Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:015/24.3BALSB
Data do Acordão:10/17/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:HELENA MESQUITA RIBEIRO
Descritores:INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS
FALTA
PATROCÍNIO JUDICIÁRIO
RÉU
NULIDADE POR OMISSÃO DE PRONÚNCIA
DESPACHO LIMINAR
CITAÇÃO
CASO JULGADO FORMAL
LITISPENDÊNCIA
PROVIDÊNCIA CAUTELAR
Sumário:I - A falta de constituição de mandatário pelo autor quando o patrocínio judiciário por advogado seja obrigatório, gera a falta de um pressuposto processual, constituindo uma exceção dilatória que leva a que o réu seja absolvido da instância (cfr. artigo 89.º, n.º4, al. h) do CPTA e artigos 576.º n.º2, 577.º h), 578.º, 590.º n.º 1 e n.º 2 e al. a) do n.º 1 e n.º 3 do art. 595.º do CPC). Se a falta de patrocínio judiciário disser respeito ao Réu, fica sem efeito qualquer defesa apresentada.
II - Tendo a questão da falta de patrocínio judiciário sido levantada pela autora e não tendo sido decidida em despacho prévio, a mesma devia ter sido conhecida no acórdão recorrido, uma vez que, impende sob o julgador a obrigação de decidir todas questões que lhe sejam colocadas pelas partes (cfr. n.º2 do artigo 608.º do CPC), determinando o artº. 615º, nº. 1, al. d), do CPC que “é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento”.
III - Contudo, no caso, sendo seguro que o Réu estava e está devidamente patrocinado em juízo, ordenar que os autos baixem ao Tribunal a quo para que o mesmo se pronuncie sobre a falta de patrocínio judiciário do Réu, constituiria um ato absolutamente inútil e como tal proibido por lei.
IV - A prolação de despacho de citação do réu num processo de Intimação (artigos 109.º e seguintes do CPTA), em circunstâncias que antes deviam ter conduzido o juiz a rejeitar a petição no despacho liminar por ocorrer uma situação de impropriedade do meio processual, não preclude o conhecimento pelo juiz «das questões que podiam ter sido motivo de indeferimento liminar», e isso ainda que nos termos do artigo 110.º-A, n.º1, em conjugação com o n.º1 do artigo 109.º, ambos do CPTA, se imponha ao juiz o poder-dever de verificar em sede de despacho liminar se o processo deve prosseguir e, nesse caso, se deve seguir os termos da intimação ou de um processo cautelar.
V - O despacho liminar de admissibilidade da intimação, decorrente da ordem de citação do Réu, tem a natureza de uma avaliação provisória, que não assume a característica de caso julgado formal, insuscetível de ser contrariado, posteriormente, por via de avaliação definitiva, em fase processual própria, após o cumprimento do princípio do contraditório.
VI - Com o regime normativo previsto no n. º1 do artigo 110.º-A do CPTA, o que o legislador pretendeu, não foi impedir que a solução de convidar o autor a substituir a petição de intimação por requerimento para a adoção de providência cautelar, fosse adotada mais tarde, ultrapassada a fase do despacho liminar, mas que fosse adotada o quanto antes pelo juiz, no cumprimento de um poder-dever, se o caso o justificar.
VII - Para que ocorra a exceção dilatória da litispendência entre a presente ação de Intimação e a ação de pretensão conexa com atos administrativos intentada pela autora, é necessário que se verifique a existência, entre ambas as ações, de identidade de partes, de pedido e de causa de pedir.
VIII - A causa de pedir na ação de Intimação para proteção de Direitos, Liberdades e Garantias é mais complexa do que a alegada na ação administrativa de pretensão conexa com atos administrativos, englobando a causa de pedir desta última ação, a que acresce a facticidade tendente a demonstrar a lesão dos direitos, liberdades e garantias invocados pela autora na p.i. e os factos tendentes a demonstrar a necessidade de tutela urgente de mérito desses direitos, tanto bastando para que se conclua que entre ambas as ações, não ocorre identidade de causas de pedir.
IX - Tendo a ação administrativa de pretensão conexa com atos administrativos intentada pela autora, na qual pediu que fosse declarado caducado o direito de a entidade demandada lhe instaurar o processo disciplinar, em resultado do qual veio a ser-lhe aplicada uma sanção disciplinar de suspensão do exercício de funções, sido julgada improcedente, e pese embora essa decisão ainda não tivesse transitado em julgado, naturalmente que por força do princípio do esgotamento do poder jurisdicional - art. 613.º, n.º1 do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA- consequente ao proferimento daquele acórdão, não podia o Tribunal conhecer dessa mesma questão em sede de providência cautelar, que entretanto fosse instaurada por apenso a essa ação.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil).
Nº Convencional:JSTA000P32736
Nº do Documento:SAP20241017015/24
Recorrente:AA
Recorrido 1:CONSELHO SUPERIOR DO MINISTÉRIO PÚBLICO
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC E 2 DEC VOT
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:


