Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0129/23.7BALSB
Data do Acordão:01/24/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:PAULA CADILHE RIBEIRO
Descritores:RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
JUROS INDEMNIZATÓRIOS
PEDIDO DE REVISÃO
Sumário:Pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação que não foi oportunamente reclamado nem impugnado e vindo o acto a ser anulado por decisão judicial, os juros indemnizatórios apenas serão devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada [cfr. art. 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT].
Nº Convencional:JSTA000P31819
Nº do Documento:SAP202401240129/23
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:AA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

1. Relatório
1.1. Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) Vem, ao abrigo do disposto nos artigos 152.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) e 25.º, n.ºs 2 a 4, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo n.º 511/2020-T, datada de 18/06/2021, invocando contradição com o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27/02/2019, proferido no processo n.º 022/18.5BALSB.

Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões:
«A) A Autoridade Tributária e Aduaneira vem, nos termos do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, aplicável por força do artigo 25.º, n.º 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), interpor recurso para esse Supremo Tribunal da Decisão Arbitral, de 18.06.2021, emitida no processo n.º 511/2020-T, do CAAD, por estar em contradição com o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, em 27.02.2019, no Processo n.º 022/18.5BALSB, que se indica como fundamento, designadamente, no segmento decisório respeitante à condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios.
B) A Decisão Arbitral recorrida colide frontalmente com a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Administrativo no Acórdão proferido em 27.02.2019, no processo n.º 022/18.5BALSB, que se indica como fundamento, relativamente ao termo inicial de contagem dos juros indemnizatórios, no caso de revisão oficiosa do ato tributário por iniciativa do contribuinte.
C) O pedido de pronúncia arbitral foi deduzido na sequência do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa, apresentado em 15.05.2020, da liquidação de Imposto sobre Veículos n.º 2019/0051230, de 27.08.2019, efetuada pela Chefe da Delegação Aduaneira da Figueira da Foz, que sustentou a tempestividade da pretensão do Requerente junto da instância arbitral.
D) A Decisão Arbitral sob recurso entendeu, na parte em que se refere aos juros indemnizatórios, serem devidos pela AT.
E) A Decisão Arbitral recorrida incorreu, pois, em erro de julgamento ao não enquadrar o direito a juros indemnizatórios, como devia, no artigo 43º, nº 3, alínea c) da LGT, que consagra um regime especial, quanto aos juros indemnizatórios.
F) No Acórdão fundamento estava em causa “a extensão temporal dos juros indemnizatórios devidos em caso de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (art. 43.º n.º 3 al. c) LGT)”, tendo esse douto STA decidido quanto à extensão temporal dos juros indemnizatórios devidos em caso de revisão do acto tributário por iniciativa do contribuinte (art. 43º, nº 3, al c) da LGT), que “A decisão recorrida atribuiu a indemnização a partir da ocorrência do evento danoso, sendo que face às normas de direito tributário vigente tal indemnização não tem assento legal, pelo menos sob a égide do processo de impugnação da decisão de indeferimento do pedido de revisão oficiosa do acto de liquidação”, concluindo que “não há lugar a juros indemnizatórios visto o pedido de revisão do acto tributário haver sido decidido em período inferior a um ano contado da apresentação deste pedido de revisão, como resulta do disposto no art.º 43.º, n.º 3, c) da Lei Geral Tributária.”.
G) Demonstrada está, assim, uma evidente contradição entre a Decisão recorrida e o Acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito que se prende com o pagamento de juros indemnizatórios nas situações de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, que importa dirimir, mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação do segmento decisório contestado, com substituição do mesmo por nova Decisão que determine a improcedência do pedido de condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do nº 6, do artigo 152º do CPTA.
