Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 03592/15.6BELRS |
Data do Acordão: | 07/11/2024 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ANABELA RUSSO |
Sumário: | |
Nº Convencional: | JSTA000P32530 |
Nº do Documento: | SA22024071103592/15 |
Recorrente: | AA |
Recorrido 1: | INSTITUTO POLITÉCNICO DE SETÚBAL |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1. AA, citado para os termos da Execução Fiscal contra si instaurada no Serviço de Finanças de Lisboa 5, para cobrança coerciva de dívida ao Instituto Politécnico de Setúbal, no montante total de € 83.684,82, veio deduzir Oposição Judicial invocando exclusivamente a prescrição da dívida em cobrança. 1.2. Tendo, por sentença do Tribunal Tributário de Lisboa sido a acção julgada integralmente improcedente veio o Oponente, doravante Recorrente, inconformado, apresentar recurso jurisdicional condensando nas seguintes conclusões o seu desacordo com o julgado: «A) A quantia em causa nos autos exequendos, no valor de € 81.301,43 corresponde ao montante que o Recorrente recebeu a título de remunerações no período de dispensa do serviço docente, entre ../../2002 e ../../2005. B) Em 3 de Julho de 2007 foi requerida em benefício do Recorrente providência cautelar de suspensão de eficácia do despacho do Senhor Presidente do Instituto Politécnico de Setúbal de 28 de Maio de 2007 (processo n.º 1933/07.9BELSB), tendo em 21 de Agosto de 2007 sido proferida sentença que determinou a suspensão da eficácia desse despacho (Factos Provados E) e G). C) O Recorrente propôs ação administrativa especial de anulação do referido ato, no dia 27 de Setembro de 2007, peticionando que fosse declarada a ilegalidade e anulado ou declarado nulo o ato de exigência de restituição do valor de € 81.301,43 ou da apresentação de proposta de pagamento faseado. D) Em sede de Contestação, o Recorrido pediu apenas que fosse julgada improcedente a ação, absolvendo-se os Réus (Instituto Politécnico de Setúbal e respetiva Escola Superior de Educação) dos pedidos, isto é, não foi formulado nenhum pedido reconvencional para a devolução das quantias indevidamente recebidas pelo Recorrente. E) Foi proferida sentença nos autos principais a 3 de Novembro de 2011, julgando a ação improcedente, tendo a mesma transitado em julgado a 17 de Novembro de 2011. F) Quando o Recorrente formulou naqueles outros autos o seu requerimento de interposição de recurso já a sentença administrativa tinha, anteriormente a essa interposição, transitado em julgado. G) Em 16/10/2015 foi recebida no Serviço de Finanças de Lisboa 5 a petição inicial que deu origem aos presentes autos (Facto Provado O). H) Ao dever de repor dinheiro indevidamente recebido aplica-se o Decreto-Lei 155/92, de 28 de Julho (Regime da Administração Financeira do Estado) e, em particular, o prazo prescricional de cinco anos previsto no seu no artigo 40.º, o qual determina que “a obrigatoriedade de reposição das quantias recebidas prescreve decorridos cinco anos após o seu recebimento” (negrito e sublinhado nosso). I) No presente caso, as quantias exequendas, tratando-se de remunerações, foram recebidas no final de cada um dos meses que decorreram entre ../../2002 e ../../2005 (ou seja, entre ../../2002 e ../../2005), pelo que, pela mesma razão, o prazo de prescrição da obrigação de reembolso de cada um dos valores parcelares que, no seu todo, ascendem ao montante total de € 81.301,43, verificou-se entre os dias ../../2007 e ../../2010. J) O decurso deste prazo prescricional está sujeito às causas gerais de interrupção ou suspensão da prescrição (cfr. artigo 40.º, n.º 2), as quais se encontram previstas no Código Civil. K) No presente caso, previamente à citação do processo de execução fiscal, o Recorrente jamais foi notificado de qualquer outra citação ou notificação judicial que exprimisse a intenção do Recorrido exercer o seu direito de cobrança! L) Por outro lado, não se verifica nenhuma das causas de suspensão do prazo de prescrição previsto no artigo 318.