314 para se pronunciar sobre o pedido de decretamento provisório da providência requerida, o CSMP opôs-se-lhe, assim como sustentou não se mostrarem verificados os requisitos do fumus boni iuris e do periculum in mora necessários à adoção da providência (cfr. o artigo 120.°, n.° 1, do CPTA). Mais declarou não apresentar nos presentes autos resolução fundamentada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 128.°, n.° 1, do CPTA.
No respeitante à ausência de fumus boni iuris, o requerido contesta ser provável que a pretensão da requerente quanto à Deliberação venha a ser julgada procedente no processo principal, apresentando-se antes como manifesta a improcedência dos vícios imputados à mesma.
Desde logo, porque inexiste qualquer erro de direito na interpretação do artigo 196.°, alínea e), do EMP («Conta, para efeito de antiguidade:...e) As faltas por motivo de doença que não excedam 180 dias em cada ano, sem prejuízo do disposto em legislação especial»), porquanto, conforme concluído na Deliberação, não se podem considerar operantes remissões para normas legais que foram expressamente revogadas, a partir do momento da revogação dessas normas, inexistindo qualquer norma legal, tanto no EMP como em disposição legal especial, que permita, em situação de doença com as caraterísticas da doença que a Requerente tem, não descontar na antiguidade as faltas por doença, a partir do 181° dia. Posição esta fundamentada, pelo menos no que respeita a doenças com as caraterísticas daquela de que padece a requerente, no Parecer n.° 7/2023 do Conselho Consultivo da PGR, de .... Acresce que o princípio da igualdade não justifica a equiparação do tratamento jurídico de realidades distintas como são as situações de doença (oncológica) e de deficiência. Finalmente, a respeito da violação do princípio do paralelismo entre as magistraturas, afirma o requerido que, atenta as diferenças de redação entre as normas paralelas do EMP (artigo 196.°) e do Estatuto dos Magistrados Judiciais (artigo 73.°, n.° 1, alínea e), foi desde logo o legislador quem intencionalmente consagrou regimes não coincidentes nessa matéria em ambas as magistraturas.
Quanto ao requisito do periculum in mora, considera o requerido inexistir qualquer risco de criação de uma situação irreversível de facto consumado que não possa vir a ser reparada, porquanto, em caso de procedência da ação principal, o CSMP terá o dever de, em execução de tal decisão, colocar a requerente no lugar que lhe caberia no movimento se concorresse com a antiguidade sem o desconto dos referidos 4 dias, mesmo que implique ficar um número de magistrados superior ao adequado nesse lugar. De igual forma, quanto à progressão entre índices remuneratórios, desconhecendo-se quando a requerente atingirá os pressupostos para o índice superior (o que a mesma não indica), obviamente que se a ação principal fosse julgada procedente ser-lhe-ia reposto o vencimento na parte respeitante a esses 4 dias em escalão superior, caso entretanto o mesmo fosse alcançado. Sendo que, em qualquer caso, também não se trataria de um retrocesso salarial que pudesse colocar em causa o seu sustento ou o do seu agregado familiar, mas sim de uma impossibilidade (que duraria apenas 4 dias) de progressão salarial para um índice superior.
Também não se verifica a alegada contingência de a requerente ser forçada a reformular a sua vida pessoal e familiar, pese embora o seu estado de saúde: primeiro, porque a mesma se encontra em situação de baixa médica, desconhecendo-se até quando tal situação perdurará; segundo, porque a requerente se encontra colocada como efetiva na comarca ..., pelo que, no âmbito do Movimento, e na pior das hipóteses, permanecerá no mesmo lugar e na mesma comarca; terceiro, porque não é possível neste momento descortinar o local que lhe caberia no Movimento no caso de pedido de transferência, sendo certo que a requerente omite a indicação dos locais onde pretende ser colocada.
Finalmente, entende o requerido não se poder falar, a propósito do requisito em apreço, em reconstituição natural dos factos, uma vez que o ato suspendendo não provoca nenhuma alteração imediata na situação da requerente, pois o prejuízo por esta invocado não tem subjacente uma alteração da sua situação por efeito desse ato, mas sim o obstáculo a uma futura e hipotética alteração que lhe seria favorável.