H) A infração a que se refere o nº 2, do artigo 152º do CPTA, traduz-se num manifesto erro de julgamento expresso na decisão recorrida, na medida em que a Decisão Arbitral viola o disposto na alínea c), do nº 3 do artigo 43º da LGT, o qual determina que, nas situações de revisão do ato tributário por iniciativa do contribuinte, são devidos juros indemnizatórios apenas a partir de um ano após a apresentação do pedido de revisão.
I) Como tem sido entendido pela Jurisprudência e Doutrina, o regime estabelecido no artigo 152.º do CPTA, para os recursos para uniformização da jurisprudência, destina-se a obter decisão que fixe a orientação jurisprudencial nos casos em que se verifiquem os seguintes pressupostos: i) existência de decisões contraditórias entre acórdãos do STA ou deste e do TCA ou entre acórdãos do TCA; ii) contraditoriedade decisória “sobre a mesma questão fundamental de direito”; iii) verificação do trânsito em julgado, quer do acórdão recorrido, quer do acórdão fundamento, devendo o recurso se mostrar interposto no prazo de 30 dias contado do trânsito do acórdão recorrido; iv) não conformidade da orientação perfilhada no acórdão impugnado com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA; a oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.
J) No presente caso, estão preenchidos todos os requisitos de admissibilidade do Recurso, impostos pelo artigo 152º do CPTA, designadamente os enunciados no Acórdão do Pleno do STA de 21.04.2016, proferido no processo nº 0698/15, quanto à contradição da mesma questão fundamental de direito, que pressupõe “identidade essencial quanto à matéria litigiosa”, conforme o Acórdão do S.T.J. de 02.02.2017, proferido no proc. 4902/14.9T2SNT.LI.SI-A.
K) Está em causa a aplicação, de forma diversa, dos mesmos preceitos legais em situações fácticas substancialmente idênticas, não se entendendo estas como total identidade dos factos, mas apenas a sua subsunção às mesmas normas legais, na linha do entendimento de Jorge Lopes de Sousa (CPPT anotado, a págs. 809), e o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, proferido no recurso nº 87156, de 26.04.1995.
L) Resulta claro da jurisprudência assente desse Alto Tribunal que a norma do artigo 43.º, n.º 3, alínea c), da LGT consagra um regime especial, quanto aos juros indemnizatórios, que se aplica aos casos de revisão, como o dos autos, que não se enquadra na situação típica em que há impugnação da liquidação após o pagamento do imposto em causa.
M) Concluindo-se que, ao não ter subsumido o caso sub judice à alínea c) do nº 3 do artigo 43º da LGT, a Decisão Arbitral recorrida evidencia manifesta contradição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada pelo Pleno do STA:
- no Acórdão convocado como fundamento, de 27.02.2019, proferido no Proc.º 022/18.5BALSB;
- e com a sua Jurisprudência mais recente, designadamente a firmada no Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, de 26.05.2022, no Processo nº 159/21.3BALSB, sobre a mesma matéria e em que estava em causa situação fática absolutamente idêntica e tendo por objeto o mesmo Imposto sobre Veículos.
N) Decorre de todo o exposto, que deve o presente recurso ser admitido por esse Tribunal, e, analisado o seu mérito, ser dado provimento ao mesmo, revogando-se a Decisão na parte de que se recorre, aplicando-se o disposto na alínea c), do n.º 3 do artigo 43.º da LGT, em face da manifesta contradição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada pelo STA no Acórdão fundamento, considerando que, para o efeito, atendendo a que o pedido de revisão foi decidido em prazo inferior a um ano, não haverá lugar ao pagamento de juros indemnizatórios, com todas as legais consequências.
Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser admitido por se mostrar verificada a contradição entre a Decisão Arbitral proferida no Proc. nº 511/2020-T e o Acórdão fundamento, proferido pelo STA no Proc. nº 022/18.5BALSB, de 27.02.2019, devendo, em consequência, o mesmo ser julgado procedente e, nos termos e com os fundamentos acima indicados, ser revogada a Decisão Arbitral no segmento decisório sob recurso, e substituído por decisão consentânea com o quadro legal vigente, de acordo com o qual não existe direito a juros indemnizatórios.»


