Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 042/24.0BALSB |
Data do Acordão: | 11/06/2024 |
Tribunal: | 1 SECÇÃO |
Relator: | ANA CELESTE CARVALHO |
Descritores: | FINANCIAMENTO PARTIDO POLÍTICO INTEMPESTIVIDADE ACÇÃO CADUCIDADE DO DIREITO DE ACÇÃO EXCEPÇÃO DILATÓRIA REQUISITOS SUPRIMENTOS ALCANCE EFEITOS ABSOLVIÇÃO DA INSTÂNCIA PRAZO SUBVENÇÃO DESPESAS CAMPANHA |
Sumário: | I - À luz do disposto no artigo 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, alínea k) do CPTA, é de configurar a exceção de caducidade do direito de ação como uma exceção dilatória, por ser assim qualificada pela lei. II - A norma do n.º 8 do artigo 87.º do CPTA determina que a absolvição da instância sem prévia emissão de despacho pré-saneador, em casos em que podia haver lugar ao suprimento de exceções dilatórias ou de irregularidades, não impede o autor de, no prazo de 15 dias, contado da notificação da decisão, apresentar nova petição, com observância das prescrições em falta, a qual se considera apresentada na data em que o tinha sido a primeira, para efeitos da tempestividade da sua apresentação. III - Como emerge do seu teor, constituem requisitos da aplicação do artigo 87.º, n.º 8 do CPTA, os seguintes: (i) Que tenha sido proferida uma decisão de absolvição da instância; (ii) Que essa decisão não tenha sido precedida de despacho de convite ao aperfeiçoamento ou sanação; (iii) Que a exceção dilatória ou irregularidade em causa fosse passível de suprimento ou sanação; (iv) Que o autor tenha apresentado nova petição inicial no prazo de 15 dias, contado da notificação da decisão. IV - A exceção dilatória de ilegitimidade passiva singular deve considerar-se insuprível ou não passível de sanação, suprimento ou correção. V - Nos casos de absolvição da instância, sem prévia emissão de despacho pré-saneador, o direito processual administrativo não prevê qualquer outro regime sobre o aproveitamento do prazo para efeitos de propositura de uma nova ação, pelo que, releva a aplicação do n.º 2 do artigo 279.º do CPC, sobre o “Alcance e efeitos da absolvição da instância”. VI - A disposição do n.º 2 do artigo 279.º do CPC obedece aos seguintes requisitos, que delimitam o seu âmbito de aplicação: (i) Que tenha sido proferida uma decisão de absolvição da instância; (ii) Que o autor tenha apresentado nova petição inicial ou o réu seja citado para essa ação no prazo de 30 dias, contado do trânsito em julgado dessa decisão. VII - Quanto ao aproveitamento dos efeitos da instauração da primeira ação, em consequência de nela ter sido proferida decisão de absolvição da instância e de ser apresentada em juízo uma segunda ação dentro do prazo legal previsto no n.º 2 do artigo 279.º do CPC, a aplicação desta norma implica que, proposta nova ação dentro de 30 dias após o trânsito em julgado da decisão, o efeito impeditivo da caducidade decorrente da instauração da primeira ação se mantém, mesmo no caso de a segunda ação ser instaurada contra Entidade Demandada diferente. VIII - O prazo para requerer a subvenção pública prevista no n.º 6 do artigo 17.º da Lei n.º 19/2003, de 20/06, que aprova o Financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, é um prazo perentório ou de caducidade, com as respetivas consequências de o incumprimento do prazo determinar a perda desse direito. IX - Constitui uma das finalidades que recaem sobre este Supremo Tribunal Administrativo pugnar pela uniformidade da jurisprudência, nos termos do recurso para uniformização de jurisprudência, previsto no artigo 152.º do CPTA, assim contribuindo para a segurança e certeza jurídica. O interesse à aplicação uniforme do direito é de interesse público sendo expressamente acolhido pelo legislador, no disposto no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil, ao consagrar que nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito. |
Nº Convencional: | JSTA000P32806 |
Nº do Documento: | SA120241106042/24 |
Recorrente: | LIVRE – PARTIDO POLÍTICO |
Recorrido 1: | ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Espécie: Ações administrativas de atos dos órgãos superiores do Estado
Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1. LIVRE – PARTIDO POLÍTICO, devidamente identificado nos autos, intentou neste Supremo Tribunal Administrativo (STA), contra a ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, ação administrativa de impugnação do ato de indeferimento do pedido de subvenção pública para as campanhas eleitorais, peticionando a sua anulação e a declaração de que o partido político, ora Autor, tem direito à subvenção prevista no artigo 17.º, n.º 6 da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho. 2. Argumenta, em síntese, que, tendo elegido um deputado à Assembleia da República nas eleições legislativas de 30/01/2022, pelo círculo eleitoral de Lisboa, tem direito a auferir a subvenção pública prevista no artigo 17.º, n.º 6 da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, que regula o regime aplicável aos recursos financeiros dos partidos políticos e das campanhas eleitorais – LFPPCE, no montante de € 44.351,65, reconhecendo que, por lapso imputável à estrutura interna do próprio partido, não apresentou o respetivo pedido dentro do prazo legalmente estabelecido para o efeito, mas que o direito à referida subvenção pública não caducou pelo incumprimento de tal prazo, por o mesmo revestir natureza meramente ordenadora e não perentória, apelando à observância do princípio da anualidade das contas dos partidos, constante do artigo 26.º da Lei n.º 19/2023, de 20 de junho. Considera que o ato de indeferimento do pedido de subvenção praticado pelo Presidente da Assembleia da República é ilegal e gerador de anulabilidade por assentar em errónea interpretação do n.º 6, do artigo 17.º da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, para além de violar os princípios constitucionais da proporcionalidade e da razoabilidade consagrados nos artigos 2.º, 18.º e 51.º n.º 6, todos da CRP. 3. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 85.º, n.º 1 do CPTA, o Ministério Público emitiu parecer em que invocou a exceção da caducidade do direito de ação, pugnando pela absolvição da Entidade Demandada da instância. 4. A Entidade Demandada, ASSEMBLEIA DA REPÚBLICA, contestou, defendendo-se por exceção e por impugnação, invocando a caducidade do direito de ação e no demais, defende-se por impugnação, pedindo a procedência da exceção ou, se assim não se entender, a improcedência da ação. 5. O Ministério Público (MP), notificado nos termos e para os efeitos do n.º 4, do artigo 85.º do CPTA, emitiu parecer, configurando a questão decidenda no âmbito dos presentes autos como respeitante à interpretação jurídica a dar ao disposto no n.º 6 do artigo 17.º da LFPPCE, a saber, se o prazo de 15 dias, contados a partir da declaração oficial dos resultados eleitorais, previsto no n.º 6 do artigo 17.º da LFPPCE, para se requerer ao Presidente da Assembleia da República a atribuição da subvenção estatal para cobertura das despesas da campanha eleitoral, é um prazo perentório, cujo decurso gera a caducidade do direito ou, pelo contrário, tal prazo tem natureza meramente ordenadora, pronunciando-se no sentido de se afigurar não assistir razão ao Autor, subscrevendo a posição da Entidade Demandada, de que o prazo é de caducidade. 6. O Autor apresentou réplica, pugnando pela improcedência da exceção deduzida pela Entidade Demandada e pelo Ministério Público, invocando que o ato impugnado, da autoria do Presidente da Assembleia da República, de indeferimento do pedido de subvenção pública formulado pelo LIVRE foi comunicado em 03/05/2023 e foi inicialmente impugnado em ação administrativa proposta contra o Estado português em 01/09/2023 junto do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, a qual foi depois remetida para este STA, que, nos termos da decisão proferida em 01/02/2024, absolveu o Estado português da instância, por entender que a ação deveria ter sido instaurada contra a Assembleia da República. Tal decisão foi notificada ao mandatário do Autor em 01/02/2024, o qual se considera notificado em 05/02/2024, e em 18/03/2024 foi instaurada a presente ação, dentro do prazo de 30 dias após o trânsito em julgado da decisão do STA. Considera o Autor que a Entidade Demandada e o Ministério Público aplicam erroneamente o regime do artigo 279.º, n.º 2 do CPC, pugnando pela improcedência da exceção invocada. 7. Por despacho da Relatora, de 07/06/2024, foi dispensada a realização da audiência prévia, nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 87.º-B do CPTA. 8. É este o momento de proceder ao saneamento processual e, na medida em que o estado do processo o permita, conhecer do mérito da causa, nos termos do disposto nos artigos 88.º e 99.º, n.º 6, ambos do CPTA. 9. O processo vai, com vistos dos Exmos. Juízes Conselheiros Adjuntos, à conferência para julgamento.
