Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:026/19.0BALSB
Data do Acordão:12/11/2019
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25288
Nº do Documento:SAP20191211026/19
Data de Entrada:03/12/2019
Recorrente:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:A............... - SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE PENSÕES, SA
Votação:MAIORIA COM 1 VOT VENC
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:


A………………. - SOCIEDADE GESTORA DE FUNDOS DE PENSÕES, S.A., apresentou pedido de constituição do tribunal arbitral no âmbito do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), com vista à:
Pronúncia arbitral sobre a ilegalidade das liquidações de Imposto de Selo (IS) e juros compensatórios n.º 20166430001384, referente ao exercício de 2015, com o valor global de €350.590,28. A Requerente pediu a anulação de tais atos tributários e a indemnização, acrescida de juros, correspondente aos montantes indevidamente gastos com a constituição de uma garantia bancária no valor de €443.251,80 (e ainda a condenação em custas “e em procuradoria condigna”). Subsidiariamente, pediu a anulação parcial da liquidação na parte referente a juros compensatórios no valor de €18.706,35.

O tribunal arbitral decidiu do seguinte modo:
a) Julgar totalmente procedente o pedido arbitral principal, anulando os atos de liquidação de Imposto do Selo e de juros compensatórios impugnados;
b) Julgar procedente o pedido de indemnização por garantia indevidamente prestada;
c) Condenar a Requerida no pagamento dessa indemnização que a Requerente liquidará em sede de execução de julgador e
d) Julgar improcedente o pedido de juros indemnizatórios.
Inconformada, a AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA apresentou recurso para Uniformização de Jurisprudência da decisão proferida no processo arbitral n.º 303/2017, ao abrigo do disposto no n.º 2 e 4 do artigo 25.º do RJAT e 152.º n.º 1 do CPTA, por o mesmo se encontrar em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com o acórdão datado de 15 de Junho de 2016, proferido no processo n.º 770/15 pelo STA, bem como com o acórdão datado de 29 de Junho de 2016, proferido no processo n.º 1630/15 pelo STA e ainda o acórdão datado de 22 de Março de 2017, proferido no processo n.º 471/14 pelo STA.