Conclui por isso o requerido que a requerente não logra demonstrar que se constituirá uma situação de facto consumado ou que sofrerá prejuízos de difícil reparação para os interesses que visa assegurar no processo principal.
4. O decretamento provisório da suspensão da eficácia da Deliberação foi indeferido por despacho do relator de 27.06.2024 (v. fls. 475-479).
5. No despacho liminar foi ordenada a citação dos CI a quem a adoção da providência cautelar possa diretamente prejudicar indicados pela requerente, mediante a publicação de anúncio (v. fls. 314).
Sem vistos prévios, dada a natureza urgente do processo (artigo 36.°, n.°s 1, alínea f), e 2, do CPTA), mas com disponibilização do projeto de acórdão aos Juízes Conselheiros adjuntos, vêm os autos à conferência para apreciar e decidir.
II. Fundamentação
A) De facto
6. Consideram-se indiciariamente provados os seguintes factos relevantes para a decisão, tendo em atenção a prova documental produzida e o alegado pelas partes:
A) A requerente é magistrada do Ministério Público, com a categoria de ..., estando colocada e a exercer funções no DIAP da comarca ... - por acordo;
B) A requerente encontra-se de baixa médica, desde o dia ../../2023, por lhe ter sido diagnosticada doença oncológica - ... -, situação que se mantém na presente data, e a qual lhe atribui uma incapacidade de permanente global de 60% - doc. n.° 1 junto ao requerimento inicial (“r.i”) e por acordo;
C) A requerente encontra-se a ser seguida junto do Instituto Português de Oncologia ... - doc. n.° 2 junto ao r.i. e por acordo;
E) A requerente foi notificada pela Secretária-Geral da Procuradoria-Geral da República (“PGR”), por Ofício n.° ...20/24, de 1.02.2024, para se pronunciar, querendo, no prazo de 10 (dez) dias, nos termos dos artigos 121.° e 122.° do Código de Procedimento Administrativo (“CPA”) - doc. n.° 3 junto ao r.i. e por acordo;
F) Tal ofício dá conta que, na preparação da Lista de Antiguidade, foi constatado que, durante o ano de 2023, a Requerente esteve ausente do serviço, por motivo de doença, durante 184 (cento e oitenta e quatro) dias, situação que iria implicar o desconto de 4 (quatro) dias no tempo de serviço para efeitos de antiguidade - doc. n.° 3 junto ao r.i. e por acordo;
G) A requerente pronunciou-se mediante ofício n.° ...67/24, de 8.02.2024, alegando que “Na sequência do ofício recebido, cumpre informar que a signatária se encontrou e, ainda, se encontra de baixa médica, desde o ano de 2023, em virtude de padecer de doença oncológica.
Assim, entende a signatária que não deverá ser descontado tempo de serviço para efeitos de antiguidade atendendo à natureza da situação oncológica que padece” - doc. n.° 4 junto ao r.i. e por acordo;
H) Por ofício n.º ...41/24, de 21.05.2024, a requerente foi notificada da Deliberação, na qual se determinou proceder ao desconto dos aludidos 4 (quatro) dias de antiguidade - doc. n.° 5 junto ao r.i. e por acordo;
I) A Lista de Antiguidade foi publicada no Diário da República, 2.ª série, n.° 95, de ..., tendo a requerente sido graduada com o n.° de ordem ... - doc. n.° 6 junto ao r.i. e por acordo;
J) O Movimento foi publicado em ... no Diário da República, 2.ª série, n.° 112, Aviso n.° ..., estando a correr prazo para o envio dos requerimentos eletrónicos, o qual termina em 18.06.2024 - doc. n.° 7 junto ao r.i. e por acordo;
K) A requerente apresentou formulário para concorrer ao Movimento - por acordo;
B) De direito
7. Nos termos dos n.°s 1 e 2 artigo 120° do CPTA, a procedência do pedido formulados no presente processo cautelar depende da verificação de três requisitos:
- Haver fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que o requerente visa assegurar no processo principal - periculum in mora;
- Ser provável que a pretensão formulada, ou a formular nesse processo principal, venha a ser julgada procedente - fumus boni juris;
- Não serem os danos que resultariam para os interesses públicos da sua concessão superiores àqueles que podem resultar da sua recusa para os interesses particulares, sem que aqueles danos possam ser evitados ou atenuados pela adoção de outras providências.