I.RELATÓRIO

1.AA, devidamente identificada nos autos à margem referenciados, intentou ação urgente de Intimação para Proteção, Direitos, Liberdades e Garantias, o que fez ao abrigo do disposto no n.º1 do artigo 109.º do CPTA, contra o Conselho Superior do Ministério Público (CSMP).
Pediu que o CSMP fosse condenado, no prazo de dois dias: (i) a declarar a caducidade do direito de instaurar o procedimento disciplinar que corre termos com o n.º ...3, por decurso do prazo de 60 dias, nos termos do artigo 209.° n.° 2 do EMP; ii) a declarar a extinção da eventual responsabilidade disciplinar da Autora por caducidade do direito de instaurar o procedimento disciplinar, nos termos dos artigos 209.°, n.° 2 e 208.°, aI. a) do EMP e o consequente arquivamento dos autos; iii) se fixe na decisão da presente intimação, o pagamento, pelo CSMP, de sanção pecuniária compulsória em caso de incumprimento do determinado judicialmente, nos termos previstos no artigo 111.°, n.° 4 do CPTA; iv) em alternativa, a emissão, nos termos do artigo 109°, n.° 3 do CPTA, de sentença que produza os efeitos do ato vinculado devido e, em consequência, a imediata declaração judicial do peticionado em (i) e (ii).
Alegou, em síntese, que a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias é o único meio processual hábil a obter a declaração de caducidade do direito de o CSMP instaurar o processo disciplinar n.º ...3, no qual lhe foi aplicada a sanção de suspensão do exercício de funções pelo prazo de seis meses e, dessa forma, a obviar à violação de diversos direitos cuja titularidade invoca, como o direito fundamental ao trabalho, de natureza análoga aos direitos, liberdades e garantias, na sua vertente negativa ou de garantia de proibição de obstáculos exteriores ao exercício pela Autora das suas funções de magistrada do Ministério Público; o direito fundamental à segurança e estabilidade no trabalho; o direito fundamental ao efetivo exercício das suas funções de magistrada e o direito à retribuição por esse exercício; o direito fundamental às garantias de defesa em processo disciplinar; o direito fundamental a um processo disciplinar que seja objeto de decisão em prazo razoável e mediante processo equitativo e o direito ao bom nome e reputação pessoal e profissional.
Mais alegou que no caso não era possível lançar mão da tutela cautelar, pois não era possível requerer uma providência cautelar no âmbito do processo n.º 116/23.5BALSB, uma vez que, a providência a requerer seria coincidente com a decisão a proferir no processo principal.
2. Em 30/01/2024 proferiu-se despacho liminar, do seguinte teor: “Cite a Entidade Demandada para responder no prazo de sete dias - n.º 1 do artigo 110.º do CPTA.”
3. Citado, o CSMP respondeu, defendendo-se por exceção e por impugnação. Na defesa por exceção, pediu a sua absolvição da instância, suscitando: (i) a exceção dilatória de inidoneidade do meio processual, sustentando que a autora sempre teria a defesa dos seus direitos assegurada por via da tutela cautelar e do recurso à ação administrativa; (ii) a exceção da litispendência, invocando para o efeito a pendência no STA da ação administrativa n.º 116/23.5BALSB. Para o caso de improceder a matéria de exceção, defendeu-se por impugnação, pugnando pela improcedência da intimação e consequente absolvição do pedido.
4. Notificada para o efeito, a autora pronunciou-se sobre a matéria de exceção suscitada na resposta apresentada pelo CSMP, mantendo os argumentos delineados na respetiva petição inicial;
Ademais, atenta a natureza urgente da ação, requereu que fosse proferida decisão pela Senhora Conselheira Relatora, nos termos da alínea i), do n.º 1, do artigo 27.° do CPTA ou ii) não se afigurando que a questão a decidir seja simples, que os autos fossem inscritos, na primeira data possível, em tabela para julgamento em conferência.
5. Por despacho de 28/03/2024, foi determinada a inscrição do processo em tabela para julgamento.
6. A 03/04/2024, a autora apresentou requerimento, no qual vem suscitar a falta do pressuposto processual relativo ao patrocínio judiciário do CSMP por este estar representado por um magistrado do MP, que apenas pode representar o Estado, quando devia estar representado nos termos previstos no artigo 11.º do CPTA.
7. A 04/04/2024, a 1.ª Secção do STA proferiu acórdão, por via do qual foram julgadas procedentes as exceções de inidoneidade da presente intimação e de litispendência, e absolvido o CSMP da instância.
8. Em 09/04/2024, a Senhora Relatora proferiu o seguinte despacho:
«Requerimento datado de 03/04/2024:
Prejudicado o seu conhecimento, considerando a ilegalidade da instauração da presente intimação, nos termos decididos por acórdão deste Tribunal, ao julgar procedente as exceções de inidoneidade do meio processual e de litispendência».
9. Inconformada com o Acórdão do STA de 4/04/2024, que julgou procedentes as exceções da impropriedade do meio processual e de litispendência, e que absolveu o CSMP da instância, a autora interpôs recurso desse acórdão para o Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do STA, apresentando alegações que culminou com as seguintes Conclusões:
«1. (A) O Acórdão recorrido está ferido da nulidade prevista no artigo 615.º n.º 1 al. d) do CPC uma vez que deixou de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, e antes do conhecimento de quaisquer outras, como é a questão da exceção da falta do pressuposto processual quanto à Entidade Demandada quanto ao patrocínio judiciário que é legalmente obrigatório nos termos dos n.º 1 e 2 do CPTA e 40.º e 41.º do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA e é do conhecimento oficioso do tribunal, nos termos do artigo 7-º n.º 4 alínea h), do CPTA.
2. A Entidade Demandada não está patrocinada em juízo como impõe o artigo 11.º nº 1 e 2 do CPTA.
3. Os magistrados do Ministério Público não são advogados dos órgãos administrativos que integram a Procuradoria-Geral da República, designadamente do CSMP.
4. Assim, os magistrados do Ministério Público não são, nem podem ser, quem assegura o patrocínio do PGR, do CSMP, das Procuradorias Gerais Regionais e dos Procuradores-Gerais Regionais quando demandados em juízo pela prática, no âmbito das suas competências específicas, de atos administrativos nulos ou anuláveis.
5. O Exmo. Senhor Procurador da República Dr. BB que subscreve a resposta da Entidade Demandada e assina como estando designado nos termos do artigo 11.º do CPTA não pode patrocinar o CSMP.
6. O MP só (por lei) representa em juízo o Estado, o que não inclui a PGR, o CSMP ou as Procuradoria Gerais Regionais e os respetivos Procuradores-Gerais Regionais.
7. A representação do Estado é uma atribuição estatutária do MP que decorre do art.º 219.º n.º 1 da CRP, dos arts. 4.º n.º 1, al b) e 9.º n.º 1 al a) do EMP.
8. As demais intervenções do MP nos TAFs Portugueses efetuam-se no cumprimento das tarefas que, no âmbito do contencioso administrativo, lhe são conferidas com vista à defesa do interesse geral da legalidade e à realização do interesse público.
9. Os órgãos integrantes (v.g o CSMP) de um órgão administrativo independente, como é a Procuradoria-Geral da República, podem (têm) ser patrocinados por um de dois meios: constituição obrigatória de advogado ou podem, ainda, fazer patrocinar por solicitador ou licenciado em direito ou sol apoio jurídico nos termos do artigo 11.º n.º 1 e 2 do CPTA.
10. Ora, este licenciado em direito (ou licenciado em solicitadoria) não pode ser um magistrado do MP designado pelo órgão da PGR demandado na ação.
11. O licenciado em direito a que se refere o artigo 11.º, n.º1 e 2 do CPTA tem que ser pessoa que integre o quadro de pessoal do órgão administrativo em causa (ou da pessoa colectiva pública integra esse orgão, v. g. in casu da PG Jurídico) designadamente a secção/divisão de apoio jurídico ou a secção de recursos humanos ou outra que tenha nos seus quadros um funcionário licenciado em direito com funções de apoio jurídico.
12. O Exmo. Senhor Dr. BB, que foi designado pelo Exmo. Senhor Vice PGR para patrocinar o CSMP na ação n.º 15/24.3BALSB, não integra o quadro de funcionários de nenhum órgão administrativo designadamente do órgão administrativo demandado na presente ação, o CSMP, nem da Divisão de Apoio Jurídico da Secretaria-Geral da PGR.
13. Pelo que, sendo um magistrado do MP em exercício de funções só pode exercer as funções de magistrado do MP no quadro legal de atribuições que decorre do Estatuto do Ministério Público e das normas processuais.
14. Não pode, pois, por total falta de atribuições, na presente ação, na qualidade de Procurador da República, patrocinar o CSMP.
15. Pelo que, o Acórdão recorrido tinha que ter, antes de qualquer outra, conhecido da questão da exceção do patrocínio judiciário da entidade demandada e, julgando procedente, procedido observando o disposto nos artigos 11.º n.º 1 e 2 do CPTA e artigo 41.º do CPC.
16. (B) O Acórdão de que ora se recorre está ferido de nulidade nos termos do disposto no artigo 615.º n.º 1 al. b) e al. d) do CPC e viola ostensivamente o princípio do dispositivo e o direito à tutela jurisdicional, a independência dos tribunais e o princípio da imparcialidade do julgador nos termos do disposto nos artigos 3.º n.º 1, 5.º n.º 1 e 59 e 2 e 203.º da CRP quando considerou com relevância para o objeto da ação de intimação e apenas como provados os 3 factos que constam elencados no Acórdão e quando considerou que “Não se consideram provados outros factos com relevo para a decisão a proferir” deixando pronunciar sobre a restante factualidade alegada, num total de 60 artigos com factualidade alegada, na ação de intimação e que integra a causa de pedir dos pedidos formulados. Está, ainda, ferido de erro de julgamento quanto à matéria de facto.
17. O Acórdão do STA de que se recorre ao selecionar a matéria de facto como relevante em 3 artigos declarando sem relevo para a causa os restantes factos alegados pela Requerente, num pedir da ação da intimação (cfr. artigos 14.º a 73.º da PI) e que estão todos, sem exceção, sobejamente provados através da documentação junta, violou a Lei que comete aos tribunais as funções constitucionais de dirimir os conflitos que lhes são apresentados pautando o exercício da função jurisdicional pela independência e imparcialidade (cfr. artigos 202.º n.º 1 e 2 e 203.º da CRP.
18. Os tribunais não podem dispor da causa de pedir como lhes aprouver nomeadamente para restringir, a uma única, a solução de direito a solução a dar ao pleito.
19. “(…) O juiz deve ter em conta todos os factos relevantes segundo as várias soluções plausíveis da questão de direito e não apenas os factos que relevam para a solução da questão de direito que tem como aplicável” – cfr. Ac. do STA, 7.ª Secção, de 18.12.2012, Processo n.º 1345/10.7TVLSB.L1.S1, Relator: Sérgio Poças in www.dgsi.pt.
20. O acórdão recorrido incorreu nas nulidades previstas nas als.d) e e) do artigo 615.º do CPC ao deixar de se pronunciar sobre os restantes factos alegados pela Autora, ora Recorrente, e que se encontram todos eles provados pelos documentos juntos na PI e constantes no processo administrativo.
21. E ao fazê-lo construiu uma causa de pedir que não corresponde à causa de pedir que a A. introduziu em juízo.
22. (C) O Acórdão de que ora se recorre incorre em erro de julgamento e viola a lei processual vigente prevista nos artigos 2.º n.º 1 e 2 alínea o), art.º 37.º n.º 1, 109.º n.º 1 e 3, artigo 110.º n.º 1, 2 e 3, 111.º n.º 1 e 2 e 36.º n.º 3, todos do CPTA e viola o direito fundamental da A., e o princípio constitucional fundamental, à tutela jurisdicional efetiva na vertente de obtenção, em prazo razoável, de uma decisão judicial que aprecie, com força de caso julgado, a pretensão da Autora, ora Recorrente, nos termos dos artigos 20.º n.º 1, 4 e 5, da CRP e artigo 6.º da CEDH e artigo 10.º da DUDH pois,
23. A tramitação da ação de intimação 15/24.3BALSB decorreu sob o modelo de tramitação normal, inexistindo fundamento legal para que estivesse estado sem movimentação processual entre os dias 9 a 28 de Fevereiro e desde o dia 4.03.até ao dia ../../...., inexistindo fundamento legal para a notificação da A. responder, no prazo de 10 dias, a matéria de exceção, e inexistindo fundamento legal para que não tivesse sido proferida decisão pelo Relator no prazo de 5 dias ou, em alternativa, não tivesse sido proferido de imediato despacho pelo Relator a determinar a inscrição em tabela de julgamento para a sessão mais próxima.
24. Violou pois, o Acórdão recorrido- à data em que foi proferido- as garantias fundamentais de celeridade processual e de tutela jurisdicional efetiva em matéria de Direitos, Liberdades e Garantias, consagradas no artigo 20.º n.º 5 da Constituição da República Portuguesa, no artigo 111.º n.º 1 do CPTA que determina que a decisão é proferida no prazo de 5 dias e no artigo 36.º n.º 3 do CPTA, que prescreve que “o julgamento dos processos urgentes tem lugar, com prioridade sobre os demais, logo que o processo esteja pronto para decisão”.
25. (D)O Acórdão recorrido está ferido da nulidade prevista no artigo 615.º n.º 1 al. b) do CPC uma vez que não especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão de julgar procedente a exceção da inidoneidade presente ação de intimação na sequência dos juízos meramente conclusivos formulados no acórdão recorrido de que “não se encontram demonstrados os pressupostos de a Autora estar necessitada de uma célere emissão para assegurar a tutela dos direitos que vem invocar em juízo” e de que “os direitos invocados que considera estarem a ser ameaçados de lesão não carecem urgente”.
26. (E) O Acórdão de que ora se recorre é nulo, nos termos do artigo 615.º, n.º1, al. b) do CPC e incorre em erro de julgamento violando a lei processual vigente prevista nos artigos 2.º n.º 1 e 2 alínea o), 7.º, art.º 37.º alíneas b) e alínea h), 109.º n.º 1 e 3, artigo 110.º n.º 1, 111.º n.º 1 e 2 do CPTA e especialmente direito fundamental da A., e o princípio constitucional fundamental, da tutela jurisdicional efetiva e o dever constitucional de os tribunais administrarem a justiça, nos termos dos artigos 20.º n.º 1 e 202.º n.º 1 da CRP, artigos 2.º n.º 1 e n.º 2 alínea o), 7.º do CPTA pois,
27. O meio processual utilizado pela A. nos presentes autos não é inidóneo pois, por um lado, e ao contrário do que se afirma conclusivamente no Acórdão recorrido, estão demonstrados os pressupostos de facto e de direito, de a Autora estar necessitada de uma célere emissão de uma decisão de mérito e está demonstrado que a ação comum não é(foi) suficiente para assegurar o exercício em tempo útil dos DLG e que foram invocados pela A. na presente intimação.
28. O acórdão recorrido é que não fundamentou, de facto e de direito, os juízos conclusivos que formulou a esse propósito pelo que, está inquinado da nulidade supra arguida prevista no artigo 615.º n.º 1 al. b) do CPC.
29. A Autora, por seu lado, fundamentou de facto e de direito e comprovou através dos meios de prova documentais juntos, que se verificam in casu todos os pressupostos da ação urgente de intimação para proteção de DLGs.
30. Na Petição Inicial a A., ora Recorrente, demonstrou de forma completa a existência do pressuposto processual negativo de que não é possível in, causa, para defesa dos DLGs concretamente invocados, lançar mão da tutela cautelar pois, não é possível requerer uma providência cautelar no âmbito do processo n.º 116/23.5BALSB uma vez que, a providência a requerer seria coincidente com a decisão a proferir no processo principal (cfr. o que se alegou a este propósito no artigo 11.º, al.c) da PI).
31. Na verdade, se a A. requeresse o decretamento da providência cautelar no âmbito da ação administrativa normal, a ação n.º 116/23.5BALSB, pedindo a declaração provisória da caducidade do direito do CSMP de instaurar o processo disciplinar ...3 essa declaração contenderia com os limites intrínsecos da tutela cautelar, concretamente com a sua natureza provisória.
32. A Autora sustentou a necessidade de uma tutela urgente de mérito (declaratória definitiva) para defesa dos DLGs que invocou como única forma processual de fazer face à conduta negativa da Administração de não praticar o ato legalmente devido e estritamente vinculado de declarar a caducidade do procedimento disciplinar (primeiro no Inq. disciplinar n.º ...01/21 e depois no convertido Proc. Disc. ...3) no cumprimento do disposto no artigo 209.º n.º 2 do EMP:
33. O facto de a Administração ter, ao longo do tempo e apesar da caducidade invocada, continuado a praticar actos de manutenção e desenvolvimento do procedimento disciplinar em causa contra a A. (actos instrutórios, acto de conversão do inq. disciplinar em processo disciplinar, dedução de acusação, condenação pela secção disciplinar do CSMP, condenação, em sede de recurso pelo Plenário do CSMP) contribuem todos eles para demonstrar, de forma inequívoca, a lesão ou ameaça de lesão para os DLGS fundamentais invocados pela A., por a Administração sancionatória manter, contra legem estrita, um procedimento disciplinar caducado nos termos do artigo 209.º nº 2 do EMP.
34. Viola pois, o Acórdão recorrido a lei, o artigo 109.º n.º 1 do CPTA, quando entendeu que o facto de a autora já ter instaurado a ação administrativa 116/23.5BALSB demonstra que a A. não reúne os pressupostos de estar necessitada de uma decisão de mérito urgente e que os direitos fundamentais invocados não carecem, pelo mesmo motivo (existência da id. ação) de uma tutela urgente pois,
35. O requisito da subsidiariedade do meio processual em causa na ação de intimação para proteção de DLGs- que não verificado conduz à exceção da inidoneidade do meio processual afere-se relativamente à possibilidade (ou suficiência) de ser decretada providência cautelar no âmbito de uma ação administrativa normal.
36. Não se afere, como fez o Acórdão de que se recorre, face à existência ou possibilidade de existência de uma ação administrativa normal, comum (de condenação à prática de ato devido, de impugnação de ato administrativo etc).
37. Afere-se face à possibilidade ou não (e sendo possível, face à suficiência ou não da tutela cautelar para fazer face à necessidade de tutela urgente dos direitos invocados) de, numa ação comum, ser requerida uma providência cautelar.
38. (E1)Mas, concedendo-se, por dever de patrocínio, que os juízos conclusivos formulados no Acórdão são suficientes, adequados e bastantes para, à luz do artigo 615.º n.º 1 al. b) do CPC, justificar a decisão de julgar procedente a exceção da inidoneidade do meio processual incorre o acórdão de que se recorre em violação de lei- artigos 110.º, n.º1 e 110.º-A, n.º1 do CPTA, pois passada que foi a fase do despacho liminar e da verificação dos pressupostos processuais da intimação, o que o tribunal pode fazer, e é só o que pode fazer, é julgar do mérito da ação.
39. O julgamento sobre se a necessidade de obtenção de uma célere emissão de uma decisão de mérito e o julgamento sobre se os DLG invocados estão ou não a ser ameaçados de lesão e a carecerem de uma tutela são questões que dizem respeito ao julgamento do mérito da ação.
40. Ao não julgar tais questões no âmbito do julgamento do mérito da ação violou o tribunal o dever constitucional de administrar a justiça em nome do Povo.
41. (E2) Por outro lado, o acórdão recorrido vila o artigo 109.º, n.º1 do CPTA, quando ajuíza e decide que o meio processual utilizado pela A. nos presentes autos é inidóneo pois,
42. Ao contrário do que se afirma no Acórdão recorrido (ponto 20. Do Ac.) não podia a Autora requerer a adoção de uma providência cautelar, como meio instrumental à ação administrativa já instaurada, ou seja a ação de condenação à prática de ato devido, a ação n.º 116/23.5BALSB.
43. E não podia pela simples e, inúmeras vezes, invocada razão que a providência a requerer em sede cautelar na ação já instaurada confundir-se-ia com a decisão de fundo a proferir no processo principal 116/23.5BALSB: a declaração da caducidade do direito do CSMP de instaurar o processo disciplinar ...3, nos termos do artigo 209.º n.º 2 do EMP.
44. Aliás, se fosse o caso de ser admissível a adoção de uma providência cautelar como incidente da ação n.º 116/23.5BALSB a Exma Senhora Conselheira Relatora teria que, nos termos do artigo 110.º final, ter fixado prazo para a Autora substituir a petição, para o efeito de requerer a adoção de providência cautelar.
45. (E3) Viola, ainda o acórdão recorrido o artigo 109.º n.º 1 do CPTA quando ajuíza que o meio processual utilizado pela A. nos presentes é inidóneo, pelo seguinte:
46. Ao contrário do que se afirma no Acórdão recorrido, não podia, ainda, a Autora lançar mão, in casu, da instauração de uma ação de abstenção de conduta, acompanhada de processo cautelar de intimação à abstenção de conduta.
47. Na verdade, a tutela inibitória concedida no meio processual “ação administrativa de abstenção de conduta”, e na respetiva providência cautelar, tem como pressuposto para a sua admissibilidade que não está em causa a prática de um ato administrativo, como está manifestamente em causa nos presentes autos: a Entidade Demandada praticou um ato administrativo negativo, de indeferimento: o CSMP indeferiu o pedido de declaração de caducidade do direito de instaurar o processo disciplinar que foi formulado e lhe foi dirigido pela arguida, aqui agora Autora, no âmbito do inquérito disciplinar n.º ...01/21 e no subsequente processo disciplinar ...3.
48. “De facto, sempre que estiver em causa um ato administrativo, deve entender que o interessado não poderá lançar mão deste tipo de tutela preventiva, devendo antes providenciar pela dedução da respetiva ação impugnatória ou condenatória à prática de ato devido no caso dos atos de indeferimento.”- Cfr. Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 04 de Outubro de 2023, Proc.00518/23.7BEAVR, Relatado pelo Exmo Senhor Juiz Desembargador Ricardo de Oliveira e Sousa.
49. (F) O Acórdão de que ora se recorre incorre em erro de julgamento e viola a lei processual vigente prevista nos artigos 89.º n.º 2 e 4 580.º, 581.º e 582.º do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA quando declarou procedente a exceção de litispendência pois,
50. Desde logo, é evidente que sob a denominação da exceção da litispendência está o Acórdão recorrido a, novamente, apreciar o requisito da subsidiariedade da ação administrativa de intimação para proteção de DLGs face à ação administrativa comum e respetiva tutela cautelar.
51. Mas ainda que assim não fosse, o que apenas se admite por dever de patrocínio, não se verifica a exceção da litispendência da ação 15/24.3BALSB por referência à ação n.º 116/23.5BALSB pois, resulta evidente que a causa de pedir não é a mesma em ambas as ações:
52. A causa de pedir alegada pela A. na ação de intimação para proteção de DLGs é ostensivamente, muito mais vasta e complexa do que a causa de pedir da ação 116/23.5BALSB.
53. Pelo que, não se verifica a exceção da litispendência que, a existir, sempre teria que ser aferida no momento em que a ação urgente é intentada no dia 29.01.2024.
54.O facto de a ação de intimação para proteção de DLGs não ter seguido o formalismo processual e no tempo previsto, com a celeridade que impunha o seu carácter urgente e ter vindo, entretanto, a ser proferida decisão na ação 116/23.5BALSB não faz surgir, supervenientemente, a exceção da litispendência.
55. Nem o facto de ter sido interposto recurso da decisão, entretanto, proferida no processo 116/23.5BALSB faz surgir interesse processual na ação de intimação para proteção de DLGs pois esta é uma ação muito mais complexa e vasta, com razões de urgência, do que a ação 116/23.5BALSB.
56. Por todo o exposto,
57. PEDIDO: requer-se a Vossas Excelências seja concedido provimento ao presente recurso, seja declarada as arguidas nulidades e seja revogada a decisão jurisdicional que julgou procedentes as exceções de inidoneidade e de litispendência e absolveu a Entidade Demandada, devendo a decisão recorrida ser substituída por outra que julgando improcedentes as exceções da inidoneidade e da litispendência, julgue procedente a exceção da falta de patrocínio judiciário e determine o prosseguimento dos demais termos processuais até final.
10. O CSMP contra-alegou, apresentando as seguintes conclusões:
«1. Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão proferido a 4 de abril de 2024, em conferência, pela Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo, que julgou procedentes as exceções de inidoneidade da intimação e de litispendência, e absolveu a entidade demandada da instância.
2. Para além da manifesta intempestividade da apresentação pela Autora do requerimento de 03.04.2024, face à decisão proferida no douto aresto recorrido, de julgar procedentes as exceções dilatórias de inidoneidade da intimação e de litispendência, que também são de conhecimento oficioso (art.º 89º, n.º 2 do CPTA) e, como tal, não estavam sequer dependentes de serem invocadas pela entidade demandada, é manifesto que o conhecimento da exceção dilatória de falta de patrocínio suscitada pela Autora estava prejudicado, em virtude de tal decisão.
3. Verifica-se a exceção prevista no art.º 608º, n.º 2 do CPC – que necessariamente, de acordo com as regras de hermenêutica jurídica, conformará a interpretação a conferir ao referido art.º 95º, n.º 1 do CPTA – no sentido que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras” (sublinhado nosso).
4. Acresce, ainda, que também nunca se verificaria a exceção dilatória de falta de patrocínio judiciário da entidade demandada, suscitada pela ora reclamante, não tendo tal invocação o mínimo de suporte legal.
5. Conforme consta dos autos, o ora signatário está designado para representar o Conselho Superior do Ministério Público na presente ação, nos termos do art.º 11º do CPTA, sucedendo tal na sequência da deliberação do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público de 19 de abril de 2023, que nomeou o ora signatário para, em comissão de serviço, com efeitos a partir de 15 de julho de 2023, exercer funções na Procuradoria-Geral da República de apoio jurídico e de mandatário do Conselho Superior do Ministério Público e da Procuradoria-Geral da República junto do Supremo Tribunal Administrativo (Diário da República, 2.ª série, n.º 153, de 8 de agosto de 2023).
6. O art.º 11º, n.º 1 do CPTA consagra expressamente a possibilidade do patrocínio judiciário de entidades públicas ser exercido por licenciado em Direito com funções de apoio jurídico, que é expressamente designado para o efeito.
7. Sempre assim foi, aliás, tendo desde sempre o patrocínio judiciário da PGR e do CSMP no contencioso administrativo – que é tramitado em 1ª instância, na sua grande maioria, junto do Supremo Tribunal Administrativo, conforme decorre do EMP e do ETAF – sido assegurado por magistrados do Ministério Público, nomeados para o efeito em comissão de serviço.
8. E nada impede que o patrocínio judiciário dos órgãos do Ministério Público (art.º do 12º do Estatuto do Ministério Público) seja efetuado por Magistrado do Ministério Público designado para o efeito.
9. As questões que efetivamente tinham que ser conhecidas foram devidamente explanadas na sentença, com uma fundamentação absolutamente clara, sendo que a leitura integrada da decisão recorrida era fácil e bastante para o recorrente formular e conformar o direito ao recurso, não se fundando em qualquer incerteza sobre o conteúdo decidido, nem sendo ambígua ou obscura, nada mais sendo necessário para o conhecimento da decisão recorrida.
10. Assim tendo o tribunal conhecido das questões que devia apreciar, e ficando as demais prejudicadas em virtude da procedência das referidas exceções dilatórias de inidoneidade da intimação e de litispendência, não ocorre qualquer nulidade da sentença por omissão de pronúncia.
11. Relativamente à circunstância de ter considerado como provados apenas os 3 factos que constam elencados no Acórdão, a Autora confunde as invocadas nulidades com um eventual erro de julgamento da matéria de facto – que não existe.
12. Quanto ao demais, de acordo com orientação doutrinal e jurisprudencial absolutamente pacífica e há muito sedimentada, para que a sentença ou despacho careça de fundamentação não basta que esta seja deficiente, incompleta ou não convincente: é necessário que haja falta absoluta de fundamentação.
13. Ora, do acórdão recorrido resulta claro e manifesto que o tribunal a quo apresentou o enquadramento factual e jurídico necessário para sua decisão, deixando absolutamente inteligíveis os fundamentos da decisão, conforme resulta, aliás, das alegações de recurso posteriormente apresentadas.
14. Por outro lado, os factos dados como provados foram todos os factos essenciais relevantes para a decisão de direito, tendo em conta as soluções possíveis da questão, que se resumiu ao conhecimento das exceções dilatórias de inidoneidade da intimação e de litispendência.
15. Como as mesmas foram julgadas procedentes, com a consequente absolvição da instância da entidade demandada, obviamente que não tinha que ser dado como provado qualquer outro facto relevante para o conhecimento do mérito da ação de acordo com a causa de pedir formulada pela Autora, por todas essas outras questões se encontrarem naturalmente prejudicadas, conforme já suprarreferido.
16. Compulsada a matéria de facto dada como provada, constata-se ainda que o douto acórdão recorrido não omitiu quaisquer factos determinantes para o conhecimento das exceções dilatórias que julgou procedentes, nem considerou provados factos que não devessem ser.
17. A matéria de facto considerada provada tem total correspondência com a realidade e encontra-se assente na prova documental junta aos autos.
18. Por outro lado, também não ocorre qualquer erro de julgamento na decisão sobre a matéria de facto se determinados factos, por omitidos, não tiverem utilidade para a apreciação do mérito da causa segundo as soluções plausíveis da questão de direito.
19. A decisão da matéria de facto foi corretamente efetuada de acordo com a prova documental existente nos autos, a prova produzida e as regras de repartição do ónus da prova, sendo a única com relevo para a decisão a proferir e julgar procedentes as exceções dilatórias de inidoneidade da intimação e de litispendência, inexistindo qualquer erro de julgamento.
20. No que respeita à notificação da A. para responder, no prazo de 10 dias, a matéria de exceção, tal despacho foi proferido em observância do princípio do contraditório, previsto no art.º 3º do CPC, ex vi art.º 1º do CPTA, não podendo o juiz decidir questões de direito, mesmo de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem, conforme expressamente estabelece o n.º 3 desse art.º 3º do CPTA.
21. Relativamente ao incumprimento do prazo de cinco dias previsto no art.º 111º, n.º 1 do CPTA, tal prazo tem natureza meramente procedimental, pelo que a sua eventual violação não tem qualquer consequência processual relativamente à decisão de direito proferida no acórdão recorrido.
22. No que respeita à manifesta procedência das exceções dilatórias de inidoneidade da intimação e de litispendência, pela sua clareza e acerto, remete-se, com a devida vénia, para todos os argumentos do douto acórdão recorrido, nada mais vislumbramos útil acrescentar, não se verificando, como tal, qualquer erro de julgamento de direito nessa matéria.
23. Finalmente, no que concerne à alegada violação dos artigos 110.º n.º 1 e 110º-A n.º 1 do CPTA, se fosse de considerar a tese da Autora de após o proferimento do despacho liminar o juiz já não poder conhecer da existência de exceções dilatórias, estaria claramente colocado em causa o princípio do contraditório, previsto no art.º 3º do CPC, ex vi art.º 1º do CPTA, porquanto essa decisão seria naturalmente proferida antes da resposta da entidade demandada, e poderia formar caso julgado formal quanto à verificação ou não de exceções dilatórias.
24. Tendo o demandado apresentado a sua defesa invocando tais exceções dilatórias, não poderia o tribunal a quo deixar de a apreciar no momento em que o fez, ou seja, não no despacho liminar (em que a entidade demandada ainda não havia sido sequer citada e, muito menos, havia apresentado a sua resposta à intimação), mas após a apresentação da resposta da entidade demandada, assim se garantindo o cabal cumprimento do princípio do contraditório.
25. O douto acórdão recorrido fez, assim, uma ponderada análise dos factos e do direito, tendo decidido de acordo com a lei, não se verificando qualquer nulidade da mesma, nem erro de julgamento, não sendo o mesmo merecedor de qualquer censura, devendo, como tal, ser integralmente confirmado.
Nestes termos, e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser considerado improcedente e manter-se, nos seus precisos termos, o douto acórdão recorrido»
11. A Autora reclamou para a Conferência do despacho proferido em 09/04/2024.
12. O CSMP pronunciou-se contra a reclamação para a Conferência, pugnando pela sua inadmissibilidade legal.
13. A 1.ª secção do STA, por acórdão de 16 de maio de 2024 julgou improcedentes as nulidades assacadas ao acórdão de 04 de abril de 2024 e indeferiu a reclamação apresentada contra o despacho de 09 de abril de 2024.
14. Inconformada com o acórdão de 16 de maio de 2024, que indeferiu a reclamação da autora para a Conferência do despacho proferido nos autos pela Senhora Conselheira relatora, datado de 09/04/2024, a Autora vem interpor recurso do mesmo para o Pleno do STA, apresentando alegações, que rematou com as seguintes conclusões:
“1. O Acórdão de que ora se recorre violou os artigos 7.°- A, n.° 2, 11.° n.° 1 e 2 do CPTA e artigo 41.° do CPC ex vi artigo 1.° do CPTA e o artigo 195.° n.° 1 e 2 do CPC ex vi artigo 1.° do CPTA pois,
2. O Acórdão de que ora se recorre violou o poder-dever vinculado - não discricionário - de o tribunal providenciar pelo suprimento de pressupostos processuais suscetíveis de sanação, como é o caso do pressuposto processual da constituição obrigatória de advogado, ou de designação de licenciado, nos termos impostos pelos artigos 7.°- A, n.° 2, 11.° n.° 1 e 2 do CPTA e artigo 41.° do CPC ex vi artigo 1.° do CPTA.
3. O não providenciamento pelo tribunal da sanação da falta do pressuposto processual quanto ao patrocínio judiciário da Entidade Demandada é uma omissão que pode influir no exame e decisão da causa pelo que nos termos do artigo 195.° n.° 1 e 2 do CPC ex vi artigo 1.° do CPTA, constitui uma nulidade inominada pelo que,
4. Deve, pois, ser revogado o Acórdão de 16.05.2024 de que ora se recorre e proferir-se decisão que, conhecendo da exceção deduzida a julgue procedente, anule o Acórdão proferido no dia 04.04.2024 (artigo 195.° n.° 1 do CPC ex vi art.° 1.° do CPTA) e determine a notificação da Entidade Demandada, nos termos do artigo 41.° do CPC ex vi art. 1.° do CPTA, para: designar licenciado em direito com funções de apoio jurídico que integre o
5. quadro de pessoal da Procuradoria Geral da República, designadamente da Secretaria Geral/Divisão de Apoio Jurídico, com as devidas cominações legais previstas no artigo 41.° do CPC.
6. O conhecimento da exceção do patrocínio judiciário da Entidade Requerida e a respetiva nulidade pelo Tribunal não é um ato inútil, pois
7. Esse conhecimento só se traduziria num ato inútil caso o despacho proferido no dia 09.04.2024 e o Acórdão proferido no dia 08.04.2024 fossem, por prévia legal imposição, decisões definitivas i. é. insuscetíveis de ser jurisdicionalmente sindicadas em sede de reclamação/recurso.
8. Não sendo decisões jurisdicionais definitivas o Tribunal tem o poder dever vinculado de garantir que a Entidade Requerida está devidamente patrocinada até que se verifique o trânsito em julgado da decisão jurisdicional final proferida na ação de intimação para proteção de Direitos, Liberdades ou Garantias.
9. Não é absolutamente indiferente a questão da falta de patrocínio judiciário da Entidade Requerida suscitada pela Autora pois, esta questão só seria estéril para interferir no teor do Acórdão recorrido proferido no dia 08.04.2024 se este fosse, e não é, uma decisão definitiva, insuscetível de recurso.
*
Por todo o exposto,
IV. PEDIDO
Requer-se a Vossas Excelências seja concedido provimento ao presente recurso, seja revogada o Acórdão de 16.05.2024 que indeferiu, por não provada, a reclamação apresentada e seja proferida decisão que apreciando, julgue procedente a exceção da falta de patrocínio judiciário, com as legais e cominatórias consequências, designadamente a anulação do Acórdão proferido no dia 08.04.2024 (artigo 195.° n.° 2 do CPC ex vi artigo 1.° do CPTA), determine a notificação da Entidade Demandada nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 41.° do CPC ex vi art.° 1.° do CPTA e determine o prosseguimento dos demais termos processuais até final.

