Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01453/04.3BELSB
Data do Acordão:01/08/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:PAULO ANTUNES
Descritores:IVA
FACTURA
REGULARIZAÇÃO
Sumário:Em 2000, a regularização de IVA quanto a faturas emitidas, tendo sido efetuada com “notas de devolução” tinha de obedecer aos requisitos previstos no n.º 5 do art. 35.º do CIVA, em que que se previam as “formalidades das facturas”, mas não a formalidades relativas à prova da regularização ou do reembolso, nomeadamente, tendo intervindo comissionistas.
Nº Convencional:JSTA000P25390
Nº do Documento:SA22020010801453/04
Data de Entrada:12/19/2018
Recorrente:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo

I. Relatório

1. A Autoridade Tributária e Aduaneira interpõe recurso da sentença do Tribunal Tributário de Lisboa que julgou parcialmente procedente a impugnação intentada por A…………, S.A., determinando-se a anulação parcial de liquidações de IVA relativa ao ano 2000, na parte impugnada no montante de € 2.361,32, e mantendo-se quanto ao remanescente impugnado no valor de € 2.323,97.

Apresentou alegações que rematou com as seguintes conclusões:

“A. Considerou a douta sentença que, encontrando-se as notas de Créditos rubricadas pelos destinatários, resulta demonstrado que tomaram conhecimento da anulação e, concomitantemente, do IVA, cumprindo-se o disposto no art. 71° n° do CIVA.

B. Nos termos conjugados dos arts. 71°, n° 1 e 5 e art. 35° do CIVA as rectificações do imposto efectuadas pelo sujeito passivo estão condicionadas a diversas especificidades que, não sendo cumpridas, inviabilizam que se aceitem as rectificações operadas.

C. Desde logo a regularização deve ser feita através de documentos que estejam em conformidade com o art. 35° do CIVA e o sujeito passivo deve ter na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto.

D. Sendo o IVA um imposto de carácter formalista, com vista a evitar a fuga e evasão fiscal, as respectivas formalidades serão ad substanciam e não ad probationem.

E. Ora, apurou-se em sede de procedimento inspectivo que as regularizações efectuadas pela impugnante eram tituladas através de documentos internos (Notas de devolução da empresa, sem impressão e numeração tipográfica) e da utilização de facturas manuais com inutilização da palavra Factura e aposição manual de “Nota de Crédito”.

F. Resultando evidente o incumprimento do disposto no art. 35° do CIVA, aplicável aos documentos que suportam as regularizações IVA, por imposição do art. 71°, n° 1 do CIVA.

G. Pelo que, ao decidir como decidiu, violou a douta sentença o disposto nos art. 35° e 71° do CIVA, na redacção à data dos factos.

Termos em que, concedendo-se provimento ao recurso, deve a decisão ser revogada e substituída por acórdão que julgue a impugnação judicial totalmente improcedente.

PORÉM V. EX.AS DECIDINDO FARÃO A COSTUMADA JUSTIÇA.”

2. O recurso foi admitido.

3. A recorrida não aduziu contra-alegações.

4. O Magistrado do Ministério Público pronunciou-se no sentido de o recurso merecer provimento, emitindo o seguinte parecer:

“Questão decidenda: legalidade da dedução de imposto resultante da regularização de IVA constante de documentos emitidos sem observância dos requisitos legais

1. A exigência de observância rigorosa dos requisitos legais das facturas ou documentos equivalentes, como condição do exercício do direito à dedução, radica na natureza plurifásica do IVA, supondo a intervenção de uma fileira de agentes económicos, dela resultando a necessidade de um controlo eficaz das operações económicas tituladas pelas facturas pela Administração Tributária, no sentido de prevenir e reprimir a fraude e a evasão fiscais.

O princípio da neutralidade do IVA, subjacente à dinâmica do imposto, exige que o seu regime não condicione as opções dos agentes económicos nem crie distorções na concorrência.

A jurisprudência do TJUE e qualificada doutrina nacional enfatizam, em conformidade com o princípio da neutralidade, a necessidade de ser autorizado o direito à dedução do IVA se os requisitos substantivos tiverem sido cumpridos, ainda que com preterição de requisitos formais.

Declinando o princípio da proporcionalidade, o TJUE sustenta que as formalidades exigíveis pela legislação de cada estado membro para o exercício do direito à dedução de IVA não devem ultrapassar o estritamente necessário para um controlo eficaz pela administração tributária, nos termos supra enunciados.

