Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01354/17.5BESNT |
Data do Acordão: | 02/10/2022 |
Tribunal: | 1 SECÇÃO |
Relator: | ADRIANO CUNHA |
Descritores: | HONORÁRIOS DE ADVOGADO CUSTAS JUDICIAIS CUSTAS DE PARTE |
Sumário: | I - As despesas com custas processuais e honorários de advogado por representação judiciária estão sujeitas a um regime jurídico específico, só podendo ser compensadas através das custas de parte nos termos previstos no Código de Processo Civil e no Regulamento das Custas Processuais (cfr. Acórdão deste STA, Pleno da Secção, de 5/3/2020, proc. 0284/17). II - O art. 7º do DL nº 62/2013, de 10/5 (diploma que estabelece medidas contra os atrasos de pagamento de transações comerciais, transpondo a Diretiva 2011/7/UE), ao prever uma indemnização de 40 euros a título de indemnização pelos custos de cobrança da dívida – ou de quantia razoável superior desde que devidamente comprovada – refere-se a custos suportados com a cobrança extrajudicial da dívida, não abarcando, assim, despesas com custas, encargos processuais e honorários de advogado por representação judiciária. |
Nº Convencional: | JSTA00071393 |
Nº do Documento: | SA12022021001354/17 |
Data de Entrada: | 09/07/2021 |
Recorrente: | A............, UNIPESSOAL, LDA. |
Recorrido 1: | CENTRO HOSPITALAR DE SETÚBAL, E.P.E. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1. “A…………., Unipessoal, Lda.”, devidamente habilitada na posição antes detida por “B…………., Sociedade Unipessoal, Lda.” (cfr. apenso), interpôs o presente recurso de revista do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul (TCAS) em 18/3/2021 (cfr. fls. 384 e segs. SITAF), na parte em que este negou provimento ao recurso de apelação que interpusera da sentença (saneador-sentença) proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Sintra (TAF/Sintra), em 30/5/2018 (cfr. fls. 241 e segs. SITAF), a qual julgara improcedente a ação administrativa (injunção) por si proposta contra o “Centro Hospitalar de Setúbal, EPE”, na parte em vinha peticionado o pagamento de 112.550,36€ a título de valores de «procuradoria condigna, incluindo todas as custas e todos os honorários que a Requerente suporte com a representação judiciária, incluindo aqueles que pagar aos seus mandatários, conforme admitido na jurisprudência dos tribunais administrativos». 2. Efetivamente, o TAF/Sintra julgou improcedente este pedido, expressando, nessa parte, que: «Quanto às custas [que englobam a taxa de justiça] e à procuradoria condigna [que se podem prender com as custas de parte], entendemos que se trata de matéria decorrente da própria presente acção. Pelo que, indo adiante a condenações em custas, é matéria que fica para o a fase do pagamento das custas, incluindo de parte, nos termos do RCP e da respetiva Portaria, pelo que nada mais aqui se entende haver agora a dirimir». E, a final, quanto a custas, julgou: «Custas pelo Réu [“CHS, EPE”] (arts. 527º/ss. CPC e preceituado e tabelas do RCP» - cfr. reforma da sentença quanto a custas, a fls. 258 SITAF. 3. O Ac.TCAS, ora recorrido (cfr. fls. 384 e segs. SITAF), confirmou este julgamento da 1ª instância, assim negando provimento à apelação da Autora/Recorrente, ainda que, explicitamente, por diverso fundamento (falta de alegação de factos substanciadores do pedido em questão): «(…) A Autora procede à formulação do pedido, procede à sua quantificação, mas abstém-se da alegação, ainda que mínima, dos factos atinentes às despesas que suportou com a presente ação, por nenhuma concretizar. Por isso, a decisão recorrida não deu como provada a realização de qualquer despesa pela Autora, do mesmo modo que não a julgou não provada, pela razão de não terem sido alegados quaisquer factos, julgamento de facto este que não se mostra impugnado no âmbito do presente recurso. Devendo o julgador obediência aos factos que hajam sido alegados e provados no processo, sem factos em que se baseie o pedido, não pode proceder o fundamento do recurso, devendo manter-se a decisão sob recurso, que relega a matéria da condenação do Réu em procuradoria para a fase do pagamento de custas. Nestes termos, não tem a Recorrente razão ao dirigir o erro de julgamento contra a decisão recorrida, porquanto, embora por diversos fundamentos, será de manter a decisão na parte ora recorrida. Termos em que, em face do exposto, será de negar provimento ao fundamento do recurso, por não provado». 4. Mantendo-se inconformada com este julgamento do TCAS, veio a Autora/Recorrente interpor o presente recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo, terminando as respetivas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 443 e segs. SITAF): «A) O presente Recurso de Revista vem interposto do Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, em 18.03.2021, nos termos do qual se decidiu negar provimento ao recurso jurisdicional interposto pela primitiva Autora/Recorrente, julgando-se improcedente o Erro de Julgamento na não condenação do Recorrido ao pagamento de procuradoria condigna, incluindo custos e honorários de mandatário despendidos pela Recorrente com a sua representação judiciária. B) A Recorrente tem legitimidade para interpor o presente Recurso de Revista em substituição da primitiva Autora/Recorrente em função do Incidente de Habilitação de Cessionária deduzido pela Recorrente, em 27.04.2021, onde demonstrou que em 24.03.2021, celebrou com a primitiva Autora/Recorrente um Aditamento ao Contrato de Cessão de Créditos datado de 08.08.2017 (facto provado 11), por intermédio do qual adquiriu todos créditos, acessórios e garantias, de que aquela era detentora no presente processo. C) No presente caso encontra-se verificados os pressupostos de que o n.º 1, do artigo 150.º, do CPTA faz depender a admissibilidade do Recurso de Revista, na medida em que não só se está perante uma questão que, pela sua relevância jurídica e social, torna a presente revista de importância fundamental, como se está perante um quadro em que a revista é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. D) Neste sentido, e a propósito do pressuposto de existência de “relevância jurídica ou social que torna a revista de importância fundamental”, demonstrou-se que no presente caso estamos perante uma (in)correta interpretação e aplicação do regime de ressarcimento das Despesas e Honorários de Mandatário Judicial em que Parte lesada teve que incorrer para se fazer representar em juízo, que não só suscita dúvidas na Jurisprudência (v.g. Acórdãos invocados em sede de Recurso que se mostram contraditórios com as decisões proferidas no processo pela 1.ª e 2.