Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0898/19.9BEBRG |
Data do Acordão: | 12/04/2019 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | NUNO BASTOS |
Descritores: | PENHORA REVERSÃO OPOSIÇÃO SUSPENSÃO DA EXECUÇÃO |
Sumário: | I - A suspensão temporária ope legis do processo de execução fiscal, prevista no n.º 3 do artigo 23.º da LGT, não opera em situações de inexistência do património do originário devedor. II - O revertido que pretenda obter a suspensão do processo de execução fiscal, quando a reversão tenha tido lugar com fundamento em inexistência de bens do devedor originário tem de constituir ou prestar garantia, ou solicitar a respetiva dispensa ao órgão de execução fiscal, mesmo que em sede de oposição fiscal pretenda discutir a inexistência ou não de bens do devedor originário. |
Nº Convencional: | JSTA000P25260 |
Nº do Documento: | SA2201912040898/19 |
Data de Entrada: | 11/07/2019 |
Recorrente: | A............. |
Recorrido 1: | AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. Relatório 1.1. A………, titular do cartão de residência n.º………, válido até 07/02/2018, contribuinte fiscal n.º……….., com domicílio fiscal na Rua da …….., lote.., …..-…… …….., recorreu da sentença proferida pelo Mm.º Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a reclamação do ato do «Diretor de Finanças de Viana do Castelo, de 13-04-2019, que lhe foi notificado em 19-04-2019, pelo qual foi determinada a «penhora de veículo» ………..», no âmbito do processo de execução fiscal 2348201801027581 e apenso, que o Serviço de Finanças de Viana do Castelo lhe move por reversão de dívida de B…….. &…………, Lda., pessoa coletiva n.º, com sede na Avenida ……., Lotes … e…., ……., Viana do Castelo, referente a imposto sobre o valor acrescentado e juros compensatórios, no montante total de € 125.122,82. Com a interposição do recurso apresentou alegações, que rematou com as seguintes conclusões: i. Vem o presente recurso interposto da sentença proferida, que julgou a reclamação apresentada pela ora Recorrente contra o acto do Director de Finanças de Viana do Castelo, de 06-04-2019, que lhe foi notificado em 16-04-2019, pelo qual foi determinada a «PENHORA DE VEÍCULO» ………… (cfr. doc. n.º 1 junto com a petição de reclamação), determinado: «(…) julga-se improcedente a presente reclamação e, em consequência, mantém-se o acto de penhora de veículo, aqui reclamado.» (sic)
ii. O Recorrente foi citada para os autos de execução fiscal supra identificados, com o n.º 2348201801027581, instaurados pelo Serviço de Finanças de Viana do Castelo, por reversão, para cobrança coerciva da quantia de €125.122,82 (cento e vinte e cinco mil cento e vinte e dois euros e oitenta e dois cêntimos) originariamente instaurados contra a sociedade B…… & …………. LDA., titular do NIF………..
iii. Por discordar do acto de reversão praticado e da responsabilização que ali lhe era atribuída por obrigações tributárias da devedora originária, o Recorrente apresentou, em 04-02-2019, oposição àquela reversão (cfr. doc. n.º 2 junto com a petição de reclamação).
iv. Na oposição que o Recorrente apresentou requereu, a final, expressamente: «Termos em que deve a presente oposição ser julgada provada e procedente e, em consequência, ser declarada extinta a execução fiscal relativamente à oponente, mais se determinando, no entretanto, a suspensão da presente instância executiva.» (sic doc. n.º 2 junto com a petição de reclamação) (sublinhado destacado nosso).
v. É certo que o Tribunal a que cabe decidir da oposição à reversão apresentada pelo Recorrente – oposição que foi distribuída à Unidade Orgânica 2 deste Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, sob o número de processo 267/19.0BEBRG no qual se encontra formulado aquele pedido de suspensão da execução – ainda não se pronunciou, por decisão definitiva, quanto à requerida suspensão
vi. No entretanto, o Recorrente foi notificado do acto de penhora reclamado no âmbito dos presentes autos, determinado pelo Director de Finanças de Viana do Castelo em 13-04-2019 e notificado em 19-04-2019 (cfr. doc. n.º 1 junto na petição de reclamação). de que reagiu por meio de reclamação do mesmo que deu origem aos presentes autos.
vii. Foi agora notificada ao Recorrente a sentença que constituiu objecto do presente recurso, que julga «(…) julga-se improcedente a presente reclamação e, em consequência, mantém-se o acto de penhora de veículo, aqui reclamado.» (sic).
viii. Com todo o respeito que é devido, e é muito, o Tribunal a quo decidiu mal, primeiro com base num silogismo falacioso no que respeita ao primeiro vício que aprecia e, no mais, não terá alcançado o que estava em causa nos autos, pelo que a sentença proferida não se pode manter na ordem jurídica.
ix. O Recorrente, na sua petição de reclamação, atacou o acto reclamado invocando: a. Que o acto de penhora aqui reclamado, por corresponder, implicitamente a uma decisão da própria AT de não suspender a execução, constitui usurpação poderes que cabem em exclusivo ao Tribunal (212.º/3 da CRP e 208.º/1 do CPPT), do que decorre a nulidade do acto reclamado (art. 161.º/2/a do CPA ex vi art. 2.º d) do CPPT); b. Que, paralelamente, o acto de penhora em causa é nulo por violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva (arts. 20.º e 268.º/4 da CRP), ou pelo menos anulável, com fundamento da violação daquele direito previsto naquelas normas constitucionais e bem assim por violação do art. 23.º n.º 3 da LGT; c. Que, pelo menos, o acto reclamado foi praticado sem que o seu autor disponha de competência para tal, na medida em que a questão que pretendeu decidir estava, e está, sob apreciação judicial, do que decorre a anulabilidade do acto reclamado (art. 99.º/b) do CPPT e art. 163.º do CPA ex vi art. 2.º d) do CPPT).
