Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0122/16.6 BESNT |
Data do Acordão: | 05/08/2024 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | FERNANDA ESTEVES |
Sumário: | |
Nº Convencional: | JSTA000P32213 |
Nº do Documento: | SA2202405080122/16 |
Recorrente: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A... |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. Relatório A Fazenda Pública, inconformada, interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida por A..., devidamente identificada nos autos, e, em conformidade, determinou a anulação parcial da liquidação de IRC relativa ao ano de 2012. Alegou, concluindo da seguinte forma: a) A Fazenda Pública não se conforma com o sentenciado na parte que decidiu considerar ilegal o ajustamento ao benefício fiscal da criação de emprego no caso de trabalhadores admitidos por contrato de trabalho a tempo parcial. b) O sentenciado, nesta parte, viola os princípios da unidade do sistema jurídico, da igualdade e da proporcionalidade. c) É incongruente e sem justificação racional e objetiva estabelecer um benefício fiscal igual, quando existem circunstâncias factuais diferentes nos seus pressupostos, ou seja, sem atender que criar um posto de trabalho a tempo inteiro é diferente de se criar um posto de trabalho a tempo parcial. d) A criação de um posto de trabalho a tempo inteiro não contribui na exata proporção para a satisfação dos objetivos pretendidos com a atribuição deste benefício fiscal, quando comparado com a criação um posto de trabalho a tempo parcial, porque a criação deste último contribui muito menos para os interesses públicos extrafiscais relevantes que foram considerados superiores aos da própria tributação e que permitem a atribuição do benefício fiscal (art. 2º n.º 1 do EBF), bem como contribui muito menos para a política pública de incentivo ao emprego estável e duradouro (circunstâncias em que a lei foi elaborada). e) O ajustamento fiscal do benefício fiscal deve ser considerado válido, dado que somente com a aplicação dessa restrição é que é atingido o objetivo prosseguido, pois a Recorrida continua a auferir da vantagem social decorrente do benefício fiscal, e por outro lado, a restrição é proporcional ao objetivo visado. f) Somente desta forma é possível prevenir abusos no direito à dedução majorada por parte dos sujeitos passivos. g) O ajustamento efetuado não comporta uma discriminação carecida de justificação material, objetiva e racional, ou não fundada em interesse público relevante, dado que somente com a sua adoção é verificável a relação de proporcionalidade com a vantagem social que se associa ao posto de trabalho a tempo parcial criado, sob pena de se criar um enviesamento do montante do benefício, em favor da contratação de trabalhadores a tempo parcial e em detrimento da contratação de trabalhadores a tempo completo, efeito que, certamente, contraria os objetivos prosseguidos com a aplicação do benefício da criação de emprego. h) O art. 19º do EBF para efeitos majoração ou de encargo admitido tem por base a “retribuição mínima mensal garantida” (n.º 3), a qual tem como pressuposto o trabalho a tempo inteiro, correspondente a 40 (quarenta) horas semanais, pelo que estando em causa um contrato de trabalho que tenha uma duração inferior, a que corresponderá logicamente um salário inferior à retribuição mínima mensal garantida, tendo por base as regras de cálculo da retribuição hora, o limite do benefício fiscal tem de ser ajustado, sob pena de ser atribuído um benefício fiscal injustificado, desproporcional e não coerente, e em consequência feita uma interpretação da lei que não garante a unidade do sistema jurídico e a sua coerência. i) Atentas as razões alegadas e concluídas, afigura-se que o sentenciado, na parte de que se recorre sofre de erro de julgamento, e deve ser revogado.