ª instâncias), E) Como consubstancia uma questão com contornos indiciadores de que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto e das partes envolvidas no litígio, podendo, por isso, representar uma possível orientação para a resolução de futuros casos (já que se mostra de enorme suscetibilidade a ocorrência de pedidos como o presente no contencioso administrativos cuja constituição de mandatário é obrigatória). F) No presente caso estamos também perante um thema decidendi que suscita dúvidas na jurisprudência e apresenta séria probabilidade de reincidência nos nossos Tribunais, e que se relaciona com o regime da legalidade da formulação de pedidos genéricos (cf. artigo 556.º, n.º 1, alínea b), do CPC e artigo 569.º, do Código Civil), e respetivas condenações genéricas (cf. artigos 358.º e 609.º, do CPP), sendo sintomático disso mesmo o Acórdão proferido pelo Venerando Tribunal a quo, em 30.01.2020, no âmbito do processo n.º 253/18.8BEALM, em completa contradição com o Acórdão sob revista. G) Sendo que naquele foi formulado um pedido genérico de condenação no pagamento de “custas e procuradoria condigna, incluindo a integralidade dos custos, despesas e honorários que a Autora incorra com os seus advogados” e o Venerando Tribunal a quo julgou tal pedido procedente, relegando o seu quantum para incidente de liquidação, H) E neste, não obstante se reconhecer que aqueles valores foram estimados, julgou-se antes ser de relegar “tal matéria” para a fase de pagamento de custas de parte, ao invés de relegar “tal quantum” para incidente de liquidação, por falta de invocação de factos suficientes. I) Mais se atente que a presente questão ainda que denote um possível incumprimento do ónus de alegação, não é configurada como um incumprimento do ónus da prova, o que sempre seria suscetível de inquinar a Sentença recorrida, e, por conseguinte, o Acórdão sob revista, de nulidade, por ter aquela sido proferida de imediato sem facultar às Partes a discussão da matéria de facto e a produção de prova, quando expressamente requerida. J) Tal vício de nulidade tem igualmente sido objeto de várias decisões por parte dos nossos Tribunais, apresentando contornos de expansão da controvérsia, sempre servindo para demonstrar que a questão objeto do presente Recurso é suscetível de suscitar uma séria de questões debatidas na nossa jurisprudência com também claros indicadores de expansão da controvérsia. K) Neste sentido, e a propósito do pressuposto de existência de “Necessidade de Melhor Aplicação do Direito”, demonstrou-se que no presente caso estamos perante um erro “manifesto e grave” de interpretação e aplicação do regime de ressarcimento da procuradoria, que se mostra em clara contradição com a jurisprudência anteriormente proferida pelos nossos Tribunais Administrativos Superiores dos quais se destaca este Supremo Tribunal Administrativo e o próprio Venerando Tribunal a quo (v.g. Acórdão proferido por estes Venerando Tribunal a quo, em 30.01.2020, no âmbito do processo n.º 253/18.8BEALM). L) Ao contrário do preconizado em manifesto erro de julgamento pelo Venerando Tribunal a quo, o pedido formulado autonomamente de condenação em procuradoria, não pode ser reconduzido ao regime das custas de parte, consagrado no Regulamento de Custas Processuais, apenas e tão só por não terem sido invocados factos suficientes para a sua concretização, já que não existe obrigação legal de exposição definitiva dos factos aquando da formulação do pedido (cf. artigos 556.º, n.º 1, alínea b), do CPC e 569.º, do Código Civil), e este sempre pode ser concretizado em sede de incidente de liquidação nos termos do disposto no artigo 358.º e 609.º, do CPC. M) No mais, tais “factos” sempre resultariam da instauração da Ação (com vista a eliminação da ordem jurídica de um ato ilícito perpetuado pelo Recorrido, enquanto Administração), já a Autora/Recorrente beneficiar de apoio judiciário na modalidade de “nomeação e pagamento da compensação de patrono” ou de “pagamento da compensação de defensor oficioso”. N) O facto do Venerando Tribunal a quo não julgar improcedente tal pedido por incumprimento do ónus de alegação e/ou de prova, relegando antes para outro regime com o qual se conforma não obstante não conhecer do seu mérito e reconhecer que o âmbito do pedido o extravasa, é também suscetível de representar uma manifesta errada aplicação do direito. O) Resulta assim evidente a necessidade da presente revista como condição para garantir a uniformização da presente matéria, que não só se encontra decidida de forma pouco consistente, como contraditória, e ainda manifestamente errada, em 1.ª e 2.ª instância. P) Nestes termos, deve ser admitida a presente Revista, nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 6, do artigo 150.º, do CPTA, porque se encontram verificados que se encontram os pressupostos consagrados no seu n.º 1, não se configurando este Recurso como um “normal” Recurso Jurisdicional para um “3.º grau de jurisdição”. Q) Por conseguinte deve o presente Recurso de Revista ser julgador procedente, na medida em que se mostra pacifico na nossa jurisprudencialmente de que as despesas e os honorários de mandatário judicial são danos indemnizáveis quando adequados e necessários para eliminar da ordem jurídica a atuação ilícita da Administração geradora do dever de indemnizar, R) Motivo pelo qual, sempre o aqui Recorrido deveria ser condenado a pagar à Autora (aqui Recorrente) as despesas com a presente ação e honorários de mandatário judicial, relegando-se o seu quantum para execução de Sentença, nos termos do artigo 609.º, do CPC, porquanto, no presente caso, é obrigatória a constituição de advogado e se não fosse a ilegalidade praticada, a Autora (aqui Recorrente) não teria de propor a presente ação, demonstrando-se, assim, verificados, todos os pressupostos necessários para a condenação naquele ressarcimento. S) Com efeito, não existindo elementos concretos para apurar o quantum dos honorários dos Mandatários da Autora (aqui Recorrente), sempre seria de relegar a sua quantificação para Incidente de liquidação nos termos do artigo 358.º, n.º 2, do CPC. T) Isto sem prejuízo de os “factos” reveladores dos danos indemnizáveis já resultarem evidentes da instauração da presente Ação (com vista a eliminação da ordem jurídica de um ato ilícito perpetuado pelo Réu, enquanto Administração), na medida em que a Autora (aqui Recorrente) não beneficia de apoio judiciário na modalidade de “nomeação e pagamento da compensação de patrono” ou “pagamento da compensação de defensor oficioso”. U) No mais, o ressarcimento das despesas judiciais e dos honorários forenses da parte lesada vencedora não pode ser reconduzida à compensação prevista na alínea d), do n.