1.2. Admitido o recurso foi cumprido o disposto no artigo 25.º, n.º 5, do RJAT.

1.3. Foram apresentadas contra-alegações pela Recorrida.

1.4. O excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n.º 1 do CPTA, emitiu douto parecer que se transcreve:
«(…)
3. Posição defendida
3.1.Tendo presente as duas posições divergentes importa tomar posição sobre a orientação jurisprudencial que deve ser fixada pelo Supremo Tribunal Administrativo.
A decisão arbitral recorrida assenta no pressuposto que, nos termos do artigo 100.º da LGT, a AT está obrigada, em caso de procedência de reclamações ou recursos administrativos, ou de processo judicial/arbitral a favor do sujeito passivo, à imediata e plena reconstituição da situação que existiria se não tivesse sido cometida a ilegalidade, compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios, de acordo com o princípio geral de direito de que devem ser apagados todos os efeitos jurídico consequentes do acto ilícito, reconstituindo-se a situação que existiria se ele não houvera ocorrido.
No presente caso, a situação hipotética atual, consistirá na situação que existiria caso não tivesse sido praticado o ato anulado no âmbito da decisão arbitral porquanto, caso não tivesse a AT erroneamente procedido ao cálculo de ISV, a recorrida teria tido na sua esfera aquele montante, resultante da parcela do imposto que foi indevidamente pago.
3.2. É inequívoco que os tribunais superiores têm decidido que devem ser atribuídos juros indemnizatórios ao sujeito passivo que tenha satisfeito uma obrigação tributária que venha a ser anulada com fundamento em “erro imputável aos serviços”, designadamente, por erro na aplicação do direito e que os juros indemnizatórios se destinam a compensá-lo do prejuízo provocado pelo pagamento de uma quantia indevida.
Todavia, a questão colocada nos presentes autos, consiste em saber se, não tendo o contribuinte questionado a legalidade da liquidação nos prazos legalmente estabelecidos para a reclamação graciosa ou para a impugnação judicial, vindo a utilizar o meio excecional previsto no artigo 78º da LGT, que permite a revisão oficiosa do ato tributário, a pedido do contribuinte, nos quatro anos subsequentes à liquidação, os juros indemnizatórios devidos pela AT devem ser contabilizados desde a data do pagamento indevido, ou seja, desde o dia seguinte ao pagamento do tributo.
Ou, ao invés se, como defende a recorrente, não haver lugar a juros indemnizatórios, considerando ter o pedido de revisão do ato tributário sido decidido em período inferior a um ano, contado da apresentação deste pedido de revisão, como resulta do disposto no art.º 43.º, n.º 3, alínea c) da Lei Geral Tributária. Ou ainda, como tem decidido a jurisprudência do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA, serem devidos juros indemnizatórios após o decurso de um ano, após o pedido de revisão oficiosa.
3.3. A jurisprudência do STA tem entendido que, decorrendo um período (mais ou menos) extenso entre a data da liquidação e a data do pedido de revisão, em que a reposição da legalidade poderia ter sido provocada por iniciativa do contribuinte que a não impulsionou, tal justifica que o direito a juros indemnizatórios haja de ter uma extensão mais reduzida (acórdão do Pleno da Seção do Contencioso Tributário do STA de 23.05.2018, proferido no processo n.º 01201/17).
Tendo o citado acórdão decidido que o artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT consagra um regime especial, quanto aos juros indemnizatórios, aplicável apenas em situações de revisão do ato tributário, em que os mesmos são devidos decorrido um ano após o pedido de revisão.
No mesmo sentido, o acórdão do Pleno da Seção do CT do STA de 29.01.2020 (proferido no processo nº 045/19.7BALSB) decidiu que os juros indemnizatórios apenas são devidos, depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido e não desde a data do pagamento da quantia liquidada.
Bem assim, como se decidiu no acórdão do STA de 6.12.2017 (P. 0926/17) “ […] o princípio da igualdade impõe tratamento semelhante entre o contribuinte cujo pedido de revisão obtém êxito, para além do prazo de um ano, junto da administração, e o contribuinte que obtém idêntico resultado, também para além desse prazo, junto do tribunal. Em qualquer dos casos, a demora de mais de um ano é imputável à administração e deriva da prática de ato ilegal: ou porque tardou a dar razão ao contribuinte ou porque não lha deu e veio a revelar-se que o devia ter feito.”
Esta jurisprudência tem sido reiterada e confirmada em diversos acórdãos que lhe seguiram, no sentido de que tendo sido requerida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do ato de liquidação (artigo 78.º, nº.1 da LGT) e vindo o ato a ser anulado, mesmo que na sequência de decisão arbitral, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido e não desde a data do pagamento da quantia liquidada, nos termos do artigo 43.º, nºs.1 e 3, alínea c), da LGT (vejam-se, entre outros, os acórdãos do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do STA de 26.5.2022, no processo n.º 0159/21.3BALSB e de 29.09.2022, no processo n.º 064/22.6BALSB).
3.4. Na verdade, considerou o legislador ser o período de um ano o prazo razoável para os serviços da administração tributária analisarem e decidirem o pedido de revisão e executarem a decisão favorável ao contribuinte.
Dado que à data da prolação da decisão arbitral - 18.06.2021 – já havia decorrido o referido prazo de um ano (o pedido de revisão oficiosa foi formulado em 15.05.2020), teremos que concluir que há lugar ao pagamento dos juros indemnizatórios.
Ou seja, na presente situação o contribuinte apenas obtém decisão favorável à sua pretensão com a decisão arbitral, pelo que a AT podia ter corrigido a sua posição e não o fez no momento e local próprios, pelo que a demora na reposição da legalidade lhe é parcialmente imputável. Na verdade, considerou o legislador ser o período de um ano o prazo razoável para os serviços da administração tributária analisarem e decidirem o pedido de revisão e executarem a decisão favorável ao contribuinte.
Pelo exposto, deve a decisão arbitral, no segmento indicado, ser revogada e substituída por outra que julgue serem devidos juros indemnizatórios desde 15.05.2021, ou seja, após um ano contado desde a data em que o pedido de revisão oficiosa foi efetuado.
4. Conclusão
Nestes termos, somos do parecer que deve o presente recurso para uniformização de jurisprudência ser admitido e, subsequentemente, ser o mesmo julgado procedente, com a consequente revogação do segmento decisório da decisão arbitral proferida no processo n.º 511/2020-T, do CAAD, referente à condenação da AT no pagamento de juros indemnizatórios, sendo os mesmos devidos após o decurso de um ano sobre o pedido de revisão oficiosa formulado pelo contribuinte.»