Estes três requisitos - 2 positivos e 1 negativo - são cumulativos e, portanto, indispensáveis para a concessão da providência requerida. Tal significa que a não verificação de um dos requisitos positivos impõe desde logo o indeferimento da providência, e que a análise do requisito negativo apenas é necessária no caso de se verificarem os outros dois.
8. In casu, a linha de argumentação fundada na não verificação do requisito do periculum in mora justificativa da improcedência do decretamento provisório da providência cautelar conduz também à improcedência do presente pedido de suspensão, por não haver fundado receio da constituição de uma situação de facto consumado ou da produção de prejuízos de difícil reparação para os interesses que a requerente visa assegurar no processo principal.
9. Em primeiro lugar, importa considerar a circunstância referida pela requerente no artigo 78.° e ss. do r.i. relativamente à execução da Deliberação, nomeadamente a sua projeção na Lista de Antiguidade, e, consequentemente, os efeitos de tal situação ao nível do Movimento - a apresentação da requerente com menos 4 dias de antiguidade do que os contrainteressados por ela indicados.
A verdade, porém, é que tal circunstância - que se traduz numa execução (sobretudo jurídica) da mencionada Deliberação - não constitui obstáculo a uma eventual decisão favorável da providência requerida, porquanto esta última decisão opera ex tunc, não se limitando a interromper a produção de efeitos. Ademais, no caso vertente ainda não se constituíram à sombra da eficácia do ato suspendendo situações de facto irreversíveis.
Na verdade, como se afirma no Ac. STA, de 2.07.2020, P. 031/20.4BALSB, a suspensão da eficácia opera retroativamente:
«A suspensão incide sobre a eficácia jurídica globalmente considerada, i.e., sobre as próprias regras de produção dos efeitos do ato administrativo, e não sobre a mera adequação do mesmo à realidade. Por outras palavras, a pronúncia de suspensão não se limita a interromper a concreta produção de efeitos do ato; incide sobre todas as alterações que, entretanto, se tenham verificado na situação jurídica e factual preexistente à data da sua prática. Uma vez decretada, os efeitos já concretizados do ato tem de se considerar como não produzidos.
Questão diversa é a da consumação de situações materiais irreversíveis, e apenas destas parece tratar o artigo 129.° [- relativo à suspensão da eficácia do ato já executado -], pois do seu enunciado resulta manifesto que se dispõe apenas para aqueles casos em que tenha havido execução, i.e., em que tenham sido efetuadas operações materiais de concretização do efeito jurídico previsto.
Admitir que a suspensão incide apenas sobre os efeitos concretos que o ato ainda não produziu, equivaleria a permitir que, entre a data da sua emissão e a data do requerimento de suspensão, se consolidassem situações das quais poderiam resultar prejuízos irreparáveis. O que, na prática, inviabilizaria a suspensão de todos os efeitos jurídicos do ato que se produzem instantaneamente com a sua emissão e não carecem de operações materiais de execução [...].».
No mesmo sentido, argumentam MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS FERNANDES CADILHA, com referência ao artigo 129.° do CPTA:
«O que este artigo vem acrescentar [...] é apenas que, no caso de o ato já ter sido executado, há ainda, e antes de mais, que se demonstrar a utilidade que da suspensão pode advir. O que bem se compreende. Com efeito, a suspensão do ato já executado não se justifica por falta de interesse processual do requerente, se todos os efeitos nocivos do ato já se tiverem consumado e as consequências da execução realizada forem materialmente irreversíveis, pois nesse caso, a providência não tem a utilidade de impedir, nem a produção futura de efeitos nocivos, nem a manutenção da situação lesiva.