Vejamos:
x. Como se vê dos autos, o que está em causa é a circunstância do Recorrente, no âmbito da oposição que apresentou previamente à prática do acto reclamado, ter invocado expressamente que os autos de execução fiscal em que a reversão foi operada deveriam estar suspensos ao abrigo do disposto no art. 23.º nº 3 da LGT, tendo, por isso, concluído na oposição, além do mais, pelo pedido expresso dirigido ao Tribunal de que fosse determinada essa suspensão ao abrigo daquela mesma norma, e, sem que o Tribunal se tivesse pronunciado, no âmbito da oposição, quanto àquele pedido de suspensão da execução por aplicação do art. 23.º n.º 3 da LGT (e já não qualquer prestação ou dispensa de garantia), a Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), prosseguiu com a execução penhorando bens e direitos à Recorrente – retirando ao Tribunal a possibilidade prática de se pronunciar sobre esse pedido de suspensão formulado, na medida em que torna inútil qualquer pronúncia judicial que entretanto ocorra.
xi. A tal propósito o Tribunal a quo afirma que «se “a competência para a decisão sobre a apreciação da garantia prestada ou do pedido de dispensa de prestação de garantia formulado no âmbito de oposição à execução fiscal, visando a suspensão desta, cabe ao órgão de execução fiscal e não ao tribunal”, igualmente incumbirá ao Órgão da Execução Fiscal a competência para aferir da suspensão da execução fiscal, seja aquela a que se alude no n.º 8 do art.º 92, seja aquela a que se alude no n.º 3 do art. 23º, ambos da LGT.».
xii. Está em causa o raciocínio falacioso, na medida em que, não é porque eventualmente caiba ao Serviço de Finanças a pronúncia sobre a suspensão por prestação ou dispensa de garantia que tem necessariamente de lhe caber a competência para o conhecimento de todas as causas de suspensão da execução desde logo a que resulta decorrente do disposto no art. 23.º nº 3 do CPPT.
xiii. Mas, muito mais do que isso, ainda que lhe coubesse essa competência, o que se discute na presente reclamação é que, independentemente dessa competência primária caber ou não ao órgão de execução, o certo é que a questão está presentemente sob apreciação judicial e o órgão de execução fiscal, com a prática do acto reclamado, oblitera tal circunstância, retirando ao Tribunal a possibilidade de decidir o que lhe foi peticionado, e o direito do contribuinte obter apreciação judicial de tal questão.
xiv. Mas mais ainda, o raciocínio do Tribunal a quo, que é falacioso – não passa de uma generalização falaciosa – parte de pressupostos errados.
xv. É que, nem todas as causas de suspensão estão submetidas a competência do órgão de execução fiscal.
xvi. Basta ver, por exemplo o que se prevê no art 103.º n.º 4 do CPPT quanto à suspensão da execução por prestação de garantia no âmbito da impugnação em que, ninguém discutirá, que a competência para o efeito caberá ao Tribunal (como está aliás reconhecido por jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo).
xvii. E, se nem todos os casos de suspensão cabem ao órgão de execução fiscal, então aquela generalização, já de si falaciosa, nunca seria possível.
xviii. Pelo contrário, se há casos em que o legislador acometeu expressamente a competência para determinar a suspensão da execução ao Tribunal, então é manifesto que não é porque parte dos casos de suspensão com base em prestação de garantia, ou porque os casos de dispensa da sua prestação, caiba à apreciação do órgão de execução fiscal, então manifestamente não são todos os casos de suspensão da execução que são da competência do órgão de execução fiscal - e isto, ainda que, independentemente disso, nunca aquela generalização seria válida.
xix. Assim sendo, como é, o Tribunal a quo, fundamentando a decisão nos termos em que fundamenta, mediante aquela generalização já de si inválida e, ainda possível, assente em pressupostos errados, incorreu em vício de fundamentação a implicar a anulabilidade da sentença recorrida ou, pelo menos, incorreu em erro de julgamento a implicar a sua revogação.
SEM PRESCINDIR
xx. De todo o modo, e até antes disso, não pode é olvidar-se que a questão, antes de mais, se põe num plano diverso, como expressamente invocado pelo Recorrente na reclamação apresentada e que se não prende com a competência ou não do órgão de execução para apreciar a suspensão da execução quando tal lhe seja requerido.
xxi. É que, como expressamente invocado pelo Recorrente, o que o órgão de execução fiscal fez com a prática do acto reclamado foi sobrepor-se ao Tribunal, decidindo quanto a uma questão que se encontra sob apreciação judicial.
xxii. Vejamos novamente: num momento em que se encontra em apreciação judicial a verificação dos pressupostos legalmente estabelecidos para a suspensão da execução ao abrigo do art. 23.º n.º 3 da LGT, por tal questão ter sido expressamente invocada e peticionada a suspensão no âmbito do processo de oposição, e antes que o Tribunal tivesse oportunidade de tomar uma decisão, o órgão de execução fiscal ela prática do ato de penhora reclamado, decidiu daquilo que o Tribunal ainda não apreciou e não poderá deixar de apreciar – a suspensão ao abrigo daquela norma.
xxiii. Nestes termos, mesmo que se entendesse que era ao órgão de execução fiscal que cabia a competência para conhecer da suspensão requerida – o que não se concede – ainda assim não é lícito ao órgão de execução fiscal decidir tal questão sem que antes o Tribunal tome uma decisão (nem que fosse julgar-se incompetente para a sua apreciação), pois que, de outro modo, estar-se-ia a permitir ao órgão de execução fiscal menosprezar os Tribunais, impedindo, na prática, o Tribunal da pronúncia quanto a tal matéria, pois que torna inútil qualquer decisão que pretendesse proferir.
xxiv. E, como se disse, isto é assim independentemente de quem tenha a competência para apreciar tal matéria em abstrato.
xxv. Aliás, mesmo em casos em que não há dúvida de que a questão da suspensão cabe, primariamente, à apreciação do órgão de execução fiscal (como é o caso da dispensa de prestação de garantia ou a suspensão com base na sua prestação em que, efectivamente, a competência está legalmente atribuída ao órgão de execução fiscal), ainda assim os nossos Tribunais superiores não têm dúvida em julga inválido o acto do órgão de execução que, sem esperar pela pronúncia do Tribunal quando tenha sido requerida perante o Tribunal essa prestação ou dispensa de garantia, exactamente porque, se nesses casos o órgão de execução fiscal decide o que foi peticionado junto do Tribunal, torna inútil qualquer decisão que este pudesse tomar nessa matéria sobre a qual foi requerida pronúncia judicial.
xxvi. É isto, por exemplo, que resulta do que foi decidido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 01/11/2017, dado no proc. n.º 01332/16, segundo o que: «Não pode ser determinada, como foi, a penhora de bens do executado por reversão na circunstância demonstrada, de que deduziu oposição e requereu na respectiva petição a suspensão da execução e aquela penhora foi determinada sem qualquer pronúncia sobre o pedido/requerimento efectuado. II- A tal não obsta que a decisão de suspensão da execução seja da competência do órgão de execução fiscal nos termos do artigo 199°, n° 8, em conjugação com o art° 197°, n° 1, ambos do CPPT. III - O acto de penhora do imóvel é extemporâneo e ilegal, por ter sido realizado sem ter sido dada possibilidade ao revertido de oferecer garantia idónea e sem ter sido apreciado o seu requerimento de suspensão da execução fiscal.»