A) O Recurso apresentado pela Fazenda Pública carece de qualquer fundamento factual ou legal. B) O artigo 17.º, n.º 1, do EBF deixa claro que a majoração dos encargos por posto de trabalho e a sua consideração como gasto depende, somente, da “criação líquida de postos de trabalho” para “jovens” ou “desempregados de longa duração” que sejam “admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado”. C) Em momento algum o legislador faz referência, direta ou indireta, à necessidade do posto de trabalho ser criado a tempo completo. D) No sentido supra, atente-se na decisão proferida pelo tribunal arbitral tributário (Conselheiro Jorge Lopes de Sousa), no acórdão n.º 212/2013-T, de 26 de fevereiro de 2014, publicado em www.caad.org.pt/, no qual concluiu que “a redução da majoração nas situações de trabalho a tempo parcial não encontra o mínimo de correspondência verbal que permita adotar essa interpretação e não se veem razões que inequivocamente a possam justificar, nem se vislumbra qualquer outra norma que leve a concluir que o legislador não tinha intenção de incentivar também a criação de postos de trabalho a tempo parcial” (sublinhado nosso), E) Pelo que “a posição do Autoridade Tributária e Aduaneira, para além de extravasar do sentido literal da norma, está desconforme com o espírito da lei”. F) No mesmo sentido, vide sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra no processo de impugnação judicial n.º 95/16.5BESNT. G) A sentença em apreço, objeto de recurso pela Fazenda Pública para o Supremo Tribunal Administrativo, viu esta instância denegar provimento ao mesmo. H) Na referida decisão conclui-se que “tal redução não resulta da lei, sendo que o montante considerado como dedutível se reporta a um montante máximo anual por posto de trabalho (de 14 vezes a retribuição mínima mensal garantida), não estabelecendo a lei qualquer redução por efeito de contrato de trabalho a tempo parcial, já que o que releva é os montantes dos encargos assumidos pela entidade patronal com os trabalhadores admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado”. I) No âmbito do referido Recurso apresentado, concluiu o Supremo Tribunal Administrativo que “(…) dos normativos do artigo 19.º, n.os 1 e 3 do EBF resulta que, para usufruir do benefício a lei apenas exige a criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato de trabalho sem termo, jovens e desempregados de longa duração, sendo apenas esses os critérios (e não outros) estabelecidos pelo legislador.” J) No mesmo sentido vejam-se os acórdãos n.º 57/2017-T, de 25 de agosto de 2017, n.º 68/2017-T, de 5 de janeiro de 2018, e n.º 495/2017-T, de 28 de maio de 2018, publicados em www.caad.org.pt/. K) Com efeito, a aplicação do citado benefício fiscal depende do preenchimento dos seguintes pressupostos: primeiro, a existência de criação líquida de postos de trabalho; segundo, relativamente a trabalhadores com idade não superior a 30 anos; e, terceiro, os trabalhadores devem ter sido admitidos por contrato de trabalho sem termo. L) Resulta amplamente fundamentado nos autos, douta apreciação do Tribunal, que todos os pressupostos supra enunciados ficaram provados pelo que o direito da Recorrida se encontra validado. M) Caberia à Fazenda Pública provar o enquadramento legal do ajustamento do limite máximo de majoração anual, na proporção da redução do período normal de trabalho. Sucede que, percorrida a contestação apresentada pela Fazenda Pública, não se encontra invocado um único argumento nesse sentido. A Exma. Procuradora-Geral Adjunta junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de dever ser negado provimento ao recurso.
Cumpre decidir.
2. Fundamentação 2.1.Remete-se para a matéria de facto que consta da decisão recorrida, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida (cf. artigo 663.º, n.º 6, do CPC, aplicável ex vi do artigo 679.º do mesmo Código).