A exigência de menção nas facturas ou documentos equivalentes da quantidade e denominação usual dos bens transmitidos ou dos serviços prestados visa o controlo administrativo da correcção da taxa concreta aplicada, no quadro de uma pluralidade de taxas aplicáveis (art. 35° n° 5 al. b) CIVA).

O mecanismo de regularização do IVA integra-se no regime de dedução do IVA estabelecido na 6° Directiva, do Conselho, 17 maio 1977 (vigente na data dos factos), tendo por objectivo aumentar a precisão das deduções, de modo a assegurar a neutralidade da carga fiscal de todas as actividades económicas sujeitas ao imposto.

Jurisprudência: acórdãos TJUE 18.10.2012 processo n° C-234/11; 31.03.2012 processo C-280/10; 22.03.2012 processo C-153/11; 21.10.2010 processo C-385/09; 1.04.2004 processo C-90/02; acórdão STA-SCT 7.10.2015 processo n° 1455/12.

Doutrina: Sérgio Vasques O Imposto sobre o Valor Acrescentado Almedina, 2015 p. 345; Cidália Lança Código do IVA e RITI - Notas e Comentários (coordenação de Clotilde Celorico Palma e António Carlos Santos Almedina 2014, p.340); Patrícia Noiret Cunha Imposto sobre o Valor Acrescentado - Anotações ao Código do Imposto sobre o Valor Acrescentado e ao Regime do IVA nas Transacções Intracomunitárias Instituto Superior de Gestão, 2004 p.382).

2. No caso concreto as características da actuação do impugnante sujeito passivo não permitem a regularização do imposto, pelos motivos seguintes:

a) liminarmente, a matéria de facto enferma de contradição insanável (não arguida pelos interessados):

- julga-se provado que as notas de crédito eram rubricadas ou assinadas pelos seus destinatários, os comissionistas (factos provados J);

- julga-se não provado que a impugnante tivesse na sua posse prova de que os destinatários (comissionistas) das notas de crédito tomaram conhecimento das rectificações de IVA já que (...) não tinham aposta nenhuma rubrica (sentença III.1 dos factos fls. 8);

b) o sujeito passivo não emitia factura regularmente, por cada operação económica realizada apenas a solicitação dos clientes (factos provados H);

para regularização do imposto (com fundamento na devolução de mercadorias) eram emitidas notas de crédito aos comissionistas, e não guias ou notas de devolução aos clientes (factos provados I) e J); art. 35° n° 3 CIVA);

d) as notas de crédito tinham como destinatários os comissionistas, os quais não são sujeitos passivos de IVA (e não os clientes);

e) não está provado que os comissionistas tenham entregue aos clientes-adquirentes (sujeitos passivos de IVA) as notas de crédito que pretenderiam titular a regularização do imposto;

f) esta entrega era indispensável para permitir aos clientes-adquirentes o reembolso do imposto liquidado e pago nas datas das encomendas aos comissionistas, simétrico da anulação ou redução do imposto em consequência da regularização efectuada pela impugnante fornecedora.

Neste contexto não foram cumpridos os requisitos legais do regime de regularização do imposto, sem cuja observância rigorosa não é garantido o objectivo de neutralidade da carga fiscal, subjacente à instituição do mecanismo (arts. 35° n°s 1 e 3 e 71° n°s 1 e 5 CIVA).

CONCLUSÃO

O recurso merece provimento.

A sentença impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão declaratório da improcedência da impugnação judicial e confirmativo da liquidação adicional impugnada.”

5. Foram colhidos os vistos legais.

II. Objeto do recurso.

É objeto do recurso o decidido quanto às regularizações de IVA com fundamento no preceituado nos artigos 35.º e 71.º n.ºs 1 e 5 do CIVA.

Resulta em concreto para apreciação:

- Se não podiam ter sido admitidas as regularizações efetuadas tituladas, através de documentos denominados “Notas de devolução” da própria empresa, sem impressão e numeração tipográfica, e com a utilização de faturas manuais com inutilização da palavra “Factura” e a aposição manual de “Nota de Crédito”.

- Se as ditas regularizações não podiam ser admitidas por não resultar demonstrado que à data em que tiveram lugar os seus destinatários tiveram conhecimento das mesmas.