Alegou tendo concluído como se segue:
a) Constitui objeto do presente recurso a decisão final proferida por Tribunal Arbitral coletivo em matéria tributária constituído, sob a égide do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), na sequência de pedido apresentado nos termos do RJAT e que correu termos sob o n.º 303/2017-T (Documento n.º 1), e é deduzido na sequência da cessação da interrupção do prazo efetuada pela interposição de recurso para o Tribunal Constitucional, cf. alegação supra e certidão do processo arbitral.
b) A Recorrida visava no seu pedido de pronúncia arbitral a declaração de ilegalidade das liquidações de Imposto de Selo e respetivas liquidações de juros compensatórios, melhor identificadas na PI, relativas ao período de tributação de 2015, solicitando, a final, a anulação das liquidações impugnadas, e, em consequência, ser reembolsada do montante de imposto já pago e ser reconhecido o direito a juros indemnizatórios contados à taxa legal desde a data do pagamento do imposto até à data do seu integral reembolso.
c) Neste recurso para uniformização de jurisprudência, a Recorrente contesta a decisão arbitral em três questões distintas.
d) Assim, contesta, desde logo, a conclusão tirada pelo Tribunal Arbitral sobre o âmbito da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do art. 7.º do CIS e, em segundo lugar, sobre o carácter inovador da norma ínsita no n.º 7 do art. 7.º do CIS, uma vez que,
e) a decisão arbitral colide frontalmente com a jurisprudência firmada no âmbito do Acórdão do STA de 15-06-2016, transitado em julgado, prolatado no processo n.º 0770/15, primeiro Acórdão fundamento nos presentes autos de recurso e, bem assim, com a jurisprudência firmada no âmbito do Acórdão do STA prolatado em 29-06-2016, transitado em julgado, no âmbito do processo n.º 01630/15, segundo Acórdão fundamento nos presentes autos de recurso.
f) Sempre ressalvado o devido respeito, a Recorrente não pode conformar-se com o acórdão recorrido porquanto entende que esta decisão incorre em erro de julgamento na interpretação das normas ínsitas nos n.ºs 1, alínea e) e n.º 7 do Código do Imposto do Selo, considerando a jurisprudência supra indicada.
g) Face ao disposto no artigo 25.º do RJAT, a decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida que ponha termo ao processo arbitral é susceptível de recurso para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo, sendo aplicável ao recurso com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
h) O recurso para uniformização de jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do CPTA tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o Supremo Tribunal Administrativo, no caso concreto, proceder à anulação da decisão arbitral e realizar nova apreciação da questão em litigio quando suscitada e demonstrada tal contradição.
i) In casu verifica-se uma patente e inarredável contradição quanto às mesmas questões fundamentais de direito – saber, desde logo, se a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do art. 7.º do CIS tem como elemento catalisador a concessão de crédito, cfr. julgou o Ac. desse Supremo Tribunal no proc. 0770/15,
j) e, assim sendo, saber, em segundo lugar, se tal delimitação do âmbito da isenção (efetuada pelo n.º 7 do mesmo art. 7.º, aditado pela Lei n.º 7-A/2016) tem natureza meramente interpretativa, como qualificou o legislador (cfr. art. 153.º dessa Lei n.º 7-A/2016), e julgou esse Supremo Tribunal no proc. 01630/15.
k) No caso vertente encontram-se reunidos os requisitos para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, desde logo, identidade das situações de facto, versando sobre situações fácticas substancialmente idênticas para efeitos de contradição das soluções dadas, pois que,
l) subjacente à decisão arbitral recorrida está a consideração de que foram cobradas comissões não decorrentes da concessão de crédito (in casu, tratava-se de comissões de gestão cobradas pela sociedade gestora aos fundos de pensões que gere, sobre as quais não liquidou imposto de selo - cf. alíneas 1) a 4) da matéria de facto dada como provada).
m) Sendo entretanto emitidas pela AT as liquidações impugnadas, no pressuposto de que a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do art. 7.º do CIS apenas se pode aplicar às comissões, como às garantias e aos juros (mormente as referidas alíneas da matéria de facto dada como provada), que estejam diretamente ligadas à concessão de crédito, veio a aqui Recorrida, em sede de pedido de pronúncia arbitral pedir a anulação das mesmas, ao que a decisão arbitral recorrida deu procedência.
n) Nos Acórdãos fundamento prolatados nos procs. 770/15 e 1630/15, estava igualmente em causa a alegada aplicabilidade da norma de isenção identificada (em análise estavam comissões também não diretamente ligadas à concessão de crédito, in casu, de mediação de seguros), tendo-se aí concluído que não merecia acolhimento a invocada aplicação da isenção a toda e qualquer comissão a se.
o) Demonstra-se, assim, que entre a decisão arbitral e estes acórdãos fundamento existe identidade de situações de facto, pois, subjacentes às decisões em confronto, estão dois casos de entidades que cobraram comissões não advindas da concessão de crédito, sendo que, em ambos os casos, pugnavam pela aplicabilidade da norma de isenção e pela existência de norma meramente interpretativa.
p) Quanto ao pressuposto da identidade da questão de direito, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito, verificando-se que, no caso, é idêntica a questão fundamental de direito apreciada quer na decisão arbitral recorrida, quer nos Acórdãos fundamento.
q) Considerou-se no acórdão fundamento prolatado no proc. 770/15, em confirmação de jurisprudência anterior, nomeadamente o seguinte:
«não se nos afigura fazer qualquer sentido estabelecer uma autonomia entre os juros, as comissões cobradas e as garantias prestadas, de um lado e a utilização do crédito concedido, por outro, sendo que, apenas relativamente a este, se poderia conexioná-lo dependentemente, das instituições de crédito e sociedades ou instituições financeiras concedentes e das sociedades ou entidades observadoras, na forma e no objecto, dos tipos de instituições de crédito e sociedades e instituições financeiras beneficiárias.
- Na realidade, afigura-se-nos incompreensível que, desde logo, o legislador se reportasse aos juros, comissões cobradas e garantias prestadas, pretendendo referir-se a realidades com existência «a se», para efeitos de isenção de imposto, o que redundaria, a ter o alcance pretendido pela recorrente, que todas e quaisquer que elas fossem, desde que reportadas a operações entre sociedade com localização observadora do, ali determinado, estariam isentas.
- Mas mais relevantemente do que isto é que se tornaria ainda mais incompreensível que assim se passassem as coisas no que concerne aos referidos juros, comissões e garantias e já no que toca à utilização do crédito se restringisse, apenas aqui, a isenção às operações financeiras celebradas entre aquelas aludidas instituições. (…).
Assim sendo, também nós consideramos que o preceito em questão se reporta, aos juros, às comissões cobradas, às garantias prestadas ou à mera utilização, em todos os casos, por reporte ao crédito concedido nos termos do estipulado no normativo em análise, tal como o considerou a sentença recorrida». (todos os destaques nossos).
r) Porém, a decisão arbitral recorrida concluiu o oposto, designadamente que:
«Assim, e conforme é referido nos acórdãos proferidos nos processos arbitrais n.º 348/2016-T, de 2 de maio de 2017, n.º 633/2016-T, de 19 de maio de 2017, n.º 667/2016- T, de 20 de junho de 2017 e, outros sim, n.º 9/2017-T, de 30 de agosto, o sentido da razão de ser da fusão das alíneas não teve a ver com a incorporação na nova alínea e) do n.º 1 do expressamente revogado n.º 2 do artigo 6.º, mas sim com a uniformização dos pressupostos da isenção de imposto do selo, do crédito concedido e dos juros cobrados com o das comissões cobradas em operações em que fossem exclusivamente intervenientes instituições de crédito e sociedades financeiras. É esse o sentido que imediatamente resulta das alterações introduzidas. As sucessivas alterações legislativas efetuadas parecem refletir uma intenção de diferimento da tributação da concessão de crédito e dos serviços financeiros para o momento da sua aquisição pelos consumidores finais, de acordo com uma lógica de tipo business to consumer (B2C). Independentemente de saber se esta leitura corresponde de facto à vontade autêntica do legislador, a verdade é que, como alega a Requerente (v. § 64 da petição inicial), a mesma não terá sido posta em causa em sucessivas inspeções entretanto realizadas às instituições de crédito. Este último aspeto não pode ser ignorado em sede interpretativa.