xxvii. No caso dos autos vindos de citar, estava em causa requerimento de prestação de garantia e de consequente suspensão da execução formulado no âmbito da oposição à reversão – isto é, num caso em que manifestamente a competência primária para o conhecimento cabe ao órgão de execução fiscal, do que resulta que, nos presentes autos – aqui sim por maioria de razão – se é inválida a penhora efectuada pelo órgão de execução fiscal sem esperar por pronúncia do Tribunal a quem tenha sido peticionada a suspensão da execução mediante a prestação de garantia no âmbito de oposição (em que não há dúvida de que a competência primária cabe ao órgão de execução fiscal), então a penhora aqui reclamada, porque efectuada quando foi requerida a suspensão da execução no processo de oposição por aplicação do art. 23.º n.º 3 da LGT, não pode deixar de ser também anulável.
xxviii. O Recorrente defende e está convicto de que cabe na competência dos Tribunais decidir quanto à verificação dos pressupostos estabelecidos no art. 23.º n.º 3 da LGT para que ocorra a suspensão automática da execução até que seja excutido o património da devedora originária, e, mais ainda, que será da competência do Tribunal que julgar a oposição, pois que é aí que haverá de ser apreciada também a verificação do pressuposto de reversão de efectiva inexistência ou fundada insuficiência para a reversão, decidindo preliminarmente se o órgão de execução fiscal fundamentou minimamente a inexistência ou grau de insuficiência de bens da devedora originária para efeito de aplicação do art. 23.º n.º 3 da LGT.
xxix. Mas mesmo que assim se não entenda, o que é certo é que lhe foi peticionada essa pronúncia e não é de admitir que a Administração Tributária torne inútil essa pronúncia judicial pela apresentação de facto consumado.
xxx. Dai que, ao agir como agiu, praticando o acto reclamado, o órgão de execução fiscal usurpa poderes que cabem em exclusivo ao Tribunal (212.º/3 da CRP e 208.º/1 do CPPT), do que decorre a nulidade do acto reclamado (art. 161.º/2/a do CPA ex vi art. 2.º d) do CPPT) – porque já lhe foi formulado um pedido sobre o qual haverá de se pronunciar, independentemente do sentido dessa pronúncia, ao mesmo tempo que violou o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva (arts. 20.º e 268.º/4 da CRP), o que determina a nulidade do acto ou, pelo menos, anulabilidade, com fundamento da violação daquele direito previsto naquelas normas constitucionais e bem assim por violação do art. 23.º n.º 3 da LGT – pois que foi com base nessa norma que foi requerida a suspensão da execução junto do Tribunal, e, bem assim, praticou um acto sem que o seu autor disponha de competência para tal, na medida em que a questão que pretendeu decidir estava, e está, sob apreciação judicial, do que decorre a anulabilidade do acto reclamado (art. 99.º/b) do CPPT e art. 163.º do CPA ex vi art. 2.º d) do CPPT).
xxxi. E, o Tribunal a quo, mantendo na ordem jurídica o acto reclamado, viola as mesmas normas o que corresponde a erro de julgamento, a implicar a sua revogação e substituição por outra que não padeça de tais vícios.
Por outro lado:
xxxii. Do que vem de se expor, resulta também claro que andou mal o Tribunal a quo, quando, na sentença recorrida afirma que «(…) invoca o Reclamante que o acto de penhora em causa é nulo por violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva, consagrado nos art.ºs 20º e 268º, n.º 4, ambos da CRP.» mas entende «E mais não concretiza.», para daí retirar «De antemão, dir-se-á que não basta invocar a verificação em abstracto de qualquer violação de princípio constitucional, importando que a sua verificação seja densificada e demonstrada, de forma a possibilitar, desde logo, à contraparte a possibilidade de defesa e ao Tribunal a sua efectiva compreensão e conhecimento».
xxxiii. Crê-se que bastará ver a reclamação apresentada para, até pelo encadeamento daquelas invocações, se alcançar que a invocação da violação daqueles dispositivos constitucionais e, bem assim, do art. 23.º n.º 3 da LGT resulta da circunstância factual invocada de o órgão de execução fiscal ter decidido (implicitamente) questão que estava e está sob apreciação judicial – o que vale independentemente de quem se entenda ter a competência primária para decidir da suspensão, pela simples razão de que, neste momento, se aguarda decisão judicial quanto a tal pedido independentemente do sentido que tal decisão venha a ter (mesmo que seja julgando-se incompetente para essa decisão – o que se está convicto não ser o caso).
xxxiv. Ou seja: o processo de execução fiscal não poderá prosseguir contra o Recorrente até trânsito em julgado da decisão que ocorra no processo de oposição à execução fiscal sobre a questão da suspensão do processo de execução fiscal contra a mesma, sob pena de inutilidade da apreciação judicial a efetuar e, como tal, violação do direito à tutela jurisdicional efetiva (artigo 20.°, n.° 1 da CRP).
xxxv. Assim, o acto reclamado, que determina a penhora, por pressupor a não suspensão da execução do processo de execução fiscal em causa que ainda não foi objecto de decisão judicial a que está submetida, é ilegal por violação do artigo 23.°, n.° 3 da LGT e artigo 20.°, n.° 1 da CRP, e, como tal, anulável – e, por isso, a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento, por violação daqueles princípios e normas constitucionais dos arts. 20.º e 268.º/4 da CRP e, bem assim a norma do art. 23.º n.º 3 da LGT, a implicar a sua revogação e substituição por outra que não padeça de tal vício.
Sempre se dirá ainda o seguinte:
xxxvi. Efectivamente, a regra vigente no nosso ordenamento jurídico é a de que o processo de execução fiscal apenas se suspende em virtude de pagamento em prestações ou reclamação, impugnação judicial, oposição à execução ou recurso judicial que tenham por objeto a ilegalidade ou inexigibilidade da dívida exequenda, desde que acompanhados da prestação de garantia idónea, penhora efetuada ou a efetuar (conforme decorre dos arts. 169.° e 199.° do CPPT e 52.°, n.°s 1, 2 e 4, da LGT), no entanto, esta exigência não é absoluta, existindo situações em que a prestação de garantia não é exigida, como no caso previsto no art. 92.°, n.° 8, da LGT ou da autorização para dispensa de prestação de garantia (arts. 170.° do CPPT e 52.°, n.° 4, da LGT) - cf. Ac. do STA de 25/9/2013, in processo n.° 01377/13.
xxxvii. Também o artigo 23.° da LGT, no seu n.° 3, se refere à suspensão da execução, prevendo que, caso, no momento da reversão, não seja possível determinar a suficiência dos bens penhorados por não estar definido com precisão o montante a pagar pelo responsável subsidiário, o processo de execução fiscal deverá ficar suspenso desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado.
xxxviii. Foi exactamente a circunstância que determina a suspensão da execução nos termos previstos no n.º 3 daquele art. 23.º da LGT que foi invocado pela Recorrente no âmbito da oposição para a concluir pelo pedido, ali também formulado, de suspensão da mesma.