º 2, do artigo 25.º, e alínea c), do n.º 3, do artigo 26.º, do Regulamento das Custas Processuais, porquanto totalmente independente do Pedido formulado pela Autora (aqui Recorrente). V) Com efeito, os valores resultantes da aplicação do citado regulamento representam uma “parte ínfima das despesas com o patrocínio judiciário”, que não podem ser entendidas como suficientes para cumprir a “tradicional finalidade” do regime da procuradoria, sob pena de deslocar para a esfera do lesado uma consequência que, segundo os princípios gerais da responsabilidade extracontratual por factos ilícitos, deve ser suportada pelo lesante, em clara violação do artigo 22.º, da CRP, que garante, como direito fundamental, a responsabilidade da Administração por factos ilícitos e culposos que causem prejuízos a outrem. W) O cálculo da compensação prevista na alínea d), do n.º 2, do artigo 25.º; na alínea c), do n.º 3, do artigo 26.º, do Regulamento das Custas Processuais, e do n.º 1, do artigo 32.º, da Portaria n.º 419-A/2009, de 17 de Abril, e referente a “quantias pagas a título de honorários de mandatário”, cinge-se apenas aos casos em que os honorários com os Mandatários não ultrapassam tal valor fixo, devendo esse valor ser depois descontado do valor final que se venha a apurar caso seja apresentada Nota Discriminativa e Justificativa de Custas de Parte, com essa rubrica. X) Em face do exposto, deve o Acórdão sob revista ser revogado e substituído por outro que julgue procedente o pedido de condenação do Recorrido em procuradoria condigna, incluindo custos e honorários com mandatários da Recorrente, a serem liquidados em fase de liquidação de sentença, descontando-se, caso a autora apresente nota discriminativa e justificativa de custas de parte, o valor aí reclamado a título de honorários de mandatário e taxa de justiça. Termos em que, Deve o presente Recurso de Revista ser admitido e julgado procedente, por provado, revogando-se o Acórdão ora sob revista, e decidindo-se a causa concreta no sentido da condenação do Recorrido em procuradoria condigna, incluindo custos e honorários com mandatários da Recorrente, a serem liquidados em fase de liquidação de sentença, descontando-se, caso a autora apresente nota discriminativa e justificativa de custas de parte, o valor aí reclamado a titulo de honorários de mandatário e taxa de justiça, tudo nos termos e com os fundamentos supra expostos, Assim se fazendo a acostumada JUSTIÇA!». 5. O Réu/Recorrido apresentou contra-alegações, que terminou com as seguintes conclusões (cfr. fls. 505 e segs. SITAF): «A).- A acção objecto dos autos teve início em procedimento de injunção interposta por B…………. UNIPESSOAL LDA e o presente recurso vem interposto por A………….. UNIPESSOAL LDA., que por apenso aos autos, deduziu incidente de habilitação de cessionário. B).- A habilitação, como incidente processual, implica a substituição de alguma das partes na relação jurídica substantiva em litígio, no caso, por acto entre vivos sendo a sua decisão objecto de sentença declarando os habilitados, para com eles prosseguir a causa principal. C).- Assim, a substituição da parte processual por habilitação só ocorre após a prolacção da sentença a decidir o incidente, mantendo até esse momento tal qualidade a anterior parte, com os inerentes poderes processuais que tal qualidade lhe conferem. D).- Ora, à data da interposição do recurso o incidente de habilitação não se encontra ainda decidido, pelo que a legitimidade para a interposição do recurso caberia à autora B……….. UNIPESSOAL LDA., e não à recorrente, pelo que deve ser indeferido o recurso por falta de legitimidade da recorrente. E).- Através do recurso tem a recorrente como objectivo alcançar a condenação do ora recorrido em € 112.550,30 a título de procuradoria condigna incluindo honorários de advogado. F).- É pressuposto de admissibilidade da revista excepcional nos termos do artº 150º do Código Processo nos Tribunais Administrativos estar em causa questão de relevância jurídica ou social de importância fundamental, claramente necessária para melhor aplicação do direito. G).- Por questão de relevância social, entende-se aquela que se repercute no sentir de toda a comunidade, com interesse para o cidadão comum, relacionados com valores socio económicos importantes, tal como, tranquilidade e ordem social, segurança pondo em causa a eficácia do direito e minando a sua credibilidade, chamando a atenção de relevantes camadas da população, e a extravasar, nitidamente, os meros interesses particulares das partes no objecto do processo. H).- A condenação a título de procuradoria condigna incluindo honorários de advogado em processo judicial não assume relevância social que justifique a admissibilidade de recurso de revista excepcional, após dupla conforme. I).- Também o pressuposto da relevância jurídica para uma melhor aplicação do direito, se afigura não estar preenchido, pois a interpretação jurídica sobre a jurisprudência invocada em abono da tese da recorrente e âmbito de aplicação do disposto no artº 7º do Dec.-Lei 62/2013 de 10 de Maio não contém nem relevância nem complexidade que justifiquem o recurso de revista excepcional, pelo que não deve ser admitido o recurso. J).- Nos presentes autos, na sequência de procedimento de injunção está em causa o cumprimento de obrigação pecuniária decorrente de um contrato. L).- Toda a jurisprudência invocada em abono da tese da recorrente tem por objeto situações factuais totalmente diferente da dos autos em que os honorários enquanto necessários para eliminar o acto lesivo da administração, são entendidos como danos emergentes do mesmo acto e assim também indemnizações por serem consequência directa do acto lesivo. M.- Não sendo o caso dos autos em que está em causa uma transacção regulada pelo Decreto-Lei 62/2013 de 10 de Maio, não havendo similitude de situações que permita aplicar os mesmos princípios ou orientações jurisprudenciais. N).- Nem o disposto no artº 7º do Dec.-Lei 62/2013 de 10 de Maio se mostra susceptível de fundamentar a pretensão da recorrente, pois, dispõe que em matéria de despesas de cobrança de dívida o credor tem direito a receber do devedor um montante mínimo de € 40,00 sem necessidade de interpelação. O).- Acrescentando que pode provar que suportou custos razoáveis que excedam aquele montante e exigir indemnização superior correspondente. P).- A lei qualifica expressamente como “ indemnização” o direito do credor receber como custos da cobrança da dívida valor superior a 40 euros. Q).