Acolhemos por meritória a orientação seguida nos referidos acórdãos quando neles se afirma que a evolução histórica do preceito aponta de forma clara no sentido de que apenas na versão originária e, posteriormente, entre o período em que vigorou a redação dada pelo artigo 37.º da Lei n.º 30-C/2000, de 29 de dezembro (que acrescentou um n.º 2 ao artigo 6.º), a isenção tinha claramente como elemento catalisador o crédito concedido nos termos mencionados em tal normativo. Ou seja, só aí se verificava uma relação de dependência entre a isenção e o crédito. No que se refere em particular às comissões cobradas a isenção apenas se podia aplicar àquelas que tivessem subjacentes operações destinadas à concessão de crédito, por força da restrição introduzida no mencionado n.º 2 do artigo 6. °. […]
Não se afigura legítimo interpretar a expressão “e, bem assim”, como significando “quando diretamente destinado a”, ou “quando diretamente relacionado com”, na medida em que estas últimas expressões denotam uma relação de subordinação e dependência. Neste mesmo sentido milita o facto de que a expressão “quando diretamente destinado a” tinha sido deliberada e expressamente afastada pelo artigo 30.º da Lei n.° 32-B/2002, de 31 de dezembro (LOE 2003), quando suprimiu o n.º 2 do artigo 6.º.
O teor literal e gramatical da alínea e) do artigo 7.º é particularmente claro neste domínio, não havendo margem para falar, a respeito do segmento em análise, em polissemia da norma. O direito fiscal, pelos valores de confiança, segurança e certeza jurídicas a que se encontra constitucionalmente e legalmente adscrito, impõe exigências acrescidas no domínio da tipicidade, precisão, clareza e determinabilidade das leis. O texto, com as suas inerentes propriedades linguísticas, continua a desempenhar uma função fundamental de produção e transmissão de sentido e na estabilização das espectativas. […]
Face ao exposto, conclui-se que a isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.° do CIS não se cingia, antes da entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, às operações diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade desenvolvida pelas instituições de crédito, sociedades financeiras e outras instituições financeiras.».
s) Para concluir que:
«Considera-se, portanto, que a Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março (LOE 2016) veio, através da interpretação conjugada dos seus artigos 152.° e 154.°, delimitar o âmbito material da isenção prevista alínea e) do n.º 1 do artigo 7.° do CIS, de forma inovadora e retroativa, e, como tal, inconstitucional, por violação do princípio da proibição da retroatividade das normas fiscais, previsto no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, ínsito no princípio da segurança jurídica e da proteção da confiança dos cidadãos»
t) Ora, tal apreciação teve por base uma interpretação incorreta das normas constantes, à data dos factos, da alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS, como acima se referiu, atento o acórdão fundamento citado, bem como do n.º 7 daquele artigo aditado pela Lei n.º 7-A/2016, sendo precisamente esta mesma questão apreciada pelo acórdão fundamento do STA proferido no processo n.º 01630/15, de 29.06.2016.
u) De facto, como bem se fundamenta no segundo acórdão fundamento:
«Com o Orçamento de Estado para o corrente ano de 2016, Lei n.º 7-A/2016, de 30.03, cfr. artigo 152.º, o Legislador introduziu um n.º 7 naquele artigo 7.º, esclarecendo que o disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea, atribuindo natureza interpretativa ao disposto neste novo n.º 7, cfr. artigo 153.º.
Face à dúvida interpretativa existente em torno do disposto naquele artigo 7.º, n.º 7, veio o legislador restringir a sua aplicação às garantias e operações financeiras directamente destinadas à concessão de crédito, excluindo, assim, expressamente, as comissões recebidas pelos Bancos a título de actividade de mediação de seguros.
E esta norma interpretativa é aplicável imediatamente às situações anteriores uma vez que não aporta um conteúdo inovador, nos termos do disposto no artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil.
Na verdade, “…a razão pela qual a lei interpretativa se aplica a factos e situações anteriores reside fundamentalmente em que ela, vindo consagrar e fixar uma das interpretações possíveis da LA com que os interessados podiam e deviam contar, não é susceptível de violar expectativas seguras e legitimamente fundadas. Poderemos consequentemente dizer que são de sua natureza interpretativas aquelas leis que, sobre pontos ou questões em que as regras jurídicas aplicáveis são incertas ou o seu sentido controvertido, vem consagrar uma solução que os tribunais poderiam ter adoptado [e efectivamente adoptaram no caso concreto]…”cfr. J. Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, pág. 246.
Não há qualquer dúvida, assim, que a concreta situação dos autos se enquadra precisamente no regime legal da Lei Interpretativa previsto no artigo 13º do Código Civil, uma vez que à Lei interpretativa não se lhe reconhece desvio no tocante à dualidade de interpretações que se fazia de tal norma, o legislador optou por uma delas, e não introduziu qualquer “novidade” no próprio texto da norma.» (destaques nossos).
v) Resulta, assim, e quanto às duas primeiras questões, que na decisão recorrida e nos acórdãos fundamento, perfilharam-se soluções opostas de forma expressa sobre as mesmas questões fundamentais de direito, desde logo, saber se deve ser atribuída à norma de isenção da alínea e) do n.º 1 do art. 7.º o sentido de ser aplicável apenas às comissões, garantias e juros ligadas à concessão de crédito, conforme se julgou no acórdão fundamento tirado no proc. 770/15, e, em segundo lugar, saber se a explicitação do respetivo nº 7 tem carácter meramente interpretativo, como julgou o acórdão fundamento prolatado no proc. 1630/15;
w) Ou se, ao contrário, a isenção deveria ser estendida a todas e quaisquer comissões e garantias com as características da norma, conforme determinou a decisão arbitral recorrida, assim isentando as comissões ali em causa, pagas pelos fundos de pensões à respetiva sociedade gestora, julgando, a final, pela procedência do pedido de anulação das liquidações.
x) A norma em causa tem carácter interpretativo, integrando-se na lei interpretada (cf. art.º 13.º do Código Civil), sendo aprovada perante divergências interpretativas, indesmentíveis - sempre salvo melhor opinião - face à jurisprudência do STA ante mencionada e, bem assim, do Tribunal Central Administrativo Sul (Proc. n.º 02754/08, de 21-09-2010).
y) Pois que, considera-se que tem carácter interpretativo «a lei que sobre um ponto em que a regra de direito é incerta ou controvertida vem consagrar uma solução a que a jurisprudência, por si só, poderia ter adoptado» (Baptista Machado, in Aplicação das Leis no Tempo no Novo Código Civil, pág. 286 e segs.). Isto é, a lei nova limita-se a resolver uma incerteza ou controvérsia jurídicas, dando-lhe um entendimento que a jurisprudência, se o tivesse querido, já poderia ter adotado. E, neste caso, adotou, efetivamente.
z) Pois que, o raciocínio subjacente às liquidações fora avalizado já no acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul, proferido no processo n.º 02754/08, de 21-09-2010, e foi avalizado o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido no processo n.º 0770/15, de 15/06/2016, vindo a ser acolhido expressamente pelo legislador no Orçamento de Estado para 2016.
aa) Pelo que «o Legislador introduziu um n.º 7 naquele artigo 7.º, esclarecendo que o disposto na alínea e) do n.º 1 apenas se aplica às garantias e operações financeiras diretamente destinadas à concessão de crédito, no âmbito da atividade exercida pelas instituições e entidades referidas naquela alínea, atribuindo natureza interpretativa ao disposto neste novo n.º 7, cfr. artigo 153.º. […] E esta norma interpretativa é aplicável imediatamente às situações anteriores uma vez que não aporta um conteúdo inovador, nos termos do disposto no artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil. […] Não há qualquer dúvida, assim, que a concreta situação dos autos se enquadra precisamente no regime legal da Lei Interpretativa previsto no artigo 13.º do Código Civil, uma vez que à Lei interpretativa não se lhe reconhece desvio no tocante à dualidade de interpretações que se fazia de tal norma, o legislador optou por uma delas, e não introduziu qualquer “novidade” no próprio texto da norma. (destaques nossos) - cfr. segundo acórdão fundamento.
bb) Em suma, e quanto às duas primeiras questões aqui em causa, entre a decisão recorrida e os Acórdãos fundamento existe uma patente e inarredável contradição que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que, definitivamente, decida a questão controvertida.
cc) No estrito cumprimento do n.º 2 do artigo 152.º do CPTA, as infrações imputadas à decisão recorrida consistem em manifestos erros de julgamento, expressos na decisão recorrida, na medida em que o Tribunal Arbitral adotou uma interpretação das normas em questão que não respeita, nomeadamente, as diretrizes dos arts. 8.º e 9.º do Código Civil.
dd) Tendo em consideração os factos considerados relevantes quanto às duas questões já apresentadas, devidamente expostos supra, é inequívoca a conclusão de que as normas aqui em análise, porque tratam do regime de um benefício fiscal (isenção) impõem particular atenção à coerência interna do sistema, nomeadamente à justificação subjacente à consagração do benefício, conforme foi decidido nos acórdãos ora invocados como fundamento.