º e seguintes do Código Civil. M) Poderá no entanto entender-se que o decretamento da providência cautelar de suspensão de eficácia do ato de 28/05/2007 (processo n.º 1933/07.9BELSB) suspendeu o prazo de prescrição da restituição das quantias indevidamente recebidas. N) Mas neste caso, mesmo que se entenda que o prazo de prescrição esteve suspenso entre a data da citação da providência cautelar (ocorrido em Agosto de 2007) e a data do trânsito em julgado da acção principal (ocorrido em Novembro) a última remuneração indevidamente recebida pelo Recorrente em 31 de Março de 2006 terá prescrito em ../../2015. O) O prazo prescrição de cada uma das remunerações indevidamente recebidas pelo Recorrente ocorreu, no máximo, até ../../2015, ainda antes de ter entrado no Tribunal Tributário a petição inicial que deu origem aos presentes autos (16/10/2015). P) Não tendo o Recorrido praticado qualquer ato interruptivo ou suspensivo da cobrança efectiva da dívida, o dever de reposição das referidas quantias já prescreveu». 1.3. O Instituto Politécnico de Setúbal, não obstante ter sido notificado da interposição do recurso e da sua admissão, não contra-alegou. 1.4. O Excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido de que a sentença deve ser confirmada, ainda que, parcialmente, com distinta fundamentação, nos termos que adiantou e a que infra, em sede de julgamento de direito, melhor nos reportaremos. 1.5. A então Excelentíssima Senhora Juíza Conselheira titular do processo determinou a notificação do parecer às partes, tendo apenas o Recorrente se pronunciado, mantendo tudo quanto anteriormente havia já aduzido nas suas alegações de recurso. 1.5. Estando os autos prontos para julgamento e colhidos os vistos legais dos Excelentíssimos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos, importa agora decidir, o que fazemos submetendo os autos à conferência desta Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo. 2. OBJECTO DO RECURSO 2.1 Como é sabido, sem prejuízo das questões de que o tribunal ad quem possa ou deva oficiosamente conhecer, o âmbito de intervenção do tribunal de recurso é determinado pelo teor das conclusões com que a Recorrente finaliza as suas alegações [artigo 635.º do Código de Processo Civil (CPC)]. Essa delimitação do objecto do recurso jurisdicional, numa vertente negativa, permite concluir se o recurso abrange tudo o que na sentença foi desfavorável ao Recorrente ou se este, expressa ou tacitamente, se conformou com parte da decisão de mérito proferida quanto a questões por si suscitadas, desta forma impedindo que essas questões voltem a ser reapreciadas pelo Tribunal de recurso (artigos 635.º, n.º 3 e 4 do CPC). Numa vertente positiva, a delimitação do objecto do recurso, especialmente nas situações de recurso directo para o Supremo Tribunal Administrativo, como é o caso, constitui ainda o suporte necessário à fixação da sua própria competência, nos termos em que esta surge definida nos artigos 26.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) e 280.º e seguintes do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT). 2.2. No caso concreto, tendo por referência o que ficou dito, é apenas uma questão a decidir, qual seja, a de saber se o Tribunal a quo errou ao julgar que a dívida que se encontra a ser exigida ao Oponente não se encontra prescrita. 3. FUNDAMENTAÇÃO 3.1. Fundamentação de facto Do julgamento realizado em 1ª instância ficaram provados os seguintes factos: A) Entre ../../1995 e ../../2006 AA exerceu de forma ininterrupta as funções de docência na Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Setúbal (cfr. documento n.