II. SANEAMENTO PROCESSUAL
Dos pressupostos processuais 10. O Tribunal é competente, nos termos do artigo 24.º, n.º 1, alínea a), subalínea ii) do ETAF. 11. As partes têm personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e encontram-se devidamente representadas. 12. A ação administrativa é o meio próprio. Considerando que o Autor invoca pretender instaurar uma “ação administrativa comum” e que essa forma de processo não existe desde a alteração ao CPTA pelo D.L. n.º 214-G/2015, de 02/10, tendo a lei processual administrativa eliminado a dualidade da ação administrativa entre a ação administrativa comum e a ação administrativa especial, adotando uma única forma processual de ação administrativa, considera-se que esta constitui o meio processual pretendido pelo Autor e o próprio para fazer valer os direitos invocados em juízo. 13. Nos termos suscitados nos autos, coloca-se a exceção de intempestividade da prática do ato processual, a que se refere o artigo 89.º, n.º 4, alínea k) do CPTA, configurada pela Entidade Demandada e pelo Ministério Público como de caducidade do direito de ação. 14. O estado dos autos permite conhecer e decidir da citada matéria de exceção, por se encontrar cumprido o princípio do contraditório. 15. Importa, no entanto, atender à factualidade relevante para a decisão a proferir, o que se fará, mediante o julgamento da matéria de facto.
III. FUNDAMENTOS
DE FACTO 16. Com base nas posições das partes assumidas nos seus articulados e nos documentos juntos aos autos, com relevo para a decisão a proferir, julga-se provada a seguinte matéria de facto: A) O Autor é um partido político, registado no Tribunal Constitucional – doc. 1 junto com a petição inicial; B) O Autor concorreu às eleições legislativas realizadas em 30/01/2022 e elegeu um deputado pelo Círculo de Lisboa – Acordo; C) Os resultados eleitorais foram publicados no Diário da República em 26/03/2022 – Acordo e doc. 2 junto com a petição inicial; D) Em 07/12/2022 o Autor formulou o pedido de concessão de subvenção pública, previsto no artigo 17.º da Lei n.º 19/2003, de 20/06 – Acordo; E) O pedido antecedente foi indeferido por despacho do Presidente da Assembleia da República, proferido em 03/03/2023, exarado sobre a Informação do Gabinete do Secretário-Geral da Assembleia da República – Acordo e doc. 4 junto com a petição inicial; F) O Autor foi notificado do despacho de indeferimento antecedente por carta registada de 19/04/2023, recebida em 03/05/2023 – docs. 5, 6 e 7, juntos com a petição inicial; G) Em 01/09/2023, o Autor instaurou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa uma “ação administrativa comum” contra o Estado Português, impugnando o ato de indeferimento do Presidente da Assembleia da República, o qual correu termos sob Processo n.º 2918/23.3BELSB – Acordo e cfr. SITAF; H) O processo em causa foi remetido para este Supremo Tribunal Administrativo, o qual, por decisão da Relatora, de 01/02/2024, absolveu o Estado Português da instância, por procedência da exceção da ilegitimidade passiva do Estado Português – Acordo e doc. 8 junto com a petição inicial; I) O mandatário do Autor foi notificado dessa decisão no dia 01/02/2024 – Acordo e doc. 8 junto com a petição inicial; J) A presente ação, de impugnação do ato de indeferimento e de declaração do direito à subvenção pública do Autor, instaurada contra a Assembleia da República, deu entrada neste Supremo Tribunal Administrativo em 18/03/2024, correndo termos sob Proc. 42/24.0BALSB – fls. 1 do SITAF. * Não se consideram provados quaisquer outros factos, com relevo para a decisão a proferir.
Cumpre decidir da matéria de exceção.