2.2. O direito Está em causa no presente recurso a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra na parte em que julgou procedente a impugnação judicial deduzida pela Recorrida e, em consequência, anulou os actos de liquidação de IRC do ano de 2012 e respectivos juros compensatórios, mais concretamente, na parte em que foi considerado ilegal o ajustamento ao benefício fiscal da criação de emprego no caso de trabalhadores admitidos por contrato de trabalho a tempo parcial. O tribunal a quo deu razão à Impugnante nessa parte, decidindo que o ajustamento do limite máximo de majoração anual, na proporção da redução do período normal de trabalho, não tem fundamento legal, considerando, em síntese, que “[o] montante considerado dedutível reporta-se aos «encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho», com um montante máximo anual, por posto de trabalho de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado ou a retribuição mínima mensal garantida” e que “[a] lei não estabelecia qualquer redução do montante do benefício fiscal a atribuir, por efeito de ter sido celebrado um contrato de trabalho a tempo parcial. O que relevava eram os montantes dos encargos assumidos pela entidade patronal com os trabalhadores admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado”. A Fazenda Pública não se conforma com o assim decidido, sustentando, no essencial, que a decisão viola os princípios da unidade do sistema jurídico, da igualdade e da proporcionalidade e que o artigo 19º do EBF para efeitos majoração ou de encargo admitido tem por base a “retribuição mínima mensal garantida” (n.º 3), a qual tem como pressuposto o trabalho a tempo inteiro, correspondente a 40 (quarenta) horas semanais, pelo que estando em causa um contrato de trabalho que tenha uma duração inferior, a que corresponderá logicamente um salário inferior à retribuição mínima mensal garantida, tendo por base as regras de cálculo da retribuição hora, o limite do benefício fiscal tem de ser ajustado, sob pena de ser atribuído um benefício fiscal injustificado, desproporcional e não coerente, e em consequência feita uma interpretação da lei que não garante a unidade do sistema jurídico e a sua coerência. A questão que se coloca resume-se, portanto, a saber se, nos casos de criação líquida de postos de trabalho a tempo parcial, o limite da majoração deve ser ajustado proporcionalmente ao número de horas de trabalho parcial (como defende a Fazenda Pública) ou, se, ao invés, esse ajustamento não pode ser feito por não ter qualquer suporte legal (como se decidiu na sentença recorrida). Sucede que este Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou sobre esta questão no acórdão de 20/2/2019, Processo n.º 095/16.5BESNT, cujo entendimento foi posteriormente reiterado, designadamente no acórdão de 12/1/2022, Processo 03054/15.1BESNT, sendo que nesses processos estavam em litígio as mesmas partes que neste e as conclusões da alegação de recurso e das contra - alegações deste último processo e as dos presentes autos são, aliás, praticamente idênticas. Neste contexto, e porque se trata de jurisprudência cuja fundamentação jurídica tem plena aplicação no caso vertente, e que se subscreve integralmente, e também com vista a promover uma interpretação e aplicação uniformes do direito (artigo 8.º, n.º 3 do CC), assumimos como nossa a fundamentação e decisão exarada neste mais recente acórdão de 12/1/2022, Processo 03054/15.1BESNT que tratou a questão, e que, por isso, aqui nos limitamos a reproduzir nos termos que seguem: “Neste domínio, como é sabido, o art. 17º nº 1 do EBF, na redacção dada pelo D.L. nº 198/2001, de 03-07 determinava que, para efeitos do IRC, os “encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato sem termo com idade não superior a 30 anos são levados a custo em valor correspondente a 150%”, sendo que a norma em apreço foi alterada pela Lei nº 53-A/2006, de 29-12, passando a estabelecer que, “[p]ara a determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos do IRC e dos sujeitos passivos do IRS com contabilidade organizada, os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para jovens e para desempregados de longa duração admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado, são considerados em 150% do respectivo montante contabilizado como custo do exercício.” Depois, o D.L. nº 108/2008, de 26-06, onde, além da sua renumeração (para o n.º 1 do art.º 19.