III. Fundamentação

1. Na sentença recorrida foi dado como assente quanto à matéria de facto o seguinte:

A) Em 2000 a Impugnante exercia a actividade económica de comércio a retalho de têxteis para o lar (CAE 524243) comercializando artigos que adquiria para revenda, edredons, almofadas e cortinas — cf. relatório de inspecção a fls. 100 do PAT apenso que se dá por integralmente reproduzido e depoimento da testemunha B…………;

B) Em sede de IVA estava, naquele ano, enquadrada no regime normal de periodicidade mensal - cf. de fls. 100 do PAT;

C) Para a comercialização dos artigos identificados em A), a Impugnante efectua as vendas através de colaboradores (que designa de comissionistas) que actuam em nome da sociedade Impugnante e procedem à promoção e venda dos referidos artigos, de porta a porta, por todo o território nacional — cf. ponto 1.1 do relatório de inspecção a fls. 100 do PAT;

D) No exercício de 2000, os seus colaboradores emitiam «notas de encomenda» que entregavam à Impugnante juntamente com o respectivo meio de pagamento — cf. fls. 101 e 107 do PAT e 36, 37, 39, 41, 46 e 47, 54, 55, 57, 58, 62, 64, 66 e 70 dos autos;

E) Com a recepção da nota de encomenda a Impugnante procedia à emissão de documento intitulado «recibo», ao qual era atribuído um número e data, no qual se identificava a si e ao colaborador, mencionava o valor total recebido, que o valor se destina a crédito em conta corrente, mencionando ainda «IVA incluído utilidades domésticas — 17%» sem identificar os bens transaccionados, nem as quantias ou valores unitários — cf. fls. 101, 107 e 114 do PAT e 35, 38, 40, 42, 45, 53, 56, 59, 63, 65, 67 e 71 dos autos;

F) Quando a mercadoria saía dos armazéns era processada por computador uma guia de remessa com numeração tipográfica, fazendo referência à nota de encomenda, indicando os bens e respectiva quantidade, sem indicar o valor de cada artigo — cf. fls. 101 e 107 do PAT;

G) Com a saída da mercadoria referida na alínea anterior não era emitida factura — cf. fls. 107 do PAT;

H) Quando solicitado pelos clientes era emitida factura contendo a identificação e número de contribuinte da Impugnante, do cliente, a identificação e quantidade dos bens o seu valor unitário, total e a menção de se incluir IVA à taxa de 17% - cf. fls. 34, 44, 51, 61 e 69 dos autos;

I) Na mesma data era emitido um documento com impressão tipográfica contendo o mesmo conteúdo identificado em H) com numeração sequencial relativamente à factura e inutilização manual da palavra «Facturas/Recibo», e aposição também manual da palavra «Nota de Crédito» - cf. fls. 34, 44, 51, 61 e 69 dos autos;

J) Os documentos designados notas de crédito estão rubricados ou assinados pelos seus destinatários e somam o montante de € 2.361,32 - cf. fls. 34, 44, 51, 61 e 69 dos autos;

K) Foi verificado pela equipa de inspecção que não existe «correspondência no lançamento das vendas entre o valor contabilizado na classe 7 e o valor do IVA liquidado, sendo a diferença de valor contabilizado na conta 21913, que recebe as contrapartidas dos lançamentos efectuados» não existindo «coincidência entre o recebimento do montante encomendado e a saída dos produtos de armazém através da Guia de Remessa pois a uma Nota de Encomenda poderão corresponder várias Guias de Remessa, em diferentes datas» — cf. fls. 108 do PAT;

L) Considerou a inspecção tributária que «o sujeito passivo deveria, após a emissão da Guia de Remessa, proceder a emissão de factura com a indicação da(s) respectivas Guias de Remessa, da Factura ou Recibo onde procedeu à liquidação de IVA, bem como das devoluções ocorridas relativamente à encomenda inicial, dado que normalmente os clientes são consumidores finais e não iriam proceder à regularização de IVA a favor do Estado, ainda que fosse emitida Nota de Crédito, pelo que existe infracção ao artigo 35.° do CIVA por não ser processada factura no prazo aí definido relativamente à transmissão de bens que ocorre na data da emissão da Guia de Remessa (...) o valor do IVA liquidado relativamente às vendas é calculado com base no lançamento das Notas de Encomenda (...)» - cf. fls. 108 do PAT;

M) São emitidos vales a conceder aos clientes, sendo o motivo mais frequente relativos a devoluções — cf. fls. 108 do PAT;