- Tendo os presentes autos origem em injunção que, conforme decorre do artº 2º do Dec-Lei 62/2013 tem obrigatoriamente de ter por objecto obrigação pecuniária emergente de transacção comercial, ficando excluídos da aplicação do procedimento de injunção as obrigações emergentes de responsabilidade civil ( cfr nº 2 al. c) do artº 2º do DL 62/2013), não pode a pretensão da recorrente ser objecto de injunção e consequentemente não pode ser objecto de decisão na presente acção que lhe é subsequente. R).- A qualificação como indemnização por um lado, e por outro, a necessidade de prova da razoabilidade dos custos prevista no artº 7º do DL 62/2013, obrigam a que se o credor pretende obter custo superior ao taxativamente fixado (€ 40,00), tal pretensão só se efectiva através de acção de indemnização a interpor separadamente e “ a posteriori”. S).- Entendimento que resulta ainda do regime processual das custas de parte previstas no artº 529º nº 4 do CPC e artº 26 do Regulamento de custas Processuais, pois, só após a liquidação e pagamento das custas de parte é possível ajuizar obre a razoabilidade dos custos, assim se respeitando o princípio da unidade do sistema jurídico. T).- Acrescendo que, se se entender que o regime do Dec.-Lei 62/2013 em matéria de reembolso de custos de cobrança da dívida por parte do credor se sobrepõe ao regime processual civil em sede de custas de parte, tal norma viola o princípio da igualdade consagrado no artº 13º nº1 da Constituição da Republica, aplicando regimes diferentes a situações idênticas sem fundamento constitucional relevante ou justificativo da desigualdade de regimes como o impõe o nº 2 do artº 18º da Constituição, estando, pois, aquele entendimento ferido de inconstitucionalidade material. U).- O princípio da unidade do sistema jurídico e considerando que o Dec-Lei 62/2013 transpõe legislação europeia para o direito nacional, impõe que se entenda que a hipótese abstracta contemplada no artº 7º é regulada em concreto pelas normas de direito interno sobre tal matéria, ou seja, o regime das custas de parte. V).- Nenhuma censura merece, pois, o Acórdão sob recurso, pois nada mais se lhe impunha decidir para além de manter a sentença então recorrida, devendo ser negado provimento ao recurso como é de JUSTIÇA». 6. O presente recurso de revista foi admitido por Acórdão de 1/7/2021 (cfr. fls. 529 e segs. SITAF) proferido pela formação de apreciação preliminar deste STA, prevista no nº 6 do art. 150º do CPTA, designadamente nos seguintes termos: «(…) 6. O TAF/SNT não condenou o R. no pagamento do montante de 112.550,36 € peticionado pela A. a título de valores de «procuradoria condigna, incluindo todas as custas e todos os honorários que a Recorrida suporte com a representação judiciária, incluindo aqueles que pagar aos seus mandatários» [cfr. fls. 241/257], juízo este que foi mantido pelo TCA/S. (…) 11. Ora a questão da obrigação de pagamento por parte das entidades públicas das despesas judiciais, mormente dos honorários de advogados tem motivado o recebimento de vários recursos de revista [cfr. Acs. do STA/Formação de Admissão Preliminar de 12.04.2018 - Proc. n.º 0256/18, de 11.01.2019 - Proc. n.º 02582/09.2BELSB, de 22.03.2019 - Proc. n.º 0538/08.1BELRA, de 12.12.2019 - Proc. n.º 01045/16.4BEALM], sendo que, no caso vertente, mostra-se equacionada a aplicação ao litígio ainda do regime inserto no DL n.º 62/2013, de 10.05 [diploma que veio estabelecer medidas contra os atrasos no pagamento de transações comerciais, transpondo a Diretiva n.º 2011/7/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16.02] mormente do seu art. 07.º. 12. Pese embora a convergência, no essencial, dos juízos firmados pelas instâncias temos que a quaestio juris colocada na revista releva de algum melindre e dificuldade/complexidade jurídica, para além de suscetível de ser recolocada em casos futuros, e cuja dilucidação quanto aos aspetos dubitativos e no contexto apurado carecem também de melhor análise/ponderação por parte deste Supremo Tribunal». 7. A Exma. Magistrada do Ministério Público junto deste STA, notificada nos termos e para os efeitos do disposto no art. 146º nº 1 do CPTA, emitiu parecer (cfr. fls. 540 e segs. SITAF), no sentido de ser negado provimento à revista, e de ser mantido integralmente o acórdão recorrido. Para tanto ponderou, designadamente: «(…) Salvo melhor opinião, cremos que não assiste razão à recorrente. - 4 – Na verdade, a jurisprudência citada pela recorrente já não se mantém nos dias de hoje e o entendimento pela mesma defendido não tem actualmente qualquer fundamento legal. (…) A jurisprudência do STJ tem seguido, de forma unânime, o entendimento de que “as despesas realizadas com o processo, incluindo o pagamento dos honorários, apenas podem ser compensadas a título de custas de parte, nos termos previstos nas disposições correspondentes do Código de Processo Civil e no Regulamento das Custas Processuais” (…)- 5 – Face ao enquadramento legal vigente, o Supremo Tribunal Administrativo alterou o seu entendimento anterior, no acórdão proferido em 05/03/2020, no Proc. nº 0284/17.5BELSB, onde, em julgamento ampliado, nos termos do artº 148º do CPTA, se decidiu que : “Na indemnização devida à parte vencedora a título de responsabilidade civil por atraso na administração da justiça não é de incluir a importância decorrente das despesas com os honorários do seu advogado que, estando sujeitas a um regime específico, só podem ser compensadas através das custas de parte nos termos previstos no Código de Processo Civil e Regulamento das Custas Processuais.” Desde então, e refectindo este novo entendimento, foram igualmente proferidos neste STA, no mesmo sentido, os seguintes acórdãos : - Ac. de 02/07/2020 – Proc. nº 03/13.5BCPRT 01085/17 - Ac. de 24/09/2020 – Proc. nº 02504/08.8BEPRT - Ac. de 29/10/2020 – Proc. nº 02582/09.2BELSB - Ac. de 13/05/2021 – Proc. nº 01045/16.4BEALM Trata-se de entendimento que subscrevemos inteiramente e que se nos afigura aplicável em qualquer tipo de acções e não exclusivamente em acções de responsabilidade civil por atraso na administração da justiça – conforme resulta do decidido nos dois primeiros acórdãos acima citados. Assim, no caso dos autos, o regime de compensação da recorrente pelos honorários do seu mandatário é unicamente o que resulta do disposto nos artºs 529º e 533º do CPC e artºs 25º e 26º do RCP, não se mostrando, pois, procedente a sua argumentação em sentido contrário. - 6 – Por outro lado, como se sublinha no acórdão recorrido, a A/Recorrente não alegou na petição quaisquer factos relativos às despesas de honorários que reclama. Ou seja, formulou um pedido, sem