º1 junto aos autos com a contestação). B) Em ../../2002 entre o Instituto Politécnico de Setúbal e AA, foi outorgado o documento com o título “Contrato-Programa para formação avançada”, o qual teve na mesma data, e cujo teor se considera integralmente reproduzido e que aqui se transcreve na parte relevante para a decisão: “(…) 1ª O segundo outorgante solicitou dispensa pelo período de 36 meses. 2ª A dispensa foi-lhe concedida por deliberação de 10/12/2001, do conselho científico da Escola Superior de Educação destinando-se a permitir ao segundo outorgante as condições necessárias para a obtenção do grau de doutor. 3ª A dispensa foi-lhe concedida, uma vez que o segundo outorgante se compromete perante o primeiro a dedicar-se em regime de exclusividade aos trabalhos conducentes à obtenção do grau referido na cláusula anterior, na área de Artes e Humanidades, dentro do prazo máximo de 48 meses. 7ª 1-O segundo outorgante fica obrigado a indemnizar o primeiro outorgante em valor igual ao recebido, caso não obtenha o grau académico referido na cláusula 3ª, dentro do prazo previsto e por motivo que lhe seja imputável. (…)” - (cfr. documento n.º 2 junto aos autos com a contestação). C) Em 24 de março de 2006, foi remetida pelo ora oponente ao Presidente do Instituto Politécnico de Setúbal missiva, cujo teor de dá aqui por reproduzido, e por meio do qual aquele comunicou que: “(…) sendo neste momento claro que esse prazo não será cumprido, vem o abaixo assinado solicitar (…) que a indemnização prevista no artigo 7º seja substituída pela prestação de serviço letivo a acrescer à carga horária (…)” - (cfr. documento n.º 2 junto aos autos com a contestação). D) Em 28/05/2007 foi comunicado ao oponente o despacho do Presidente do Instituto Politécnico de Setúbal com o teor que ora se transcreve: “Como é do seu conhecimento, não obteve o grau de doutor conforme se obrigou nos termos do contrato-programa para formação avançada celebrado entre o IPS e V. Exa. Em 1.04.02. Nestas circunstâncias, deverá restituir a este Instituto ou à Escola Superior de Educação/IPS o valor igual ao que recebeu, conforme se discrimina: - 62 549,24 – bolsa de formação - 11 533,56 – deslocações - 7 218,63 – formação no exterior –propinas no total de 81 301,43€. Deverá proceder a este pagamento no prazo de 30 dias ou, no mesmo prazo, apresentar uma proposta de pagamento faseado” (cfr. documento 4 junto aos autos com a contestação). E) Em 3 de julho de 2007 o Sindicato Nacional do Ensino Superior, “no interesse do seu associado AA”, intentou junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leira contra o Instituto Politécnico de Setúbal e Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Setúbal, uma “providência cautelar de suspensão da eficácia do despacho do Senhor Presidente do Instituto Politécnico de Setúbal, de 28 de Maio de 2007, através do qual exige ao associado do requerente a restituição ou apresentação de proposta de pagamento faseado de valor correspondente a contrato-programa para formação avançada”, cujo teor se considera integralmente reproduzido, a qual distribuída sob o n.º 1933/07.9BELSB (cfr. documento n.º 5 junto aos autos com a contestado). F) Em 17 de agosto de 2007 o Instituto Politécnico de Setúbal e a Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Setúbal deduziram oposição no Processo n.º 1933/07.9BELSB cujo teor se considera reproduzido, e na qual pugnaram pela improcedência da providência cautelar (cfr. documento n.º 6 junto aos autos com a contestação). G) Em 21/08/2007 foi proferida sentença no Processo n.º 1933/07.9BELSB, na qual foi considerada procedente a pretensão deduzida na ação, tendo sido em consequência determinada a suspensão de eficácia do despacho de 28/05/2007 do Presidente do IPS (cfr. documento n.