15.O Réu Conselho Superior do Ministério Público contra-alegou, formulando as seguintes conclusões:
«1. Vem o presente recurso interposto do douto Acórdão proferido a 16 de maio de 2024, em sede de reclamação para a conferência, que indeferiu, por não provada, a Reclamação da Autora para a Conferência do despacho proferido nos autos a 09.04.2014 pela Senhora Juiz Conselheira Relatora, que não conheceu, por tal se encontrar prejudicado, a alegada exceção da falta de patrocínio judiciário da entidade demandada suscitada pela Autora.
2. Afigura-se-nos que a única questão relevante a decidir é a do alegado erro de julgamento na decisão de direito, por, na perspetiva da recorrente, violação dos artigos 7º-A, n.º 2 e 11º, n.º 1 e 2 do CPTA, e artigos 41º e 195º, n.º 1 e 2 do CPC, ex vi art.º 1º do CPTA.
3. Conforme muito bem se referiu na douta decisão recorrida, a exceção de inidoneidade do meio processual precede a da falta ou irregularidade do patrocínio judiciário, sendo que os tribunais, na sua ação e função, não podem praticar atos inúteis, nos termos do art.º 130º do CPC.
4. Ora, tendo sido julgadas procedentes as exceções dilatórias de inidoneidade do meio processual e de litispendência, com a consequente absolvição da entidade demandada da instância, é óbvio e manifesto que a questão suscitada pela Autora de suposta existência de falta ou irregularidade do patrocínio judiciário da entidade demandada é absolutamente irrelevante para aquela decisão de absolvição da instância face à patente ilegalidade da intimação instaurada.
5. Assim, é manifesto que o conhecimento da exceção dilatória de falta de patrocínio suscitada pela Autora estava prejudicado, em virtude de tal decisão de absolvição da instância, nos termos do art.º 95º, n.º 1 do CPTA e do art.º 608º, n.º 2 do CPC.
6. Por outro lado, a circunstância de ter sido interposto recurso da decisão de absolvição da instância não permite conclusão em sentido contrário, desde logo porque tal recurso tem apenas efeito meramente devolutivo dessa decisão de absolvição da instância, nos termos do art.º 143º, n.º 2, al. a) do CPTA, mas também porque não está inviabilizado a necessidade do seu posterior conhecimento, caso – e apenas e só nesse caso – eventualmente venha tal recurso a ser julgado procedente.
7. Finalmente, a situação em causa nunca seria suscetível de gerar a nulidade prevista no art.º 195º, n.º 1 do CPC, quer porque, conforme prevê tal norma, não está expressamente declarada na lei a possibilidade de verificação de nulidade nessa situação, quer porque nunca se poderia considerar que a questão em causa seria suscetível de poder influir no exame ou na decisão da causa, isto é, suscetível de influir na sua instrução, discussão e julgamento.
8. Sem conceder, também nunca se verificaria a exceção dilatória de falta de patrocínio judiciário da entidade demandada, suscitada pela ora reclamante, não tendo tal invocação o mínimo de suporte legal.
9. O ora signatário está designado para representar o Conselho Superior do Ministério Público na presente ação, nos termos do art.º 11º do CPTA, na sequência da deliberação do Plenário do Conselho Superior do Ministério Público de 19 de abril de 2023, que nomeou o ora signatário para, em comissão de serviço, com efeitos a partir de 15 de julho de 2023, exercer funções na Procuradoria-Geral da República de apoio jurídico e de mandatário do Conselho Superior do Ministério Público e da Procuradoria-Geral da República junto do Supremo Tribunal Administrativo (Diário da República, 2.ª série, n.º 153, de 8 de agosto de 2023).
10. O art.º 11º, n.º 1 do CPTA consagra expressamente a possibilidade do patrocínio judiciário de entidades públicas ser exercido por licenciado em Direito com funções de apoio jurídico, que é expressamente designado para o efeito.
11. É isso que precisamente sucede, com a designação do ora signatário que foi designado para exercer essas funções de apoio jurídico e de mandatário, em comissão de serviço.
12. Sempre assim foi, aliás, tendo desde sempre o patrocínio judiciário da PGR e do CSMP no contencioso administrativo – que é tramitado em 1ª instância, na sua grande maioria, junto do Supremo Tribunal Administrativo, conforme decorre do EMP e do ETAF – sido assegurado por magistrados do Ministério Público, nomeados para o efeito em comissão de serviço.
13. E nada impede, antes pelo contrário, de acordo com o teor do Acórdão n.º 380/96 do Tribunal Constitucional, que o patrocínio judiciário dos órgãos do Ministério Público (art.º do 12º do Estatuto do Ministério Público) seja efetuado por Magistrado do Ministério Público designado para o efeito.
14. O douto acórdão recorrido fez, assim, uma ponderada análise dos factos e do direito, tendo decidido de acordo com a lei, não se verificando qualquer nulidade da mesma, nem erro de julgamento de facto ou de direito – não se verificando qualquer violação das normas invocadas – não sendo o mesmo merecedor de qualquer censura, devendo, como tal, ser integralmente confirmado.
Nestes termos, e nos melhores de direito, deve o presente recurso ser considerado improcedente e manter-se, nos seus precisos termos, o douto acórdão recorrido.
*
Assim decidindo farão V. Ex.as JUSTIÇA.»

16. Notificado nos termos do artigo 146.º, n.º 1 do CPTA, o Magistrado do Ministério Público não se pronunciou.
17. Sem vistos, atenta a natureza urgente do processo, mas com envio prévio do projeto de acórdão aos adjuntos, o processo vai à Conferência para julgamento.

II- QUESTÕES A DECIDIR

6.Tendo em conta as conclusões das alegações apresentadas pela Recorrente - as quais delimitam o objeto de cada um dos recursos, nos termos dos artigos 635.º nº 4 e 639º nº 1 do CPC, ex vi, artigos 1º e 140.º n.º 3 do CPTA (sem prejuízo de eventual matéria de conhecimento oficioso) - está em causa decidir:
A- Em relação ao acórdão proferido pelo STA em 04 de abril de 2024:
a.1. se o mesmo enferma das nulidades que lhe são assacadas, a saber:
(i) da nulidade por omissão de pronúncia nos termos previstos na al. d), n.º1 do art.615.º do CPC, decorrente da falta de decisão sobre a questão da falta de patrocínio judiciário do réu CSMP;
(ii) da nulidade do acórdão com fundamento nas alíneas b) e e) do n.º1 do artigo 615.º do CPC;
a.2. se o STA incorreu em erro de julgamento sob matéria de direito ao julgar procedentes: (i) a exceção da impropriedade do meio processual e a (ii) a exceção da litispendência;
B- em relação ao acórdão proferido pelo STA em 16 de maio de 2024, se o mesmo violou os artigos 7.°- A, n.° 2, 11.° n.° 1 e 2 do CPTA e artigo 41.° do CPC ex vi artigo 1.° do CPTA e o artigo 195.° n.° 1 e 2 do CPC ex vi artigo 1.° do CPTA, ao não ter providenciado pela sanação do pressuposto processual da constituição obrigatória de advogado, ou de designação de licenciado.
**
III.FUNDAMENTAÇÃO
A.DE FACTO

7. No acórdão de 04 de abril de 2024, julgou-se provada a seguinte matéria de facto, com relevo para a decisão a proferir:

«1 - A Autora é Procuradora da República, a exercer funções na Comarca ... — Acordo;
2 - A Autora é arguida no processo disciplinar ...3 instaurado pelo Conselho Superior do Ministério Público- Acordo;
3 - A Autora é também Autora na Ação Administrativa que corre termos neste STA, sob Processo n.° 116/23.5BALSB, no âmbito da qual pede a condenação do CSMP, no prazo de 2 dias a: “Declarar a caducidade do direito de instaurar o procedimento disciplinar do Processo Disciplinar n.° ...3 que o CSMP move contra AA, por decurso do prazo de 60 dias. nos termos do artigo 209.º n.º 2 do EMP, como tendo caducado no dia 6 de Julho de 2021 ou se assim não se entender, no dia 5 de Outubro de 2021 ou, se assim não se entender, no dia 9 de Novembro de 2021, ou se assim não se entender no dia 6 de Janeiro de 2022, ou, se assim não se entender, no dia 17 de Outubro de 2022 ou, se assim não se entender, no dia 8 de Novembro de 2022” e a condenação do CSMP a “Declarar a extinção da eventual responsabilidade disciplinar da Autora por caducidade do direito de instaurar o procedimento disciplinar nos termos dos artigos 209.° n.° 2 e 208.” al. a) do EMP e o consequente arquivamento dos autos” – Acordo;
4 - Na presente intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, instaurada neste STA, sob Processo n.º 15/24.3BALSB, em que são partes AA e o CSMP, é peticionado que “Seja o CSMP Plenário condenado a, no prazo de 2 dias:
1. Declarar a caducidade do direito de instaurar o procedimento disciplinar do Processo Disciplinar n.º ..., por decurso do prazo de 60 dias, nos termos do artigo 209.° n° 2 do EMP, como tendo caducado no dia: 6 de Julho de 2021 ou se assim não se entender, no dia 5 de Outubro de 2021 ou, se assim não se entender, no dia 9 de Novembro de 2021, ou, se assim não se entender, no dia 6 de Janeiro de 2022, ou, se assim não se entender, no dia 17 de Outubro de 2022 ou, se assim não se entender, no dia 8 de Novembro de 2022.
2. Declarar a extinção da eventual responsabilidade disciplinar da Autora por caducidade do direito de instaurar o procedimento disciplinar nos termos dos artigos 209.° n.º 2 e 208.° al. a) do EMP e o consequente arquivamento dos autos;
3. Se fixe, desde logo, na Decisão de intimação, o pagamento pelo CSMP de sanção pecuniária compulsória em caso de incumprimento pelo determinado judicialmente, nos termos previstos no artigo 111.º nº 4 do CPTA.
4. Ou, como se está perante um acto devido pela administração estritamente vinculado, requer-se, em alternativa, que nos termos do artigo 109.° n.° 3 do CPTA o Tribunal emita sentença constitutiva destinada a produzir os efeitos do acto devido e em consequência seja, de imediato, declarado judicialmente o que se peticiona supra em 1. E 2.” – Acordo;
5 – Em 14/03/2024 foi proferido Acórdão no âmbito do Processo n.º 116/23.5BALSB, em que este STA julgou a ação improcedente – cfr. SITAF.
**
III. B.DE DIREITO

b.1. da nulidade do acórdão proferido em 04 de abril de 2024 nos termos previstos na alínea d), n.º1 do artigo 615.º do CPC, por omissão de pronúncia decorrente da falta de decisão sobre a alegada falta de patrocínio judiciário do Réu.