alegar a correspondente causa de pedir, incumprindo assim o disposto no artº 552º nº 1, al. d) do CPC – “na petição, com que propõe a ação, deve o autor: ( … ) – Expôr os factos essenciais que constituem a causa de pedir”. Limitou-se a A. a inscrever, na al. v) do pedido, um valor correspondente a uma percentagem de 20 % sobre o valor total dos créditos reclamados ( € 112.550,36 corresponde a 20% de € 558.680,33 + € 4.071,48 ), sem alegar quaisquer factos respeitantes ao efectivo pagamento de tal quantia ao seu mandatário ou eventuais pagamentos provisionais parcelares da mesma. (…) Assim, para o pedido efectuado de 112.550,36 € não apresentou a A. qualquer causa de pedir, pelo que bem andou o acórdão recorrido ao concluir que “ … sem factos em que se baseie o pedido, não pode proceder o fundamento do recurso, devendo manter-se a decisão sob recurso, que relega a matéria da condenação do Réu em procuradoria para a fase do pagamento de custas.” - 7 – Importa ainda sublinhar que nas conclusões e alegações da revista a recorrente não suscita qualquer questão relacionada com a aplicação do disposto no artº 7º do DL nº 62/2013, de 10/5, a qual também não foi objecto de apreciação no âmbito do acórdão recorrido. Não pode, pois, a nosso ver, a presente revista conhecer de tal questão, uma vez que são as conclusões da alegação que definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto no artº 635º nº 4 do CPC. Contudo, salvo melhor opinião, cremos que o disposto no artº 7º do DL nº 62/2013 não abrange o pagamento de honorários de mandatários em processos judiciais, tal como se decidiu no acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, em 06/05/2021, no Proc. nº 36836/20.2YIPRT.G (…)Afigura-se-nos que tal entendimento resulta ainda, implicitamente, do entendimento da norma correspondente do artº 6º da Diretiva 2011/7/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 16 de fevereiro de 2011, constante do acórdão proferido pelo TJUE, 9ª secção, no Processo nº C-287/17, de 13/09/2018 (…) Assim, salvo melhor entendimento, o disposto no artº 7º do DL nº 62/2013 abrange apenas o custo das despesas extrajudiciais realizadas pelo credor e não o pagamento de honorários aos mandatários em processos judiciais instaurados. - 8 – Pelo exposto, emite-se pronúncia no sentido de ser negado provimento ao recurso, mantendo-se integralmente o acórdão recorrido». Notificadas deste parecer, as partes não lhe responderam (cfr. fls. 550, 551 e 552 SITAF). 9. Após vistos, o processo é submetido à Conferência, cumprindo apreciar e decidir. * II - DAS QUESTÕES A DECIDIR 10. Constitui objeto dos presente recurso de revista decidir se o Ac.TCAS recorrido procedeu a um correto julgamento do recurso de apelação interposto, ao confirmar a improcedência do pedido da Autora/Recorrente na parte atinente à quantia de 112.550,36€ a título de valores de «procuradoria condigna, incluindo todas as custas e todos os honorários que a Requerente suporte com a representação judiciária, incluindo aqueles que pagar aos seus mandatários, conforme admitido na jurisprudência dos tribunais administrativos». Preliminarmente, cumpre apreciar e decidir a questão, suscitada pelo Réu/Recorrido, da ilegitimidade da Recorrente para a interposição do presente recurso de revista. * III - FUNDAMENTAÇÃO III. A – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO 11. As instâncias tiveram em consideração os seguintes elementos de facto, que deram como provados: «1) -A Autora [A], B……………., Unipessoal, Lda, tem Matrícula e NIPC ………….., e sede na Estrada Nacional ……………, Amadora, é uma sociedade comercial, e tem por objecto o comércio, importação e venda de reagentes, equipamentos e testes de diagnósticos médicos e produtos para investigação – certidão de Registo Comercial de fls 51/ss, doc 1 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido. 2) -O Ré(u) [R], Centro Hospitalar de Setúbal, EPE, [CHS], tem o NIPC 507.606.787, e sede na Rua Camilo Castelo Branco, 175, Setúbal, é uma pessoa colectiva de direito público, de natureza empresarial, dotada de autonomia administrativa, financeira e patrimonial. 3) -Em 05/01/2016, a A e o R celebraram um contrato de fornecimento de bens ou serviços de especialidade de diagnósticos, pelo período de 05/01/2016 a 29/12/2016, no quadro das normas de contratação pública de acordo com a legislação aplicável, nomeadamente o Código de Contratos Públicos [CCP]; –por acordo. 4) -A Autora cumpriu as obrigações do mencionado contrato de fornecimento, fornecendo ao R os bens ou serviços contratados; - por acordo. 5) -Na sequência do fornecimento dos produtos contratados, a Autora emitiu as seguintes correspectivas facturas, no montante de 584.494,71€ (quinhentos e oitenta e quatro mil, quatrocentos e noventa e quatro euros e setenta e um cêntimos), --que tendo a A descontado o montante de 25.814,38€ (vinte e cinco mil, oitocentos e catorze euros e trinta e oito cêntimos) referente às notas de crédito, totalizando o capital de 558.680,33€ (quinhentos e cinquenta e oito mil, seiscentos e oitenta euros e trinta e três cêntimos)--, para o respetivo pagamento, descritas na “réplica”, e doc 2 da PI, junto a fls 50 e fls 55 a 121 e respetivos versus, a que me reporto, cujo teor se dá por integralmente reproduzido: (…) 6) -As referidas facturas foram emitidas, com prazos de vencimento de 90 dias a contar da respectiva emissão, tendo-se vencido a primeira dessas facturas em 04/04/2016 e a última em 29/03/2017; –acordo e docs juntos. 7) -As facturas acima indicadas, como acima referido, têm o valor total de € 584.494,71. 8) -A este montante descontado o valor de €25.814,38, respeitantes a notas de crédito que a Autora emitiu, perfaz o restante de capital não pago pela R, dos referidos €558.680,33; --acordo e docs juntos. 9) -Em 15/05/2017, a Autora dirigiu à Ré a carta registada com A/R de fls 122/123, doc 3 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, referindo-se a anteriores contactos e esforços, no sentido do pagamento das facturas no valor de 558.680,33€ e juros, solicitando ao Réu o pagamento. 10) -Em 01/08/2017, a A dirigiu à Ré a nova carta solicitando ao R o pagamento -acordo. 11) -Em 08/08/2017, a Autora celebrou com a A…………, Unipessoal, Lda, Matrícula e NIPC ……………, com sede em Praça ………………, Lisboa, o contrato de cessão de créditos de fls 124 a 129, doc 4 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, mediante o qual a A cedeu à A…………., Unipessoal, Lda, Cessionária, o direito aos juros de mora de cada factura até efectivo e integral pagamento, contabilizados até 01/08/2017, e quaisquer outros direitos associados ou provenientes dos direitos e créditos cedidos, transmitindo-lhe tais créditos como ali consta. 