1.5. Notificadas as partes para se pronunciarem relativamente ao conteúdo do parecer proferido pelo Magistrado do Ministério Público, nada disseram.

1.6. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 92.º do CPTA, há que decidir.

2. Fundamentação de facto
2.1. Na decisão arbitral recorrida consta o seguinte julgamento da matéria de facto:
«Consideram-se provados os seguintes factos com relevo para a decisão:
A. O Impugnante adquiriu na ... e introduziu em Portugal, para seu uso particular, um veículo automóvel de passageiros, da marca ..., modelo ..., movido a gasolina.
B. Tal veículo foi adquirido em estado de usado, com 63.834 km percorridos.
C. No país de origem, o veículo tinha sido matriculado pela primeira vez em 10.04.2014, com a matrícula ….
D. A 28.08.2019, o Requerente apresentou, junto da Alfândega da Figueira da Foz, a DAV para introdução no consumo da referida viatura ligeira de passageiros – a que foi atribuído o n.º ...97.
E. Na referida DAV, concretamente no que diz respeito ao Quadro E - “Características do Veículo” -, o Requerente inscreveu, no ponto 50, relativo à “Emissão de Gases CO2”, o valor de 194g/Km e no ponto 51, respeitante à “Emissão de partículas”, o valor de 0,0004 g/Km.
F. A liquidação de imposto, no valor de € 10.543,01, foi integralmente paga pelo Requerente.
A. No que diz respeito à componente cilindrada, o valor de € 9.473,74,58 foi deduzido pela quantia correspondente a 52% do seu montante, ou seja, € 4.926,34.
B. Relativamente ao montante de € 5.995,61, respeitante à parte do ISV incidente sobre a componente ambiental, não foi aplicada qualquer percentagem de dedução.
C. Ao veículo em causa veio a ser atribuída a matrícula portuguesa ..-ZC-...
D. O Requerente apresentou um pedido de revisão oficiosa da liquidação descrita em 15.05.2020.
E. O indeferimento tácito do referido pedido formou-se a 15.09.2020.
F. Em 02.10.2020, o Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral.
2.2. Factos não provados e fundamentação da decisão da matéria de facto
Não há factos relevantes para a decisão da causa que não se tenham provado.»