A. Da exceção da intempestividade da instauração da ação 17. Nos termos suscitados pela Entidade Demandada e pelo Ministério Público, a presente ação administrativa é intempestiva, por caducidade do direito de ação, por existir uma norma especial, no direito processal administrativo, que consiste o artigo 87.º, n.º 8 do CPTA, o qual prevê o prazo de 15 dias para a substituição da petiçao inicial, com o aproveitamento dos efeitos da petição inicial primitivamente apresentada, não relevando para o caso a aplicação do disposto no artigo 279.º, n.º 2 do CPC. 18. Diferentemente entende o Autor, nos termos da réplica apresentada, defendendo a aplicação do artigo 279.º, n.º 2 do CPC, nos termos do qual a segunda ação pode ser apresentada desde que respeitado o prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da decisao de absolvição da instância. 19. A questão que vem colocada exige que se atenda à concreta factualidade apurada em juízo, nos termos dos factos julgados provados, segundo os quais resulta que o Autor instaurou uma ação no dia 01/09/2023, no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, contra o Estado Português, por entender ser esta a entidade com legitimidade passiva para se defender dos pedidos de impugnação do ato praticado pelo Presidente da Assembleia da República e de condenação na atribuição subvenção pública a que se arroga ter direito, ao abrigo do disposto no artigo 17.º da Lei n.º 19/2003. 20. Remetido esse processo para este Supremo Tribunal Administrativo, por decisão proferida em 01/02/2024, o Estado Português foi absolvido da instância, por procedência da exceção dilatória de ilegitimidade passiva, considerada insuprível, assim se justificando não ter sido previamente proferido despacho de convite ao suprimento. 21. O Autor veio a instaurar nova ação, em 18/03/2024, desta feita neste STA, contra a Assembleia da República, invocando que a presente ação é instaurada dentro do prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença que absolveu a entidade demandada da instância, nos termos do previsto no artigo 279.º, n.º 2, do CPC. 22. O ponto da discórdia entre as partes é duplo, incidindo sobre: (i) a qualificação da exceção de caducidade do direito de ação, se dilatória ou perentória, e (ii) a aplicação ao caso do artigo 87.º, n.º 8 do CPTA ou do artigo 279.º, n.º 2 do CPC. 23. A resposta a ambas as questões exige que se dilucide a relação aplicativa entre o CPTA e o CPC à presente ação administrativa, ou seja, a relação de vigência das normas processuais previstas em duas leis processuais distintas. 24. Nos termos do artigo 1.º do CPTA, quanto ao direito aplicável, o processo nos tribunais administrativos rege-se pela presente lei – o CPTA –, pelo Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais e, supletivamente, pelo disposto na lei de processo civil, com as necessárias adaptações. 25. Segundo o artigo 35.º do CPTA, quanto às formas do processo, o processo declarativo nos Tribunais Administrativos rege-se pelo disposto nos títulos II e III e pelas disposições gerais, sendo-lhe subsidiariamente aplicável o disposto na lei processual civil. 26. Por sua vez, estipula o artigo 37.º, n.º 1 do CPTA que seguem a forma da ação administrativa, com a tramitação regulada no capítulo III do presente título, os processos que tenham por objeto litígios cuja apreciação se inscreva no âmbito da competência dos tribunais administrativos e que nem neste Código, nem em legislação avulsa sejam objeto de regulação especial, designadamente: a) Impugnação de atos administrativos e f) Reconhecimento de situações jurídicas subjetivas diretamente decorrentes de normas jurídico-administrativas ou de atos jurídicos praticados ao abrigo de disposições de direito administrativo. 27. O que implica que o sistema normativo processual aplicável à presente ação, tal como instaurada e configurada pelo Autor, é o previsto na lei processual administrativa, sendo aplicável a lei processual civil apenas nos casos omissos e, ainda assim, sob as devidas adaptações. 28. Trata-se da aplicação de uma regra de prevalência da lei especial, em relação à aplicação da lei geral, emanada do n.º 3 do artigo 7.º do Código Civil. 29. A razão da autonomia do direito processual administrativo em relação ao direito processual civil baseia-se, por isso, na sua especialidade, constituindo aquele direito uma regulação normativa especial em relação ao direito processual civil. 