8.A Recorrente, nas conclusões de recurso que formula sob os pontos 1.º a 15.º, impetra ao acórdão recorrido de 04/04/2024 o vício da nulidade decorrente de omissão de pronúncia, alegando, para o efeito, que o acórdão recorrido não se pronunciou sobre a questão da falta do pressuposto processual do patrocínio judiciário em relação à Entidade Demandada, sobre a qual se devia ter pronunciado antes de conhecer de quaisquer outras questões, considerando que o patrocínio judiciário é legalmente obrigatório nos termos dos n.º 1 e 2 do artigo 11.º CPTA e artigos 40.º e 41.º do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA e é do conhecimento oficioso do tribunal, nos termos do artigo 7-º n.º 4 alínea h), do CPTA.
9.Aduz, para sustentar a falta de representação judiciária do CSMP nos presentes autos, que o mesmo tinha de ter constituído advogado ou feito patrocinar por solicitador ou licenciado em direito ou em solicitadoria com funções de apoio jurídico, nos termos do artigo 11.º n.º 1 e 2 do CPTA e não por um magistrado do Ministério Público.
E conclui que o Acórdão recorrido tinha de ter, antes de qualquer outra, conhecido da “questão da exceção do patrocínio judiciário” da entidade demandada e, “julgando procedente, procedido observando o disposto nos artigos 11.º n.º 1 e 2 do CPTA e artigo 41.º do CPC.”
10.Nos termos consignados no artigo 89.º, n.º 1 do CPTA, as exceções podem ser dilatórias ou perentórias. São exceções dilatórias as que obstam ao conhecimento do mérito da ação, dando lugar à absolvição da instância ou à remessa do processo para outro tribunal. As exceções dilatórias são de conhecimento oficioso (n.º2 do art.89.º), e determinam a absolvição da instância do réu, a qual apenas deve ser imediatamente decidida pelo juiz quando se esteja perante uma exceção dilatória insuprível (cfr. artigo 87.º, n.º1 do CPTA ), sendo que, em todos os demais casos, o juiz deve providenciar pelo suprimento da exceção dilatória (cfr. artigo 87.º, n.º2 do CPTA e artigo 6.º, n.º2 do CPC).
11.Atendendo ao disposto no n.º1 do artigo 608.º do CPC, as exceções devem ser conhecidas «segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica», porém, esse critério, é maleável. Conforme esclarece Miguel Teixeira de Sousa: «Um dos critérios utilizáveis para essa hierarquização pode ser o seguinte: uma exceção dilatória deve ser apreciada antes de outra, sempre que o conhecimento da primeira prejudique, por inutilidade ou desnecessidade, a apreciação da segunda, isto é, sempre que a apreciação de uma consuma a necessidade do conhecimento da outra. (…) Por esse mesmo critério, as exceções de litispendência e de caso julgado…merecem uma apreciação prioritária perante qualquer outra exceção dilatória, dado que a sua precedência preclude a necessidade de apreciação de todas as demais».
Contudo, refere o mesmo autor, «nem todas as exceções dilatórias podem ser hierarquizadas segundo uma ordem lógica de julgamento.
(…) Num certo sentido, pode mesmo estranhar-se a referência do art.º 660.º, n.º1, in fine, a uma ordem de apreciação das exceções dilatórias, dado que todas aquelas que podem ser apreciadas na sentença final conduzem a uma mesma decisão, que é a absolvição do réu da instância (cfr. art.º 493.º, n.º2).
Sempre que se verifica um concurso de fundamentos de uma decisão, o mais razoável é aceitar a apreciação alternativa de qualquer deles, pois que o julgamento com base num fundamento diferente do apreciado nunca conduziria a uma decisão distinta daquela que foi proferida.
(…) Parece que, mesmo quando se possa defender uma certa prioridade na apreciação de algumas exceções dilatórias, a inobservância dela não origina qualquer omissão de pronúncia do tribunal e não determina a nulidade da decisão…Dado que a decisão seria sempre a mesma qualquer que fosse a exceção dilatória apreciada, ou seja, seria sempre uma absolvição da instância, não se pode concluir que o desrespeito dessa prioridade determine uma omissão de pronúncia.
A ordem referida no art.º 660.º, n.º1, in fine, é, por isso, meramente indicativa»- in Miguel Teixeira de Sousa, in “ Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, 2.ª Ed., LEX Lisboa, 1997, pág.359-361.
12. De acordo com o disposto no n.º4 do citado artigo 89.º do CPTA constituem exceções dilatórias, entre outras a “h) Falta de constituição de advogado ou representante legal por parte do autor e a falta, insuficiência ou irregularidade de mandato judicial por parte do mandatário que propôs a ação” (em termos similares, veja-se a al. h), do artigo 577.º do CPC). Ou seja, nos termos desta norma a falta de patrocínio judiciário do réu não constitui exceção dilatória.
13. Sobre a falta de patrocínio judiciário, o artigo 41.º do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA, diz-nos que “Se a parte não constituir advogado, sendo obrigatória a constituição, o juiz, oficiosamente ou a requerimento da parte contrária, determina a sua notificação para o constituir dentro do prazo certo, sob pena de o réu ser absolvido da instância, de não ter seguimento o recurso ou de ficar sem efeito a defesa”.
14. O alcance desta norma é diferente consoante a falta de constituição de advogado diga respeito ao autor ou ao réu.
15. A falta de constituição de mandatário pelo autor quando o patrocínio judiciário por advogado seja obrigatório, gera a falta de um pressuposto processual, constituindo uma exceção dilatória que leva a que o réu seja absolvido da instância (cfr. artigo 89.º, n.º4, al. h) do CPTA e artigos 576.º n.º2, 577.º h), 578.º, 590.º n.º 1 e n.º 2 e al. a) do n.º 1 e n.º 3 do art. 595.º do CPC).
16.Já no que toca à falta de constituição de mandatário por parte do réu, a consequência é muito mais gravosa, uma vez que, por haver a falta de um “pressuposto do ato processual” se prevê que fica sem efeito qualquer defesa apresentada, correndo o processo à revelia do réu.
17.A Recorrente argumenta que não sendo os magistrados do Ministério Público (MP) advogados, não podem ser quem assegura o patrocínio do PGR, do CSMP, das Procuradorias Gerais Regionais e dos Procuradores-Gerais Regionais quando demandados em juízo pela prática, no âmbito das suas competências específicas, de atos administrativos nulos ou anuláveis, apenas lhes competindo representar o Estado.
Entende que o licenciado em direito a que se refere o artigo 11.º, n.º1 e 2 do CPTA tem que ser pessoa que integre o quadro de pessoal do órgão administrativo em causa, designadamente a secção/divisão de apoio jurídico ou a secção de recursos humanos ou outra que tenha nos seus quadros um funcionário licenciado em direito com funções de apoio jurídico.
E conclui que, no caso, como o Senhor Dr. BB, que foi designado pelo Exmo. Senhor Vice PGR para patrocinar o CSMP na ação n.º 15/24.3BALSB é um magistrado do MP em exercício de funções, o mesmo só pode exercer as funções de magistrado do MP no quadro legal de atribuições que decorre do Estatuto do Ministério Público e das normas processuais, pelo que, não pode, por total falta de atribuições, patrocinar o CSMP na presente ação.
18.Em relação à invocada falta de patrocínio judiciário do réu, a Recorrente não tem qualquer razão, porquanto qualquer magistrado do MP já antes de o ser, era e, após, continua a ser, um licenciado em direito.
19.Aliás, a questão da legal representação do CSMP pelo Senhor Procurador Geral, Dr. BB, já foi decidida pela 1.ª Secção do STA, em acórdão de 16/05/2024, proferido no processo n.º 116/23.5BALSB- ação comum intentada pela Autora contra o mesmo réu nestes autos- nos seguintes moldes: «não se verifica qualquer irregularidade no patrocínio judiciário do Réu “CSMP” que cumpra suprir, uma vez que o mandatário constituído é licenciado em direito, como exige o n.º1 do artigo 11.º do CPTA, sem que simultânea qualidade de magistrado do Ministério Público anule a tal exigida condição, sendo certo que foi o mesmo nomeado por deliberação de 19/04/2023 do Plenário do CSMP (publicado em DR II de 08/08/2023) para, em comissão de serviço, exercer as funções na Procuradoria- Geral da República de apoio jurídico e de mandatário do CSMP e da PGR junto do Supremo Tribunal Administrativo».
20.Esta decisão foi também confirmada por Acórdão do Pleno, de 26/09/2024.
21.Secundando a decisão proferida nos mencionados acórdãos, também não antevemos qualquer óbice legal à possibilidade de o CSMP ser representado em juízo por um magistrado do MP, uma vez que, qualquer magistrado do MP é também um licenciado em direito, pelo que, nos termos do disposto no n.º1 do artigo 11.º do CPTA, pode exercer as funções de representação judiciária de entidades como o CSMP, desde que, para o efeito, haja a necessária nomeação, como se verifica que sucede no caso sob escrutínio em relação ao Senhor Procurador Geral, Dr. BB.
22.Daí que, não se impusesse ao Tribunal a quo que oficiosamente, tivesse convidado o CSMP a fazer-se representar por um licenciado em direito, uma vez que o réu estava devidamente representado em juízo pelo Senhor Procurador-Geral.
23.Desta forma, do ponto de vista material, a Recorrente não tem nenhuma razão, porque o CSMP está e sempre esteve devidamente patrocinado nos presentes autos.
24.Subsiste apenas a questão formal relativa ao facto de a autora ter suscitado a falta de patrocínio judiciário do CSMP, o que fez, não aquando da resposta que apresentou às exceções que foram suscitadas pelo CSMP, mas por requerimento que juntou posteriormente aos autos, no dia 03/04/2024.
25. Porém, porque se trata de questão que pode ser suscitada em qualquer fase do processo até ao trânsito em julgado da decisão, não se pode concluir que essa questão foi suscitada intempestivamente. Logo, suscitada a questão no dia 03/04/2024 e não tendo sobre ela recaído despacho, a mesma devia ter sido conhecida pela 1.ª secção do STA no acórdão proferido no dia 04/04/2024.
26. Caso o Tribunal constatasse que ocorria a invocada falta de patrocínio judiciário, impunha-se-lhe que ordenasse a notificação do réu para constituir mandatário dentro de prazo certo, sob pena de a defesa apresentada pelo mesmo ficar sem efeito.
27. É apodítico uma vez suscitada a questão de falta de patrocínio judiciário do réu pela parte contrária, o juiz deve decidir essa questão imediatamente, uma vez que, caso se esteja perante uma situação de falta de patrocínio do réu, se impõe ao juiz que convide o réu a suprir essa deficiência, sendo gravíssimas as consequências para a defesa do réu da sua falta de patrocínio judiciário.
28.No caso em análise, tendo a questão da falta de patrocínio judiciário sido levantada pela Autora e não tendo a mesma sido decidida em despacho prévio ao acórdão, a mesma devia ter sido decidida no acórdão, uma vez que, impende sob o julgador a obrigação de decidir todas questões que lhe sejam colocadas pelas partes (cfr. n.º2 do artigo 608.º do CPC).
29.O acórdão recorrido não conheceu da invocada falta de patrocínio judiciário. E nos termos do artº. 615º, nº. 1, al. d), do CPC é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento”.
30.Esse preceito legal deve ser articulado com o nº. 2 do artº. 608º do CPC, que impõe ao juiz a obrigação de “resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.” Em termos similares, o artigo 95.º, n.º1 do CPTA estatui que “ a sentença deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas, salvo quando a lei lhe permita ou imponha o conhecimento oficioso de outras”.
31.Impõe-se no artigo 608.º, n.º2 do CPC aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA um duplo ónus ao julgador, o primeiro (o que está aqui em causa) traduzido no dever de resolver todas as questões que sejam submetidas à sua apreciação pelas partes (salvo aquelas cuja decisão vier a ficar prejudicada pela solução dada antes a outras), e o segundo (que aqui não está em causa) traduzido no dever de não ir além do conhecimento dessas questões suscitadas pelas partes (a não ser que a lei lhe permita ou imponha o seu conhecimento oficioso).
32.Apenas a não pronúncia pelo tribunal quanto a questões que lhe sejam submetidas pelas partes determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia, mas já não a falta de discussão das “razões” ou “argumentos” invocados para concluir sobre as questões- cfr. neste Ferreira de Almeida, “Direito de Processo Civil”, vol. II, Almedina, 2015, pág. 371.
33.Também não determina a nulidade da sentença por omissão de pronúncia a não apreciação pelo Tribunal de questões que sejam de conhecimento oficioso, mas que não foram suscitadas pelas partes.
34.Do mesmo modo, apenas o conhecimento pelo tribunal de questões não suscitadas pelas partes nos seus articulados e de que aquele não possa conhecer oficiosamente, determina a invalidade da sentença por excesso de pronúncia.
Neste sentido, veja-se o recente Acórdão do STA, de 11/09/2024, proferido no processo n.º 050/24.1BEFUN, no qual se sumariou a seguinte jurisprudência:
«I - Só há nulidade da decisão por omissão de pronúncia quando o tribunal deixa, em absoluto, de apreciar e decidir as questões que lhe são colocadas e não quando deixa de apreciar argumentos, considerações, raciocínios, ou razões invocados pela parte em sustentação do seu ponto de vista quanto à apreciação e decisão dessas questões.
II - Não há nulidade por omissão de pronúncia relativamente a questões que, sendo do conhecimento oficioso, não foram suscitadas pelas partes.
III - A nulidade por excesso de pronúncia só pode verificar-se quando o tribunal conhece de questão que, não sendo do conhecimento oficioso, não lhe tenha sido colocada pelas partes
35.Na esteira da doutrina e da jurisprudência que existe sobre o tema, refira-se ainda que o conceito de “questõesa que o legislador se refere, são apenas os pontos de facto e/ou de direito centrais, nucleares, relevantes ou importantes submetidos pelas partes ao escrutínio do tribunal para dirimir a controvérsia entre elas existente e cuja resolução lhe submetem, atentos os sujeitos, os pedidos, causas de pedir e exceções por elas deduzidas ou que sejam do conhecimento oficioso do tribunal, e não os simples argumentos, opiniões, motivos, razões, pareceres ou doutrinas expendidos no esgrimir das teses em presença- cfr. Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º, 3ª. Ed., Almedina, págs. 713/714 e 737.” e Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processos Civil, 6ª. Ed. Atualizada, Almedina, pág.136.”.
Avançando.
36.A ausência de decisão do Tribunal a quo quanto à invocada falta de patrocínio judiciário do Réu traduz a omissão de um ato obrigatório que devia ter sido assegurado antes da prolação do acórdão.
37.A omissão de pronúncia significa, fundamentalmente, a ausência de posição ou de decisão do tribunal sobre matérias em que a lei imponha que o juiz tome posição expressa. Tais questões são aquelas que os sujeitos processuais interessados submetem à apreciação do tribunal (art. 660.°, n.º 2, do CPC) e as que sejam de conhecimento oficioso, de que o tribunal deva conhecer independentemente de alegação e do conteúdo concreto da questão controvertida, quer digam respeito à relação material, quer à relação processual.
38.Contudo, no caso, é seguro que o Réu estava e está devidamente patrocinado em juízo, o que, aliás, foi já decidido no processo que correu termos com o n.º116/23. 5BALSB.
39.Por isso, ordenar que os autos baixem à 1.ª Secção do STA para que o Tribunal recorrido se pronuncie sobre a falta de patrocínio judiciário do Réu, quando resulta dos autos que o Réu está devidamente representado, constituiria um ato absolutamente inútil e como tal proibido por lei – cfr. neste sentido Ac. do STJ, de 20/12/2022, processo n.º 8281/17.4T8LSB.L1.S1 ( em que o STJ, perante a nulidade por omissão de pronúncia da 2.ª instância relativamente ao abuso de direito suscitado pelo recorrente, entendeu não ordenar a baixa dos autos por os mesmos revelarem que não ocorria a invocada exceção perentória, evitando, assim, a prática de um ato inútil).
Assim sendo, julgamos encontrar-se ultrapassada a nulidade do acórdão proferido e declaramos improcedente a questão da falta de patrocínio judiciário suscitada pela Recorrente.
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b.2. da nulidade do acórdão recorrido com fundamento nas alíneas b), d) e e) do n.º1 do artigo 615.º do CPC.

40. A Recorrente assaca ainda ao acórdão recorrido vício de nulidade nos termos do disposto nas alíneas b), d) e e) n.º1, do artigo 615.º do CPC, alegando, para o efeito, que o mesmo viola ostensivamente o princípio do dispositivo e o direito à tutela jurisdicional, a independência dos tribunais e o princípio da imparcialidade do julgador nos termos do disposto nos artigos 3.º n.º 1, 5.º n.º 1 e 59 e 2 e 203.º da CRP. E isso por ter considerado com relevância para o objeto da ação de intimação e, como provados, apenas os 3 factos que constam elencados no acórdão recorrido e, bem assim por ter decidido que “Não se consideram provados outros factos com relevo para a decisão a proferir”, deixando de se pronunciar sobre a restante factualidade alegada, num total de 60 artigos com factualidade alegada, que integra a causa de pedir dos pedidos formulados., e por não ter especificado os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão de julgar procedente a exceção de inidoneidade da intimação.
Vejamos se lhe assiste razão.
41.Diz-nos o n.º 1 do artigo 615.º do CPC, na parte que releva, que "[é] nula a sentença quando: (...) b) Não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão».
42.Existem regras que o juiz deve observar na elaboração da sentença, que o CPTA escalpeliza nos n.ºs 2 e 3 do artigo 94.º (no mesmo sentido, vide n.ºs 2 e 3 do artigo 607 do CPC) de acordo com as quais a "sentença começa por identificar as partes e o objeto do litígio, enunciando as questões de mérito que ao tribunal cumpra solucionar”, seguindo-se "a exposição dos fundamentos de facto e de direito”, onde o juiz deve "discriminar os factos que considera provados e não provados, analisando criticamente as provas, e indicar, interpretar e aplicar as normas jurídicas correspondentes".
43.Ainda neste âmbito, o n.º 4 do mesmo preceito acrescenta que o "juiz aprecia livremente as provas segundo a sua prudente convicção acerca de cada facto", não abrangendo, porém, aquela livre apreciação "os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial e aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes".
44.Impende sobre os juízes, como não poderia deixar de ser, o dever de fundamentação das sentenças que profiram. Trata-se, aliás, de uma imposição constitucional consagrada no art.º 205, n.º 1, da Constituição da República, normativo onde se estabelece ser obrigação do juiz fundamentar as suas decisões, apenas o podendo fazer por simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição quando, tratando-se de despacho interlocutório, a contraparte não tenha apresentado oposição ao pedido e o caso seja de manifesta simplicidade.
45.Pronunciando-se sobre esta temática, com interesse, Antunes Varela/J. Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.a ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1985, p. 666, assinalam que"[é] na segunda parte da sentença, através da determinação, interpretação e aplicação das normas aos factos apurados, que reside a verdadeira motivação (fundamentação) da sentença. A importância capital desta parte da sentença reflete-se claramente no facto de o art. 668/1, b) [correspondente, no CPC de 1961, ao atual art.º 615, n.º 1, al. b)] incluir entre as causas de nulidade da sentença a falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão."
46. É communis opinio, que só a falta absoluta da indicação dos fundamentos de facto ou de direito é geradora da nulidade prevista na al.b), n.º1 do artigo 615.º do CPC, e não apenas a mera deficiência da dita fundamentação, assim como a absoluta falta de motivação do julgamento da matéria de facto- cfr. na doutrina, Antunes Varela/J. Miguel Bezerra/Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2.a ed., Coimbra: Coimbra Editora, 1985, p. 687; Miguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, Lisboa: Lex, 1997, p. 221, Lebre de Freitas, A Ação Declarativa Comum à Luz do Código de Processo Civil de 2013, 3.a edição, Coimbra: Coimbra Editora, 2013, p. 332, Abrantes Geraldes/Paulo Pimenta/Luís Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Coimbra: Almedina, 2018, p. 737, Rui Pinto, Código de Processo Civil Anotado, II, Coimbra: Almedina, 2021, p. 179.
Na mesma linha e na clássica lição de José Alberto dos Reis, o mesmo faz a seguinte advertência: "há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade”; e, por "falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto (...)."-cfr. Código de Processo Civil Anotado, V, Coimbra: Coimbra Editora, 1948, p. 140
47.Em conclusão, a sentença estará fundamentada se contiver as razões de facto e de direito que permitam às partes perceber o racional da mesma e, bem assim, em caso de recurso, se contiver as razões para que também o tribunal ad quem fique em condições de aferir a sua motivação, quer de facto, quer de direito.
48.Aproximando estas considerações do caso vertente, é evidente que o acórdão recorrido não enferma do vício da nulidade que lhe foi apontado. A Recorrente pode discordar do julgamento que foi realizado pelo Tribunal a quo, mas a sua insatisfação com o julgamento efetuado não a pode levar a imputar-lhe o vício de falta de fundamentação, uma vez que o mesmo evidencia de forma clara as razões que levaram o Tribunal a dar como verificada, quer a exceção da impropriedade do meio processual, quer a exceção de litispendência.
A total inconsistência do vício de nulidade por falta de fundamentação salta à vista quando se atenta no seguinte segmento do acórdão recorrido que se transcreve:
«17. Se no caso concreto a tutela da situação jurídica ficar suficientemente assegurada pela propositura de uma ação principal normal e de um processo cautelar, a ação subsidiária urgente, prevista no artigo 109. ° do CPTA, será inadequada.
18. Em face da alegação da Autora e da factualidade provada tem de se entender por assistir razão à Entidade Demandada na dedução da exceção de inidoneidade da presente intimação, pela seguinte ordem de razões:
19. Primo, não se encontram demonstrados os pressupostos de a Autora estar necessitada de obter uma célere emissão de uma decisão de mérito para assegurar a tutela dos direitos que vem invocar em juízo, não só porque já instaurou uma anterior ação administrativa para a mesma finalidade, como os direitos invocados que considera estarem a ser ameaçados de lesão não carecerem de uma tutela urgente, que não se compadeça com o meio processual já usado pela Autora, a ação administrativa que corre termos sob Processo n.º 116/23 .5BALSB.
20. Secundo, mesmo que assim não se entendesse e fosse de configurar a situação em presença como carente de uma tutela urgente, sempre seria adequada a adoção de uma providência cautelar, como meio instrumental à ação administrativa já instaurada, mediante a apensação a essa ação, e não a instauração de uma intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, como a presente.
(…)
22. Nestes termos, não logra a Autora demonstrar a verificação dos pressupostos de utilização do presente meio processual, que se afigura secundário e de utilização restrita e limitada, quando em comparação com os demais meios processuais
(…)
«) Da exceção de litispendência
25. Sem prejuízo, foi também invocada pela Entidade Demandada a exceção de litispendência, por, segundo o que a própria Autora admite, já instaurou a ação administrativa sob Processo n.º 116/23.5BALSB, relativa ao mesmo processo disciplinar, verificando-se que as partes são as mesmas na referida ação e na presente intimação.
26. Além de, segundo a Entidade Demandada a causa de pedir é a mesma, provindo dos mesmos factos jurídicos e os pedidos são idênticos, por se pretender obter o mesmo efeito jurídico.
27. Com base na factualidade provada nos presentes autos é possível constatar o acerto e a razão que assiste à Entidade Demandada, pois pela Autora foi apresentado um outro meio processual, sob a forma de ação administrativa, em que os sujeitos processuais são os mesmos, Autora e o CSMP, além de ocuparem a mesma posição processual na lide, sendo este a mesma Entidade Demandada em ambos os processos, e em que, embora sob meios processuais distintos, a Autora formula os mesmos pedidos e pretende obter o mesmo efeito jurídico.
(…)
39. Evidenciando, nos termos da factualidade provada, que a Autora veio requerer a presente intimação judicial contra o CSMP visando obter os efeitos que já havia requerido na ação administrativa sob Processo n.º 116/23.5BALSB, permitindo configurar a procedência da exceção de litispendência.
40. O que conduz à absolvição da Entidade Demandada da instância, obstando ao prosseguimento dos autos e ao conhecimento do mérito do pedido.»
49. Como se pode constatar, as razões que alicerçaram o julgamento efetuado no acórdão recorrido vêm enunciadas de forma clara e bastante. E essas razões foram, aliás, plenamente apreendidas pela Recorrente, como se depreende do modo como conformou o seu direito ao recurso, onde não manifesta nenhuma dúvida sobre o racional seguido pelo acórdão recorrido.
50. A Recorrente alega ainda que o acórdão recorrido, ao ter dado como provados apenas os factos que constam do elenco dos factos assentes e ao deixar de se pronunciar sobre os restantes factos alegados na p.i., os quais se encontram provados por documentos, construiu uma causa de pedir que não corresponde à causa de pedir que a mesma introduziu em juízo, razão pela qual o acórdão recorrido enferma do vício da nulidade prevista na al. d) e e), n.º1 do artigo 615.º do CPC.
51.Sobre a nulidade por omissão de pronuncia prevista na al. d) do n.º1 do artigo 615.º do CPC damos aqui por reproduzidas as considerações jurídicas que acima se efetuaram sobre o sentido e alcance com esta norma vale.
52.Quanto à al. e), n.º1 do artigo 615.º do CPC, nela estatui-se que a sentença é também nula quando «O juiz condene em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido». Esta alínea refere-se às situações de pronúncia “ultra petitum”, em que o tribunal, violando o princípio do dispositivo não respeite os limites impostos pelo artigo 95.º, n.º2 do CPTA (a que corresponde o 609.º, n.º1 do CPC), condenando ou absolvendo em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso do pedido.
53.Diz-nos a experiência, que a arguição de nulidades relativamente às decisões judiciais é recorrentemente invocada pelas partes (através dos seus mandatários) de forma pouco criteriosa, consumindo tempo e recursos que melhor poderiam ser utilizados na decisão do que verdadeiramente constitui o objeto do recurso. Esta perceção é partilhada por Abrantes Geraldes, ao afirmar: “É frequente a enunciação nas alegações de recurso de nulidades da sentença, numa tendência que se instalou (e que a racionalidade não consegue explicar), desviando-se do verdadeiro objeto do recurso que deve ser centrado nos aspetos de ordem substancial. Com não menos frequência, a arguição de nulidades da sentença ou do acórdão da Relação acaba por ser indeferida, e com toda a justeza, dado que é corrente confundir-se o inconformismo quanto ao teor da sentença com algum dos vícios que determinam tais nulidades previstas no art.615.º, n.º1»- cfr, António dos Santos Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, 6.ª Edição Atualizada, Almedina, pág.213.
54.A situação sob escrutínio é bem exemplificativa do que se acabou de dizer, conquanto, sendo patente que acórdão recorrido não incorreu nas apontadas nulidades por omissão de pronúncia e por condenação ultra petitum, ainda assim são-lhe impetradas tais nulidades.
55.Neste contexto, considerando que sobre essas apontadas nulidades, em observância do comando inserto no n.º1 do artigo 617.º do CPC, o tribunal recorrido já se pronunciou sobre as mesmas no acórdão de 16/05/2024, em moldes que subscrevemos, remetemos para o que aí se decidiu a esse respeito e que ora transcrevemos:
«17. No que concerne ao demais alegado, que a Autora subsume ao disposto nas ais. b), d) e e), do n.° 1 do artigo 615.° do CPC, não incorre o acórdão recorrido nas nulidades invocadas ao dar por provados os factos que deu, os quais são os suficientes para sustentar, no plano de facto, a decisão de direito que foi proferida, respeitante à procedência das exceções de inidoneidade do meio processual e de litispendência.
18. Do mesmo modo que ao julgarem-se procedentes tais exceções em causa, o Tribunal não violou o princípio dispositivo, pois que tal matéria de exceção fora invocada expressamente pelas partes.
19. Do mesmo modo que a procedência das exceções suscitadas na contestação, não traduz qualquer alteração da causa de pedir, nem conhecimento para além do que haja sido colocado como questão decidenda pelas partes.
20. Decidindo-se julgar procedentes as exceções em causa, que são obstativas do conhecimento do mérito da causa, são também manifestamente infundado invocar a nulidade do acórdão recorrido por violação do direito à tutela jurisdicional efetiva.
21. Além de não substanciar tal alegada nulidade por violação do direito à tutela jurisdicional efetiva, a falta de conclusão mais oportuna dos autos por parte da Secretaria, para que o Tribunal pudesse decidir.»
56. Ademais, dir-se-á que, quanto à circunstância de a Recorrente sustentar que o Tribunal a quo deixou de se pronunciar sobre facticidade que na sua perspetiva é essencial da causa de pedir que alegou, no sentido de a não julgar como provada nem como não provada, que essa situação, a verificar-se, consubstanciaria erro de julgamento sobre da matéria de facto, na vertente de deficiência, e não nulidade do acórdão.
57.A Recorrente, confunde, pois, o erro de julgamento da matéria de facto com causas determinativas de nulidade de sentença, nomeadamente, por omissão de pronúncia ou falta de fundamentação.
58.Por fim, quanto aos vícios que imputa ao enquadramento jurídico feito no acórdão, trata-se de erro de julgamento da matéria de direito e não de causas determinativas de nulidade do acórdão proferido.
Termos em que se conclui no sentido de que não se verificam as nulidades assacadas pela Recorrente ao acórdão proferido.