ee) De outro modo, a isenção beneficiaria comissões e garantias como realidades a se, sem se exigir a ligação à atividade beneficiária (a concessão de crédito) que, historicamente, justificou a consagração da isenção, ademais quando, como já se expendeu em sede arbitral, o fio condutor na evolução da norma de isenção é definido:
i) num primeiro momento, os juros (que pressupõem sempre a existência do crédito); ii) depois, juros e crédito de que aqueles resultem; e iii), por último, o crédito, e os juros e comissões decorrentes daquele.
ff) Na verdade, não se considera fundada a conclusão de que a alteração efetuada aquando da agregação das alíneas correspondeu a uma intenção legislativa de alargamento do âmbito da isenção, não devendo qualificar-se a eliminação do n.º 2 e renumeração dos n.ºs 3 e 4 do artigo 6.º como um ato revogatório, por não resultar manifesto que o legislador tenha querido dispor num sentido diverso do anterior.
gg) Apenas se deve considerar que a vontade do legislador não necessitava (ou, o que resulta no mesmo, assim se pressupôs) de qualquer norma que esclarecesse o seu sentido, devendo concluir-se pela inexistência de ato revogatório com um resultado muito alargador do âmbito da isenção.
hh) Ademais, deve notar-se que a decisão arbitral recorrida não logra identificar, em abono da invocada vontade legislativa de alargamento da isenção, qualquer trabalho preparatório em que tal (alegada) vontade haja sido minimamente evidenciada. Ora, a inexistência de uma qualquer externação da (alegada) intenção legislativa de alargamento da isenção, em elementos coevos à alteração, é bastante significativa.
ii) Mais cabendo destacar, face à qualificação (pacífica) dos benefícios fiscais como despesa fiscal, que havia de ter sido feita a estimativa da despesa fiscal associada a tal alargamento, cf. dispõe o n.º 3 do art. 2.º do EBF; no entanto, o acórdão recorrido falha também em indicar a evidência da estimativa da despesa fiscal inerente, comprometendo a sua conclusão sobre a (alegada) vontade legislativa de alargar o âmbito da isenção.
jj) Ora, como já se referiu, no primeiro acórdão fundamento concluiu-se doutamente que «o preceito em questão se reporta, aos juros, às comissões cobradas, às garantias prestadas ou à mera utilização, em todos os casos, por reporte ao crédito concedido nos termos do estipulado no normativo em análise» (destaque nosso).
kk) De facto, o primeiro acórdão fundamento salienta a importância de estabelecer uma interpretação fundada – nomeadamente em virtude dos elementos lógico e sistemático – do âmbito de aplicação da norma de isenção.
ll) Por outro lado, no segundo acórdão fundamento, tirado no proc. 01630/15, julgou-se fundadamente que a delimitação do âmbito da isenção efetuada pelo nº 7 do mesmo art. 7.º, aditado pela Lei n.º 7-A/2016, tem natureza meramente interpretativa, visando resolver divergências interpretativas, pela eleição de um sentido que a jurisprudência tinha já acolhido antes da aprovação da norma interpretativa.
mm) Por outro lado, igualmente quanto ao segmento decisório de condenação ao pagamento de indemnização por garantia indevida se verifica a contradição sobre a mesma questão fundamental de direito na decisão recorrida e no acórdão fundamento, incorrendo em manifesto erro de julgamento, na medida em que o Tribunal Arbitral adotou uma interpretação das normas em questão (in casu, os arts. 43.º e 53.º da LGT) que não respeita, nomeadamente, as diretrizes dos arts. 8.º e 9.º do Código Civil, em contradição com a jurisprudência firmada no terceiro acórdão fundamento, no âmbito do proc. 0471/14.
nn) De facto, tanto a condenação ao pagamento de indemnização por garantia prestada para suspender a cobrança coerciva da dívida tributária que vem a ser anulada, por ilegalidade, como a atribuição do direito a juros indemnizatórios têm como pressuposto a ocorrência de erro imputável aos serviços, o que decorre do cotejo entre os arts. 43.º e 53.º da LGT, constituindo doutrina pacífica que comungam da mesma natureza ressarcitória dos danos sofridos pelo sujeito passivo em virtude da emissão de uma liquidação que vem a ser julgada ilegal por motivo imputável à Administração Fiscal - neste sentido, veja-se, v. g., o Acórdão do Pleno desse STA tirado no proc. n.º 0632/14, em 21.01.2015.
oo) Ora, o tribunal arbitral a quo simplesmente considerou que a norma, na interpretação (autêntica) dada pela LOE 2016, ofendia a proibição da retroatividade fiscal e, neste pressuposto, anulou as liquidações.
pp) Porém, concomitantemente, condenou a aqui Recorrente a pagar indemnização por garantia indevidamente prestada, desconsiderando que o erro nas liquidações, invocado pelo contribuinte, deriva exclusivamente da aplicação de uma norma que veio a ser considerada inconstitucional pelo tribunal aqui recorrido, dessa forma não fundamentando a condenação na indemnização prevista no artigo 53.º da LGT.
qq) Pois que, as liquidações anuladas na decisão recorrida foram emitidas em estrita obediência à lei, não ocorrendo qualquer erro imputável aos serviços, pelo que incorreu o douto tribunal recorrido em erro de julgamento e em contradição com a jurisprudência firmada no terceiro acórdão fundamento, no âmbito do proc. 0471/14.
rr) Neste aresto considerou-se, designadamente, o seguinte:
«Este Supremo Tribunal Administrativo já se pronunciou por diversas vezes sobre questão semelhante à ora suscitada e sempre no sentido de que o para efeitos de pagamento de juros indemnizatórios ao contribuinte, não pode ser imputado aos serviços da AT erro que, por si, tenha determinado o pagamento de dívida tributária em montante superior ao legalmente devido, quando não estava na sua disponibilidade decidir de modo diferente daquele que decidiu - cfr., para além do Acórdão 1529/14, citado pelo Exmº Procurador-Geral Adjunto, os acórdãos de 26/2/2014, rec. nº 0481/13; de 12/3/2014, rec. nº 01916/13; de 21/1/2015, rec. nº 0843/14; de 21/1/2015, rec. nº 0703/14, de 11.05.2016, recurso 704/14 e de 01.06.2016, recurso 1352/14, todos in www.dgsi.pt.
Com efeito, como se deixou exarado no supra citado Acórdão 481/13, em que o presente relator teve intervenção como adjunto, «…a menos que esteja em causa o desrespeito por normas constitucionais directamente aplicáveis e vinculativas, como as que se referem a direitos, liberdades e garantias (cfr. art. 18.º, n.º 1, da CRP, a AT não pode recusar-se a aplicar a norma com fundamento em inconstitucionalidade (Com interesse sobre a questão, vejam-se os pareceres do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República referidos na Colectânea dos Pareceres da Procuradoria-Geral da República, volume V, pontos 10, 3, 3.2 – respectivamente, com as epígrafes «Fiscalização da constitucionalidade», «Fiscalização sucessiva» e «(In)aplicação de norma inconstitucional (poderes e deveres da Administração Pública)» –, cuja doutrina seguimos.).
É que a Administração em geral está sujeita ao princípio da legalidade, consagrado constitucionalmente e a AT está-lo também por força do disposto no art. 55.º da LGT.
A nosso ver, a AT deverá aguardar a declaração de inconstitucionalidade com força obrigatória geral, a emitir pelo Tribunal Constitucional (TC), nos termos do art. 281.º da CRP.
É que, como diz VIEIRA DE ANDRADE, «Este conflito [entre a constitucionalidade e o princípio da legalidade] não pode resolver-se através da prevalência automática do direito constitucional sobre o direito legal. Não é disso que se trata, porque o que está em causa é não a constitucionalidade da lei, mas o juízo que sobre essa constitucionalidade possam fazer os órgãos administrativos. Por um lado, a Administração não é um órgão de fiscalização da constitucionalidade; por outro lado, a submissão da Administração à lei não visa apenas a protecção dos direitos dos particulares, mas também a defesa e prossecução de interesses públicos […]. A concessão ao poder administrativo de ilimitados poderes para controlo da inconstitucionalidade das leis a aplicar levaria a uma anarquia administrativa, inverteria a relação Lei-Administração e atentaria frontalmente contra o princípio da divisão dos poderes, tal como está consagrado na nossa Constituição» (Direito Constitucional, Almedina, 1977, pág. 270.)
ss) Resulta, assim, demonstrado que na decisão recorrida e neste acórdão fundamento foi decidida a mesma questão fundamental de direito, em sentido oposto, pois que o acórdão recorrido julgou que «No caso dos autos ocorre a prática pela AT dos atos controvertidos em resultado de erro na interpretação das normas jurídicas em causa, erro esse que apenas é imputável aos respetivos serviços […]», concluindo que «assiste razão à Requerente no presente processo, esta deverá ser ressarcida dos prejuízos resultantes da prestação indevida de tal garantia», obliterando que a Administração não pode desaplicar uma norma legal, com fundamento em inconstitucionalidade, o que impede a conclusão de existir erro imputável aos serviços, pressuposto da atribuição do direito a indemnização por garantia indevida.
tt) Desta forma contradizendo a jurisprudência firmada no terceiro acórdão fundamento quanto à questão do erro imputável aos serviços:

«a Administração Tributária não poderia ter decidido de modo diferente […] quer porque não lhe assiste o direito a recusar a aplicação de norma que no seu entender poderia ser inconstitucional, porque não lhe é permitido formular um juízo sobre essa constitucionalidade.
Assim, se o contribuinte no cumprimento duma norma legal procede a uma liquidação que a lei lhe impõe e essa norma vem posteriormente a ser declarada inconstitucional todos os efeitos decorrentes de uma aplicação viciada apesar de serem obrigatoriamente anulados, o certo é que tal a anulação não decorre de qualquer conduta da Administração Tributária nem de erro por si praticado que se refletiria na esfera da Administração Tributária.
E não podendo a errada consideração (no apuramento do imposto a pagar) de uma norma posteriormente julgada inconstitucional, ser atribuída a ilegal conduta da Administração Tributária, também não pode legitimar a condenação nos juros indemnizatórios pedidos ao abrigo do artº. 43.º da LGT por se não verificar um pressuposto de facto constitutivo de tal direito – o erro imputável aos serviços. » (destaques nossos).
uu) Revogando a decisão arbitral recorrida e substituindo-a por decisão que respeite a jurisprudência invocada, se garantirá a unidade do sistema jurídico e a sua coerência, sendo que, conforme dispõe o artigo 8.º do Código Civil, o julgador deve ter em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniforme do direito, o que decorre da própria ideia de Justiça e está, também, subjacente à consagração do meio processual aqui em uso.
vv) Cabendo, na perspetiva da ora Recorrente, sempre ressalvado o devido respeito, corrigir os indesmentíveis erros de julgamento em que incorreu a, aliás douta, decisão aqui em análise.
ww) Mais se peticionando, nos termos legais e constitucionais supra expostos, dispensa do pagamento do remanescente da taxa de justiça.