[...].
[C]omo a suspensão tem eficácia retroativa, nos casos em que as consequências do ato se prolonguem para além da sua execução material, mas não sejam materialmente irreversíveis, a suspensão tem o alcance de constituir a Administração no dever de tomar as medidas necessárias, como por exemplo restituições, para que se reconstitua provisoriamente a situação que existiria se o ato não tivesse sido praticado e executado» (v. Autores cits., Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5 ª ed., Almedina, Coimbra, 2021, pp. 1081-1082).
Ora, conforme alegado, a execução da Deliberação só se projetou na Lista de Antiguidade, descontando 4 dias na antiguidade da requerente, inexistindo, portanto, qualquer situação de facto irreversível.
10. Por outro lado, a situação criada pelo Movimento é integralmente reversível. Se a ação principal for procedente, o Requerente poderá ser colocado numa das vagas a que se candidatou, com efeitos reportados à data da prática do ato anulado (cfr. os pontos 70 e 71 da oposição apresentada pelo requerido e o citado Ac. STA, de 2.07.2020). O mesmo é válido para a progressão entre índices remuneratórios, recebendo, nesse caso, as diferenças remuneratórias que teria, entretanto, recebido se a sua progressão não tivesse sido ilegalmente impedida. É certo que a jurisprudência deste Supremo Tribunal Administrativo tem reconhecido que a perda da sua remuneração, por um período prolongado, é suscetível de causar prejuízos de difícil reparação, o que, contudo, só sucederia caso essa perda fosse total, privando o requerente e a sua família de meios de subsistência. O que não vem alegado nem e verosímil no caso vertente.
11. Em concreto, a requerente alega no r.i. que a concessão da providência por si requerida - impedindo o desconto das faltas na sua antiguidade - é indispensável para evitar «a perpetuação, na [sua esfera jurídica] de prejuízos irreparáveis» (artigo 75.°; v. também o artigo 102.°).
Tais prejuízos são reconduzidos, no plano profissional, às “consequências a nível” (i) de progressão entre índices remuneratórios; (ii) da possibilidade de aceder a determinados cargos; e (iii) da colocação, «visto que o tempo de serviço constitui critério de preferência de colocação, em iguais condições, uma vez esgotado o critério de melhor classificação de serviço» (artigo 76.°). Salienta, de modo particular, as implicações na colocação no âmbito do já mencionado movimento de magistrados do Ministério Público de 2024: «a manutenção desta Deliberação e, consequentemente, da Lista de Antiguidade, implica que a Requerente se veja forçada a concorrer ao Movimento com base numa antiguidade que não corresponde àquela que, efetiva [e] legalmente, detém», ficando «prejudicada face aos demais Magistrados do Ministério Público», nomeadamente «na escolha das vagas e dos lugares a concurso no Movimento», pois em caso de igualdade de classificações de serviço, a maior antiguidade funciona como critério de desempate (artigos 10.°, 88.°, 94.° e 98.°).
Num outro plano - o da vida pessoal e familiar -, refere igualmente que a «antiguidade tem efeitos não apenas na progressão na carreira, mas, desde logo, e no imediato, na colocação dos [magistrados] nos movimentos de Magistrados», sendo, «por isso, uma condição que afeta igualmente a própria vida familiar e pessoal do Magistrado», o que a coloca «na contingência de ser forçada a reformular a sua vida pessoal e familiar, pese embora o seu estado de saúde» (artigos 96.°, 97.° e 99.°).
Porém, nenhuma destas alegações surge mais concretizada nem respeita a factos indiciadores da suscetibilidade de criar uma situação de facto consumado.