b.3 do erro de julgamento sobre a matéria de facto

59. A Recorrente vem ainda arguir que o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento sobre a matéria de facto ao não ter levado aos factos assentes toda a matéria que alegou na p.i e ter apenas considerado provados os três factos que fez constar do elenco dos factos provados.
60. Não lhe assiste nenhuma razão. É mais do que pacifico, o entendimento de acordo com o qual o tribunal apenas deve considerar, de entre os factos alegados, aqueles que sejam essenciais para as questões a decidir.
61. O artigo 608º, n.º1 do CPC, já acima citado, estabelece, recorde-se, que “…a sentença conhece, em primeiro lugar, das questões processuais que possam determinar a absolvição da instância, segundo a ordem imposta pela sua precedência lógica”.
E pese embora, nos termos do n.º2 desse preceito, o juiz tenha de conhecer de todas as questões que sejam suscitadas pelas partes e das que sejam de conhecimento oficioso, por razões de economia processual e de celeridade, e de modo a evitar-se a prática de atos inúteis, deve começar por conhecer daquelas que obstem ao conhecimento do mérito da ação, como são todas aquelas que determinem a absolvição do réu da instância.
62.No caso, cumprindo tais diretrizes, exigia-se ao tribunal a quo que começasse por conhecer das exceções suscitadas pelo réu na resposta apresentada, e para esse desiderato, apenas se lhe impunha dar como provados ou não provados, de entre a matéria alegada, a factualidade relevante para conhecer de tais exceções.
63.Foi isso que o Tribunal a quo fez, tendo dado como provados os três factos que elencou em sede de fundamentação de facto do acórdão recorrido, bastantes para conhecer das exceções suscitadas pelo Réu, pelo que, tendo julgado provadas as referidas exceções e absolvido o Réu da Instância, nenhuma outra factualidade se impunha que tivesse dado como provada ou não provada.
64. Não se vislumbrando nenhum erro de julgamento sobre a matéria de facto em que tivesse incorrido o acórdão recorrido, impõe-se julgar improcedente o invocado fundamento de recurso.

b.4. dos erros de julgamento sobre a matéria de direito

65. A Recorrente pretende que seja revogada a decisão de direito proferida no acórdão recorrido que julgou procedentes as exceções dilatórias da impropriedade do meio processual de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias e de litispendência, e que absolveu o Réu da instância e, em consequência, que essa decisão seja substituída por outra que julgando improcedentes tais exceções, determine o prosseguimento dos demais termos até final.
66. Para tanto, impetra ao acórdão recorrido vários erros de julgamento em matéria de direito, decorrentes:
(i) da inexistência de fundamento legal para a notificação à A. para responder, no prazo de 10 dias, à matéria de exceção, e para que o Relator não tivesse proferido decisão no prazo de 5 dias ou, em alternativa, não tivesse sido proferido de imediato despacho pelo Relator a determinar a inscrição em tabela de julgamento para a sessão mais próxima, violando-se o disposto no artigo 111.º, n.º1 e o artigo 36.º, n.º3 do CPTA, e consequentemente, as garantias fundamentais de celeridade processual e de tutela jurisdicional efetiva em matéria de Direitos, Liberdades e Garantias, consagrados no artigo 20.º, n.º5 da CRP.
(ii) violação dos artigos 110.º, n.º1 e 110.º-A, n.º1 do CPTA, porque passada que foi a fase do despacho liminar e da verificação dos pressupostos processuais da Intimação, o tribunal apenas poderia julgar do mérito da ação;
(iii)da violação do artigo 109.º, n.º1 do CPTA, por se ter decidido que o meio processual utilizado pela A. nos presentes autos era inidóneo;
(iv) da violação dos artigos 89.º, n.º2 e 4, al. l) do CPTA e artigos 580.º, 581.º e 582.º do CPC ex vi artigo 1.º do CPTA, quando julgou procedente a exceção da litispendência.
Vejamos se lhe assiste razão.

(i)- do erro de julgamento decorrente da notificação da autora para no prazo de 10 dias responder à matéria de exceção suscitada na reposta apresentada pelo Réu e por a decisão final não ter sido proferida no prazo de 5 dias previsto no n.º1 do artigo 111.º do CPTA

67. Conforme se retira do relatório supra elaborado, o Tribunal a quo, depois de ter ordenado a citação do Réu para, no prazo de 7 dias, nos termos do n.º1 do artigo 110.º do CPTA, responder ao pedido de Intimação, e perante a defesa apresentada pelo último, notificou a autora para se pronunciar, no prazo de 10 dias, sobre a matéria de exceção suscitada na resposta.
68. A Autora entende que, tendo a ação de Intimação decorrido sob o modelo de tramitação normal, inexistia fundamento legal para se ordenar a sua notificação para responder, no prazo de 10 dias, à matéria de exceção, inexistindo igualmente fundamento legal para que não tivesse sido proferida decisão do Relator no prazo de 5 dias, ou em alternativa não tivesse sido proferido de imediato despacho pelo Relator a determinar a inscrição em tabela de julgamento para a sessão mais próxima.
69.Conforme referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto F. Cadilha, « tal como foi desenhado na exposição de motivos da respetiva Proposta de Lei, o Código desenha este processo de intimação “ com uma grande elasticidade, que o juiz deverá dosear em função da intensidade da urgência, e que tanto poderá seguir os termos da ação administrativa, com os prazos reduzidos a metade, como, em situações de especial urgência, poderá conduzir a uma tomada de decisão em 48 horas, mediante audição oral das partes»- in CPTA Anotado, pág.948.
70.Pese embora o CPTA não contenha nenhuma norma que em relação ao processo urgente de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, regulado nos artigos 109.º e seguintes, preveja a notificação do autor para responder à matéria de exceção que seja suscitada na resposta apresentada pela entidade demandada, o juiz deve providenciar pelo cumprimento do principio do contraditório, permitindo ao autor a apresentação de um articulado suplementar em que se pronuncie sobre tal matéria, em cumprimento do comando ínsito no n.º3 do artigo 3.º do CPC aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA).
71.O facto de ter sido concedido à Autora o prazo de 10 dias para se pronunciar quanto à matéria de exceção, quando o prazo normal para a prática de qualquer ato processual em processos urgentes, na falta de previsão legal, é de 5 dias, constitui uma mera irregularidade, sem qualquer influência na decisão a proferir sobre a procedência ou improcedência das exceções invocadas.
72.Com efeito, salvo melhor opinião, esse prazo sendo superior ao legalmente estabelecido, redundou necessariamente em benefício da Autora, que dispôs de um prazo superior para se pronunciar em relação à matéria de exceção, sem que daí decorra qualquer prejuízo, mesmo em termos de prazo para a prolação de decisão final, posto que, sempre a Autora poderia não esgotar esse prazo de 10 dias (como de resto, sucedeu) e assim, não dar azo a um eventual protelamento da decisão final por essa razão.
73.Quanto ao prazo de 5 (cinco) dias para o juiz proferir decisão final previsto no artigo 111.º, n.º1 do CPTA, naturalmente que se trata de um prazo indicador, de natureza procedimental, que quando inobservado, quando muito, poderá ter consequências disciplinares para o julgador, mas sem qualquer consequência na decisão de direito proferida no acórdão recorrido.
74. Em face do exposto, improcedem os invocados fundamentos de recurso.

(ii) violação dos artigos 110.º, n.º1 e 110.º-A, n.º1 do CPTA, porque passada que foi a fase do despacho liminar e da verificação dos pressupostos processuais da Intimação, o tribunal apenas poderia julgar do mérito da ação, por esse despacho liminar formar caso julgado formal