Ora:
xxxix. Segundo Diogo Leite de Campos et. al. (in CAMPOS, Diogo Leite de, RODRIGUES, Benjamim Silva e SOUSA, Jorge Lopes de, Lei Geral Tributária comentada e anotada, 3a edição, Vislis, 2003, p. 135), «[o] número 2 do artigo 23.°consagra o benefício da excussão. Este benefício já decorria do direito anterior, embora não em termos expressos, pelo que o actual número 2 tem um significado interpretativo. O benefício da excussão significa que antes de revertida a execução contra o responsável subsidiário, devem ter sido penhorados e vendidos os bens do devedor principal e dos responsáveis solidários. (...) O número 3 do artigo 23° deve ser lido em conjunto com o número 2. O ponto de partida é necessariamente a salvaguarda do benefício da excussão. De modo que, em qualquer caso, embora a reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário possa ser decidida antes dessa excussão, o prosseguimento do processo contra o revertido, após o prazo da oposição, só pode operar-se depois de excutidos os bens do devedor principal e dos responsáveis solidários. Uma vez penhorados os bens do responsável subsidiário, e faltando ainda definir com precisão o montante a pagar por este, suspende-se o processo de execução fiscal desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado. Isto sem prejuízo da possibilidade de adopção das medidas cautelares adequadas nos termos da lei. Dados os termos do n.° 2, a dúvida sobre o montante a pagar pelo responsável subsidiário deve ser uma dúvida "residual" em termos de manifesta insuficiência de bens do devedor principal. Caso contrário, estaria em causa a própria subsidiariedade da responsabilidade.».
xl. Segundo Nina Aguiar (in anotação ao artigo 23.° da LGT disponível em www.lexit.pt) devemos ter em conta que «a reversão da execução contra o responsável subsidiário anteriormente à liquidação do património do devedor originário efectua-se «sem prejuízo do benefício de excussão». xli. O benefício da excussão, neste contexto, significa que, embora a reversão da execução fiscal contra o responsável subsidiário possa efetuar-se em momento anterior à venda e inclusivamente à penhora dos bens penhoráveis do devedor principal desde que este se mostrem insuficientes para o pagamento da dívida exequenda e acrescido (artigos 23.° n.° 2 da LGT e 153.° n.° 2 do CPPT), o responsável subsidiário goza do direito de se opor a que a execução dos seus bens se efetue enquanto não forem penhorados e vendidos todos os bens do devedor principal (STA, 2.a secção, acórdão de 25-01-2017, proc. n.° 286/16; STA, 2.a secção, acórdão de 22-06-2011, proc. n.° 167/11; TCAS/CT, acórdão de 26-01-2017, proc. n.° 6647/13).
xlii. Desta forma, concluindo-se pela «fundada insuficiência» de bens penhoráveis do devedor originário, pode ser decidida a reversão, embora a possibilidade de cobrança da dívida através dos bens do responsável subsidiário esteja dependente da prévia excussão dos bens do devedor originário.
xliii. Na prática, o benefício da excussão prévia traduz-se no direito à suspensão do processo executivo, no que ao revertido respeita, até à excussão do património do devedor originário (TCAS/CT, acórdão de 26-01-2017, proc. n.° 6647/13; Jorge Lopes de Sousa, Código de Procedimento e de Processo Tributário: anotado e comentado, 6.a ed., 2011, anotação ao art. 153.°).
xliv. Jorge Lopes de Sousa (in Código de Procedimento e de Processo Tributário: anotado e comentado, 3.° volume, 6.a ed., Áreas Editora, 2011, p. 65) esclarece que nos casos do artigo 23.°, n.° 3 da LGT «o processo de execução fiscal fica suspenso, já com a reversão efectuada, em relação ao revertido, pois, obviamente, quanto ao devedor originário o processo prossegue para concretizar a excussão de que depende o prosseguimento contra o revertido».
xlv. Atendendo ao exposto, decorre do artigo 23.°, n.° 3 da LGT, nos casos nele previstos, um direito à suspensão do processo executivo quanto ao revertido.
xlvi. Daí que muito se estranhe a afirmação feita constar da sentença recorrida segundo o que: «Finalmente, e acaso se entenda que mesmo em caso de «inexistência de bens» do devedor originário, será aplicável a suspensão prevista no n.° 3 do art.° 23° da LGT, sempre se diga, com Diogo Leite de Campos, Benjamim da Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa, em Lei Geral Tributária Anotada e comentada, 4a edição, 2012, Editora Encontro da Escrita, pág. 223, que ″uma vez penhorados os bens do responsável subsidiário, e faltando ainda definir com precisão o montante a pagar por este, suspende-se o processo de execução fiscal desde o termo do prazo de oposição até à completa excussão do património do executado", do que se retira, tal qual o anota a Fazenda Pública, que a suspensão prevista no n.° 3 do artigo 23° da LGT não impede a penhora, mas a execução dos bens dos responsáveis subsidiários até à completa excussão do património do devedor originário. Do que se retira a legalidade do acto de penhora de "Valores Mobiliários e Saldos Bancários", aqui reclamado.» (sic, pág. 13 da sentença recorrida)..
xlvii. E, em especial, a afirmação final do Tribunal a quo de que «Do que se retira a legalidade do acto de penhora de "Valores Mobiliários e Saldos Bancários", aqui reclamado.» é exactamente a contradição do que antes vinha de dizer e citar.
xlviii. Como logo se compreende, a suspensão da execução ao abrigo do art. 23.º n.º 3 da LGT impede a penhora, porquanto a penhora não é mais do que a execução dos bens do devedor subsidiário. Aliás, o que resulta claro do que vem dito pelo Tribunal a quo previamente àquela afirmação é que a aplicação do art. 23.º n.º 3 da LGT determina a suspensão da execução até excussão do património do devedor originário, e, portanto, contrariamente ao que daí conclui, impede a penhora de bens ao responsável subsidiário até que tal ocorra – de outro modo aquela suspensão não estava expressamente prevista naquele normativo a partir do termo do prazo de oposição (portante, a partir de momento anterior a qualquer penhora).
xlix. Nestes termos, a sentença recorrida incorre ainda em nulidade por contradição entre os fundamentos e decisão nos termos previstos no disposto no art. 125.º n.º 1 do CPPT.
l. Igualmente se não compreender a argumentação do Tribunal a quo, segundo o que não seria aplicável ao caso dos autos o art. 23.º n.º 2 da LGT por a reversão ter sido efectuada com base em alegada inexistência de bens da devedora originária, pois que isso haverá de ser apreciado no âmbito da oposição, se necessário também a propósito da suspensão ali requerida com base naquele normativo do 23.º n.º 3 da LGT – e não é objecto dos presentes autos, pelo que a sentença recorrida padece de nulidade por excesso de pronúncia nessa parte – art. 125.º n.º 1 do CPPT).». Concluiu dizendo que deve ser julgado procedente o presente recurso. O recurso foi admitido, com subida imediata nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Notificado da sua admissão, o Recorrido não apresentou contra-alegações. O Mm.º Juiz lavrou douto despacho de sustentação.