2.2. No Acórdão fundamento consta o seguinte julgamento da matéria de facto:

«Na decisão recorrida foi julgada provada a seguinte matéria de facto:
1. A Requerente é proprietária do prédio urbano, descrito na Caderneta Predial Urbana como terreno para construção urbana, inscrito sob o nº…, da Freguesia de…, Concelho de Loulé, Distrito de Faro.
2. O Valor Patrimonial Tributário (VPT) era, para efeitos das liquidações de Imposto do Selo em crise (ano 2012 e ano 2013), de EUR 1.009.490,00, determinado em 2012.
3. Sobre o imóvel acima identificado foram emitidas as seguintes liquidações de Imposto do Selo (verba 28.1.):
4. O montante de Imposto do Selo liquidado, no valor de EUR10.094,90, relativo ao ano de 2012, deveria ser pago até 31 de Dezembro de 2013, através da nota de cobrança nº 2013…
5. Dado que o referido montante não foi pago dentro do prazo limite para pagamento voluntário, a dívida evoluiu para cobrança coerciva, tendo dado origem ao processo de execução fiscal (PEF) nº …2014…, instaurado em 20 de Janeiro de 2014, no valor total de EUR 10.324,52.
6. O imposto (EUR 10.094,90) e o respectivo acrescido (EUR229,62) foram pagos, em 25 de Junho de 2014, em sede de execução fiscal.
7. O montante de Imposto do Selo liquidado, no valor de EUR10.094,90, relativo ao ano de 2013, deveria ser pago de acordo com as seguintes prestações:
8. A Requerente não pagou nenhuma das prestações de imposto, relativas ao ano 2013, dentro do prazo para pagamento voluntário legalmente estabelecido para o efeito, tendo a dívida evoluído para cobrança coerciva, dando origem aos seguintes PEF, instaurados em 30 de Junho de 2014, nos seguintes termos (montantes em Euros):
9. A Requerente apresentou, em 30 de Outubro de 2015,requerimento dirigido ao Chefe do Serviço de Finanças de Loulé…, no âmbito dos PEF identificados nos pontos 5.1.5, 5.1.6. e 5.1.8., no sentido de requerer a extinção das referidas execuções fiscais e “(…) o levantamento de eventuais penhoras que possam ter sido (…) realizadas para garantia das alegadas dívidas (…),bem como o cancelamento do seu registo se a este tiver havido lugar (…)”.
10. A Requerente apresentou, em 28 de Setembro de 2016, dois pedidos de revisão oficiosa de acto tributário relativos aos actos de liquidação acima identificados no ponto 5.1.3., no sentido de peticionar, para cada um dos anos em causa (2012 e 2013), a“(…) rescisão do acto tributário de imposto do selo da verba 28.1 da TGIS (…)”; e em consequência, requerer “(…) a anulação desse acto tributário (…)”, e “(…) a restituição à Requerente da quantia indevidamente paga (…) acrescida de juros indemnizatórios sobre essa importância, contados desde o pagamento indevido (…) até à data da emissão da respectiva nota de crédito, à taxa legal (…)”.
11. A Requerente foi notificada dos despachos de deferimento parcial de cada um dos pedidos de revisão oficiosa dos actos tributários acima identificados (com dispensa do direito de audição prévia), formulados com base na Informação nº ...17…,de 04-05-2017 (processo nº 2016… relativo ao Imposto do Selo de 2012) e com base na Informação nº ...17…, de 04-05-2017 (processo nº 2016… relativo ao Imposto do Selo de 2013),ambas da DS de IMT, as quais foram emitidas no sentido de decidir “(…) o deferimento parcial da (…) revisão oficiosa (…)”para cada um dos actos, “(…), com as seguintes consequências:
a. Relativamente ao ano 2012, determinou-se “(…) a anulação da liquidação contestada; a restituição do imposto indevidamente pago, no valor de € 10.094,90; o não reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios (…)” e, “quanto ao valor de € 229,62,também (…) reclamado, e referente a juros de mora e custas cobrados em sede de execução fiscal (…) o procedimento de revisão dos actos tributários (…) não é o meio próprio para apreciar esta matéria (…)”, dela não conhecendo;
b. Relativamente ao ano 2013, determinou-se “(…) a anulação da liquidação contestada; a restituição do imposto indevidamente pago, no valor de € 10.094,90; o não reconhecimento do direito aos juros indemnizatórios (…)” e, “quanto ao valor de € 455,35, também (…) reclamado, e referente a juros de mora e custas cobrados em sede de execução fiscal (…) o procedimento de revisão dos actos tributários (…) não é o meio próprio para apreciar esta matéria (…)”, dela não conhecendo.»