75. A Recorrente assaca ao acórdão recorrido erro de julgamento decorrente da violação do disposto no artigo 110.º, n.º1 do CPTA, por considerar que proferido despacho liminar a admitir o pedido de Intimação já não é possível ao juiz, posteriormente, por um lado, determinar a notificação a que alude o artigo 110.º-A, n.º1 do CPTA e, por outro lado, deixar de proferir uma decisão de mérito.
A questão fundamental a decidir é a de saber se tendo sido proferido despacho liminar, a ordenar a citação do Réu para deduzir oposição, no prazo de 7 dias, à ação de intimação para proteção direitos, liberdades e garantias intentada pela Autora, esse despacho faz caso julgado formal, de tal modo que o tribunal fica impedido de posteriormente, após dedução da oposição, de conhecer da exceção da impropriedade do meio.
76. A Intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, que vem enunciada no artigo 36.º do CPTA como sendo um processo principal declarativo e urgente (n.º 1, al. e), tem a sua disciplina essencial plasmada nos artigos 109.º a 111.º do CPTA. Trata-se de um meio processual de tutela principal, urgente e sumária, destinada a proteger direitos, liberdades e garantias (e direitos fundamentais de natureza análoga), quando estejam em causa situações que reclamam um particular amparo jurisdicional, por carecerem da emissão célere de uma decisão de mérito (definitiva), que imponha à Administração a adoção de uma conduta positiva ou negativa que se mostre indispensável para assegurar o exercício em tempo útil de um direito, liberdade e garantia, para cuja tutela não seja suficiente o decretamento de uma providência cautelar (artigo 109.º, n.º1 do CPTA).
77.Para que este mecanismo possa ser utilizado, o autor tem de alegar e demonstrar que se está perante situação de ameaça ou lesão de direitos, liberdades e garantias fundamentais, ou direitos de natureza análoga, assim como tem de alegar e provar que no caso, se exige uma tutela urgente de mérito (definitiva) e não uma tutela urgente provisória, de modo que o processo de intimação se revele como a única forma de a lesão ou ameaça ser removida ou estancada. Este meio processual foi gizado pelo legislador como um mecanismo verdadeiramente excecional para o asseguramento de direitos, liberdades e garantias que estejam a ser lesados ou sob ameaça iminente de lesão, que não tenham outra forma de ser protegidos senão através de uma intervenção muito urgente dos tribunais por via da prolação de uma decisão de mérito (definitiva).
78.Daí que, os cidadãos só devam lançar mão deste meio processual quando for seguro que a instauração de uma ação administrativa cumulada com um pedido de providência cautelar é insuscetível de proporcionar a efetiva tutela do direito, liberdade ou garantia ameaçada (pressuposto negativo que se relaciona com a sua subsidiariedade).
79.Como lapidarmente afirmam, Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto F. Cadilha o recurso à Intimação só se justifica quando «no caso concreto, se verifique que a utilização das vias não urgentes de tutela não é possível ou suficiente para assegurar o exercício, em tempo útil, do direito, liberdade ou garantia», e a intimação se apresente como « o único meio que em tempo útil permita evitar a lesão do direito, pelo que está necessariamente associada a uma situação de urgência” não fazendo sentido que possa ser utilizada perante uma violação continuada ou já concretizada de um direito fundamental, existindo «precisamente para suprir as insuficiências próprias da tutela cautelar, que resultam do facto de ela ser isso mesmo, cautelar»- cfr. Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª Edição, Almedina, pág.932 e seguintes.
80.Em consonância com a sua natureza urgente, a intimação está sujeita a uma tramitação simples e célere, “de geometria variável” que permite ao juiz modelar a respetiva tramitação em função da avaliação que faça da urgência, enquanto poder-dever destinado à proteção dos direitos fundamentais.
81.No CPTA, tal como sucede no âmbito da legislação processual civil, o legislador estabeleceu a regra da oficiosidade da citação, com algumas exceções, em que se prevê a obrigatoriedade de o juiz proferir despacho liminar.
82.Um desses casos é precisamente o da intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, em cujo artigo 110.º do CPTA, sob a epígrafe “Despacho liminar e tramitação subsequente” se consigna que “Uma vez distribuído, o processo é concluso ao juiz com a maior urgência, para despacho liminar, a proferir no prazo máximo de 48 horas, no qual, sendo a petição admitida, é ordenada a citação da outra parte para responder no prazo de sete dias” (n.º1)..
83.No despacho liminar, o juiz pode rejeitar o processo de Intimação quando, em face da p.i. apresentada, considere que não se verificam alguns dos pressupostos a que se refere o n.º1 do artigo 109.º do CPTA.
84.Como referem Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto F. Cadilhe Na medida em que possa ser apurada em sede liminar, a não verificação de qualquer destes pressupostos determina o indeferimento liminar da petição, seja porque não está em causa a violação ou ameaça de violação de um direito, liberdade e garantia, seja porque a tutela do direito, liberdade e garantia em causa não é suscetível de ser efetivada através de uma atuação administrativa, seja porque não se verifica uma situação de premência que inviabilize o recurso ao processo declarativo comum, como via normal de reação jurisdicional »- cfr. ob. citada, pág.947.
85.Com a aprovação do Decreto-Lei n.º 214-G/2015, de 02 de outubro, que procedeu à revisão do CPTA, o legislador nacional aditou à disciplina deste meio processual, o artigo 110.º-A, que sob a epígrafe “ Substituição da petição e decretamento provisório de providência cautelar”, passou a prever que quando se verifique que as circunstâncias do caso não são de molde a justificar o decretamento de uma intimação, por se bastarem com a adoção de uma providência cautelar, o juiz, no despacho liminar, fixa prazo para o autor substituir a petição para o efeito de requerer a adoção de providência cautelar, seguindo-se, se a petição for substituída, os termos do processo cautelar.
86.Ou seja, passou a estar em letra de lei, que se o juiz verificar que na situação trazida a juízo, para a proteção dos direitos, liberdades ou garantias fundamentais (ou de natureza análoga) invocados pelo autor como estando a ser violados ou sob ameaça iminente de violação, basta a adoção de uma providência cautelar, o mesmo, no despacho liminar, não rejeita a petição, nem ordena a citação do réu, devendo antes proceder à notificação do autor, fixando prazo, para o mesmo substituir a petição (Art.º110.º/1 do CPTA), o que, a verificar-se, determinará o prosseguimento dos autos como processo cautelar, alterando-se a respetiva espécie, e devendo, para o efeito, ser liquidada a taxa de justiça devida, com aproveitamento da data em que foi apresentada a p.i. substituída.
87.Resulta do excurso que antecede, que no despacho liminar o juiz pode rejeitar a petição ou pode admitir a petição, caso em que é ordenada a citação da outra parte para responder no prazo de sete dias, ou, se a situação se bastar com o decretamento de uma providência cautelar, notificar o autor e fixar o prazo para o mesmo, querendo, substituir a petição.
88.A tramitação da Intimação poderá ainda ser agilizada em situações de especial urgência em que da petição resulte a possibilidade de lesão iminente e irreversível do direito, liberdade e garantia, nos termos do n.º3 do artigo 110.º. Logo no despacho liminar, o juiz poderá encurtar o prazo de resposta do requerido, promover a audição do requerido através de qualquer meio de comunicação que se revele adequado ou promover a realização, no prazo de 48 horas, de uma audiência oral, nos termos da qual a decisão é tomada de imediato (alínea c) do n.º3 do artigo 110.º e n.º 1 do artigo 111.º).
89.Tudo, sem prejuízo de, se a complexidade da matéria o justificar, o juiz poder determinar que o processo siga uma tramitação menos acelerada: a tramitação estabelecida no capítulo III do título II- ou seja, a tramitação da ação administrativa (artigos 78.º e ss)- sendo, nesse caso, os prazos reduzidos a metade ( n.º2 do artigo 110.º).
90.Ainda de acordo com o regime legal gizado pelo legislador nas citadas disposições legais, no despacho liminar, o juiz deve definir o modelo de tramitação a seguir consoante o grau de urgência, bem como o prazo em que deve emitir a decisão (que pode ser inferior ao do n.º1 do artigo 111.º).
91. Voltando ao caso em análise, conforme se colhe do relatório supra elaborado, distribuída que foi a presente intimação e uma vez concluso o processo ao juiz relator, proferiu-se despacho liminar com o seguinte teor: “Cite a Entidade Demandada para responder no prazo de sete dias- n. º1, do artigo 110.º do CPTA”.
92.Citado, o CSMP apresentou resposta em que, no exercício do seu direito ao contraditório, suscitou não só a exceção da impropriedade do meio processual utilizado pela autora, como a exceção de litispendência, pugnando pela procedência dessas exceções e pela sua absolvição da instância.
93.Nesse seguimento, a 1.ª Secção do STA, proferiu acórdão em que julgou procedentes as exceções da impropriedade do meio processual e de litispendência, e absolveu o réu da instância.
94.A Recorrente não se conforma com o acórdão assim proferido, entre o mais, por entender que ultrapassada a fase do despacho liminar e da verificação dos pressupostos processuais da intimação, a 1.ª Secção do STA já não podia, por um lado, determinar a notificação a que alude o artigo 110.º-A, n.º1 do CPTA e, por outro, deixar de proferir uma decisão de mérito, e isso, porque, o despacho liminar produz caso julgado formal que impede o Tribunal de posteriormente conhecer de matéria que podia e devia ter conhecido em sede liminar.
95.A questão que se suscita é, portanto, recorde-se, a de saber se tendo sido proferido despacho liminar a ordenar a citação do réu para deduzir oposição nos termos do n.º1 do artigo 110.º do CPTA, no qual, o Tribunal a quo não deu como verificada nenhuma exceção de impropriedade do meio processual, o que, a acontecer, determinaria então a rejeição da Intimação, pode o Tribunal posteriormente conhecer dessa exceção, como fez, e absolver o Réu da instância, ou se, conforme advoga a Recorrente se impunha que o Tribunal a quo tivesse conhecido do mérito da ação de Intimação. E, bem assim, se após ter aceitado liminarmente a Intimação, podia ordenar a notificação da autora para substituir a respetiva p.i por requerimento para a atribuição de uma providência cautelar.
96.A questão é pertinente e complexa e sobre a mesma, a jurisprudência que existe, é não só escassa como divergente.
97.Antes de mais, importa, contudo, começar por assinalar que a tese da autora- de acordo com a qual o despacho liminar constitui caso julgado formal-, parece ou encontra mesmo, respaldo na doutrina perfilhada por Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto F. Cadilha, quando em comentário ao artigo 110.º-A do CPTA, tecem as seguintes considerações: «De facto, o despacho liminar corresponde à primeira intervenção do juiz no processo, logo após a distribuição, e tem designadamente em vista verificar se o processo pode prosseguir, e podendo, prosseguir, se deve seguir os termos da intimação ou de um processo cautelar. Esse despacho constitui, pois, caso julgado formal quando conclua que não há obstáculo a que o processo seja tramitado como intimação. E, nesse caso, já não será possível, na fase de decisão, rejeitar a petição ou promover a sua substituição por um pedido de adoção de providência cautelar, cabendo ao juiz unicamente proferir a decisão de mérito» - cfr. ob. cit. pág.950.
98.Percorrendo a jurisprudência produzida pelos tribunais superiores desta jurisdição, através de consulta à base de dados da dgsi, detetamos que a questão já foi objeto de algumas decisões por parte dos Tribunais Administrativos Centrais, e que o próprio Supremo Tribunal Administrativo, ao que conseguimos apurar, já foi convocado a pronunciar-se sobre essa questão, em dois acórdãos.
99.Assim, no Acórdão da 1.ª Secção do STA, de 10/09/2020, proferido no processo de intimação para a proteção de direitos, liberdades e garantias, sobre a dita questão de formação – ou não- de caso julgado, que tramitou sob o n.º01798/18.5BELSB, sumariou-se a seguinte jurisprudência:
«I-O despacho liminar em que não se questiona a tramitação do processo como intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias e se ordena a citação da parte contrária constitui caso julgado formal e, assim sendo, já só restará ao juiz proferir decisão de mérito».
100.Em sentido divergente, por referência a essa mesma concreta questão, a formação preliminar do STA, em Acórdão de 26/06/2018, proferido no âmbito do processo n.º 0592/18, que não admitiu a revista interposta, pronunciou-se de forma lapidar, nos seguintes termos:
“A ideia de que a admissão liminar da intimação envolveria o «supra» referido caso julgado não tem o mínimo cabimento. Se assim fosse, os réus ficariam impossibilitados de arguir, em 1.ª instância e neste género de processos, a impropriedade do meio – o que seria absurdo. É claro que as regras acerca da correção da forma do processo escolhida estão no CPC, advindo dos seus arts. 193º, 196º e 198º a admissibilidade de se conhecer, no momento em que o TAC o fez, da impropriedade do meio adjetivo utilizado. Assim, e perante a óbvia plausibilidade do que as instâncias decidiram neste campo, não se justifica admitir a revista para reanálise do problema”.
101.Relativamente à jurisprudência produzida pelos Tribunais Centrais Administrativos, esta menos escassa, encontram-se decisões num e noutro sentido.
102.Subscrevendo a orientação jurisprudencial veiculada pelo STA no apontado acórdão de 10/09/2020, aponta-se o acórdão do TCA Sul, de 05/05/2022, proferido no processo 899/21.7BESNT, em cujo sumário se sintetizou:
«I- Do disposto no nº 1 do artigo 110º do CPTA resulta que no despacho liminar o juiz verifica se é de admitir a petição inicial ou não - por ser manifesta a sua improcedência ou, ocorrer de forma evidente exceções dilatórias insupríveis de que deva conhecer, nos termos do nº 1 do artigo 690º do CPC, ex vi artigo 1º do CPTA;
II - Se o juiz considerar que o alegado e pedido na p.i estão em conformidade com o exigido no artigo 109º do CPTA ou, não tendo a certeza que assim se verifica, entenda não ser evidente que deva ser indeferida liminarmente, deve [com ou sem adoção de uma das medidas de gestão processual cominadas nos nºs 2 e 3 do artigo 110º], mandar citar o demandado para responder, significando que a ação irá ser tramitada como de intimação, nos termos previstos nos artigos 109º, 110º e 111º do CPTA;
III - Contudo, se o juiz verificar que a pretensão deduzida é merecedora de tutela jurisdicional, mas não justifica o uso da ação de intimação - meio processual principal excecional e de especial urgência -, bastando-se com a adoção de uma providência cautelar [e o seu decretamento provisório, se verificados os respetivos pressupostos legais], não profere despacho de citação para responder, mas antes fixa prazo para o autor, querendo, substituir a p.i. por requerimento cautelar, nos termos do artigo 110º-A;
IV - Donde, o momento processual próprio para determinar a substituição da ação de intimação prevista no artigo 109º do CPTA por processo cautelar é o despacho liminar, o qual constitui caso julgado formal no processo;
V - A tramitação da ação de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias compreende, em regra, as fases dos articulados e da decisão (saneador-sentença ou sentença);
VI - O despacho recorrido, proferido após a fase dos articulados, contrariou a tramitação processual no que concerne quer ao momento do conhecimento da exceção do erro na forma do processo [no saneador-sentença] quer no do convite à substituição/convolação em processo cautelar [no despacho liminar];
VII - Por outro lado, ao decidir convidar/determinar a alteração da ação principal para processo cautelar, a procedência da exceção acaba por ser a decisão da intimação, pelo que a nulidade processual de prática de atos que a lei não admite, comunica-se às decisões contidas no despacho, proferidas fora do momento próprio, quando estava vedado ao juiz delas conhecer, configurando decisões surpresa;
VIII - Estando em causa mais do que meras irregularidades processuais, invocáveis nos termos do artigo 195º do CPC, consideramos verificada a nulidade do despacho, por excesso de pronúncia, prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 615º do CPC.»
103.Em sentido divergente, veja-se:
(i) a jurisprudência sumariada no Acórdão de 19/04/2018, proferido no processo n.º 2040/2017.1BELSB, do TCA Sul, onde se lê:”iii) Não tendo o julgador expressamente emitido pronúncia, e assim decidido, sobre a matéria da subsidiariedade do meio processual no despacho de admissão liminar, não se pode falar sequer em decisão que produza os efeitos de caso julgado
(ii) o Acórdão do TCA Norte, de 06/11/2015, proferido na Intimação com processo n.º 0701/15.9BEVIS, em que a ora relatora interveio como adjunta, no qual se expendeu o seguinte:
« (…)
“Ou seja, não é pelo facto de o juiz poder, em sede de despacho liminar, ordenar a substituição da intimação pela petição de uma providência cautelar que o mesmo se encontra impedido de o fazer em momento posterior ao contraditório.
Segundo a regra geral de hermenêutica jurídico-lógica contida no argumento de maioria de razão - “quem pode o mais, pode o menos” - se o juiz pode ordenar a substituição da intimação pela providência cautelar antes de ouvir a requerida, seguramente que também o poderá fazer após o exercício do contraditório.
Por assim ser, o poder que o juiz tem de ordenar a substituição da intimação pela providência cautelar insere-se no âmbito de um poder discricionário (artigo 630.º, n.º 1, do CPC) pelo que não é suscetível de produzir o efeito de caso julgado pretendido pelo recorrente (620.º, n.º2, do CPC).
Acresce que o despacho de 18 de julho de 2017, que admite liminarmente a intimação, não recai unicamente sobre a relação processual pelo que o mesmo não se subsume ao disposto no artigo 620.º, n.º 1, do CPC.”.
Avançando.
104.Retomando o caso em análise, recorde-se, no que fundamentalmente releva para a decisão, que em 30/01/2024, foi proferido despacho liminar a ordenar a citação do Réu para responder no prazo de 7 dias, não tendo sido utilizada a previsão normativa ínsita no artigo 110.º-A, n.º1 do CPTA, que permitia ao juiz relator utilizar a prerrogativa no sentido de convidar a autora a substituir a petição para o efeito de requerer a adoção de providência cautelar, nem rejeitada a p.i. nos termos do artigo 109.º do CPTA.
105.Uma primeira observação que nos apraz efetuar, perante o regime legal delineado no CPTA para a Intimação, é a de que, se perante a pretensão de tutela trazida a juízo, o julgador entendesse que ao caso era ajustada a adoção de uma providência cautelar, sem dúvida que o despacho liminar era o momento processual em que devia logo ter determinado a substituição da ação de intimação prevista no artigo 109.º do CPTA por processo cautelar. O despacho liminar previsto no n.º1 do artigo 110.º do CPTA, é naturalmente o momento adequado para o juiz, através do conhecimento oficioso, fixar ao autor prazo para substituir a petição, convolando-a em requerimento de adoção de providência cautelar.
106. Mas o ponto não é esse, porque o que está em causa saber, é se não tendo o juiz usado dessa prerrogativa no despacho liminar, e note-se, nada tendo sequer decidido para além de ordenar a citação do Réu, a verificar-se, após o exercício do contraditório, que ocorre a exceção da impropriedade do meio processual utilizado, porque, veja-se, afinal é adequada ao caso trazido a juízo a adoção de uma providência cautelar ou a simples instauração de uma ação administrativa normal, o mesmo ainda pode determinar a notificação do autor para substituir a p.i. pela apresentação de requerimento para adoção da providência cautelar que se revelar adequada ou simplesmente absolver o réu da instância, se for o caso.
107.Antes de nos debruçarmos sobre o despacho liminar concretamente proferido nesta ação, dir-se-á, primacialmente, que ponderando nas várias teses em confronto sobre a formação de caso julgado, que seja ele o formal ou material, o mesmo pressupõe uma decisão expressa que verse sobre uma questão processual (caso julgado formal) ou sobre os direitos/interesses discutidos no processo (caso julgado material).
108.Neste sentido, aponta-se desde logo a noção de caso julgado contida no artigo 628.º do CPC, onde se estatui que a decisão se considera transitada em julgado logo que não seja suscetível de recurso ordinário ou de reclamação.
109.O caso julgado pressupõe, salvo melhor opinião, a prolação de uma decisão que recaia sobre uma concreta e especifica questão processual ou sobre o mérito da causa, obstando a que a mesma questão seja objeto de nova apreciação e decisão (efeito negativo do caso julgado) e impondo o decidido de forma imperativa e vinculativa (efeito positivo do caso julgado) apenas intra-processualmente (no caso julgado formal) ou intra e extra-processualmente no caso julgado material.
110.É certo que, a doutrina e jurisprudência atualmente maioritárias, admitem a figura do caso julgado implícito, tendo em consideração que «como toda a decisão é a conclusão de certos pressupostos (de facto e de direito), o respetivo caso julgado encontra-se sempre referenciado a certos fundamentos. Assim, reconhecer-se que a decisão está abrangida pelo caso julgado não significa que ela valha com esse valor, por si mesma e independente dos respetivos fundamentos. Não é a decisão, enquanto conclusão do silogismo judiciário, que adquire o valor do caso julgado, mas o próprio silogismo considerado no seu todo: o caso julgado incide sobre a decisão como conclusão de certos fundamentos e atinge estes fundamentos enquanto pressupostos daquela decisão» - cfr. Teixeira de Sousa, Estudos Sobre o Novo Código de Processo Civil, Lex, Lisboa 1997, pá. 578-579.
111.Contudo, conforme resulta do que se vem dizendo o caso julgado implícito pressupõe que seja proferida uma decisão expressa (no dispositivo final da sentença, acórdão ou despacho) atingindo aquele não apenas o dictat autoritário nele proferido pelo julgador como todos os pressupostos que serviram de fundamento a essa decisão ( v.g. condenado o réu a pagar as rendas vencidas por decisão de mérito transitada em julgado, não pode aquele, posteriormente, em nova ação que lhe seja movida pelo senhorio ou que instaure contra aquele, vir alegar a invalidade do contrato de arrendamento, uma vez que a decisão de mérito antes proferida que o condenou a pagar as rendas em divida tem como antecedente ou pressuposto lógico necessário a validade do contrato de arrendamento).
112.Tendo em consideração o comando expresso constante do artigo 110.º-A, n.º1 em conjugação com o n.º1 do artigo 109.º, ambos do CPTA, que impõem ao juiz o poder-dever de verificar se em sede de despacho liminar o processo deve prosseguir e, nesse caso, se deve seguir os termos da intimação ou de um processo cautelar, na ausência de qualquer decisão que fixe prazo para o autor substituir a petição, para o efeito de requerer a adoção de providência cautelar, não pode, pois, concluir-se de forma segura que o único sentido útil a extrair dessa ausência de convite apenas é o de ter sido entendimento do julgador que nada obsta ao prosseguimento do processo como intimação.
113.Com efeito, subjacente a essa omissão podem estar varadíssimas razões, que não necessariamente o entendimento do julgador de que nada obsta ao prosseguimento do processo, questão essa que o mesmo poderá nem sequer ter ponderado.
114.No caso vertente, não é despiciendo notar que o Tribunal a quo limitou-se a determinar a citação do réu, e que não conheceu oficiosamente da questão da impropriedade da intimação, ou seja, da questão de saber se ao caso bastava a instauração de uma ação administrativa, ou se ao caso bastava a adoção de uma providência cautelar, pelo que, não emitiu, sequer, uma qualquer decisão expressa em relação à qual se pudesse cogitar da possibilidade de sobre a mesma recair o efeito do caso julgado.
115.Note-se que a citação, na definição que consta do artigo 219.º, n.º1 do CPC é somente «o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proferida contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender…».
116. De qualquer forma, tal como o STA se pronunciou no acórdão suprarreferido que não admitiu uma revista, cuja jurisprudência subscrevemos, a prolação de despacho liminar não faz caso julgado formal. Aliás, a doutrina civilista é a esse respeito, muito enfática na rejeição da possibilidade de o despacho liminar constituir caso julgado formal.
117.Veja-se, nesse sentido, a lição que Alberto dos Reis, não a destempo para o caso, nos disponibiliza sobre o tema : «Se o juiz, em consequência de exame superficial e precipitado da petição, mandou citar o réu, devendo, ao contrário, proferir despacho de indeferimento, ou porque a petição é inepta, ou porque ocorre qualquer dos outros factos mencionados nos n.ºs 2 e 3 do art.481.º, é claro que com tal decisão causa prejuízo ao réu; força-o a contestar e a exercer a restante atividade de defesa…
(…)
Se o juiz, em vez de indeferir a petição, mandar fazer a distribuição ou citar o réu, não pode daqui concluir-se que tenha considerado apta a petição, competente o tribunal e idóneo o meio empregado, e que por isso o réu, querendo arguir qualquer desses vícios, deva agravar do respetivo despacho.
Não. O despacho cite-se o réu, embora não seja atacado por meio de recurso, não fica constituindo caso julgado que obste a que o juiz, no despacho saneador, declare inepta a petição, incompetente o tribunal ou nula a forma de processo. O que aquele despacho significa é que o juiz não notou na petição vício palpável e manifesto, ou que o vício não saltou aos olhos do juiz; pode, porém, o vício existir.
E então o juiz conhecerá dele no despacho saneador, ou por sua iniciativa, ou por requerimento das partes.
(…)
O magistrado pode ter de examinar as mesmas questões nos dois momentos; mas trata-se de exames de caráter diferente.
O exame inicial é por sua natureza sumário e destinado a corrigir vícios grosseiros e evidentes; o exame posterior é ponderado e refletido e destinado a desembaraçar o processo de todas as questões prejudiciais e, portanto, dos vícios que possam ter escapado à primeira inspeção» (negrito da nossa autoria) - cfr. Professor Alberto dos Reis, in Código de Processo Civil anotado, Vol.II, Artigos 409.º a 486.º, 3.ª Edição- Reimpressão, Coimbra Editora pág. 397-398.
118.Esta perspetiva de Alberto dos Reis, já tinha assento no CPC desde longa data, sendo que até no CPC de 1939 (artigo 483.º) «se consagrava a não preclusão das questões que podiam ter sido fundamento de indeferimento liminar, mas não o foram» - cfr. Ac. da RL, de 18.06.2009, Proc. 23443/1996.dgsi.pt-. Neste acórdão lê-se ainda que: «iv- O despacho de citação nunca constitui caso julgado formal. V- Assim, antes da Reforma, como depois dela para as situações excecionais em que se admite despacho liminar, consoante os art.234.º-A e 234.º/4, o tribunal pode conhecer das questões que conduzem ao indeferimento liminar, mesmo depois de ordenada a citação do réu».
119.Esta solução foi sendo mantida no CPC, e presentemente está consagrada no n. º5 do artigo 226.º do CPC no qual se estabelece que «Não cabe recurso do despacho que mande citar os réus ou requeridos, não se considerando precludidas as questões que podiam ter sido motivo de indeferimento liminar».
120.Em comentário a esta norma, veja-se ainda, na doutrina, José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, que escrevem o seguinte:
«O n.º5 recebeu, em 1995-1996, duas normas que constavam do art.479 anterior à revisão.
A primeira é a da irrecorribilidade do despacho de citação, introduzida pelo diploma intercalar de 1985.
Antes dele, a lei era expressa em admitir o recurso (de agravo) do despacho de citação (art.479-1 da versão de 1961 e, anteriormente, art.483, &único, do CPC de 1939), a fim de tornar nítido o afastamento da sua caracterização como despacho de mero expediente (ALBERTO DOS REIS, CPC anotado cit, V, p.251; CASTRO MENDES, Direito processual civil cit., III, p.45; RIBEIRO MENDES, Recursos cit., p.156). Este recurso manteve-se, entre 1985 e a revisão de 1995-1996, apenas na ação executiva (dizia-o o então art.813).
A segunda norma, já existente no CPC de 1939 (art.483, & único) e mantida inalterada, não obstante o aperfeiçoamento da sua redação, é a da não preclusão das questões que podiam ter sido fundamento de indeferimento liminar, mas não o foram. Quer o juiz a elas se refira no despacho liminar ( resolvendo-as no sentido de o fundamento não se verificar)quer não, o despacho de citação nunca constitui caso julgado formal. Compreende-se porquê: não tendo sido o réu ainda citado, qualquer decisão, por muito fundamentada que seja, tem lugar sem precedência de contraditório. Não há, portanto, lugar a distinguir, como no caso do despacho saneador, a decisão baseada numa apreciação concreta e a que contém mera apreciação abstrata da existência de exceções dilatórias e nulidades processuais (art.595-3)»- Cfr. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, ANOTADO, VOLUME 1.º, ARTIGOS 1.º A 361.º, 4.ª EDIÇÃO, ALMEDINA, pág.452.
121.Estas considerações da doutrina civilista são perfeitamente transponíveis para o âmbito do contencioso administrativo no que tange ao despacho liminar, uma vez que, em relação ao mesmo, o legislador do CPTA não estabeleceu nenhuma preclusão como a que previu no artigo 88.º, n.º2 do CPTA em relação ao despacho saneador, onde expressamente teve a preocupação de estabelecer que “As questões prévias referidas na alínea a) do número anterior que não tenham sido apreciadas no despacho saneador não podem ser suscitadas nem decididas em momento posterior do processo e as que sejam decididas no despacho saneador não podem vir a ser reapreciadas». É esta, aliás, a conclusão a que chegamos quando empreendemos a devida interpretação sistemática.
122. Nesta senda, cremos que a prolação de despacho de citação do réu num processo de Intimação, em circunstâncias que antes deviam ter conduzido o juiz a rejeitar a petição no despacho liminar por ocorrer uma situação de impropriedade do meio processual, não preclude o conhecimento pelo juiz «das questões que podiam ter sido motivo de indeferimento liminar», e isso ainda que nos termos do artigo 110.º-A, n.º1 em conjugação com o n.º1 do artigo 109.º, ambos do CPTA, se imponha ao juiz o poder-dever de verificar se em sede de despacho liminar o processo deve prosseguir e, nesse caso, se deve seguir os termos da intimação ou de um processo cautelar.
123.O facto de constar do teor literal do artigo 110.º-A, n. º1, do CPTA que o juiz deve, no despacho liminar, convidar o autor a substituir a petição de Intimação por um requerimento para a adoção de providência cautelar, caso verifique que a simples tutela provisória é adequada à proteção dos direitos, liberdades e garantias de que aquele se arroga titular e que invoca estarem a ser lesados ou sob ameaça de lesão, não preclude a possibilidade de o Tribunal efetuar esse convite numa fase posterior do processo, depois de observado o contraditório.
124.Não resulta do teor literal deste preceito que o legislador tenha estabelecido uma qualquer preclusão quanto ao conhecimento posterior da impropriedade do meio usado e da questão da sua subsidiariedade, uma vez que, não diz no artigo 110.º-A, ou numa qualquer outra norma reguladora deste tipo de ação, que caso o juiz não decida essa questão no despacho liminar, fica impedido de a decidir posteriormente.
125.Por outro lado, a interpretação das leis não se deve cingir ao respetivo texto, antes deve também apelar ao pensamento do legislador. Fazendo esse exercício hermenêutico, o legislador do CPTA com o regime normativo previsto no n.º1 do artigo 110.º-A do CPTA, o que pretendeu, não foi impedir que a solução de convidar o autor a substituir a petição de intimação por requerimento para a adoção de providência cautelar, fosse adotada mais tarde, mas que fosse adotada o quanto antes pelo juiz, no cumprimento de um poder-dever, se o caso o justificar.
126.Abona neste sentido, na doutrina, o que diz Carla Amado Gomes, quando afirma que o facto de o juiz, no despacho liminar, não ter convidado o autor a substituir a petição de intimação por um requerimento para adoção de uma providência cautelar, não pode coartar o direito de o requerido suscitar essa questão. Advoga a referida autora que num tal caso «o requerido poderá sempre defender-se do pedido de intimação com o argumento da suficiência da via cautelar, provisória ou definitiva. Certo que passando esta possibilidade a constar claramente da lei processual, o requerido poderá sentir uma certa inibição, por considerar que, não tendo o juiz, motu próprio, pedido a substituição ou procedido à convolação, tão pouco o fará na sequência da contestação; isso não significa, porém, que fique privado do direito de produzir tal contra-argumentação» - cfr. CARLA AMADO GOMES E OUTROS, IN ANTEPROJETO DE REVISÃO DO CPTA, 2014, PÁG.328.
127.Na verdade, se após o exercício do contraditório for suscitada a questão de ser bastante à tutela dos direitos reclamados pelo autor da Intimação, a adoção de uma providência cautelar, concluindo o juiz, numa decisão mais refletida, que o meio processual adequado à pretensão de tutela dos direitos reclamados, passa antes pela adoção de uma providência cautelar, não faz sentido que tendo o mesmo incumprido aquele poder-dever, não possa, posteriormente, convidar a parte a apresentar esse requerimento e tenha antes de proferir uma decisão de forma, absolvendo o réu da instância. A ser assim, estar-se-á a prejudicar a parte, com base numa violação pelo juiz de um poder-dever que incumpriu e a privilegiar decisões de forma em detrimento das substanciais, contrariando toda a filosofia subjacente à lei adjetiva que é um meio de realização do direito e não um fim em si mesmo, potenciando decisões de forma em detrimento de decisões substanciais, quando, inclusivamente, um dos princípios basilares da lei processual civil e administrativa, é o da cooperação, em que o tribunal, as partes e seus mandatários estão obrigados a transformar o processo numa comunidade de trabalho com vista à rápida prolação de uma decisão de mérito justa.
A situação é semelhante àquela em que não estando os factos alegados devidamente concretizados na petição inicial, o juiz em sede de pré-saneador omite o convite à parte para concretizar os factos e depois, na decisão final, vem a julgar a ação improcedente com base na inconcretização desses factos.
128. O despacho liminar de admissibilidade da intimação, decorrente da ordem de citação do Réu, tem a natureza de uma avaliação provisória, que não assume a característica de caso julgado formal, insuscetível de ser contrariado, posteriormente, por via de avaliação definitiva, em fase processual própria, após o cumprimento do princípio do contraditório. Como tal, tendo o relator proferido despacho de citação do réu para apresentar oposição, querendo, ao invés de ter proferido despacho de indeferimento liminar da p.i., convidando o autor a substituir a p.i. por requerimento para adoção de uma providência cautelar, ou simplesmente rejeitado a p.i., tal não impedia o Tribunal recorrido de conhecer, como conheceu, da exceção da impropriedade do meio processual suscitada pelo réu na defesa apresentada.
Termos em que improcede o invocado fundamento de recurso.