º7 junto aos autos com a contestação). H) Em 27 de setembro de 2007, o Sindicato Nacional do Ensino Superior, “no interesse do seu associado AA”, intentou contra o Instituto Politécnico de Setúbal e a Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Setúbal, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada, “ação administrativa especial de impugnação do despacho do Sr. Presidente do Instituto Politécnico de Setúbal, produzido a 28 de Maio de 2007, através do qual exige ao associado do Autor a restituição ou apresentação de proposta de pagamento faseado de valor correspondente a contrato-programa para formação avançada”, a qual foi distribuída sob o n.º 894/07.9BEALM, formulando a final o pedido que ora se transcreve: “Nestes termos e nos melhores de direito, deve a presente acção ser considera procedente por provada e, em consequência, ser declarada a ilegalidade e a anulação ou nulidade do acto de exigência de restituição do valor acima indicado ou de apresentação de proposta de pagamento faseado, apresentado pelos Réus ao associado do Autor. (…)” - (cfr. documento n.º 8 junto aos autos com a contestação). I) Em 19 de novembro de 2007 o Instituto Politécnico de Setúbal e a Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Setúbal tomaram conhecimento de que contra eles havia sido intentada ação administrativa especial no Processo n.º 894/07.9BEALM e de que dispunham do prazo de 30 dias para contestarem a mesma acção (cfr. documento n.º 8 junto aos autos com a contestação). J) Em data que não se conseguiu apurar, mas que se situou entre ../../.... e ../../2007, o Instituto Politécnico de Setúbal e a Escola Superior de Educação do Instituto Politécnico de Setúbal apresentaram contestação no âmbito do Processo n.º 894/07.9BEALM, na qual pugnaram pela improcedência dos pedidos formulados na petição inicial (cfr. documentos n.º 8, 9 e 10 juntos aos autos com a contestação). K) Em 3 de novembro de 2011 foi proferida sentença no Processo n.º 894/07.9BEALM, na qual foi a mesma ação julgada improcedente, tendo os réus sido absolvidos do pedido (cfr. documento n.º 10 junto aos autos com a contestação). L) Em 28 de novembro de 2011 pelo Sindicato Nacional do Ensino Superior foi interposto recurso da decisão proferida em Primeira Instância no Processo n.º 894/07.9BEALM para Tribunal Central Administrativo Sul (cfr. documento n.º 11 junto aos autos com a contestação). M) Em ../../.... de 2014 pelo Tribunal Central Administrativo Sul foi proferido acórdão no Processo n.º 894/07.9BEALM, ao qual ali foi atribuído o n.º 8448/12, nos seguintes termos: “Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Tribunal em não conhecer do objecto do presente recurso e ordenar-se a baixa dos autos ao TAF de Almada para aí ser tomado o requerimento de interposição de recurso como reclamação para a conferência” (Cfr. documento n.º 13 junto aos autos com a contestação). N) Por ofício datado de 11 de fevereiro de 2015 foi comunicado o despacho proferido no Processo n.º 894/07.9BEALM pelo TAF de Almada, por meio do qual foi decidida a intempestividade legal da convolação do recurso em reclamação para a conferência, por desrespeito do prazo legal (cfr. documento n.º 14 junto aos autos com a contestação). O) Em 16/10/2015 foi recebida no Serviço de Finanças de Lisboa 5 a petição inicial que deu origem aos presentes autos (cfr. documento a fls. 3 do Sitaf). 3.2. Fundamentação de direito 3.2.1. Vimos já que o presente recurso jurisdicional se dirige à sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa Administrativo e Fiscal que, após não reconhecer a invocada prescrição da dívida invocada, julgou improcedente a Oposição. 3.2.2. Como resulta do relatório que supra elaboramos, está em causa nos presentes autos a cobrança de uma dívida ao Instituto Politécnico de Setúbal, no montante total de € 83.684,82, relativamente à qual vem invocada a prescrição. 3.2.3. Lidas as alegações de recurso, facilmente constatamos que o Recorrente não inovou em termos de argumentação relativamente ao que anteriormente havia aduzido na petição inicial (e que insistiu em repetir no requerimento que juntou aos autos na sequência da emissão do douto parecer do Ministério Público). 