1.2. Recebidos os autos neste tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público. O Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto lavrou douto parecer no sentido de que não se verificam as nulidades imputadas à sentença recorrida e de que o recurso não merece provimento. Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir. ◇ 2. Das questões a decidir Saber se: - a decisão recorrida é nula por excesso de pronúncia e por contradição entre os fundamentos e a decisão; ◇ 3. Dos fundamentos de facto Foi o seguinte o julgamento de facto em primeira instância: «Com relevo para a decisão a proferir, está provado que: A) Contra a sociedade “B………&……….., LDA.”, NIPC…..., corre termos no Serviço de Finanças de Viana do Castelo o processo de execução fiscal n.º 2348201801027581 e apensos, instaurado para cobrança coerciva de dívidas de IVA, referentes aos períodos compreendidos entre 01.01.2013 a 31.12.2014, no montante exequendo global de € 125.122,82 – cfr. fls. 37,38 e 49 a 52 do suporte físico dos autos, aqui reproduzidas; B) A 20.11.2018, no âmbito do processo de execução fiscal identificado na alínea anterior, o Chefe do Serviço de Finanças de Viana do Castelo proferiu despacho de reversão do processo de execução fiscal contra A……, NIF………, aqui Reclamante, com o seguinte teor: “(…) FUNDAMENTOS DA REVERSÃO – DESPACHO FINAL 1. Pelas dívidas constantes da presente notificação, foram instaurados processos de execução fiscal contra a firma B…..&……….., LDA.”, NIPC……….., que tem a sua sede na AVENIDA ……… LOTES .. E …… ……., VIANA DO CASTELO. 2. Nos termos do art.º 23.º, n.º 1 da Lei Geral Tributária (LGT), a responsabilidade subsidiária efetiva-se por reversão do processo de execução fiscal. 3. Face ao disposto no art.º 153º, n.º 2, al. a) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), o chamamento à execução dos responsáveis subsidiários depende da inexistência de bens penhoráveis do devedor. 4. Pelas dívidas tributárias cujos factos ocorreram depois de 01/01/1999, data da entrada em vigor da LGT, os gerentes/administradores que exerçam, ainda que somente de facto, funções de administração em pessoas coletivas são considerados subsidiariamente responsáveis em relação a estas e solidariamente entre si, pelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega tenha terminado no período do exercício do seu cargo, quando não provem que não lhes foi imputável a falta de pagamento, conforme disposto no artigo 24º, nº 1 al. b) da LGT conjugado com o artigo 153º, nº2, al. a) do CPPT. 5. Considerando o prazo legal do pagamento da dívida, a presente reversão foi iniciada nos termos das normas anteriormente citadas e levou ainda em consideração os elementos juntos aos autos, nomeadamente: 5.1. Quanto à inexistência de bens - Auto(s) de diligência(s) de 03/05/2018 (2), lavrado(s) em cumprimento do(s) mandado(s) de penhora nº 164/2018 e 165/2018 de 11/04/2018, no(s) qual(ais) é informado que no local da sede não foram encontrados bens em nome da executada, e foi obtida informação que à mesma não lhe são conhecidos bens susceptíveis de penhora. a) – A certidão permanente que comprova que este(s) foi(ram) o(s) único(s) gerente(s) da sociedade devedora desde a sua constituição até à data; b) – A remuneração da categoria A auferida ao serviço da devedora originária nos anos de 2017, 2016 e anteriores (artº 255º do Código das Sociedades Comerciais); c) – Informação prestada em 13/10/2017 pela Divisão de Inspeção Tributária da DDF V. Castelo, no âmbito das Ordens de Serviço OI201600209, OI201600210 de 01/09/2016. d) – Notificação de 15/03/2017 da devedora originária, para efeitos de apresentação e/ou justificação de documentação/operações comerciais e financeiras, no âmbito das Ordens de Serviço acima indicadas, efetuada pessoalmente a C…….. na qualidade de sócio gerente da sociedade. e) – Cheque do BES nº ……… emitido em 14/07/2014 à firma ………., Lda., e Cheque do BES nº ……….. emitido em 02/12/2013 à firma ……….., ambos assinados por A……….. na qualidade de representante da sociedade devedora. f) – Cheque do BES nº ……… emitido em 10/04/2013 à firma ………., Lda., e Cheque do BES nº ……….. emitido em 28/02/2014 emitido à firma ………., Lda., ambos assinados por C………… na qualidade de representante da sociedade devedora. g) – Informação prestada pelo contabilista certificado da sociedade ………….. , nif……….., através de carta registada de 08/11/2018, em resposta ao ofício 5280 de 26/10/2018 deste Serviço, em que afirma - ser contabilista certificado da sociedade desde Agosto de 2015; 6. Está demonstrado, em face do exposto, que A……….. e C……….., foram gerentes da sociedade e exerceram essa função de facto e de direito. 7. Notificado(s) do projeto de reversão de 22/11/2018, e da possibilidade de exercerem no prazo de 15 dias o direito de audição, não exerceram tal direito. 8. Verificando-se os pressupostos previsto no referido artigo 153º, nº2 al. a) do CPPT, este(s) será(ão) responsabilizado(s) subsidiariamente por reversão do(s) processo(s) de execução fiscal, nos termos do artigo 23º e 24º, nº 1, alínea b) da LGT, pelo pagamento daquelas dívidas tributárias cujo prazo legal de pagamento ou entrega terminou no período do exercício do seu cargo. 9. Cumpra-se o disposto nos artigos 160º e 191º, nº 3, al. b) ambos do CPPT. (…)” – cfr. fls. A fls. 52 do suporte físico dos autos, cujo teor se considera integralmente reproduzido; C) O Reclamante foi citado para os termos do processo de execução fiscal, na sequência do despacho de reversão identificado na alínea anterior, por ofício datado de 20.12.2018 – cfr. fls. 36 verso a 39 do suporte físico dos autos, cujo teor se considera integralmente reproduzido; D) A 04.02.2019, o Reclamante apresentou no Serviço de Finanças de Viana do Castelo Oposição à execução fiscal, a qual corre seus termos neste Tribunal sob o n.