No respeitante ao plano profissional, cumpre começar por referir que o ato suspendendo, mesmo tendo em conta o Movimento, não coloca em risco a situação presente da requerente no DIAP .... A própria nada alega nesse sentido e o caráter efetivo da sua colocação invocado pelo CSMP confirma-o (cfr. o ponto 22 da oposição). Os problemas suscitados pelo desconto dos 4 dias na antiguidade consistem, sobretudo, na criação de potenciais dificuldades relativamente a eventuais colocações futuras. Contudo, a requerente nada alega de concreto a tal respeito: enuncia uma verdade abstrata baseada no critério de desempate em caso de igualdade de classificações de serviço, mas não menciona qualquer colocação pretendida, nem refere o que quer que seja sobre eventuais concorrentes a essa mesma colocação. E, de qualquer modo, como bem refere o CSMP, a ser preterida a requerente numa dada colocação, tal não traduziria uma situação de facto consumado, uma vez que, obtendo ganho de causa na ação principal, a requerente teria de ser aí colocada.
Mutatis mutandis, as mesmas considerações são aplicáveis a propósito da possibilidade de aceder a determinados cargos. Pelas razões já apontadas, também não são irreparáveis, ou de difícil reparação, os prejuízos que a requerente alega que a deliberação suspendenda irá causar à sua carreira profissional, nomeadamente no seu posicionamento na Lista de Antiguidade, e que poderia comprometer a sua promoção em movimentos futuros. Tais prejuízos, além de meramente hipotéticos, conjeturais ou eventuais, são passíveis de plena reintegração no caso de ação principal vir a ser julgada procedente.
Em tese poderia sustentar-se que a impossibilidade de aceder temporariamente a uma dada colocação (ou, em circunstâncias muito especiais, a um certo cargo) causaria danos irreversíveis no plano pessoal e familiar, em virtude de tal colocação (ou cargo), mercê de razões relacionadas com a distância face à residência, o local de exercício de funções, o tempo de trabalho ou até, porventura, o tipo de atividade potenciarem vantagens como uma maior facilidade na conciliação do trabalho com a vida familiar ou com a saúde da requerente. Contudo, e uma vez mais, a requerente nada alega de concreto a tal respeito.
Ainda no plano profissional, é evidente que a não progressão temporária entre índices remuneratórios é sempre compensável a posteriori - não se colocando a situação de uma falta total de meios financeiros -, sendo, para o efeito, condição suficiente uma decisão final favorável na ação principal (a anulação da Deliberação produz efeitos ex tunc - cfr. o artigo 163.°, n.° 2, do CPA).
Em suma, a requerente não concretizou qualquer situação de facto consumado que se possa constituir durante a pendência do processo principal. Ora, incumbia-lhe alegar e provar os factos que pudessem levar o Tribunal a concluir pela existência de prejuízos irreparáveis advindos da execução do ato administrativo que, segundo alega, a priva, em termos irreversíveis, da colocação pretendida (que não especifica) ou da progressão entre índices ou, noutro plano, a constrange a reformular, igualmente em termos irreversíveis, a sua vida pessoal e familiar. Mas a requerente não satisfez este ónus, pelo que não pode ser dado como provado o por si alegado, nesta parte, em ordem à verificação do requisito em análise. Inexiste, por conseguinte, um periculum in mora que justifique a concessão da providência requerida.
12. Assim, e sem necessidade de mais considerações, conclui-se não se encontrar verificado um dos requisitos previstos no n.° 1 do artigo 120.° do CPTA necessário para que a providência requerida possa ser concedida.
III. Decisão
Pelo exposto, indefere-se o pedido de suspensão da eficácia da deliberação do Plenário do CSMP, de 20.03.2024, e, bem assim, da lista de antiguidade dos magistrados do Ministério Público reportada a 31 de dezembro de 2023, constante da Deliberação n.° ...24, do CSMP, publicada no Diário da República, 2.ª série, n.° 95, de ..., na parte em que, relativamente à requerente, procede ao desconto de 4 (quatro) dias de antiguidade por aplicação daquela deliberação.
Custas pela requerente.
Lisboa, 7 de agosto de 2024 (em turno). - Cláudio Ramos Monteiro (relator) - Fernanda de Fátima Esteves - João Sérgio Feio Antunes Ribeiro. |