(iii) da violação do artigo 109.º, n.º1 do CPTA, por se ter decidido que o meio processual utilizado pela A. nos presentes autos era inidóneo.

129. A Autora insurge-se contra o acórdão recorrido, assacando-lhe erro de julgamento em matéria de direito, por nele se ter decidido que a Intimação prevista no artigo 109.º do CPTA não era meio processual idóneo. Entende que, ao contrário do que se afirma no acórdão recorrido não podia, no caso, lançar mão de uma ação administrativa acompanhada de processo cautelar de intimação à abstenção de conduta. Recorda que tal como referiu logo no artigo 11.º da p.i., pretendendo a mesma a condenação do CSMP na obrigação de declarar, de forma urgente e imediata, a caducidade do direito daquele lhe instaurar o procedimento disciplinar no qual foi proferida decisão disciplinar que lhe aplicou a sanção de suspensão do exercício de funções por 180 dias , “ não é possível requerer uma providência cautelar no âmbito do processo n.º 116/23.5BALSB, uma vez que, a providência a requerer seria coincidente com a decisão a proferir no processo principal”.
Vejamos.
130.No acórdão recorrido decidiu-se que a tutela da situação jurídica reclamada pela autora ficava suficientemente assegurada através da instauração de uma ação principal normal, ou se assim se não entendesse, através da apresentação de um pedido de providência cautelar, a ser apensado à ação principal. Para assim decidir, entendeu a 1.ª Secção do STA que não se encontravam demonstrados os pressupostos em como a autora carecesse da célere emissão de uma decisão de mérito para assegurar a tutela dos direitos que invocou em juízo, como decorre da circunstância de aquela já ter instaurado uma anterior ação administrativa para a mesma finalidade que invocou neste processo, e de os direitos invocados não carecerem de uma tutela urgente, que não se compadeça com o meio processual já usado.
131.Mais se decidiu que «mesmo que assim se não entendesse e fosse de configurar a situação em presença como carente de uma tutela urgente, sempre seria adequada a adoção de uma providência cautelar, como meio instrumental à ação administrativa já instaurada, mediante a apensação a essa ação, e não a instauração de uma ação para proteção de direitos, liberdades e garantias, como a presente».
132.Como decidiu o Tribunal a quo, pretendendo a autora, ora recorrente, a prolação de uma decisão de mérito em que o CSMP seja condenado a declarar a caducidade do direito de instaurar o procedimento disciplinar de que foi alvo, essa pretensão pode perfeitamente ser assegurada através de uma ação administrativa normal, como a que a mesma instaurou e que se encontrava a correr termos sob o processo n.º 116/23. 5BALSB, em relação à qual já fora proferido acórdão pela 1.ª Secção do STA, que julgou a ação improcedente, e sobre o qual recaiu Acórdão do Pleno do STA, de 26/09/2024, que confirmou o decidido pela 1.ª Secção do STA.
133.O processo de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias só deve ser utilizado para responder a situações de extrema gravidade, em que a lesão ou ameaça de lesão dos direitos invocados reclame uma decisão sobre o mérito da causa que não se compadeça com a duração normal de uma ação não urgente ou para a qual não seja suficiente a adoção de uma providência cautelar. O processo de intimação foi gizado pelo legislador «como um meio subsidiário de tutela, vocacionado para intervir como uma válvula de segurança do sistema de garantias contenciosas, nas situações- e apenas nessas- em que as outras formas de processo do contencioso administrativo não se revelem aptas a assegurar a proteção efetiva de direitos, liberdades e garantias».- cfr. Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto F. Cadilha, in CPTA anotado, 5.ª edição, pág. 936-937.
134. No caso, a lesão dos direitos fundamentais que a Recorrente invoca terem sido lesados ou estarem sob ameaça de lesão, em bom rigor, não são consequência imediata da instauração do processo disciplinar, mas da decisão final que nele veio a ser proferida e que lhe aplicou a sanção disciplinar de suspensão do exercício de funções pelo prazo de 180 dias.
135. A Recorrente, para alcançar a almejada proteção dos direitos que invoca, diversamente do que advoga, podia ter lançado mão de uma providência cautelar de suspensão de eficácia da decisão disciplinar que lhe aplicou a sanção de suspensão do exercício de funções pelo prazo de 180 dias, para o que bastava que, primeiro, pagasse a respetiva taxa de justiça e, segundo, provasse os pressupostos, de verificação cumulativa, previstos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 120.º do CPTA, para assim obter uma tutela jurisdicional adequada a evitar a lesão, ou ameaça de lesão, dos direitos fundamentais cuja titularidade se arroga.
136.Não foi essa a opção da Recorrente, posto que, no âmbito da presente Intimação não pretende que se suspenda a sanção disciplinar que lhe foi aplicada pelo Recorrido mas sim que se declare “a caducidade do direito de instaurar o procedimento disciplinar do Processo Disciplinar n.º ...3 que o CSMP move…” que culminou com a aplicação daquela sanção disciplinar, e bem assim, “a extinção da eventual responsabilidade disciplinar da Autora por caducidade do direito de instaurar o procedimento disciplinar…”.
137.Acontece que, na ação com processo 116/23.5BALSB, a Recorrente, aí Autora, com fundamento no decurso do prazo legalmente estabelecido para o Recorrido lhe instaurar o procedimento disciplinar pediu que o CSMP fosse condenado a declarar caducado o direito de lhe instaurar o processo disciplinar de que foi alvo e, bem assim, a extinção da sua eventual responsabilidade disciplinar.
138.Decidiu-se no acórdão recorrido, como supra se disse, que o meio processual adequado para a recorrente tutelar a situação sob que versam os presentes autos é a instauração de uma ação principal, que a autora já instaurara, ou então, a instauração de uma providência cautelar por apenso a essa primeira ação.
139.Diz a Recorrente, que a instauração de uma providência cautelar por apenso à ação principal não se mostrava viável, uma vez que, a decisão a proferir em sede cautelar seria coincidente com a decisão a proferir no processo principal, contendendo com os limites intrínsecos da tutela cautelar, concretamente com a sua natureza provisória.
140.A esse respeito, sufraga-se o entendimento da Recorrente, mas não pelos fundamentos que aduz.
141.Com efeito, sendo a providencia cautelar dependente de uma causa que tenha por fundamento o direito acautelado e que por isso tinha de ser instaurada por apenso àquela primeira ação, já pendente- artigo 113.º, n.º1 do CPTA-e sem que se olvide que uma vez decretada a providência cautelar esta apenas caduca com a prolação da decisão principal transitada em julgado, verifica-se que no caso presente, à data da prolação do acórdão nos presentes autos que julgou procedente a exceção dilatória da impropriedade do meio processual de Intimação, já tinha sido proferido acórdão na ação administrativa - 14/03/2024- que julgou improcedente essa ação, com fundamento de que não se verificava a caducidade do procedimento disciplinar que culminou com a aplicação à Recorrente da sanção disciplinar de suspensão do exercício de funções por 180 dias.
142. Ora, embora essa decisão não tivesse então, ainda, transitado em julgado, naturalmente que por força do princípio do esgotamento do poder jurisdicional- art. 613.º, n.º1 do CPC, aplicável ex vi artigo 1.º do CPTA- consequente ao proferimento daquele acórdão em que se conheceu da pretensão formulada pela autora relativa à caducidade do direito do CSMP de lhe instaurar o procedimento disciplinar que culminou com a aplicação da sanção de suspensão do exercício de funções, aí formulada pela Autora, aqui Recorrente, sendo que na presente ação de Intimação, também vem alegado como um dos fundamentos para a procedência do pedido de Intimação, a caducidade do procedimento disciplinar, não podia o Tribunal conhecer dessa mesma questão em sede de providência cautelar, que fosse instaurada por apenso a essa ação. É que, uma vez que, decidida essa questão, e julgada improcedente essa ação, o decidido no acórdão nela proferido apenas podia ser modificado por via de recurso quando este fosse admissível, ou mediante incidente de reforma ou arguição de nulidade, nos termos dos artigos 615.º, n.º4 e 616.º do CPC.
143.Da extinção do poder jurisdicional consequente ao proferimento daquele acórdão que julgou não estar caducado o direito de o recorrido instaurar procedimento disciplinar à Recorrente e, em consequência, julgou improcedente aquela ação, decorrem dois efeitos jurisdicionais, a saber: (i) um positivo, que se traduz na vinculação do tribunal à decisão que proferiu; (ii) outro negativo, consistente na insusceptibilidade de o tribunal que proferiu a decisão tomar a iniciativa de a modicar ou revogar- cfr. Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, in Código de Processo Civil Anotado, V. I, 2.ª ed., almedina, pág. 760.
144. Deste modo tendo a 1.ª Seção do STA, por acórdão proferido em 14/03/2024, na ação com processo n.º 116/23.5BALSB, entretanto, confirmado pelo Pleno, por acórdão de 26/09/2024, declarado improcedente a pretensão da aí Autora por ter entendido que contrariamente ao por ela alegado, não se encontrava extinto, por caducidade o direito do recorrido de lhe instaurar procedimento disciplinar que culminou com a aplicação da sanção disciplinar de suspensão do exercício por 180 dias, não podia o mesmo tribunal, no âmbito de uma providencia cautelar que fosse instaurada por apenso àquela ação principal, contradizer aquela decisão com base numa prova meramente perfunctória – summaria cognitio- e apenas com base na provável existência do direito a que se arroga a Recorrente de ver declarado extinto aquele procedimento disciplinar por caducidade- fumus boni iuris- quando produzida a prova na ação principal já julgada, já em termos definitivos (embora sujeita a recurso) se decidiu que não se verificava essa caducidade.
145. E não podendo já a Recorrente instaurar a referida providência cautelar por apenso a essa ação principal já decidida por força do enunciado princípio do esgotamento do poder jurisdicional subsequente à prolação do acórdão nela proferido, que julgara a ação totalmente improcedente, também não podia instaurar a presente ação de Intimação, por tal como decidido, ocorrer a exceção dilatória da impropriedade do meio processual utilizado, por o meio adequado ser a instauração de providência cautelar, que pelas razões já antes explicitadas, aquela já não podia instaurar.
146. Justificando-se por isso, note-se, que em sede do acórdão recorrido, na sequência de se ter julgado procedente a exceção dilatória da impropriedade do meio processual, não se tivesse notificado a autora, ora recorrente, para apresentar providencia cautelar por apenso àquele processo, em que já fora proferida sentença a julgar essa ação improcedente.
Termos em que improcede o invocado fundamento de recurso.