3. Fundamentação de Direito
3.1. Da admissibilidade do recurso
Nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 25.º do RJAT a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é suscetível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo.
A este recurso, de acordo com o preceituado no n.º 3 do artigo 25.º do RJAT, aplica-se, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do CPTA.

São pressupostos da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência: i) que a decisão arbitral se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo (artigo 25.º, n.º 2 do RJAT); ii) que exista contradição entre essa decisão e uma outra decisão arbitral ou com um acórdão proferido por algum dos Tribunais Centrais Administrativos ou pelo Supremo Tribunal Administrativo, relativamente à mesma questão fundamental de direito (artigo 25.º, n.º 2 do RJAT).

Depois, ainda que se verifique tal oposição, o recurso não prosseguirá seus termos se a orientação perfilhada na decisão arbitral recorrida estiver de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo (artigo 152.º n.º 3 do CPTA, aplicável ex vi do disposto no n.º 3 do artigo 25.º do RJAT).

O não preenchimento de tais requisitos obstará ao conhecimento do mérito do recurso.

Não havendo controvérsia quanto ao preenchimento do primeiro dos requisitos referidos – a decisão arbitral recorrida conheceu do mérito e pôs termo ao processo arbitral -, impõe-se conhecer do segundo, da contradição relativamente à mesma questão fundamental de direito entre a decisão recorrida e a decisão fundamento.

De acordo com a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo, para se apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito é exigível que:
i) o fundamento de direito seja o mesmo;
ii) não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica;
iii) haja oposição na solução perfilhada nos dois arestos, o que pressupõe a identidade de situações de facto;
iv) a oposição decorra de decisões expressas, que não apenas implícitas (também não relevando a oposição de fundamentos).

Vejamos se tais pressupostos se verificam no caso do presente recurso. e a resposta é positiva.
As situações factuais nos presentes autos e no processo em que foi proferido o acórdão fundamento são substancialmente idênticas: procedendo o pedido de anulação de uma liquidação (não sendo relevante a diferença de imposto a que a liquidação diz respeito) formulado na sequência do indeferimento (expresso ou tácito) do pedido de revisão oficiosa efetuado pelo sujeito passivo, ambos os tribunais concederam juros indemnizatórios ao sujeito passivo.
No entanto, as decisões em confronto deram resposta divergente à questão que a Recorrente erigiu como decidenda no presente recurso por oposição de julgados: a da medida dos juros indemnizatórios que arbitraram ao sujeito passivo. Enquanto a decisão arbitral concedeu juros indemnizatórios contados desde a data do pagamento, até ao seu reembolso, o acórdão fundamento decidiu que o artigo 43.º, n.º 3, alínea c) da LGT consagra um regime especial, quanto aos juros indemnizatórios devidos na sequência de pedido de revisão do ato tributário, sendo os mesmos devidos apenas depois de decorrido um ano após o pedido de revisão.
Verifica-se, pois, a divergência que justifica a prossecução do recurso.
Por outro lado, também não é de ponderar como obstáculo à admissão do recurso que a orientação perfilhada pela decisão arbitral esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, uma vez que essa jurisprudência, como veremos adiante, é de sentido contrário à perfilhada naquela decisão.
Passemos, pois, ao conhecimento do mérito do recurso.