30. O que permite sustentar que o processo administrativo constitui um processo especial, aplicando-se a lei geral apenas quando a lei especial não regular a matéria, pois quando exista uma norma processual administrativa capaz de cobrir com a sua previsão uma situação de processo administrativo, essa norma prevalece sobre a correspondente norma processual civil que for aplicável ao mesmo tipo de situação. 31. Como antes assumido, “O amplo debate público emergido no âmbito da revisão do direito processual administrativo de 2015, ocorrido após a aprovação do novo CPC, assumiu decisivamente a sua “especialidade em relação ao processo civil, constituindo um corpo normativo próprio, que ora se aproxima, ora se afasta do direito processual civil, segundo opções que se prendem com as particularidades do direito administrativo”, ANA CELESTE CARVALHO, “O Regime Processual da Nova Acção Administrativa: aproximações de distanciamentos ao Código de Processo Civil”, CJA, n.º 113, set.-out. 2015, pág. 15 e “O Princípio do Inquisitório na Justiça Administrativa. O Diálogo entre a Lei e a Prática Jurisprudencial”, AAFDL Editora, 2021, pág. 228. 32. Assim, só na ausência de disposição em contrário é que as situações carentes de regulação no processo administrativo se hão resolver por aplicação do direito processual civil, com as adaptações que se revelem necessárias. 33. Começando pela primeira questão enunciada, à luz do disposto no artigo 89.º, n.ºs 1, 2 e 4, alínea k) do CPTA, é de configurar a exceção de caducidade do direito de ação como uma exceção dilatória, por ser assim qualificada pela lei. 34. Foi o legislador que, no corpo do n.º 4 do artigo 89.º do CPTA, expressamente qualificou a exceção da intempestividade da prática de ato processual, prevista na sua alínea k), como uma exceção dilatória, não podendo duvidar-se de que a apresentação de uma petição inicial juízo, que determina a constituição de um processo judicial, constitui a prática de um ato processual. 35. Pelo que, não está em causa uma qualificação doutrinária, antes uma qualificação legal. 36. No mesmo sentido afirma a doutrina que “Também a caducidade do direito de ação, a que se refere a alínea k), assim como outros casos de propositura da ação para além dos prazos legalmente cominados, não sendo embora uma exceção privativa do contencioso administrativo, depende do incumprimento de prazos que, diretamente ou por remissão, estão expressamente estabelecidos no CPTA para os diversos tipos de pretensões judiciárias. Assim sucede quanto aos prazos de impugnação de atos administrativos, cuja duração e regime de contagem são fixados nos artigos 58.º a 60.º (…)”, MÁRIO AROSO DE ALMEIDA/CARLOS ALBERTO CADILHA,"Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos”, 4.ª ed., Almedina, 2017, pág. 712. 37. No que respeita à segunda questão, quanto a saber se ao caso da presente ação tem aplicação o disposto no n.º 8 do artigo 87.º do CPTA ou antes o disposto no n.º 2 do artigo 279.º do CPC importa decidir sobre a verificação dos pressupostos aplicativos de cada uma das respetivas normas jurídicas. 38. Considerando a regra de especialidade do direito processual administrativo, releva determinar, antes de mais, se a norma do n.º 8 do artigo 87.º do CPTA regula a situação configurada nos autos. 39. Determina tal preceito que a absolvição da instância sem prévia emissão de despacho pré-saneador, em casos em que podia haver lugar ao suprimento de exceções dilatórias ou de irregularidades, não impede o autor de, no prazo de 15 dias, contado da notificação da decisão, apresentar nova petição, com observância das prescrições em falta, a qual se considera apresentada na data em que o tinha sido a primeira, para efeitos da tempestividade da sua apresentação. 40. O que desde logo traduz que a lei admite que existam casos que não sejam passíveis de suprimento ou de sanação, pois a norma em análise refere-se aos “casos em que podia haver lugar ao suprimento”. 41. Como emerge do seu respetivo teor, constituem requisitos da aplicação do artigo 87.º, n.º 8 do CPTA, os seguintes: (i) Que tenha sido proferida uma decisão de absolvição da instância; (ii) Que essa decisão não tenha sido precedida de despacho de convite ao aperfeiçoamento ou sanação; (iii) Que a exceção dilatória ou irregularidade em causa fosse passível de suprimento ou sanação; (iv) Que o autor tenha apresentado nova petição inicial no prazo de 15 dias, contado da notificação da decisão. 42. No presente caso, como decorre do teor da decisão proferida no Processo n.º 2918/23.3BELSB, foi proferida decisão de absolvição da instância, sem que tenha sido proferido despacho de convite ao aperfeiçoamento ou sanação, por se ter entendido que a exceção em causa, de ilegitimidade passiva singular, não é passível de suprimento ou sanação. 