º 264/19.6BEBRG, no âmbito da qual, a coberto do n.º 3 do art.º 23º da LGT, requereu a suspensão da instância executiva “até que se encontre integralmente esgotado o património daquela”, formulando, a final, o seguinte pedido: “termos em que deve a presente oposição ser julgada provada e procedente e, em consequência, ser declarada extinta a execução fiscal relativamente à oponente, mais e determinando, no entanto, a suspensão da presente instância executiva” – cfr. fls. 11 verso a 36 e 42 verso do suporte físico dos autos, cujo teor se considera integralmente reproduzido, igualmente de conhecimento directo do Tribunal por consulta aos termos do processo n.º 264/19.6BEBRG na plataforma electrónica SITAF; E) O processo de oposição à execução identificado na alínea anterior encontra-se pendente de decisão – facto de conhecimento directo do Tribunal e por consulta ao processo digital na plataforma electrónica SITAF; F) A 29.03.2019, no âmbito do processo de execução fiscal, foi realizada a penhora do veículo automóvel de matrícula ………., marca ………, da titularidade do aqui Reclamante, para assegurar o montante de € 214.338,29 – Cfr. fls. 11 e 47 a 49 do suporte físico dos autos, cujo teor se considera integralmente reproduzido; G) Por ofício datado de 13.04.2019, foi o Reclamante notificado do acto de penhora de veículo automóvel e nomeação de fiel depositário – cfr. fls. 11 do suporte físico dos autos, aqui reproduzidas.» ◇ 4. Dos fundamentos de Direito 4.1. Vem o presente recurso interposto da sentença do Mm.º Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga que julgou improcedente a reclamação da decisão do órgão de execução fiscal de penhorar um veículo antes daquele tribunal se pronunciar quanto ao pedido de suspensão da instância executiva, que formulou na oposição a essa mesma execução. Com o assim decidido não se conforma o Recorrente, por entender que o tribunal de primeira instância incorreu em «vício de fundamentação a implicar a anulabilidade da sentença recorrida» (conclusões “x.” a “xix.”), em «nulidade por contradição entre os fundamentos e a decisão» (conclusão “xlix.”) e em «nulidade por excesso de pronúncia» (conclusão “l”). Este tribunal já se pronunciou sobre idênticas nulidades suscitadas com idêntica fundamentação no âmbito de outros recursos, interpostos pelo aqui Recorrente e pela esposa, de decisões em tudo idênticas que apreciaram as mesmas questões noutras reclamações, nomeadamente no âmbito do recurso n.º 895/19.4BEBRG, cuja fundamentação agora se transcreve, na parte a relevar: «Salvo o devido respeito, é manifesto que não se verifica nenhuma das invocadas nulidades da sentença, que todas se reconduzem ao erro de julgamento e não a verdadeiros vícios na estrutura formal da sentença ou a violações da lei processual na elaboração da mesma. Em todo o caso, por dever de ofício, consideraremos cada uma delas, em sintonia com o parecer do Procurador-Geral Adjunto que deixámos transcrito em 1.5. A falta de fundamentação susceptível de relevar como nulidade da sentença, nos termos do art. 125.º, n.º 1 do CPPT e art. 615.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil (CPC), é, como a jurisprudência tem vindo a afirmar repetida e uniformemente, apenas a falta absoluta de motivação, que manifestamente não se verifica na sentença recorrida. Se, eventualmente, a motivação nesta expendida for deficiente, medíocre ou errada, o que advém dessa circunstância é o erro de julgamento, a determinar a revogação da decisão, e não vício gerador de nulidade. A nulidade da sentença por contradição entre os fundamentos e a decisão ocorre quando os fundamentos invocados levariam, em coerência, a uma decisão oposta àquela que foi proferida. Trata-se, afinal, de um vício de lógica na estruturação da decisão, que, no caso, não se descortina, nem o Recorrente adequadamente alega. Finalmente, o excesso de pronúncia, nulidade conexionada com a segunda parte do n.º 2 do art. 608.º do CPC, em que se estabelece que o juiz não pode ocupar-se senão de questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras, ocorre quando o tribunal se pronuncie sobre questões que não deva conhecer, designadamente por não terem sido suscitadas pelas partes nem serem do conhecimento oficioso [cf. art. 125.º, n.º 1, do CPPT, e a alínea d) do art. 615.º, n.º 1, do CPC]. No caso, o Recorrente faz decorrer essa nulidade da circunstância de a Juíza ter considerado que o art. 23.º, n.º 3, da LGT não lograva aplicação na situação sub judice, por esta não ser de insuficiência do património da originária devedora, mas de inexistência desse património. Segundo alega o Recorrente, essa questão terá de ser apreciada em sede de oposição à execução fiscal, onde foi suscitada, e não é objecto dos presentes autos, motivo por que entende que a Juíza do Tribunal a quo exorbitou os seus poderes de cognição. Salvo o devido respeito, não lhe assiste razão. Estando em causa nos presentes autos a invocada ilegalidade da penhora com o fundamento de que o acto não deveria ter sido praticado, designadamente por ainda não ter sido decidido em sede de oposição à execução fiscal o pedido que aí foi formulado ao abrigo do disposto no art. 23.º, n.º 3, da LGT, a sentença recorrida não incorreu em excesso de pronúncia ao considerar que a penhora não enfermava da invocada ilegalidade por a situação dos autos não ser subsumível à previsão daquela norma; ao invés, limitou-se a conhecer da questão que lhe foi colocada, não podendo os argumentos utilizados em ordem a esse conhecimento ficar restringidos pela alegação aduzida e pelos pedidos formulados pela ora Recorrente noutros meios processuais.» [fim de citação]. Fundamentação a que se adere integralmente e com base na qual se conclui, também aqui, que a decisão recorrida não padece das nulidades invocadas e que o recurso não merece provimento nesta parte.