3.2. Do mérito do recurso
Reproduzimos aqui o que ficou dito no acórdão já atrás citado deste Tribunal de 22/11/2023:
«A questão tem-se colocado diversas vezes e tem merecido resposta uniforme, quer na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo quer no Pleno da mesma Secção (A título de exemplo e por mais recentes, referimos os seguintes acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 29 de Junho de 2022, proferido no processo n.º 93/21.7BALSB, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/2cffe7a2f22e0a8f8025887500390aa2;
- de 23 de Fevereiro de 2023, proferido no processo n.º 1/22.8BALSB, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/b89dfad60ba58535802589630041477d;
- de 23 de Fevereiro de 2023, proferido no processo n.º 154/21.2BASLSB, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/8d726d303443ed4680258960004e0843;
- de 28 de Setembro de 2023, proferido no processo com o n.º 22/23.3BALSB, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/fd18e5683a47fbbf80258a3900367fb8.). Porque concordamos com essa orientação jurisprudencial, actualmente consolidada, limitamo-nos a remeter para a fundamentação expendida num desses acórdãos do Pleno, o proferido em 11 de Dezembro de 2019 no processo n.º 58/19.9BALSB (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/67db23f4f3310fb9802584dd0056c46a.), dispensando a junção deste aresto porque indicamos onde está disponível.
Nesse acórdão ficou decidido que, nos casos em que é pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação e o acto venha a ser anulado em impugnação judicial dessa liquidação (ou em decisão arbitral equivalente) e na sequência do indeferimento daquele pedido de revisão oficiosa, os juros indemnizatórios são devidos apenas a partir de um ano após o pedido de revisão formulado.
Acolheu-se aí a fundamentação de acórdão anterior na mesma Secção (o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário de 27 de Fevereiro de 2019, no processo n.º 22/18.5BALSB, no presente recurso invocado como acórdão fundamento). No que ora releva, reafirmou-se o entendimento – que, de resto, já vinha uniformizado – no sentido de que não devem distinguir-se, para efeitos de aplicação da alínea c) do n.º 3 do art. 43.º da LGT, as situações em que é deduzido o pedido de revisão e a administração revê o acto mais de um ano após a dedução desse pedido, daquelas em que a administração não revê o acto mas este vem a ser anulado judicialmente após mais de um ano a contar desse pedido.
No caso sub judice, a liquidação com o n.º ...5, efectuada em 15 de Setembro de 2017, foi objecto de pedido de revisão em 18 de Dezembro de 2020, o qual foi indeferido por decisão de 23 de Junho de 2021 [cfr. alíneas F), N) e Q) dos factos provados], mas a liquidação veio a ser anulada por decisão do CAAD proferida em 3 de Dezembro de 2021.
Ou seja, a decisão anulatória foi proferida (em 3 de Dezembro de 2021) dentro de um ano após a apresentação do pedido de revisão (que ocorreu em 18 de Dezembro de 2020), motivo por que, nos termos da jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal Administrativo, não são devidos juros indemnizatórios.
Assim sendo, não pode deixar de ser anulada a decisão arbitral, no que se refere à liquidação com o n.º ...5 [cfr. alínea F) do probatório constante da decisão arbitral recorrida], na parte em que concedeu juros indemnizatórios e fixou o termo inicial da contagem dos mesmos na data do pagamento do imposto, como decidiremos a final».

No caso em apreço, aplicando a jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal Administrativo, só são devidos juros indemnizatórios depois de decorrido um ano após a apresentação do pedido de revisão oficiosa (15/05/2020), e não desde a data do pagamento da quantia liquidada (artigo 43.º, n.ºs 1 e 3, alínea c), da LGT).