º do EBF), refere que, «[p]ara a determinação do lucro tributável dos sujeitos passivos de IRC e dos sujeitos passivos de IRS com contabilidade organizada, os encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho para jovens e para desempregados de longa duração, admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado, são considerados em 150 % do respectivo montante, contabilizado como custo do exercício‖, verificando-se que o montante máximo da majoração anual, por posto de trabalho, é o correspondente a 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado ou a retribuição mínima mensal garantida. A previsão legal descrita envolve uma medida de política legislativa de incentivo à criação de emprego para jovens que assenta em três pressupostos essenciais, a saber, a existência de criação líquida de postos de trabalho, relativamente a trabalhadores com idade não superior a 30 anos, admitidos por contrato de trabalho sem termo. Com este pano de fundo, resulta claro que a pretensão da ora Recorrente está condenada ao insucesso, dado que, como já ficou dito no Ac. deste Tribunal de 20-02-2019, Proc. nº 095/16.5BESNT, www.dgsi.pt, citado na decisão recorrida: ― No que toca ao ajustamento do benefício fiscal relativamente aos trabalhadores a tempo parcial. Sustenta a FP que nos casos de trabalho a tempo parcial o limite de majoração deve ser ajustado ao número de horas a tempo parcial, sob pena de ser considerado um benefício fiscal superior ao que a lei estatui. Entende a AT que uma vez que o cálculo do limite da majoração anual se encontra associado ao valor do SMN garantido deve considerar-se o período de trabalho de 40 horas semanais como "normal" para efeitos do artigo 19.° do EBF, uma vez que o SMN se encontra legalmente determinado para os contratos a tempo inteiro/completo, ou seja, contratos de trabalho com aquela duração. Ora, dos normativos do artigo 19.°, n.ºs. 1 e 3 do EBF resulta que, para usufruir do benefício a lei apenas exige a criação líquida de postos de trabalho para trabalhadores admitidos por contrato de trabalho sem termo, jovens e desempregados de longa duração, sendo apenas esses os critérios (e não outros) estabelecidos pelo legislador. ..”. Assim sendo, tem de acompanhar-se a decisão recorrida quando refere que o montante considerado dedutível reporta-se aos «encargos correspondentes à criação líquida de postos de trabalho», com um montante máximo anual, por posto de trabalho de 14 vezes o salário mínimo nacional mais elevado ou a retribuição mínima mensal garantida e que a lei não estabelecia qualquer redução do montante do benefício fiscal a atribuir, por efeito de ter sido celebrado um contrato de trabalho a tempo parcial, sendo que o que relevava eram os montantes dos encargos assumidos pela entidade patronal com os trabalhadores admitidos por contrato de trabalho por tempo indeterminado. Diga-se ainda, tal como apontado pelo Ex.mo Magistrado do Ministério Público, que no Acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Tribunal de 08-05-2019, Proc. nº 01054/17.6BALSB, www.dgsi.pt, foi decidido que “[n]os benefícios fiscais que dependem de um comportamento do contribuinte, que pode livremente optar por preencher as condições legalmente estabelecidas para deles usufruir, a questão do princípio da igualdade deve colocar-se relativamente às condições de acesso ao benefício e não em relação aos contornos em que são previstos. Por outro lado, tal como refere a Recorrida, nas suas contra-alegações, nos casos de criação de trabalho a tempo parcial são efectivamente criados postos de trabalho, com o que se satisfaz o desígnio legislativo subjacente a este benefício fiscal, pelo que não se pode, com a perspectiva teleológica que assume especial relevância quando se visa com normas fiscais prosseguir interesses distintos da cobrança de receitas, concluir que o legislador estabeleceu um limite superior ao que pretendia, isto é, que não pretendia incentivar também a criação de postos de trabalho a tempo parcial, quando é certo que esta criação também se sintoniza com os fins que se visam prosseguir.”. Assim, na esteira da jurisprudência vinda de referir, é de concluir que a sentença recorrida não incorreu no erro de julgamento que lhe vem imputado, o que implica a improcedência do presente recurso. 3. Decisão Termos em que, face ao exposto, acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do STA em negar provimento ao recurso. Custas pela Recorrente. Lisboa, 8 de Maio de 2024. - Fernanda de Fátima Esteves (relatora) - João Sérgio Feio Antunes Ribeiro - José Gomes Correia. |