4.2.A questão fundamental a decidir é a de saber se o tribunal incorreu em erro de julgamento ao concluir que o órgão de execução fiscal pode avançar com a penhora nos casos a que alude o artigo 23.º, n.º 3, da Lei Geral Tributária (conclusões “xxxv.” a “xlv.”). Mas sobre esta questão também se pronunciou já este Tribunal em diversos arestos tirados em outros recursos interpostos de decisões idênticas e com idêntica fundamentação, nomeadamente no recurso n.º 892/19.0BEBRG, que agora se transcreve: «3.3.1. Importa agora, essencialmente, analisar se a interpretação que o Tribunal a quo fez do disposto no artigo 23.º, n.º 3 da LGT é correcta, designadamente, se é legítima a penhora do imóvel da revertida (Executada) pelo órgão de execução fiscal realizada antes da decisão da oposição e do pedido de suspensão da execução fiscal ou se, como sustenta a Recorrente, o pedido de suspensão da execução fiscal dirigido ao tribunal tributário na petição de oposição, conjuntamente com o pedido de extinção da execução fiscal, inibe o órgão da execução fiscal de prosseguir com o processo, designadamente com a penhora, até que na oposição se decida sobre a peticionada suspensão. 3.3.2.2. Já nas situações que estejamos perante uma factualidade descrita no processo de execução fiscal como de inexistência de bens do devedor originário, não pode aplicar-se a suspensão ope legis do n.º 3 do artigo 23.º da LGT, na medida em que não existe, na conformação que o órgão de execução fiscal deu à execução, objecto para a aplicação do benefício da excussão prévia, por não existirem bens do devedor originário a excutir, passando de imediato os bens do revertido a responder pela totalidade da dívida tributária. Ora, nesta hipótese, a suspensão da execução fiscal, mesmo que exista oposição à execução fiscal, fica, até que uma eventual suspensão da execução seja determinada, subordinada às regras gerais em matéria de suspensão (artigo 169.º, n.º 10 do CPPT). Assim, a eventual suspensão do processo de execução fiscal em relação ao revertido até que seja decidida a oposição terá de resultar da constituição ou prestação de garantia idónea (n.ºs 1 e 2 do artigo 52.º da LGT e n.ºs 1 e 2 do artigo 169.º do CPPT) ou da dispensa de prestação de garantia se estiverem verificados os respectivos pressupostos legais (artigos 52.º, n.º 2 da LGT e 170.º do CPPT). Em qualquer destas hipóteses, a suspensão do processo de execução fiscal depende da “primeira palavra” do órgão de execução fiscal, por assentar numa decisão materialmente administrativa (quer quanto à idoneidade e suficiência da garantia, quer quanto à verificação dos pressupostos de dispensa de prestação da mesma), sem prejuízo, claro, de essa decisão administrativa poder ser sindicada judicialmente nos termos do artigo 276.º do CPPT.
3.3.2.4. Pode ainda discutir-se, por último, o problema do controlo da decisão do órgão de execução fiscal no segmento em que determina a inexistência de bens do devedor originário ― e consequentemente, a reversão do processo de execução fiscal e a sua imediata prossecução sobre o revertido, sob pena de que este preste ou constitua garantia idónea e suficiente ou obtenha a dispensa de prestação dessa garantia junto do órgão de execução fiscal ― quando o revertido queira demonstrar que existem bens do devedor originário e que, por essa razão, teria direito a beneficiar da suspensão ope legis, temporária (até à excussão dos bens do devedor originário) do processo de execução fiscal, prevista no n.º 3 do artigo 23.º da LGT. A questão que aqui se coloca ― e que é a que parece estar subjacente aos presentes autos, ainda que formulada de modo muito deficiente nas peças processuais ― é a de saber se a alegação em sede de oposição à execução da existência de bens do devedor originário constitui um fundamento (ou base legal) autónoma de suspensão temporária da execução fiscal (ou até se esta factualidade é subsumível na suspensão ope legis do n.º 3 do artigo 23.º da LGT) até que o tribunal decida se a reversão se funda em inexistência ou mera insuficiência fundada de bens do devedor originário. Ora, salvo melhor opinião, não existindo norma autónoma que estabeleça um tal fundamento para a suspensão da execução fiscal, ela não pode decorrer da mera interposição do pedido de oposição à execução com esse fundamento (por falta manifesta de fundamento legal), nem essa factualidade é subsumível ao n.º 3 do artigo 23.º da LGT. O que sucede nestes casos é que, até à decisão da oposição, se aplicam as regras gerais em matéria de suspensão da execução fiscal (ela só tem lugar em caso de constituição ou prestação de garantia ou deferimento de pedido de dispensa da respectiva prestação), sem prejuízo de futura indemnização caso essa prestação de garantia se venha a revelar indevida (artigo 53.º da LGT) por afinal existirem bens do devedor originário que deveriam ter sido previamente excutidos. As soluções assim definidas pelo legislador são as que permitem assegurar, no quadro dos princípios fundamentais em presença ― garantias dos direitos dos contribuintes, igualdade na contribuição para os encargos públicos (de que a eficácia na cobrança dos tributos é também uma dimensão) e proporcionalidade ―, o respeito pelas regras da indisponibilidade do crédito tributário, da proibição de conceder moratórias no pagamento das obrigações tributárias para além dos casos legalmente previstos, bem como a efectividade do instituto da responsabilidade tributária. Vejamos, agora, como é que se materializa a subsunção a este quadro normativo da factualidade aqui em apreço. 3.3.3. Na sequência da citação por que foi chamado à execução fiscal na qualidade de responsável subsidiário, a ora Recorrente deduziu oposição à execução fiscal, em exercício da faculdade que lhe é conferida pelo artigo 203.º do CPPT. Nessa oposição formulou o pedido de extinção da execução fiscal com fundamentos próprios desse meio processual. Mas não se ficou por aí. Pediu também que a execução fiscal ficasse suspensa até que a oposição estivesse definitivamente decidida, apoiando esse pedido no disposto no n.º 3 do artigo 23.º da LGT. Salvo o devido respeito, é manifesto que esse pedido de suspensão da execução fiscal não foi formulado segundo a forma processual adequada, quer porque o meio processual adequado para obter a suspensão da execução não era o pedido de oposição (como se afirma no n.º 9 do artigo 169.º do CPPT, na oposição à execução valem as regras gerais em matéria de suspensão da execução), quer também por ser manifesta a inviabilidade de um pedido assim formulado ao tribunal ― na medida em que do processo de execução fiscal constava a inexistência de bens do devedor originário (v. ponto 5.1. do despacho de reversão do processo de execução fiscal contra a reclamante, constante do ponto 2 da matéria de facto provada na sentença do TAF de Braga) ― como bem demonstrou a sentença recorrida.