4. Decisão
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, em tomar conhecimento do mérito do recurso e, concedendo-lhe parcial provimento, anular a decisão arbitral no segmento recorrido e declarar que os juros indemnizatórios são devidos apenas a partir de um ano após o pedido de revisão formulado.

Custas na proporção do decaimento pela Recorrente e Recorrida.

Comunique-se ao CAAD.

Diligências necessárias.

Lisboa, 24 de janeiro de 2024. - Paula Fernanda Cadilhe Ribeiro (relatora) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes - José Gomes Correia - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Gustavo André Simões Lopes Courinha - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (vencido) - Anabela Ferreira Alves e Russo – Fernanda de Fátima Esteves


Voto de vencido

Não se acompanha a posição que faz vencimento no âmbito do presente Acórdão no que concerne à existência de oposição entre a decisão arbitral recorrida e o Acórdão Fundamento, tendo por referência os Acórdãos deste Supremo Tribunal (Pleno) de 26-05-2022, Procs. nºs 146-21.1BALSB e 161-21.5BALSB, de que fui Relator, disponíveis em www.dgsi.pt e bem assim as Decisões Sumárias proferidas nos Procs. nºs 87-23.8BALSB, 95-23.9BALSB e 121-23.1BALSB.

Na verdade, nestas últimas Decisões foi feita a análise da jurisprudência firmada pelo S.T.A. com referência ao alcance do Acórdão Fundamento, em função do exposto no Ac. do Pleno da Secção de 11-12-2019, Proc. nº 51/19.1BALSB, onde se aponta que, pedida pelo sujeito passivo a revisão oficiosa do acto de liquidação (art. 78º nº 1 da L.G.T.) e vindo o acto a ser anulado, mesmo que em impugnação judicial do indeferimento daquela revisão, os juros indemnizatórios são devidos depois de decorrido um ano após a apresentação daquele pedido, e não desde a data do pagamento da quantia liquidada, nos termos do art. 43º nºs.1 e 3, al. c) da L.G.T., deixou-se, entretanto, consignado que não releva o facto de a AT o ter decidido, embora indeferindo, em período inferior a um ano, assumindo importância fundamental neste ponto a data em que é proferida a decisão arbitral, no sentido de que se a decisão arbitral a reconhecer o direito a juros indemnizatórios foi proferida ainda dentro do período de um ano, computado desde a data de apresentação do pedido de revisão oficiosa, não haverá lugar ao cômputo de juros indemnizatórios, fazendo-se ainda alusão ao Ac. deste Supremo Tribunal (Pleno) de 23-02-2023, Proc, nº 154/21.2BALSB, www.dgsi.pt, que concluiu pela anulação da decisão arbitral no segmento impugnado - ao fixar o termo inicial do cômputo dos juros indemnizatórios na data do pagamento do imposto - por afronta à jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal, tendo sido decidido que se não encontravam reunidos os requisitos para a concessão de juros indemnizatórios, por a decisão arbitral recorrida ter sido proferida em 08-11-2021, tendo por referência um pedido de revisão apresentado em 19-11-2020.

Deste modo, numa situação em que a Recorrente coloca em crise a condenação no pagamento de juros indemnizatórios, reclamando que, perante situações fácticas substancialmente idênticas, existência jurisprudência da qual resulta que a mesma não tem que liquidar qualquer valor a título de juros indemnizatórios, temos por adquirido que, embora as situações de facto revelem pontos em comum, certo é que, da evolução descrita, retira-se que as situações em presença divergem no que respeita ao facto de existir decisão ou não dos pedidos de revisão no referido prazo de um ano, o que por si só, constitui fundamento para depararmos com soluções jurídicas diversas da questão de direito que foi enunciada, o que significa que a situação em causa não tem os mesmos contornos no que diz respeito ao elemento essencial para a sorte dos autos, em função da pretensão formulada pela Recorrente, divergência essa que serviria de fundamento ao presente recurso para uniformização de jurisprudência, pelo que, entende-se não se mostram reunidos os pressupostos legais para que este Supremo Tribunal possa conhecer deste recurso.

Lisboa, 24 de Janeiro de 2024

Pedro Vergueiro