12) -Em 09/08/2017, a Autora dirigiu à Ré a carta registada com A/R de fls 130, doc 5 da PI, cujo teor se dá por integralmente reproduzido, com o registo CTT, «RF 1893 4351 0 PT», recebido e assinado em 16/08/2017, como dele consta, comunicando e dizendo notificar o Réu, nos termos do artigo 583, do CC, do contrato de cessão de créditos acabado de referir [e cláusula 3ª deste referido contrato]; e a Autora, como cedente, acordou assegurar e garantir à referida cessionária «que prestará todo o auxílio a esta última nas suas acções (incluindo judiciais), diligências, negociações, actos ou em geral actividades para promover a obtenção da satisfação dos créditos, frutos e quaisquer outras vantagens ou benefícios» [cfr cláusula 4ª, § 4, deste referido contrato]. 13) -Em 12/10/2017, o Réu pagou à Autora as seguintes supra referidas facturas: --7570164725, emitida em 05/01/2016, vencida em 04/04/2016 no valor de € 511,45; --7570165793, emitida em 14/01/2016, vencida em 13/04/2016 no valor de € 511,45; --7570166709, emitida em 22/01/2016, vencida em 21/04/2016 no valor de €4.118,04; totalizando 5.140,94€, pelo que resta de facturas de 553.539,39€ --acordo e docs 1, 2 e 3 da contestação; sendo os juros de mora destas, respectivamente €54,49, €53,61, e € 425,29, totalizando 533,39€. 14) -Em 08/09/2017, a A interpôs a Injunção Nº 87911/17.9YIPRT, através do Balcão Nacional de Injunções –fls 3 e 4. 15) -Em 24/10/2017, foi autuada a presente acção, neste tribunal –fls 2 e 3». * III. B – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO 12. O Réu/Recorrido suscita a “ilegitimidade” da Recorrente “A…………., Lda.” para os termos do presente recurso de revista, uma vez que este foi interposto (em 30/4/2021) antes da decisão proferida no apenso de habilitação (em 7/6/2021), portanto antes de a Recorrente ter sido reconhecida, para os termos da presente lide, como sucessora da sociedade “B……………, Lda.”, a inicial Autora. Mas não tem razão, pois que o presente recurso de revista foi interposto pelos mandatários judiciais da “A…………….” em momento em que esta já era cessionária do direito em discussão (desde 24/3/2021), pelo que o deferimento, no apenso, da sucessão processual requerida, por via do reconhecimento da detenção desse direito substantivo já antes adquirido, faz retroagir a esse momento aquisitivo a eficácia dos seus direitos processuais de parte. Ainda que tal “legitimidade” processual estivesse obviamente dependente da decisão de procedência da habilitação. Note-se que, no caso, a habilitação revestia caráter facultativo – e não obrigatório, como noutro tipo de habilitações -, não impondo a suspensão da instância (cfr. art. 269º do CPC), o que ocasiona que, ainda que não fosse requerida, a decisão final da lide não deixaria de formar caso julgado oponível ao cessionário não interveniente (cfr. art. 263º nº 3 do CPC). Por isso mesmo, atento esse caráter facultativo, o transmitente ou cedente pode manter-se como parte na lide até final, não obstante não deter já um interesse substantivo em decorrência da transmissão ou cessão operada. Como refere Salvador da Costa in “Os incidentes da instância”, Almedina, 11ª edição, 2020, pág. 221: «É uma substituição facultativa e integral que não implica a suspensão da instância na causa, porque o transmitente continua a ter legitimidade para a mesma não obstante a sentença produzir em regra em relação ao adquirente, mesmo que nela não intervenha, efeitos de caso julgado (…)». Pela mesma ordem de razões, o (já) adquirente ou (já) cessionário pode intervir na lide, ainda que a título provisório e condicionado ao reconhecimento dessa qualidade através do competente incidente de habilitação. O que não poderá é considerar-se a sua intervenção eficaz e definitiva, caso não seja requerida a sua habilitação, ou caso esta não venha a ser relevantemente deferida. Aliás, numa situação processual como a dos presentes autos, em que não se verifique a suspensão da instância, o (já) adquirente/cessionário tem que poder intervir como única forma de defesa dos seus interesses processuais (designadamente recursivos), face a um possível e compreensível desinteresse do transmitente/cedente – embora condicionada, como se disse, a eficácia dessa sua intervenção à confirmação da sua habilitação. Isto significa que, não tendo sido suspensa a instância, como não tinha que ser, o recurso de revista tanto poderia ter sido interposto pela primitiva Autora (“B…………”) – desde que não requerida a habilitação (facultativa) ou desde que ainda não favoravelmente decidida - como pela (já) cessionária (“A………….”) – neste caso, condicionada a decisão favorável da sua habilitação. Assim, bem andou o TCAS em ordenar o prosseguimento da tramitação do recurso interposto pela “A………….” através da notificação do Réu/Recorrido para contra-alegações, em despacho (cfr. fls. 500 SITAF) proferido subsequentemente à decisão, tomada no apenso, de reconhecimento da sua habilitação como cessionária. Improcede, pois, esta questão, da suposta “ilegitimidade recursiva” da Recorrente, suscitada pelo Réu/Recorrido nas suas contra-alegações. 13. Em causa, na presente revista, como acima salientámos, está a improcedência, julgada pelas instâncias, da ação na parte atinente ao pedido da Autora/recorrente de 112.550,36€ a título de valores de «procuradoria condigna, incluindo todas as custas e todos os honorários que a Requerente suporte com a representação judiciária, incluindo aqueles que pagar aos seus mandatários, conforme admitido na jurisprudência dos tribunais administrativos». As instâncias, embora convergentes na improcedência deste pedido, fundamentaram diferentemente o seu julgamento. Efetivamente, o TAF/Sintra motivou o seu julgamento de improcedência afirmando que esse pedido apenas pode ser satisfeito no âmbito do regime das custas processuais: «Quanto às custas [que englobam a taxa de justiça] e à procuradoria condigna [que se podem prender com as custas de parte], entendemos que se trata de matéria decorrente da própria presente acção. Pelo que, indo adiante a condenações em custas, é matéria que fica para o a fase do pagamento das custas, incluindo de parte, nos termos do RCP e da respetiva Portaria, pelo que nada mais aqui se entende haver agora a dirimir». E, a final, quanto a custas, julgou: «Custas pelo Réu [“CHS, EPE”] (arts. 527º/ss. CPC e preceituado e tabelas do RCP». Já o Ac.TCAS recorrido, confirmou este julgamento de improcedência, mas por ter entendido que o pedido não poderia proceder desde logo por se ter a Autora/Recorrente limitado a formulá-lo, quantificando-o, mas sem alegar, minimamente, os factos substanciadores das despesas ditas suportadas, os quais, por isso, também não puderam resultar provados. 