43. Questão esta do suprimento da exceção dilatória de ilegitimidade passiva singular que deve hoje considerar-se resolvida, segundo jurisprudência administrativa que se tende a consolidar no sentido de ser insuprível ou não passível de sanação, suprimento ou correção, desde o voto de vencida lavrado no Acórdão do TCAS, de 06/12/2017, Processo n.º 247/163.8BECTB (assim como, o voto de vencida no Acórdão do TCAS, de 10/05/2018, Processo n.º 1491/16.3BECTB) e que passou a ter seguimento em arestos posteriores, como no Acórdão do TCAN, de 19/06/2020, Processo n.º 00573/15.3BECBR (vide ponto 3.11 do acórdão). 44. O que implica que desde logo falte um dos requisitos da aplicação do regime contido na norma do n.º 8, do artigo 87.º do CPTA, por no presente caso a exceção dilatória verificada não ser possível de ser sanada ou suprida, seja por iniciativa do Autor, seja por iniciativa oficiosa do Tribunal, ao abrigo do exercício dos poderes-deveres de conhecer das questões que obstaculizam a admissão ou o prosseguimento da instância. 45. E faltando um dos requisitos do âmbito normativo do n.º 8, do artigo 87.º do CPTA, por o caso configurado em juízo não consentir a prolação de despacho de suprimento da exceção dilatória, ou seja, na expressão legal utilizada, estarmos perante um caso em que não podia haver lugar ao suprimento da exceção dilatória, não se verifica a possibilidade de ser aplicado o seu respetivo regime, não podendo tal norma ser convocada para regular o caso em presença. 46. Trata-se de um regime particular do direito processual administrativo, cujos requisitos estão bem delimitados pelo legislador, que não consentem outro tipo de interpretação, designadamente, extensiva, de forma a abarcar situações que nele não estão previstas. 47. Pelo que, não pode a norma do n.º 8 do artigo 87.º do CPTA ter aplicação ao caso em presença, por não se encontrarem preenchidos os seus respetivos pressupostos normativos. 48. Por outro lado, considerando que nos casos de absolvição da instância, sem prévia emissão de despacho pré-saneador, o direito processual administrativo não prevê qualquer outro regime sobre o aproveitamento do prazo para efeitos de propositura de uma nova ação, impõe-se apreciar se o disposto no n.º 2 do artigo 279.º do CPC, tem aplicação à presente situação jurídica. 49. O artigo 279.º do CPC, sobre “Alcance e efeitos da absolvição da instância”, determina: “1 - A absolvição da instância não obsta a que se proponha outra ação sobre o mesmo objeto. 2 - Sem prejuízo do disposto na lei civil relativamente à prescrição e à caducidade dos direitos, os efeitos civis derivados da proposição da primeira causa e da citação do réu mantêm-se, quando seja possível, se a nova ação for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância. (…)”. 50. No presente caso, foi instaurada uma segunda ação, com o mesmo objeto da primeira, mas em que é diferente a Entidade Demandada, tendo também ocorrido novo ato de citação, o qual, pela primeira vez, deu a conhecer à ora Entidade Demandada a ação em juízo. 51. Tal disposição do n.º 2 do artigo 279.º do CPC, à semelhança do n.º 8 do artigo 87.º do CPTA, também obedece a certos requisitos, que delimitam o seu âmbito de aplicação: (i) Que tenha sido proferida uma decisão de absolvição da instância; (ii) Que o autor tenha apresentado nova petição inicial ou o réu seja citado para essa ação no prazo de 30 dias, contado do trânsito em julgado dessa decisão. 52. A norma processual civil em causa contempla apenas dois requisitos, os quais se mostram inteiramente preenchidos no presente caso, pois, após a decisão de absolvição da instância do Estado português, o Autor veio instaurar a presente ação administrativa contra a Assembleia da República, respeitando o prazo legal previsto de 30 dias, contado do trânsito em julgado dessa decisão de absolvição da instância. 53. Com efeito, sendo a decisão de absolvição da instância proferida em 01/02/2024, do qual o Autor se considera notificado em 05/02/2024, foi a presente ação administrativa instaurada em 18/03/2024, antes de decorrido o prazo de legal previsto, considerando ser de 30 dias o prazo legal para a interposição de recurso jurisdicional, segundo o disposto no artigo 144.º, n.º 1 do CPTA. 54. Sendo proferida decisão de absolvição da instância, o Autor não estava impedido de instaurar nova ação, como admitido no artigo 279.