b.4. do erro de julgamento decorrente da procedência da exceção da litispendência.
147. O acórdão recorrido considerou haver identidade de partes, de pedido e de causa de pedir, entre a presente ação de Intimação para a Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias, regulada nos artigos 109.º a 111.º do CPTA, e a ação administrativa de pretensão conexa com atos administrativos que tramitou sob o processo n.º 116/23.5BALSB, pelo que, tendo aquela ação sido primeiramente instaurada e o Réu nela citado antes de ter sido citado na ação de Intimação, julgou procedente a exceção dilatória de litispendência suscitada pelo Réu na oposição, absolvendo-o da instância.
148.A Recorrente não se conforma com o assim decidido, asseverando que não se verifica a identidade de causa de pedir entre ambas as ações, uma vez, que na ação de Intimação a causa de pedir é ostensivamente muito mais vasta e complexa do que a causa de pedir da ação 116/23.5BALSB (ver conclusões 49.ª a 55.ª ).
149.Nas suas alegações, a Recorrente assevera que “salta à vista que a Autora invocou e alegou como causa de pedir na ação n.º 15/24.3BALSB:
-a necessidade de exercer em tempo útil direitos, liberdades e garantias que concretizou e enumerou exaustivamente e que não o fez na ação 116/23.5BALSB;
-a lesão ou ameaça de lesão dos DLGs invocadas, o que não fez na ação 116/23.5BALSB;
-a necessidade de obtenção de uma decisão célere de mérito que impusesse à Administração uma conduta para assegurar aquele exercício em tempo útil e que não o fez na ação 116/23.5BALSB;
-a situação pessoal, profissional, social, familiar e patrimonial da Autora e que não fez na ação 116/23.5BALSB.»
150. Cremos que lhe assiste razão. A ação de Intimação para Proteção de Direitos, Liberdades e Garantias, constitui um meio processual urgente distinto da ação administrativa de pretensão conexa com atos administrativos.
151.A ação administrativa movida pela autora contra o réu, que correu termos sob o processo n.º 116/23.5BALS, constitui uma ação administrativa de pretensão conexa com ato administrativos, em que se discute e, se visa julgar em definitivo, se procede ou não a pretensão formulada pela Recorrente em ver o CSMP condenado a declarar a caducidade do direito de lhe instaurar o procedimento disciplinar de que foi alvo, com a consequente extinção da sua eventual responsabilidade disciplinar.
152. Enquanto a presente ação de Intimação, configura um meio processual urgentíssimo que tem como causa de pedir, não apenas a alegação da caducidade do direito de o CSMP lhe instaurar o processo disciplinar em que lhe veio a ser aplicada uma sanção disciplinar, mas a alegação, e prova, da titularidade de Direitos, Liberdades e Garantais ( ou direitos de natureza análoga) de que a autora se arroga titular, que estejam a ser violados ou sob ameaça de violação, fruto dessa atuação ilegal do réu, e, bem assim, que para a proteção dos mesmos não existe outro meio de tutela adequado .
153.Logo, a causa de pedir na ação de Intimação para proteção de Direitos, Liberdades e Garantias é mais complexa do que a alegada na ação administrativa de pretensão conexa com atos administrativos, englobando a causa de pedir desta última ação, a que acresce a facticidade tendente a demonstrar a lesão dos direitos, liberdades e garantias, invocados pela autora/recorrente na p.i. e os tendentes a demonstrar a necessidade de tutela urgente desses direitos, tanto bastando para que se conclua que entre ambas as ações, não ocorre identidade de causas de pedir, e portanto, que não se verifica a exceção dilatória de litispendência entre ambas as ações.
Destarte, procede este fundamento de recurso.
154. Resulta, em suma, do excurso antecedente, impor-se concluir pela parcial procedência do presente recurso, impondo-se revogar o segmento decisório em que se julgou procedente a exceção dilatória de litispendência, impondo-se, no mais, confirmar o acórdão recorrido.

Do recurso do acórdão proferido em 23/05/2024

b.5 do erro de julgamento decorrente de o Tribunal a quo não ter providenciado pela sanação do pressuposto processual da constituição de advogado por parte do Réu.

155. Em relação ao acórdão recorrido de 16 de maio de 2024, porque o seu objeto se reconduz à questão de saber se a decisão de direito nele proferida viola o regime legal decorrente do disposto nos artigos 7.°- A, n.° 2, 11.° n.° 1 e 2 do CPTA e artigo 41.° do CPC ex vi artigo 1.° do CPTA e o artigo 195.° n.° 1 e 2 do CPC ex vi artigo 1.° do CPTA, ao não ter providenciado pela sanação do pressuposto processual da constituição obrigatória de advogado, ou de designação de licenciado em direito, o seu conhecimento resulta prejudicado perante a decisão acima proferida no segmento em que se julgou procedente a nulidade por omissão de pronúncia, do acórdão proferido em 04/04/2024, por nele não se ter conhecido da questão da alegada falta de patrocínio judiciário por parte do Réu.
156. Como antecede, julgou-se não assistir razão à Recorrente quando invoca a falta de patrocínio judiciário do réu/recorrido CSMP na presente ação, uma vez que, estando o mesmo representado em juízo pelo Senhor Procurador da República, Dr. BB, que é também um licenciado em direito, não existe nenhuma violação ao disposto no artigo 11.º, n.º1 do CPTA.
157.Termos em que, sem necessidade de outras considerações, se julga o conhecimento do presente recurso prejudicado em função da decisão que antecede.

IV. DECISÃO
Pelo exposto, acordam em conferência os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo em:
(i) Julgar parcialmente procedente o recurso interposto do acórdão proferido pela 1.ª Secção, em 04/04/2024, e, em consequência revoga-se o acórdão recorrido no segmento em que julgou procedente a exceção dilatória de litispendência, mantendo-se no mais o nele decidido, confirmando-se a absolvição do réu da instância, com fundamento na exceção dilatória da impropriedade do meio processual usado;
(ii)Declarar prejudicado o conhecimento do recurso interposto pela Recorrente do acórdão proferido pela 1.ª Secção em 16/05/2024.

Sem custas, nos termos do artigo 4.º, n.º 2, alínea b), do RCP.

Notifique.

Lisboa, 17 de outubro de 2024. – Helena Maria Mesquita Ribeiro (relatora) – Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa (Com declaração de voto) – José Augusto Araújo Veloso - José Francisco Fonseca da Paz (Com declaração de voto) – Maria Cristina Gallego dos Santos - Pedro José Marchão Marques (Com declaração de voto de vencido em anexo) - Ana Gouveia e Freitas Martins.


Declaração de voto:
Confirmaria integralmente o acórdão recorrido por entender que se verifica a excepção de litispendência.
Com efeito, o conceito e os requisitos desta excepção são os que constam dos arts. 580º e 581º do CPC.
E, tal como entendeu o acórdão recorrido considero que existe identidade quanto aos sujeitos, ao pedido e à causa de pedir (por provir dos mesmos factos jurídicos), entre a presente acção de Intimação, prevista no art. 109º do CPTA e a acção administrativa de pretensão conexa com actos administrativos que tramitou sob o nº 116/23.5BALSB, sendo esta primeiramente instaurada e, o Réu citado antes de o ter sido neste processo de Intimação.
Questão diferente é a da alegação dos pressupostos inerentes à acção urgente de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias que ao autor cabe proceder e que são os inscritos no nº 1 do art. 109º do CPTA.
Esta alegação tem de ser feita para que este meio processual possa ser viável, mas é independente da causa de pedir invocada para efeitos da verificação da litispendência. Ou seja, a alegação de determinados pressupostos inerentes a um específico meio processual urgente, independe da causa de pedir invocada, consubstanciada nos mesmos factos jurídicos (invocados numa acção anterior) e em pedidos idênticos, bem como na identidade de sujeitos nas duas acções, para se pretender obter o mesmo efeito jurídico em ambos os processos.
Assim, confirmaria integralmente o acórdão recorrido, negando provimento ao recurso.
Teresa de Sousa.


Proc. nº: 15/24.3BALSB

Quanto à excepção da não subsidiariedade da intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, o acórdão entendeu que o tribunal podia dela conhecer após a fase dos articulados, implicando a sua procedência o convite à A. para apresentar requerimento de providência cautelar, o qual, no entanto, considerou não ser de formular no caso porque essa providência teria de ser instaurada por apenso à acção n.º 116/23.5BALSB, onde "em termos definitivos (embora sujeita a recurso)" já se decidira que não ocorrera a caducidade do processo disciplinar.
Independentemente de considerar que não existia uma providência adequada a acautelar o direito que a recorrente pretendia fazer valer e de não ver razão para, na lógica do acórdão, não se proceder ao convite que se entendeu ser devido - tanto mais que a providência poderia ser instaurada até ao trânsito em julgado da decisão proferida na acção principal (cf. artos. 114.º, n.º 1, al, c) e 123.º, n.º 1, al e), ambos do CPTA) que ainda não ocorrera, creio que, no caso em apreço, o tribunal já não podia julgar procedente a não subsidiariedade do meio processual nem promover a substituição da petição inicial por um pedido de adopção de providência cautelar.
Efectivamente, o art.º 110.º-A, n.º 1, do CPTA, é claro quando estabelece que é no despacho liminar que o juiz pode convidar o A. a substituir a petição inicial de intimação para o efeito de requerer a adopção de providência cautelar.
É, pois, nesse momento processual, e só nesse, que o juiz pode formular tal convite e que pode julgar procedente a excepção de não subsidiariedade da intimação (cf., neste sentido, Mário Aroso de Almeida e Carlos F. Cadilha in "Comentário ao CPTA", 2017, 4.a edição, pág. 903).
Aliás, se, ao contrário do que sucede nas acções, o legislador manteve a intervenção do juiz para proferir despacho liminar foi para que ele evite o inútil prosseguimento dos processos inexoravelmente condenados ao insucesso e para promover, desde logo, através da admissão de um despacho de aperfeiçoamento, o suprimento de eventuais deficiências de que a instância padeça quando esse suprimento possa ser feito mediante a correcção da petição inicial, não se compreendendo que, num meio processual célere e expedito, pudesse haver após os articulados, e ao arrepio das normas processuais que regem a lide, outro momento para prolação de despacho de aperfeiçoamento.
Não resulta do acórdão a norma legal que justifica o entendimento que perfilha e que, em rigor, conduz à inutilidade do referido art.º 110-A, n.º 1, introduzido pelo legislador do DL n.º 214-G/2015, afigurando-se-me irrelevante a doutrina civilista que nele se cita, face à inexistência no processo civil de uma solução paralela à que foi consagrada no mencionado preceito.
Discordo também da posição que obteve vencimento quando considera verificada a nulidade de omissão de pronúncia e entende que a remessa dos autos à Secção corresponderia a um acto inútil, por se consubstanciar no suprimento dessa nulidade através do conhecimento em substituição pelo Pleno que a lei não permite (cf. artºs. 679.º e 665.º, n.º 1, ambos do CPC).
Finalmente, não acompanho o acórdão quando julga não verificada a excepção de litispendência com base na mera caracterização legal das acções em causa sem atender aos factos que concretamente são alegados em cada uma delas e que se me afiguram configurar a mesma causa de pedir.
Assim, porque a verificação da excepção da litispendência era suficiente para justificar a decisão de absolvição da instância, negaria provimento ao recurso, confirmando o acórdão recomido de 4/4/2024, embora com distinta fundamentação jurídica.
Fonseca da Paz

Voto de Vencido


1. O acórdão proferido, ao que aqui releva, julgou parcialmente procedente o recurso interposto do acórdão proferido pela 1.ª Secção deste STA, em 4.04.2024, e, em consequência, revogou o mesmo no segmento em que julgou procedente a exceção dilatória de litispendência, mantendo-o no mais decidido. Confirmou, portanto, a absolvição do réu da instância, mas com fundamento - apenas - na exceção dilatória da impropriedade do meio processual usado.

2. No mesmo acórdão foi também entendido que o acórdão recorrido não conheceu da falta de patrocínio judiciário, questão que foi suscitada por requerimento ad hoc apresentado pela Recorrente. Considerou-se que tal omissão – ilícita, porque, de acordo com os fundamentos do acórdão, devia ter sido conhecida pela 1.ª secção do STA no acórdão proferido no dia 4.04.2024 -, consubstanciou uma nulidade da sentença, nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, mas que a mesma se encontrava ultrapassada.

3. Foi ainda afirmada a tese de que não havia o erro de julgamento invocado pela Recorrente e consistente na violação dos artigos 110.º, n.º1 e 110.º-A, n.º1 do CPTA, quando passada que havia sido a fase do despacho liminar e da verificação dos pressupostos processuais da intimação, o tribunal, de acordo com a alegação da mesma, apenas poderia julgar do mérito da ação, por esse despacho liminar formar caso julgado formal.

4. Não nos é possível acompanhar a totalidade dos fundamentos, nem a tese que logrou vencimento e que concedeu parcial provimento ao recurso, por diversas ordens de razões.

Vejamos, o que se procurará fazer de modo sumário.

5. Começando pelo tema da apontada nulidade decisória – que se afirma formalmente existir, mas que depois se considerou “ultrapassada” porque se havia decidido a questão de fundo em causa (a questão da eventual irregularidade do patrocínio do CSMP) – a minha posição é que não há qualquer nulidade por omissão de pronúncia. A ausência de resposta a um requerimento deste tipo não gera nulidade decisória; poderá gerar uma nulidade secundária com efeitos na invalidade da decisão, o que é diferente (uma coisa são as nulidades do art. 615.º CPC, outra coisa são as nulidades do art. 183.º e s. e 195.º do CPC).

Na situação presente, de resto, a eventual irregularidade/falta de patrocínio judiciário do CSMP – que não se verifica -, o que poderia determinar era a anulação ao abrigo do art. 195.º, n.º 1, parte final, do processado, incluindo o acórdão (para, havendo irregularidade do mandato, providenciar-se pelo respetivo suprimento).

6. Em relação à questão da formação de caso julgado derivado do despacho de admissão liminar da petição de intimação, concordo que este não existe para a questão da propriedade/impropriedade do meio. De todo o modo, a qualificação jurídica que no acórdão é feita desta questão e a sua abordagem em face dos contornos do caso concreto, não me permitem subscrever o entendimento que logrou vencimento.

Com efeito, do meu ponto de vista, a questão objeto do recurso nesta parte não é de erro de julgamento, mas seria de eventual nulidade por excesso de pronúncia quanto à decisão de impropriedade do meio, após o despacho liminar de citação (nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC, aplicável aos despachos ex vi do artigo 613.º: “é nula a sentença quando o juiz … conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”). Nulidade que não ocorre – nem nessa dimensão foi suscitada pela Recorrente, há que dizê-lo -, uma vez que foi considerado que o tribunal podia conhecer dessa exceção no momento em que o fez.

7. Finalmente, e naquilo que se apresenta como fundamental, divirjo da posição maioritária acerca da exceção de litispendência que se concluiu não ocorrer, contrariamente ao afirmado no acórdão recorrido.

O critério formal da litispendência e do caso julgado, assente na tríplice identidade dos elementos que definem a ação, do art. 581.º do CPC, deve interpretar-se de acordo com a diretriz substancial traçada no n.º 2 do art. 580.º, em que se diz que “[t]anto a excepção da litispendência como a do caso julgado têm por fim evitar que o tribunal seja colocado na alternativa de contradizer ou de reproduzir uma decisão anterior”.

Ora, em ambos os processos em questão, para além da identidade dos sujeitos – que não é sequer discutível - não se regista, efetivamente, identidade de fundamentos - causa de pedir - para afirmar a litispendência. Porém, este será um caso em que existe uma identidade material de objeto entre a questão fundamental a decidir numa e noutra ação, apesar de inexistir uma rigorosa identidade formal do pedido e da causa de pedir nas duas ações [sobre esta temática v. o acórdão do Pleno de 23.05.2024, proc. 141/23.6BALSB e doutrina e jurisprudência nele citadas]. O que se verifica, no fundo, é que em ambas as ações foram deduzidos pedidos de que resulta uma identidade material de objecto: a A. pede em ambas a declaração de caducidade do direito de o CSMP lhe instaurar o processo disciplinar e em ambas as ações está em causa o mesmo processo disciplinar. Como em crise estão os mesmos direitos fundamentais de que a A. se arroga titular e tem por ofendidos com a atuação da Entidade Demandada/Requerida.

E se é certo que a causa de pedir necessariamente neste processo se teve de tentar conformar com os requisitos exigidos no art. 109.º, n.º 1, do CPTA – sem sucesso, aliás – certo é também que essa divergência na evocação factual não afasta a identidade de causa de pedir para efeitos da avaliação do conceito substancial de litispendência. Fazendo nossas as palavras constantes do acórdão do STJ de 25.06.2020, proc. n.º 5243/18.8T8LSB.L1.S1:“[h]á identidade de causas de pedir desde que “os factos que integram o núcleo essencial das normas jurídicas que se pretendem aplicáveis na segunda acção estejam entre os invocados (…) na acção anterior”.

Também a Doutrina, e apenas para citar os mesmos AA. citados no acórdão, não deixa de afirmar, referindo os acórdãos do STJ de 14.12.2016, proc. n.º 219/14, e de 24.03.2013, proc. n.º 7770/07, que: “a identidade e individualidade da causa de pedir tem de aferir-se em função de uma comparação entre o núcleo essencial de cada uma delas, não sendo afetada tal identidade, nem por via da alteração de cada uma delas, não sendo afetada tal identidade, nem por via da alteração da qualificação jurídica dos factos concretos em que se fundamenta a pretensão, nem por qualquer alteração ou ampliação factual que não afete o núcleo essencial da causa de pedir que suporta ambas as ações (…)” (cfr. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, vol. I, 2019, p. 662).

E essa identidade de questões fundamentais a decidir podem facilmente detetar-se, inclusive com perfeita igualdade na sua redação, no texto das petições iniciais, neste e no processo n.º 116/23.5BALSB (i.a, respetivamente, art.s 42.º, 45.º e 52.º e art.s 39.º, 40.º e 61.º).

Ademais, imagine-se que esta intimação – em que se decidiria o mérito do pedido a título principal – e a ação administrativa distribuída com de número de processo 116/23.5BALSB, prosseguiam para conhecimento do mérito neste STA, com o risco de ser dada solução divergente à questão em ambas ações invocada da caducidade do direito de o CSMP instaurar o processo disciplinar à A. e aqui Recorrente. Não é esta realidade, precisamente, que o legislador pretendeu evitar quando redigiu a norma contida no art. 580.º, n.º 2, do CPC, a qual tem por objeto, designadamente, tutelar o prestígio e a credibilidade da função judicial e os valores da segurança jurídica e da certeza do direito?

8. Assim, julgaria improcedente o recurso, também, nesta parte e, na confirmação do decidido no acórdão recorrido que julgou procedente a exceção de litispendência, não conheceria dos demais fundamentos do recurso, por prejudicados.

9. Em suma, negaria provimento ao recurso e confirmaria integralmente o acórdão recorrido.

17.10.2024

Pedro Marchão Marques.