N) Verificou a equipa de inspecção que «dos documentos de suporte do IVA liquidado mensalmente, fica a evidência da diferença entre o valor das guias de Remessa emitidas no mês e do valor correspondente a encomendas processadas e respectivo meio de pagamento, dos vales apurados no mês e variação ocorrida nos vales (saldo inicial e saldo final) bem como a variação ocorrida na falta de produtos encomendas não satisfeitas). Assim em 2000, a diferença entre o valor contabilizado de Vendas e a respectiva Base Tributável para efeitos de IVA, encontra justificação essencialmente nas devoluções de mercadoria, contabilizada na conta 717» - cf. fls. 108 do PAT;

O) Considerou ainda a Administração Fiscal no âmbito da referida acção inspectiva existirem regularizações indevidas de IVA «Da mesma forma que não é processada factura de acordo com o artigo 35.º do IVA (...) também são efectuadas regularizações de IVA sem emissão do correspondente documento de suporte - Nota de Crédito. Estas regularizações de IVA estão efectuadas quer através da conta IVA regularizações a Favor do sujeito passivo, quer através de débito da conta de IVA liquidado. Estas regularizações são efectuadas quer através de documentos internos - Notas de devolução da empresa, sem impressão e numeração tipo gráfica, quer através da utilização de Facturas manuais com impressão tipo gráfica, com inutilização da palavra Factura e aposição de Nota de Crédito. Assim, verifica-se a regularização indevida de IVA, por desobediência ao preceituado nos artigos 35.º e 71.º do CIVA no montante de (...) € 17.564,11 relativamente ao exercício de 2000, conforme mapa 1 e 2 em Anexo 1. A título exemplificativo destas regularizações indevidas de IVA a favor do Sujeito Passivo indica-se o motivo apresentado pelo sujeito passivo (Resposta à notificação de 30/07/2003- pontos 4 e 5) para estas regularizações de IVA efectuadas (...) Em 1999 - Lanç. 50050 - Regularização pois constatamos que a factura inicial tinha sido mal endereçada pelo que se corrigiu para endereçar correctamente (...) Em 2000, Lançamentos 60189, 60190 e 120322 - Mesma explicação do lançamento 50050 de 1999 (Anexo 11)» - cf. fls. 109 do PAT;

P) Foi exercido o direito de audição prévia relativamente ao projecto de conclusões de relatório incidindo a sua pronúncia, no que às regularizações de IVA se refere, sobre o cumprimento pela Impugnante do disposto nos artigos 35.º e 71.º do CIVA e explicitação do circuito das operações em causa e respectiva documentação - cf. fls. 264 e sgs do PAT que se dão por integralmente reproduzidos;

Q) Concluiu a Inspecção Tributária que a regularização de IVA é indevida porquanto as regularizações de IVA efectuadas pelo sujeito passivo não obedeciam à emissão de documento com os requisitos do artigo 35.º do CIVA, e à prova nos termos do artigo 71.º n.º 5 do CIVA «de que o cliente recebeu a Nota de Crédito. Esta prova de recebimento do cliente, tem subjacente que o cliente está obrigado a efectuar a respectiva regularização a favor do Estado.» — cf. fls. 115 do PAT;

R) Nos casos em que foram apresentados, no exercício do direito de audição, os originais da Nota de Crédito e respectiva factura considerou a equipa de inspecção que os mesmos não seguiram para o cliente, e, não obstante, a não verificação da existência em arquivo de todas as vias dos documentos emitidos, apesar de salientar as anomalias indicadas, considerou que a Impugnante não procedeu a regularização indevida de IVA, concluindo pela manutenção das restantes correcções propostas — cf. fls. 115 do PAT;

S) Sobre o relatório de inspecção, em 13/11/2003 foi proferido despacho de concordância com o relatório de inspecção e com as correcções técnicas nele propostas — cf. fls. 93 do PAT;

T) Em 13/1/2004 foram emitidas as seguintes liquidações: a liquidação adicional de IVA n.º 04000553, relativa ao ano de 2000, emitida no montante de € 17.564 e as liquidações dos respectivos juros compensatórios, com os n.ºs 04000541 a 04000552, no montante total de €3484,56 — cf. fls. 18 a 30 dos autos e 83 do PAT;

U) As liquidações identificadas na alínea anterior foram notificadas à Impugnante com a indicação de que o prazo de pagamento voluntário terminava em 31/3/2004 — cf. fls. 18 a 30 dos autos e 83 do PAT;

V) Das referidas liquidações a Impugnante deduziu a presente acção de impugnação - cf. documento de fls. 1 e sgs dos autos.