14. Sucede que, como afirmado no parecer do MºPº, este Supremo Tribunal Administrativo, em Acórdão proferido em 05/03/2020, no Proc. nº 0284/17.5BELSB, decidiu, em julgamento ampliado, nos termos do artº 148º do CPTA, que: “Na indemnização devida à parte vencedora a título de responsabilidade civil por atraso na administração da justiça não é de incluir a importância decorrente das despesas com os honorários do seu advogado que, estando sujeitas a um regime específico, só podem ser compensadas através das custas de parte nos termos previstos no Código de Processo Civil e Regulamento das Custas Processuais”. Desde então, e refectindo este novo entendimento, foram igualmente proferidos neste STA, no mesmo sentido, os seguintes Acórdãos: - Ac. de 02/07/2020 – Proc. nº 03/13.5BCPRT 01085/17 - Ac. de 24/09/2020 – Proc. nº 02504/08.8BEPRT - Ac. de 29/10/2020 – Proc. nº 02582/09.2BELSB - Ac. de 13/05/2021 – Proc. nº 01045/16.4BEALM E é entendimento aplicável em qualquer tipo de ações, e não exclusivamente em ações de responsabilidade civil por atraso na administração da justiça, conforme resulta, aliás, do decidido nos acórdãos de 2/7/2020 e de 24/9/2020 citados. Assim sendo, no caso dos autos, o regime de compensação da Autora/Recorrente pelos honorários do seu mandatário é exclusivamente o que resulta do disposto nos arts. 529º e 533º do CPC e 25º e 26º do RCP, mostrando-se, pois, acertada, por este motivo, a improcedência deste pedido, a título indemnizatório. 15. No Acórdão deste STA que admitiu a presente revista sinalizou-se que, para além da questão, em si, da obrigação de pagamento por parte das entidades públicas das despesas judiciais, mormente dos honorários dos advogados, ter motivado o recebimento de vários recursos de revista, releva também o mostrar-se equacionada, no caso vertente, a aplicação ao litígio do regime inserto no DL nº 62/2013, de 10/5 (diploma que veio estabelecer medidas contra os atrasos de pagamento de transações comerciais, transpondo a Diretiva nº 2011/7/UE, do PE e do Conselho, de 16/2). No parecer do MºPº opinou-se que a questão da aplicabilidade do regime deste DL nº 62/2013 não pode ser conhecida na presente revista, uma vez que a Autora/Recorrente não a colocou nas suas alegações, designadamente nas respetivas conclusões (que delimitam o objeto do recurso) e que as instâncias não conheceram de tal questão. Aí se referiu: «(…) 7 – Importa ainda sublinhar que nas conclusões e alegações da revista a recorrente não suscita qualquer questão relacionada com a aplicação do disposto no artº 7º do DL nº 62/2013, de 10/5, a qual também não foi objecto de apreciação no âmbito do acórdão recorrido. Não pode, pois, a nosso ver, a presente revista conhecer de tal questão, uma vez que são as conclusões da alegação que definem o objecto e delimitam o âmbito do recurso, nos termos do disposto no artº 635º nº 4 do CPC». Cremos, porém, que não é assim, pois que a aplicabilidade, ou não, ao caso, do regime jurídico do DL nº 62/2013, não é uma “questão” que consubstancie a delimitação do recurso – é, sim, uma questão sobre qual o direito aplicável às questões delimitadas no recurso. Ora, sendo a questão colocada pela Autora/Recorrente a da procedência do seu pedido de 112.550,36€, “a título de procuradoria, incluindo todas as custas e todos os honorários que a Recorrente suporte com a representação judiciária”, a discussão sobre a aplicação, ou não, “in casu” do regime do DL nº 62/2013 integra-se na decisão sobre qual o regime jurídico (o direito) aplicável ao caso. Não há, pois, questão nova, relativamente à delimitação do recurso efetuado pela Recorrente; apenas decisão, em suma, sobre a sua correta solução jurídica. Quando muito, se fosse caso de se perspetivar uma solução de direito não prognosticável pelas partes, haveria que lhes facultar antecedente contraditório. Mas nem é aqui o caso, pois que, quanto à Autora/Recorrente, ela introduziu a presente ação administrativa através de injunção e não deixou, ao longo da lide, de discutir a aplicação do regime do DL nº 62/2013 – vejam-se arts. 32º e 44º da sua réplica (a fls. 218 e segs. SITAF), art. 6º do seu pedido de retificação de erro material da sentença de 1ª instância (a fls. 266 e segs. SITAF), ponto 16 e concussão H das suas alegações de recurso de apelação (a fls. 287 e segs. SITAF), pontos 14, 28 e 47 e segs., 73, 74, 76, 79 e conclusão J das suas contra-alegações no recurso de apelação do Réu (a fls. 319 e segs. SITAF) e ponto 12 das suas alegações no presente recurso de revista (a fls. 443 e segs.). E, quanto ao Réu/Recorrido, expressou ele nas suas contra-alegações da presente revista (a fls. 505 e segs. SITAF) o seu entendimento sobre a aplicação ao caso das normas desse DL, além de também o ter efetuado durante a lide – vejam-se art. 2º da oposição à p.i. aperfeiçoada (a fls. 238/239 SITAF), ponto 2 da sua oposição ao pedido de retificação da sentença de 1ª instância (a fls. 271 e segs. SITAF), pontos 2, 5 e 6 e conclusões B, H e J das alegações do seu recurso de apelação da sentença de 1ª instância (a fls. 277 e segs. SITAF), pontos 4, 5, 8, 9, 11 e 12 e conclusões G, H, L, M, O e P das suas contra-alegações no recurso de apelação da Autora (a fls. 305 e segs. SITAF). 16. Colocada a questão da eventual aplicabilidade do disposto no DL nº 62/2013, de 10/5, na resolução da matéria do presente recurso de revista, isto é, para se decidir do direito de que se arroga a Autora/Recorrente à quantia por si peticionada a título de custas e honorários suportados com a representação judiciária, desde logo é de concluir, liminarmente, face ao art. 7º daquele diploma, que só pode estar, aqui e agora, em discussão o eventual direito da Autora/Recorrente ao montante mínimo, ali fixado, de 40,00€. Efetivamente, ainda que se conclua pela aplicação ao caso do disposto naquele art. 7º, resulta claro que dele resulta que a eventual indemnização por custos que excedam aquele montante (de 40,00€) exige a prova, pelo credor, desses custos: «(…) o credor tem direito a receber do devedor um montante mínimo de 40,00€ EUR (quarenta euros), sem necessidade de interpelação, a título de indemnização pelos custos de cobrança da dívida, sem prejuízo de poder provar que suportou custos razoáveis que excedam aquele montante, nomeadamente com o recurso aos serviços de advogado, solicitador ou agente de execução, e exigir indemnização superior correspondente» (sublinhado nosso). Ora, resultando manifesto que a Autora/Recorrente não fez, nos autos, qualquer prova dos custos que indica como suportados “a título de custas e honorários com representação judiciária”, não é possível julgar tal pedido procedente (pelo menos, no que exceda 40,00€) ainda que se entendesse, repete-se, aplicável a tais custos, alegadamente suportados, o disposto no art. 7º do DL nº 62/2013. Na verdade, como referiu o Ac.TCAS recorrido, a Autora/Recorrente limitou-se a formular o pedido em causa, quantificando-o, mas sem alegar, minimamente, os factos substanciadores das despesas ditas suportadas, os quais, por isso, também não puderam resultar provados. Entendimento que a Autora/Recorrente não põe verdadeiramente em causa na presente revista (ainda que sustente que, ainda assim, deveria julgar-se o pedido procedente, sujeito a posterior incidente de liquidação). 