º do CPC, aplicável subsidiariamente à presente ação administrativa, por ausência de regime no direito processual administrativo referente aos casos em que não seja possível a sanação ou suprimento das exceções dilatórias e não seja proferido despacho pré-saneador. 55. E mediante a aplicação do disposto no n.º 2 do artigo 279.º do CPC ao presente caso, tal determina que se aproveitem os efeitos decorrentes da instauração da ação na data em que a primeira foi instaurada, em 01/09/2023. 56. Para o efeito nada releva quanto a não se poderem aproveitar os efeitos da primitiva citação, considerando as Entidades Demandadas não serem as mesmas, por o disposto no n.º 2 do artigo 279.º do CPC contemplar a possibilidade de aproveitamento dos efeitos derivados da instauração da primeira ação desde que “a nova ação for intentada ou o réu for citado para ela dentro de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância”. 57. No presente caso, a nova ação foi intentada no prazo legal previsto no n.º 2 do artigo 279.º do CPC, dentro de 30 dias a contar do trânsito em julgado da sentença de absolvição da instância, o que se afigura suficiente para o Autor beneficiar dos seus respetivos efeitos. 58. Com efeito, segundo o n.º 1, do artigo 259.º do CPC, a instância inicia-se pela proposição da ação e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que a respetiva petição se considere apresentada nos termos dos n.ºs 1 e 6, do artigo 144.º do mesmo Código. 59. Desde que não se verifique qualquer situação de prescrição do direito, não releva para o efeito que a Entidade Demandada, na segunda ação, não tenha sido antes citada e só o tenha sido na segunda ação, pois para efeito de aproveitamento dos efeitos da instauração da primeira ação basta que a nova ação seja instaurada no prazo legal prescrito no n.º 2 do artigo 279.º do CPC. 60. Tal decorre da distinção entre a caducidade do direito de instaurar a ação, que ora está em causa, e os efeitos da instauração da ação em relação à Entidade Demandada, que só se produzem a partir do momento da citação, nos termos do artigo 259.º, n.º 2 do CPC, segundo o qual, o ato da proposição da ação não produz efeitos em relação ao réu senão a partir do momento da citação, salvo disposição legal em contrário. 61. Donde, coisa diferente seria se estivesse em causa o regime da prescrição do direito, em que releva efetivamente a data da citação da entidade que deva ser a demandada em juízo – cfr. J. LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 3.ª edição, 2014, pág. 552; J. ALBERTO DOS REIS, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 1982, pág. 306 e na jurisprudência do STJ, os Acórdãos de 22/09/89, Processo n.º 2176, de 20/04/94, BMJ 436-300; de 31/03/2004, Processo n.º 04B1056; de 07/05/2009, Processo n.º 382/07.3TBVNG.S1 e de 12/10/2022, Processo n.º 766/07.7TTLSB.L2.S1. 62. Neste mesmo sentido, na jurisprudência do STA, se decidiu no Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, do Pleno deste STA, datado de 19/04/2023, Processo n.º 0565/16.5BEPRT, nos termos do qual “fundando-se na natureza pessoal da citação que afecta apenas a pessoa a que se reporta e só aproveita àquele que a promoveu, sendo, por isso indiferente para terceiros, têm entendido que se a citação interrompe o decurso do prazo prescricional, inutilizando todo o tempo decorrido e começando a correr um novo prazo a partir desse acto interruptivo (art.º 326.º, n.º 1, do C. Civil), esse efeito não se estende ao novo réu contra quem venha a ser proposta acção idêntica pelo mesmo autor. Na realidade, ainda que não se exija que a citação tenha lugar no processo onde se procura exercer o direito, se, para que o efeito interruptivo opere, não basta a prática de acto ou qualquer outro facto que demonstre a intenção de exercer o direito, sendo necessário que ele chegue ao conhecimento daquele que está efectivamente obrigado (cf. art.º 323.º, n.º 1, do C. Civil), compreende-se que tal efeito não se estenda a um novo réu demandado.”. 63. Assim, quanto ao aproveitamento dos efeitos da instauração da primeira ação, em consequência de nela ter sido proferida decisão de absolvição da instância e de ser apresentada em juízo uma segunda ação dentro do prazo legal previsto no n.º 2 do artigo 279.º do CPC, a aplicação desta norma implica que, proposta nova ação dentro de 30 dias após o trânsito em julgado da decisão, o efeito impeditivo da caducidade decorrente da instauração da primeira ação se mantém. 64. Mesmo no caso de a segunda ação ser instaurada contra Entidade Demandada diferente, como neste caso – neste sentido, J. ALBERTO DOS REIS, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 3.