Com interesse para a decisão da causa considerou-se ainda não provado que na data da regularização a seu favor do IVA, referente ao ano de 2000, a Impugnante tivesse na sua posse, prova de que os destinatários (comissionistas) das notas de crédito tomaram conhecimento das rectificações de IVA, já que comparando as notas de crédito juntas como anexo ao relatório de inspecção àquela data não tinham aposta nenhuma rubrica.

III. 2. Se não podiam ter sido admitidas as regularizações efetuadas, tituladas através de documentos denominados “Notas de devolução” da própria empresa, sem impressão e numeração tipográfica, com a utilização de faturas manuais com inutilização da palavra “Factura” e a aposição manual de “Nota de Crédito”.

Reporta-se a questão a apreciar os factos a que se refere as alíneas a) a J) do probatório, de que resulta que as regularizações foram efetuadas através destes últimos documentos que foram, pela impugnante, denominados “Notas de Crédito”, e relativamente a situações em que foram emitidas faturas a pedidos de clientes.

Ora, as ditas Notas de devolução obedeceram aos requisitos previstos no n.º 5 do art. 35.º do CIVA que se previam as “formalidades das facturas”, aplicáveis no que respeita a documentos equivalentes.

Prevendo no n.º 1 do art. 71.º do CIVA, que “as disposições dos artigos 35.º e seguintes devem ser observadas sempre que, emitida a factura ou documento equivalente, o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto venham a sofrer rectificação por qualquer motivo”, não colhe, pois, o invocado pela Fazenda Pública.

Aliás, a administração tributária encontrava-se então em condições de poder controlar a boa aplicação do IVA, através da operação faturada.

E a impugnante não era obrigada a possuir uma fatura para poder exercer o direito a dedução de IVA e a fixação dos requisitos aplicáveis quanto a outros documentos estava cometida aos Estados-membros em termos de não poderem ser menores que as das ditas faturas, conforme decidido no acórdão BOCKEMUHL, do Tribunal de Justiça da União Europeia (T.J.U.E.), proferido a 1-4-2004, no processo C-90/02, da 5.ª secção, publicado na Coletânea de Jurisprudência, Vol. I-pág. 3329 e segs., que se pronunciou sobre situação próxima da presente.

Aliás, conforme no mesmo se pode ler, se a administração tributária se encontrava então em condições de poder controlar a boa aplicação do IVA, através de operação faturada não é afastar o direito à dedução.

III. 3. Se as ditas regularizações não podiam ser admitidas por não resultar demonstrado que à data em que tiveram lugar os seus destinatários tivessem conhecimento das mesmas.

Está em causa a aplicação do n.º 5 do dito art. 71.º, segundo o qual, na redação ao tempo aplicável, “quando o valor tributável de uma operação ou o respectivo imposto sofrerem rectificação para menos, a regularização a favor do sujeito passivo só poderá ser efectuada quando este tiver na sua posse prova de que o adquirente tomou conhecimento da rectificação ou de que foi reembolsado do imposto, sem o que se considerará indevida a respectiva dedução (...)».

No caso das notas de crédito, as mesmas eram destinadas a comissionistas, relativamente aos quais não resulta provado que tenham assinado a dedução à data das mesmas.

No entanto, tendo sido emitidas faturas aos adquirentes, consideramos estar assegurado o direito à dedução, razão de ser da norma em análise.

Aliás, mais uma vez de acordo com o decidido pelo T.J.U.E., é de relevar que o mecanismo de retificação de IVA faz parte integrante do regime de dedução.

Por outro lado, se uma entrega de bens vem a ser imputada ao sujeito passivo que beneficiou da mesma, a dedução inicial efetuada deve ser ajustada à que se tem direito.

Acresce ser de considerar que a Sexta Diretiva 77/388/CEE, alterada pela Diretiva 95/7/CE do Conselho, de 10/4/95, se opõe mesmo a uma interpretação que permita a cobrança de IVA a sujeito passivo diverso do adquirente – assim, no acórdão Pactor Vastgoed, de 10-10-2013 no proc. C-622/11, da 2.ª secção, publicado na mesma Col. de Jur., ECLI:EU:C:2013:649.

IV. Decisão:

Os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida, na parte que foi objeto de recurso.

Custas do recurso pela recorrente, levando-se em conta que o valor no mesmo em causa é de € 2.361,32.

Lisboa, 8 de janeiro de 2020. – Paulo Antunes (relator) – Aragão Seia – Francisco Rothes.