17. Mas, independentemente de apenas poder estar em causa, nos presentes autos, a procedência do pedido quanto ao montante de 40,00€ caso se entenda aplicável ao pedido da Autora/Recorrente o regime do art. 7º do DL nº 62/2013, entendemos que tal não é o caso. O pedido em questão, na quantia de 112.550,36€ refere-se integralmente a custos derivados do presente processo judicial, uma vez que, ainda que apenas quantificado, a Autora/Recorrente imputa-o “a título de procuradoria, incluindo todas as custas e todos os honorários que a Recorrente suporte com a representação judiciária”. Ora, o art. 7º do DL nº 62/2013, de 10/5, apenas prevê o ressarcimento – no montante de 40,00€, ou superior (neste caso, dependente de prova pelo credor) – relativamente a “custos de cobrança da dívida, (…) nomeadamente com o recurso aos serviços de advogado, solicitador ou agente de execução”, devendo aqui incluir-se, exclusivamente, custos extrajudiciais de cobrança da dívida. Estão, pois, excluídos os custos com os processos judiciais (designadamente, custas e encargos processuais) ou com a representação judiciária (designadamente, com os honorários de advogados relacionados com intervenção processual), pelo que estes custos – não abarcados pelo aludido art. 7º do DL nº 62/2013 - estão sujeitas ao regime específico de compensação exclusiva através das custas de parte, nos termos previstos no Código de Processo Civil e no Regulamento das Custas Processuais. O próprio DL nº 62/2013, de 10/5 – que transpôs para a ordem jurídica nacional a Diretiva nº 2011/7/UE, do PE e do Conselho, de 16/2/2011, é esclarecedor, a este propósito, no seu preâmbulo, ao expressar que: «Os credores devem ser ressarcidos de forma justa dos custos suportados com a cobrança de pagamentos em atraso, incluindo os custos administrativos e internos associados com essa cobrança. Conforme previsto na diretiva, é estabelecido um valor fixo de 40,00EUR a título de indemnização pelos custos administrativos e internos associados à cobrança dos pagamentos em atraso, que acresce aos juros de mora devidos, sem prejuízo de o credor poder exigir indemnização superior por danos adicionais resultantes do atraso de pagamento do devedor ou pelos custos incorridos pelo credor com o recurso a serviços de advogado, solicitador ou agente de execução» (sublinhado nosso). Por seu lado, a citada Diretiva nº 2011/7/UE é, também ela esclarecedora no sentido referido de que, quer o montante mínimo (de 40,00EUR) reconhecido automaticamente ao credor, quer eventual montante superior (sujeito a prova, “desprovido de automatismo”), previstos no seu art. 6º, referem-se exclusivamente a custos administrativos e internos suportados pelo credor com a cobrança da dívida. Como, aliás, se entendeu no Acórdão do TJUE de 13/9/2018, proc. C-287/17 (cfr. considerandos 36 e 37 da fundamentação): «(…) a circunstância de o considerando 19 da Diretiva 2011/7 enunciar que esta diretiva devia fixar um montante mínimo para a cobrança de custos administrativos e a indemnização pelos custos internos decorrentes de atrasos de pagamento, não exclui que uma indemnização razoável desses custos possa ser concedida ao credor quando esse montante fixo mínimo for insuficiente. (…) o legislador da União apenas sublinhou que o caráter automático da indemnização fixa de 40 euros constitui um incentivo para o credor limitar a este montante os custos que suporta com a cobrança, embora sem excluir que esse credor possa obter, se for caso disso, uma indemnização razoável mais elevada, mas desprovida de automatismo» (sublinhados nossos). Note-se, para além do mais, que esta intenção do legislador da Diretiva 2011/7 – expressamente reconhecida pelo TJUE - de que os credores limitem a 40 euros os custos com a cobrança das dívidas, certamente no entendimento de que esse será o valor médio razoável (ainda que sem prejuízo de eventuais custos superiores razoáveis, que não serão a regra), mais aponta decididamente no sentido de que se estão exclusivamente aqui a prever custos de cobrança extrajudiciais (“administrativos e internos”) e não custos judiciais (como custas ou encargos processuais ou honorários de mandatários por representação judiciária). 18. Desta forma, o regime do art. 7º do DL nº 62/2013, de 10/5, compatibiliza-se com o regime jurídico das custas de parte, previsto e regulado este no CPC e no RCP, sendo que aquele regime é aplicável aos custos extrajudiciais das cobranças de dívida e este aos custos judiciais, designadamente às custas e encargos processuais e aos honorários por representação judiciária. 19. Assim, deve manter-se a improcedência o pedido da Autora/Recorrente quanto à quantia de 112.550,36€ por ela imputada “a título de procuradoria, incluindo todas as custas e todos os honorários que a Recorrente suporte com a representação judiciária”, o qual só tem satisfação através do regime de custas de parte – nos termos julgados no acima citado Acórdão deste STA de 5/3/2020 (em julgamento ampliado, no proc. 0284/17). Nestes termos, é de negar-se provimento ao presente recurso de revista, mantendo-se o julgamento do Ac.TCAS recorrido, ainda que com diferente fundamentação. * IV - DECISÃO Pelo exposto, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202º da Constituição da República Portuguesa, em: Negar provimento ao presente recurso de revista interposto pela Autora/Recorrente “A…………, Lda.”, mantendo-se, assim, o Acórdão do TCAS recorrido, ainda que com diferente fundamentação, e, consequentemente, a improcedência da ação na parte objeto do recurso. Custas a cargo do Autora/Recorrente. D.N. Lisboa, 10 de fevereiro de 2022 – Adriano Fraxenet de Chuquere Gonçalves da Cunha (relator) – José Augusto Araújo Veloso - Maria do Céu Dias Rosa das Neves. |