3.2.4. Concretizando (e em resumo nosso), para o Recorrente o prazo de prescrição da obrigação de reembolso de cada um dos valores parcelares, que no seu todo, ascendem ao montante total de € 81.301,43, verificou-se (completou-se) entre os dias ../../2007 e ../../2010, uma vez que, previamente à sua citação no âmbito do processo de execução fiscal, não foi notificado ou destinatário de qualquer outra citação ou notificação judicial que exprimisse a intenção do Recorrido exercer o seu direito de cobrança. Ou seja, segundo o Recorrente, por não ter ocorrido qualquer causa de suspensão do prazo de prescrição previsto no artigo 318.º e seguintes do Código Civil, a dívida está integralmente prescrita desde aquela última data. 3.2.5. Sem conceder, adianta ainda o Recorrente que nem a consideração de uma eventual suspensão do prazo de prescrição entre a data da citação da providência cautelar (ocorrida em Agosto de 2007) e a data do trânsito em julgado da acção principal (ocorrido em Novembro de 2011) infirma a conclusão de julgamento de prescrição, por, mesmo assim, o prazo de prescrição se ter completado a ../../2015. 3.2.6. Sublinha, por fim, que a tais conclusões não obsta a notificação do despacho de 28 de Maio de 2007, uma vez que este, porque nem constituiu uma citação nem notificação judicial, não pode ser qualificado como causa interruptiva da prescrição. 3.2.5. Adiantamos, desde já, que não acompanhamos a tese do Recorrente, o que significa que a sentença recorrida não pode deixar de ser mantida na ordem jurídica. 3.2.6. Não cremos que ao Recorrente deva ser reconhecida razão, o que passamos a demonstrar começando por recordar que, como consta do probatório (não impugnado) está dado como provado que por despacho do Presidente do Instituto Politécnico de Setúbal de 28 de Maio de 2007 foi determinado que o Recorrente procedesse ao pagamento de quantia igual à recebida, nos termos constantes do contrato-programa celebrado, no valor total de € 81.304,43 euros; que por sentença do TAF de Leiria de 21 de Agosto de 2007, proferida no processo cautelar nº 1933/07.9BELSB, foi determinada a suspensão de eficácia do referido despacho, cujos efeitos só cessaram com a prolação de sentença na acção principal (processo n.º 894/07.9BEALM) que julgou improcedente a acção administrativa interposta para anulação do mesmo despacho e que esta só transitou em Março de 2015. E que foi com base nestes factos que o Meritíssimo Juiz veio a concluir que naquela última data (Março de 2015) ainda não tinha decorrido o prazo de 5 anos previsto no artigo 40.º do Dec. Lei nº 155/92, uma vez que, pese embora o termo inicial do prazo de prescrição tivesse ocorrido a 26 de Março de 2006 - data em que o Recorrente comunicara a impossibilidade de cumprir o acordado no seu contrato-programa de doutoramento -, esse prazo se interrompera com a propositura da providência cautelar que suspendeu os efeitos do despacho que determinou a reposição das verbas e da acção administrativa a pedir a anulação do despacho, que só recomeçou a sua contagem após o trânsito em julgado da decisão proferida nesta última acção, ou seja, em Março de 2015. 3.2.7. Em suma, o Tribunal a quo entendeu que a 16 de Outubro de 2015, data da apresentação da Oposição, aquele prazo de cinco anos ainda não tinha decorrido e, consequentemente, que não se verificava a prescrição da dívida exequenda, julgando, em conformidade, improcedente o fundamento de Oposição invocado ao abrigo da alínea d) do nº1 do artigo 204º do CPPT. Diga-se, mais uma vez, que entendeu muito bem. Efectivamente, a certidão de dívida foi emitida a coberto do disposto no artigo 179.