Contra-alegou a recorrida tendo concluído:
1ª. A Recorrente para fundamentar a interposição do presente recurso de uniformização de jurisprudência invoca três acórdãos fundamento (Doc. 2 a Doc. 4 das alegações de Recurso da Recorrente).
2ª. Conforme Jurisprudência do STA maioritária, a Recorrente não podia ter fundamentado a alegada contradição de decisões socorrendo-se de três acórdãos fundamento!
3a. A Recorrente só podia invocar um acórdão fundamento;
4a. Ao invocar três acórdãos fundamento, a Recorrente viola o disposto no Código do Procedimento dos Tribunais Administrativos, bem como, o disposto na Lei Processual Civil;
5ª. Não tendo a Recorrente observado esta imposição legal e orientação Jurisprudencial, deverá desde logo ser negado provimento ao presente recurso;
6a. A decisão recorrida não está em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com os acórdãos fundamento indicados pela Recorrente;
7a. Entre a decisão recorrida e os Acórdãos fundamento invocados pela Recorrente não existe contradição sobre a mesma questão fundamental de direito;
8a. Nem existe identidade das situações de facto;
9a. Por outro lado, para interposição do presente recurso, a Recorrente invoca três acórdãos fundamentos que alega estarem em contradição com a decisão recorrida, mas depois não indica em que sentido deve a jurisprudência ser fixada;
10ª. Limitando-se a indicar os motivos porque entende existir oposição de acórdãos do STA …
11ª. O que é manifestamente deficitário;
12ª. Devendo também por esse motivo o recurso ser rejeitado/julgado improcedente;
13ª. O acórdão arbitral recorrido tem por objeto a aplicação de imposto de selo às comissões cobradas com a comercialização de unidades de participação em fundos de pensões abertos de adesão individual, enquanto os acórdãos fundamento se referem à aplicação de imposto de selo às comissões de serviços de mediação de seguros;
14ª. A atividade dos fundos de pensões é totalmente diferente da atividade seguradora (sendo a primeira uma atividade financeira e a segunda não), tendo as comissões em causa em cada uma delas um diferente enquadramento em sede de imposto do selo.
15ª. Os fundos são patrimónios autónomos representados, no caso dos fundos abertos, por unidades de participação, que pertencem aos associados e participantes;
16a. Já os contratos de seguro são contratos pelos quais, por contrapartida do pagamento de um prémio, o tomador do contrato transfere a cobertura de um risco para uma seguradora;
17ª. No caso do Acórdão fundamento proferido pelo STA no âmbito do processo n.º 770/15, com data de 15-06-2016, ocorreu, entretanto, uma alteração substancial de regulamentação jurídica;
18a. Não estando por isso reunidos, no presente caso, os requisitos exigidos pelo artigo 152.º, numero 1 do CPTA para a interposição de recurso para uniformização de jurisprudência;
19ª. A Lei n.º 7-A/2016 veio, através da interpretação conjugada dos seus artigos 152.º e 154.º, delimitar o âmbito material da isenção prevista na alínea e) do n.°1 do artigo 7.º do CIS, de forma inovadora.
20a. Os artigos 152.º e 154.º da Lei n.º 7-A/2016, ao instituírem uma redação que não constava na ordem jurídica desde 2003 têm de se considerar retroactivos e, como tal, inconstitucionais, por violação do princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica;
21a. A interpretação conjugada dos artigos 152.º e 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Abril, veio delimitar o âmbito material da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º do CIS de forma inovadora e, nessa medida é inconstitucional (por ser retroativa e violar o Princípio da Proteção da Confiança e da Segurança Jurídica), conforme já veio a ser confirmado pelo Tribunal Constitucional;
22ª. Resulta da legislação comunitária e portuguesa, que os fundos de pensões integram o conceito amplo de instituições financeiras sendo equiparados às respetivas entidades gestoras, nos termos e para os efeitos da incidência subjetiva prevista na verba 17.3.4 da TGIS;
23a. A isenção do artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do Imposto do Selo não se restringia, anteriormente à entrada em vigor da Lei n.º 7-A/2016, às operações diretamente destinadas à concessão de crédito no âmbito da atividade desenvolvida pelas instituições de crédito, sociedades financeiras e outras instituições financeiras, como se defende no relatório de inspeção em que a liquidação se baseou;
24ª. Aquela restrição - inicialmente instituída pela Lei n.º 30-C/2000, de 29 de Dezembro, e revogada pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro - apenas voltou a ser expressamente instituída pela Lei n.º 7-A/2016;
25a. Não tem, assim, razão a Recorrente quanto à matéria de fundo que constitui objeto do presente recurso.
26a. Aplica-se a isenção do imposto às comissões cobradas pelas instituições de crédito na comercialização de unidades de participação em fundos de pensões abertos;
27a. E, ao contrário da pretensão da Recorrente no presente recurso, a norma em causa, tal como ela existia e vigorava na data em que ocorreram os factos objeto de imposto, não suportava uma interpretação que permitisse a sua tributação;
28a. O que vai corroborado pela necessidade de o legislador de aprovar e publicar, na Lei n.º 7-A/2016, uma disposição interpretativa;
29a. Porém, a aplicação da norma interpretativa, com aquele alcance, já foi considerada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional, com efeito de caso julgado nos presentes autos;
30ª. O entendimento pugnado pela Recorrida encontra suporte na mais elevada e considerada Doutrina, nomeadamente a que vem sendo pugnada por Joaquim Silvério Mateus, Vasco Branco Guimarães e Vasco Valdez Matias, e que encontra conforto, de um ponto de vista linguístico/ no Parecer do PROFESSOR DOUTOR ANTÓNIO MANUEL DOS SANTOS AVELAR, professor auxiliar da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.
31ª. Note-se, de resto, por ser verdade, que mesmo as posições conhecidas do STA e que constam dos Acórdãos Fundamento resultam de uma errada interpretação das palavras de J. Silvério Mateus e L. Corvelo de Freitas, porquanto é claro que as citações feitas em tais acórdãos da obra destes ILUSTRES AUTORES, apontam em sentido diametralmente oposto àquele que consta das conclusões alcançadas por aquele Supremo Tribunal.
32ª. Razão pela qual a conclusão – errónea, salvo melhor opinião - que o STA retirou nesses Acórdãos Fundamento é contrária aos argumentos doutrinais que o mesmo enunciou para justificar a sua posição.
33a. Relativamente à condenação da Recorrente no pagamento da indemnização por prestação de garantia indevida - por existir erro imputável aos serviços - apenas se pode concluir que não existem soluções opostas na decisão arbitral e no acórdão fundamento.
34a. Ambas as situações são díspares, na medida em que no caso vertente estamos perante um erro da Recorrente na interpretação de norma legal, ao arrepio dos mais elementares princípios constitucionais, enquanto o Acórdão fundamento versa sobre o pagamento de um imposto, pelo contribuinte, ao abrigo de norma posteriormente declarada inconstitucional.
35a. Deste modo deverá ser o presente recurso rejeitado por falta de fundamento e, em consequência, julgado improcedente.