3.3.3.2. Ora, não é isso que se verifica no sub judice. Na oposição, a Executada e ora Recorrente pediu a extinção da execução fiscal com fundamentos próprios da execução fiscal e que contendem com a sua responsabilidade pela dívida exequenda. O “pedido” de suspensão da execução fiscal que efectuou não é expressão de uma pretensão de tutela jurídica decorrente da procedência da oposição – e, se tivesse sido assim configurado pela Opoente, estaríamos confrontados com uma situação de incompatibilidade substancial de pedidos, a determinar a ineptidão da petição inicial [cfr. artigo 186.º, n.º 2, alínea c), do CPC] –, nem se encontra sustentado em fundamento de oposição algum. Também não se trata de um pedido de suspensão da execução fiscal por força da apresentação da oposição e nos termos do disposto no artigo 169.º, n.º 9, do CPPT, caso em que, como tem vindo a afirmar este Supremo Tribunal Administrativo, existe um efeito suspensivo provisório, do qual decorre que o órgão da execução fiscal não pode prosseguir com a execução fiscal enquanto estiver a decorrer o prazo para prestação da garantia ou não estiver decidido o pedido de isenção dessa prestação (é nesta situação que cabe o acórdão invocado pelo Recorrente nas conclusões xxvi e xxvii). A pretendida suspensão encontra-se sustentada pela Opoente tão-só no n.º 3 do artigo 23.º da LGT, assumindo que o mero pedido de suspensão da execução é fundamento para que a suspensão ope legis aí prevista possa operar, o que não é, como vimos, possível. Não estamos, com esta afirmação, a responder (ou a antecipar uma resposta) à questão de admissibilidade ou não daquele pedido em sede de oposição à execução, pois não é esse o objecto da nossa acção, estamos apenas a avalisar o efeito que aquele pedido tem em sede da reclamação judicial contra a penhora, que é o objecto do presente recurso. E quanto a isto concluímos que o pedido de suspensão da execução, como antes explicitámos, apenas poderia ser endereçado ao órgão da execução fiscal, a quem compete decidir sobre essa pretensão, e não directamente ao Tribunal [cfr. arts. 10.º, n.º 1, alínea f) e 151.º do CPPT], sem prejuízo da possibilidade de ulterior sindicância judicial de eventual decisão desfavorável, a efectuar no âmbito da reclamação prevista no artigo 276.º do CPPT. Ou seja, se a Executada pretendia que a execução fiscal fosse suspensa, teria de endereçar o pedido de suspensão ao órgão da execução fiscal e não ao tribunal tributário.Com efeito, o órgão de execução fiscal, vinculado que está pelo princípio da legalidade, apenas pode “parar” o processo de execução fiscal se esse efeito resultar da lei – a situação de suspensão temporária ope legis do n.º 3 do artigo 23.º da LGT enquanto se aguarda pela excussão do património do devedor originário ou quando seja prestada ou esteja constituída garantia (artigo 169.º, n.º 1 do CPPT) – ou nos casos em que encontre fundamentos na lei para dispensar a prestação de garantia (artigos 52.º, n.º 4 da LGT e 170.º do CPPT), ou ainda se o tribunal vier a concluir no âmbito da oposição à execução que existem bens do devedor originário que devem ser previamente excutidos (caso em que a suspensão opera, uma vez mais, ope legis, por efeito do disposto no n.º 3 do artigo 23.º da LGT, e não por efeito directo da decisão judicial que mande suspender a execução), mas até que essa decisão judicial seja proferida, o órgão de execução fiscal não tem base legal para suspender a execução. 3.3.4. É certo que na presente reclamação judicial não cumpre, como já dissemos, apreciar e decidir o concreto pedido de suspensão que foi formulado em sede de oposição. Mas, a sentença recorrida não o decidiu (como já destacámos ao rejeitar a nulidade da sentença); antes se limitou a ponderar se o mesmo poderia assumir relevância em sede da reclamação judicial contra a penhora que foi deduzida precisamente com o fundamento de que este acto enfermava de ilegalidade porque, na tese da Recorrente, não poderia ter tido lugar sem que aquele pedido de suspensão tivesse sido objecto de pronúncia pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga em sede de oposição à execução fiscal. Ora, independentemente do que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga venha a decidir em sede de oposição à execução fiscal (onde aquele pedido foi formulado), o que temos que sublinhar aqui é que o órgão da execução fiscal não podia, como não pode o Tribunal em sede da reclamação judicial contra a penhora, deixar de ponderar se a pendência desse pedido de suspensão formulado em sede de oposição poderá ou não influir na normal prossecução do processo executivo e determinar a ilegalidade da penhora. Em ordem a essa ponderação exige-se-lhes a formulação de um juízo sobre o pedido de suspensão feito na oposição à execução fiscal, não para o decidir, mas em ordem a averiguar se a formulação do mesmo tem a virtualidade de impedir a prossecução da execução fiscal. Essa ponderação não implica invasão de quaisquer competências e, muito menos, usurpação de quaisquer poderes. Ao invés, situa-se dentro do âmbito das competências do órgão da execução fiscal, em primeira linha, e do tribunal tributário, a quem cumpre sindicar a actuação daquele. A tese de que o órgão da execução fiscal estava impedido de fazer prosseguir a execução fiscal afigura-se-nos, sempre salvo o devido respeito, desconsiderar as normas e princípios legais que deixámos referidos.
3.3.4.1. A não ser assim, bastaria à Executada formular um qualquer pedido de suspensão da execução fiscal ao tribunal tributário, ainda que de modo totalmente anómalo e ao arrepio das regras legais aplicáveis, para conseguir obviar à normal tramitação do processo pelo órgão da execução fiscal e, até, a que ao mesmo fosse retirada uma competência que a lei lhe comete. O legislador não quis esse resultado, nem seria crível que o pudesse querer em face da natureza da execução fiscal, que visa essencialmente a cobrança coerciva das dívidas tributárias (cf. artigo 148.º do CPPT) e que está estruturada em termos de prosseguir essa cobrança de modo expedito e rápido, uma vez que os tributos são a principal fonte de receita para ocorrer à satisfação das necessidades públicas tais como definidas pelo poder político. Se o Executado entende que a execução fiscal prosseguiu em violação do disposto no n.º 3 do artigo 23.º da LGT por no caso não se tratar de uma situação de inexistência de bens do devedor originário, pode suscitar a questão junto do órgão da execução fiscal – designadamente alegando e comprovando a factualidade que permita pôr em causa o juízo deste órgão sobre a inexistência de bens da sociedade originária devedora – e, não se conformando com a decisão, tem ao seu dispor o meio processual próprio para fazer sindicá-la judicialmente, qual seja a reclamação prevista no artigo 276.º e ss. do CPPT. Não pode é pretender que a formulação desse pedido através de meio processual que não é o adequado e com fundamento que se afigura manifestamente improcedente, lhe seja concedida uma moratória na execução fiscal. Como bem salientou a sentença recorrida, a suspensão ao abrigo do n.º 3 do artigo 23.º da LGT só está prevista para as situações de insuficiência do património do originário devedor e já não para as situações de inexistência desse património, onde não faz sentido que a prossecução do processo executivo contra o responsável subsidiário fique a aguardar a excussão do património do devedor originário, porque inexiste património a excutir.
Razões que bastam para concluir que também o presente recurso não merece provimento. ◇ 3. Conclusões I. A suspensão temporária ope legis do processo de execução fiscal, prevista no n.º 3 do artigo 23.º da LGT, não opera em situações de inexistência do património do originário devedor. II. O revertido que pretenda obter a suspensão do processo de execução fiscal, quando a reversão tenha tido lugar com fundamento em inexistência de bens do devedor originário tem de constituir ou prestar garantia, ou solicitar a respetiva dispensa ao órgão de execução fiscal, mesmo que em sede de oposição fiscal pretenda discutir a inexistência ou não de bens do devedor originário. ◇ 4. Decisão Custas pelo Recorrente. D.n. Lisboa, 4 de dezembro de 2019. – Nuno Bastos (relator) – Ascensão Lopes – José Gomes Correia. |