º do Novo Código de Procedimento Administrativo (CPA), o que significa que estamos perante a cobrança de prestações pecuniárias que devam ser pagas por força de um acto administrativo. Dos elementos que acompanharam a certidão de dívida decorre que tem subjacente o acto do Senhor Presidente do Instituto Politécnico de Setúbal que, na essência, ordenou a reposição de dinheiros públicos por se ter verificado a posteriori que o beneficiário não tinha direito ao seu recebimento. Ora, sendo o Instituto Politécnico de Setúbal uma pessoa colectiva de direito público, à reposição de dinheiros públicos por estas indevidamente despendidos e que lhe devam ser restituídos são aplicáveis as normas que integram o regime de reposição de direitos públicos da administração financeira do Estado (doravante “RAFE”), com as necessárias adaptações – artigo 42.º-A do Decreto-Lei n.º 155/92, de 28 de Julho. Como se sabe, o regime de reposição de dinheiros públicos da administração financeira do Estado não foi configurado para a reposição de abonos ou pagamentos a coberto de um ato que defina a obrigação de repor, mas para as reposições de créditos preexistentes, normalmente decorrentes de erros de ordem material ou contabilística – sobre esta matéria, pode ver-se o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 23 de Maio de 2006, proferido no recurso n.º 01024/04, integralmente disponível para consulta em www.dgsi.pt (site em que se encontram igualmente disponíveis na integra os demais arestos que venham a ser citados). E por isso é que o n.º 1 do artigo 40.º do estabelece que o prazo de prescrição se inicia com o recebimento destas quantias. No entanto, o artigo 77.º da Lei n.º 55-B/2004, de 30 de Dezembro, introduziu o seu n.º 3, por via do qual se passou a considerar que era aplicável à reposição de quaisquer dinheiros públicos – sobre esta matéria, ver, por todos, o acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de Julho de 2019, proferido no processo n.º 01541/14.8BESNT. Ora, a aplicação deste normativo a situações em que as condições de atribuição do direito aos dinheiros públicos são verificadas a posteriori e o direito à reposição deriva de um ato administrativo não pode fazer-se senão com as adaptações necessárias. Entendemos assim, em linha com o decidido no Acórdão da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo de 11/05/2023, proferido no processo n.º 277/15.7BEMDL, que o artigo 323.º do Código Civil, conjugado com o artigo 40.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 155/92, deve ser interpretado no sentido de que o conhecimento por parte do destinatário de qualquer ato da Administração que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de obter a reposição de quantias indevidamente recebidas, interrompe a prescrição. Pelo que o prazo de prescrição de 5 anos interrompeu-se em 28 de Maio de 2007, com a comunicação ao Oponente do despacho a que alude a alínea “D)” dos factos dados como provados na sentença recorrida, tendo então começado a correr um novo prazo. Por outro lado, como o próprio Recorrente reconhece, a suspensão de eficácia do acto a coberto da providência cautelar que intentou, importou a suspensão do prazo de prescrição da restituição das quantias indevidamente recebidas, já que a entidade pública ficou impedida de fazer valer o seu direito. É, pois, quanto basta para concluir que a Oposição, com o fundamento avançado, nunca poderia proceder. Há, pois, que confirmar o julgamento, com a presente fundamentação, o que, a final se determinará, com custas pelo Recorrente, nos termos do artigo 527.º, n.º 1 e 2 do CPC. 4. DECISÃO Termos em que, acordam os Juízes que integram a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, negando provimento ao recurso, em manter integralmente na ordem jurídica a sentença recorrida. Custas pelo Recorrente. Registe e notifique. Lisboa, 11 de Julho de 2024. - Anabela Ferreira Alves e Russo (relatora) – José Gomes Correia – Nuno Filipe Morado Teixeira Bastos. |