O Ministério Público foi notificado para os efeitos do disposto n.º 1 do art.º 146.º do CPTA.

Colhidos os vistos legais cumpre decidir.

Na decisão recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1) Como Sociedade Gestora de Fundos de Pensões (doravante, “SGFP”), a Requerente é uma instituição que se dedica à constituição, administração, gestão e representação de Fundos de Pensões, nos termos dos arts. 32.° segs. do Decreto-Lei n.º 12/2006, de 20 de Janeiro (alterado e republicado pela Lei n.º 147/2015, de 9 de Setembro).
2) A Requerente cobra, aos Fundos de Pensões que gere, comissões que remuneram os seus serviços de gestão e administração.
3) A Requerente foi objeto de uma acção inspetiva por parte da Direção de Finanças de Lisboa (credenciada pela Ordem de Serviço OI201603960), concluída por Relatório Final da Inspecção Tributária (doravante, “RIT”), na sequência da qual foi decidida, após audição prévia da Requerente (solicitada por oficio n.° 052462, de 21 de Novembro de 2016), uma correção em sede de IS, por se considerar que essas comissões de gestão respeitam a serviços financeiros sujeitos a IS nos termos da Verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto de Selo (doravante, “TGIS”).
4) Em resultado dessa correção, a Requerente recebeu a nota de liquidação de IS e juros compensatórios n.° 20166430001384, referente ao exercício de 2015, com o valor global de €350.590,28, com prazo de pagamento voluntário a terminar a 20 de Fevereiro de 2017.
5) A Requerente não efetuou esse pagamento e para obstar à prossecução do respetivo processo executivo n.° 3255201701041509, constituiu em 24 de Março de 2017, uma garantia bancária no valor de €443.251,80.
6) A Requerente apresentou o seu pedido de pronúncia arbitral em 29 de Abril de 2017.
Nada mais se deu como provado.

Dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto constante dos acórdãos fundamento, nos termos do disposto no artigo 663.º, n.º 6 do CPC.

Resta agora apreciar o recurso que nos vem dirigido.
As questões suscitadas não são novas e mereceram já a pronuncia deste Supremo Tribunal, entre outros, no acórdão datado de 03.07.2019, recurso n.º 01315/17.4BALSB, o qual seguiremos de perto.

Nas suas contra-alegações de recurso a recorrida pugna, no essencial, pelo não provimento do recurso pelo facto de a recorrente sustentar o presente recurso para uniformização de jurisprudência na alegada contradição entre a decisão recorrida, por um lado, e três acórdãos fundamento, por outro, e por não indicar em que sentido deve a jurisprudência ser fixada.
Mais alega a recorrida que o TC já decidiu, e nos autos, a questão de saber se a norma interpretativa do n.º 7 do artigo 7.º do Código do IS (introduzida pela Lei n.º 7-A/2016 de 30 de março), quando aplicável às comissões de gestão cobradas pelas sociedades gestoras aos fundos de pensões por elas geridos, é ou não conforme à CRP, tendo concluído pela inconstitucionalidade, por violação da proibição de criação de impostos de natureza retroativa, da norma que determina a aplicabilidade aos anos fiscais anteriores a 2016, da norma do n.º 7, em conjugação com o artigo 7.º, n.º 1, alínea e), do Código do IS, segundo a qual a isenção objeto de tais preceitos não abrange as comissões de gestão cobradas pelas sociedades gestoras aos fundos de pensões por elas geridos e que ao insistir na natureza interpretativa do disposto no n.º 7 do artigo 7.º do Código do IS, a Recorrente parece esquecer que o TC já julgou, nos próprios autos, a inconstitucionalidade dessa interpretação, sendo, por isso, tal decisão vinculativa.

Vejamos.
Alega a recorrida que o recurso deve ser julgado improcedente porquanto a AT sustenta o presente recurso para uniformização de jurisprudência na alegada contradição entre a decisão recorrida, por um lado, e três acórdãos fundamento, por outro e não indica em que sentido deve a jurisprudência ser fixada.

Atentas as alegações de recurso, verifica-se que a recorrente AT contesta a decisão arbitral recorrida em três questões distintas, a saber, a conclusão tirada pelo Tribunal Arbitral sobre o âmbito da isenção prevista na alínea e) do n.º 1 do art. 7.º do CIS, em segundo lugar, sobre o carácter inovador da norma ínsita no n.º 7 do art. 7.º do CIS e, em terceiro lugar, sobre a não obrigação do pagamento de indemnização por prestação de garantia indevida uma vez que a “ilegalidade” determinante da anulação da liquidação deriva exclusivamente da aplicação de uma norma que veio a ser considerada inconstitucional pelo próprio Tribunal Constitucional, alegando que a decisão arbitral colide frontalmente com a jurisprudência firmada no âmbito do Acórdão do STA de 15-06-2016, transitado em julgado, prolatado no processo n.º 0770/15, primeiro acórdão fundamento nos presentes autos de recurso, com a jurisprudência firmada no âmbito do Acórdão do STA prolatado em 29-06-2016, transitado em julgado, no âmbito do processo n.º 01630/15, segundo Acórdão fundamento nos presentes autos de recurso e, bem assim, com a jurisprudência firmada no âmbito do Acórdão do STA de 22-03-2017, transitado em julgado, prolatado no processo n.º 0471/14, terceiro Acórdão fundamento nos presentes autos de recurso.

Ora, sendo três as questões que a recorrente alega terem sido decididas em sentido oposto à jurisprudência deste STA e três os Acórdãos deste STA apontados como fundamento, e constituindo jurisprudência uniforme e pacífica que apenas pode ser indicado um único Acórdão fundamento relativamente a cada questão em alegada oposição, assumir-se-á que relativamente à questão que a recorrente identifica como a relativa “ao âmbito da isenção prevista na alínea e) do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo” o Acórdão fundamento relevante é o Acórdão deste STA proferido em 15 de Junho de 2015, no recurso n.º 0770/15, sendo o Acórdão do STA proferido em 29 de Junho de 2016, no recurso n.º 1630/15 o acórdão fundamento relativo à questão identificada pela recorrente como sendo “a do carácter inovador da norma do n.º 7 do artigo 7.º do CIS” e, o terceiro acórdão, será o relevante relativamente à questão da indemnização por prestação de garantia indevida, assumindo-se igualmente que a recorrente pretende que a jurisprudência seja uniformizada, relativamente a cada uma das questões, no sentido constante de cada um dos Acórdãos fundamento que indica.

Relativamente à pronúncia do Tribunal Constitucional nos presentes autos.

Aquando da interposição do recurso a recorrente omitiu, e não retirou as consequências devidas, do facto de, nos presentes autos, o Tribunal Constitucional ter julgado inconstitucional, por violação da proibição de criar impostos com natureza retroativa, estatuída no artigo 103.º, n.º 3, da Constituição da República Portuguesa, a norma do artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de Março, no segmento em que, atribuindo carácter meramente interpretativo ao n.º 7 do artigo 7.º do Código do Imposto do Selo, aditado pelo artigo 152.º da mesma Lei, determina a aplicabilidade, em anos anteriores a 2016, da norma do mesmo n.º 7, em conjugação com a alínea e) do n.º 1 do artigo 7.º, do referido Código, na redação dada pela Lei n.º 107-B/2003, de 31 de dezembro, conducente ao sentido de que a isenção de imposto do selo não abrange as comissões de gestão cobradas pelas sociedades gestoras de fundos de pensões por elas geridas – cfr. Decisão Sumária n.º 404/2017, de 14 de Julho, e Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 644/2017, de 4 de Outubro de 2017, proferido nos autos de recurso n.º 519/17.

A decisão do Tribunal Constitucional quanto à questão da inconstitucionalidade suscitada nos presentes autos tem força de caso julgado – cfr. o n.º 1 e 4 do artigo 80.º da LOFTC – e é obrigatória para todas as entidades públicas e privadas, incluindo, obviamente, a AT e este STA.

Por isso, interpor recurso para este STA para uniformização de jurisprudência de questão que o Tribunal Constitucional já decidiu e que adquiriu força de caso julgado nos presentes autos é uma actuação censurável (que de resto é chamada à colação na conclusão 29ª das contra-alegações e conclusão da a) das alegações) o que releva o seu conhecimento pelas partes. Como pretender que este STA, conhecendo de novo a questão (que a recorrente lhe apresenta omitindo a referência à questão da inconstitucionalidade, mas que em torno desta gira necessariamente), uniformize jurisprudência em sentido contrário ao julgado pelo Tribunal Constitucional – ou seja, que diga que a norma do n.º 7 do artigo 7.º do CIS tem carácter interpretativo, como consignado no Acórdão fundamento indicado pela recorrente, quando o Tribunal Constitucional disse já, neste processo e para o caso concreto, que a atribuição de carácter interpretativo a tal norma é inconstitucional, por violação do n.º 3 do artigo 103.º n.º 3 da Constituição – é uma pretensão ilegítima, que este STA rejeita, rejeitando por isso o recurso no que à questão identificada pela recorrente como sendo “a do carácter inovador da norma do n.º 7 do artigo 7.º do CIS”.

O recurso prosseguirá apenas, para já, para verificação dos respectivos pressupostos substantivos do recurso para uniformização no que à primeira questão respeita e, ainda assim, caso haja que conhecer do respectivo mérito do recurso, tendo presente a pronúncia do Tribunal Constitucional no que às questões de constitucionalidade suscitadas concerne.

Da não verificação dos pressupostos substantivos do recurso

Por Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste STA do passado dia 5 de Junho, proferido no processo n.º 2014/18.5 BALSB, foi decidido, por unanimidade, não haver contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre uma decisão arbitral que julgou que as comissões de gestão cobradas pela gestora de fundos de pensões aos fundos que administra estavam, em 2013, isentas de imposto do selo, ex vi da alínea e) do artigo 7.º do CIS, e o Acórdão deste STA proferido no processo n.º 770/15 – o mesmo Acórdão indicado como fundamento nos presentes autos quanto à primeira questão – que decidiu que não estavam isentas de Imposto do Selo ao abrigo da referida norma legal as “comissões cobradas pela impugnante Banco por serviços de mediação de seguros a Seguradoras”.

Nos presentes autos estão também em causa comissões cobradas por uma Sociedade Gestora de Fundos de Pensões aos fundos que administra no ano de 2015, sobre os quais não liquidou Imposto do Selo no entendimento de que tal imposto não era devido em razão da isenção prevista na alínea e) do artigo 7.º do CIS, entendimento este que a inspecção tributária rejeitou e está na origem das liquidações adicionais sindicadas – cfr. o probatório fixado do acórdão arbitral recorrida, pelo que o que naquele Acórdão do Pleno se decidiu quanto à inexistência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito é inteiramente transponível para os presentes autos, remetendo-se para o ali decidido no que à motivação da decisão respeita.
Na verdade, esta posição assumida pelo Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal é uma posição uniforme que se vem repetindo ao longo do tempo nos seguintes acórdãos, entre outros, recurso n.º 01315/17.4BALSB, de 03-07-2019, recurso n.º 0426/18.3BALSB, de 03-07-2019. Assim, não haverá que admitir este recurso ao abrigo do disposto no artigo 152º, n.º 3 do CPTA.

Por outro lado, e no que toca à questão respeitante à indemnização por prestação de garantia indevida, também não há qualquer contradição com o acórdão invocado para fundar essa contradição uma vez que ali se tratava de condenação em juros indemnizatórios. De resto, face à argumentação usada pela recorrente, em confronto com o disposto no artigo 43.º, n.º 3, al. d) da LGT (na redacção de 2019), sempre seria devida a referida indemnização, pelo que, não ocorre a necessária contradição entre a decisão arbitral e o acórdão fundamento.

Não haverá, pois, que conhecer do mérito do recurso.

Termos em que, face ao exposto, acordam os juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em:
- rejeitar o recurso, quanto à primeira questão, atento o decidido pelo Tribunal Constitucional na sua Decisão Sumária n.º 404/2017, de 14 de Julho e no seu Acórdão n.º 644/2017, de 4 de Outubro de 2017, proferido nos autos de recurso n.º 519/17.;
e
- não tomar conhecimento do mérito do recurso, quanto à segunda e terceira questões, pela não verificação dos respectivos pressupostos substantivos.
Custas pela Recorrente, com dispensa do remanescente da taxa de justiça devida pelo recurso, como peticionado e ex vi do n.º 7 do artigo 6.º do RCP, atenta a rejeição parcial do recurso e o seu carácter meramente remissivo, na parte em que se conheceu dos respectivos pressupostos substantivos.
Comunique-se ao CAAD.
D.n.

Lisboa, 11 de Dezembro de 2019. – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) – José Gomes Correia – José Manuel de Carvalho Neves Leitão – Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos – Paulo José Rodrigues Antunes – Isabel Cristina Mota Marques da Silva – José da Ascensão Nunes Lopes – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz, Vencido, quanto à decisão de dispensa total do remanescente da taxa de justiça, porque, atentas as referências a fls. 24 e 25, designadamente "uma actuação censurável" da recorrente, entendo que a dispensa deveria ser parcial, no máximo de 75%.