ª ed., Reimp., 2012, Coimbra Editora, págs. 396-397, segundo o qual, “É evidente que a absolvição da instância não pode de modo algum obstar a que sobre o mesmo objecto seja proposta outra acção por pessoa diferente ou contra réu diferente; nem a própria absolvição do pedido constitui obstáculo a uma segunda tentativa do mesmo género, desde que seja feita por ou contra pessoa diversa. (…) De maneira que o artigo era inútil para significar que a absolvição da instância não obstará a que outra pessoa proponha acção sobre o mesmo objecto ou a que o mesmo autor demande réu diferente; (…) proposta uma acção e absolvido o réu da instância, se o mesmo autor propuser segunda acção sobre o mesmo objecto dentro de trinta dias, aproveita-lhe o facto de ter proposto a acção anterior, quer a segunda acção seja dirigida contra o mesmo réu, quer seja dirigida contra réu diferente, de sorte que se a primeira acção foi proposta em tempo, nada importa que a segunda o não seja” e ainda, J. LEBRE DE FREITAS e ISABEL ALEXANDRE, “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. I, 4.ª edição, 2018, pág. 567. 65. Nestes termos, em face de todo o exposto, é decidir no sentido de não assistir razão quanto à invocação da exceção dilatória de caducidade do direito de ação, por a presente ação ser tempestiva, nos termos do disposto nos artigos 58.º, n.º 1, alínea b) do CPTA e 279.º, n.º 2 do CPC, aproveitando-se os efeitos da instauração da primeira ação administrativa, ocorrida em 01/09/2023. * 66. A ação é tempestiva, as partes estão regularmente representadas e não existem nulidades ou outras questões que obstam ao conhecimento do mérito da causa. 67. O valor fixado à causa é de € 44.351,65, não tendo sido impugnado por qualquer das partes. 68. O processo reúne todas as condições para que se conheça do mérito da causa, o que se fará tendo por base os fundamentos de facto antecedentes.
IV. DELIMITAÇÃO DO OBJETO DA CAUSA
69. Nos presentes autos incumbe a este STA decidir sobre a ilegalidade do ato de indeferimento da subvenção pública, do Presidente da Assembleia da República, por errada interpretação e aplicação do disposto no n.º 6 do artigo 17.º da Lei n.º 19/2023, de 20 de junho, referente ao financiamento dos partidos políticos e à subvenção pública por despesas da campanha eleitoral.
V. FUNDAMENTOS
DE DIREITO B. Do pedido de anulação do ato do Presidente da Assembleia da República, de indeferimento da concessão da subvenção pública para a campanha eleitoral, formulado ao abrigo do n.º 6 do artigo 17.º da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho e reconhecimento do direito de que o partido político, Autor, tem direito à referida subvenção pública 70. A questão fundamental de direito que se coloca na presente ação respeita a saber se o prazo para requerer a subvenção pública prevista no n.º 6 do artigo 17.º da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, que aprova o Financiamento dos partidos políticos e das campanhas eleitorais, é um prazo meramente ordenador, ou antes perentório ou de caducidade, com as respetivas consequências de, no primeiro caso, o incumprimento do prazo não determinar a perda do direito à subvenção e no segundo caso implicar a perda desse direito. 71. A única questão de direito material que se coloca, respeita à interpretação a conferir ao disposto no n.º 6 do artigo 17.º da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, segundo a qual: “Artigo 17.º Subvenção pública para as campanhas eleitorais 1 - Os partidos políticos que apresentem candidaturas às eleições para a Assembleia da República, para o Parlamento Europeu, para as Assembleias Legislativas Regionais e para as autarquias locais, bem como os grupos de cidadãos eleitores dos órgãos das autarquias locais e os candidatos às eleições para Presidente da República, têm direito a uma subvenção estatal para a cobertura das despesas das campanhas eleitorais, nos termos previstos nos números seguintes. 2 - Têm direito à subvenção os partidos que concorram ao Parlamento Europeu ou, no mínimo, a 51 /prct. dos lugares sujeitos a sufrágio para a Assembleia da República ou para as Assembleias Legislativas Regionais e que obtenham representação, bem como os candidatos à Presidência da República que obtenham pelo menos 5 /prct. dos votos. (…) 4 - A subvenção é de valor total equivalente a: a) 20 000 vezes o valor do IAS para as eleições para a Assembleia da República; (…) 6 - A subvenção é solicitada ao Presidente da Assembleia da República nos 15 dias posteriores à declaração oficial dos resultados eleitorais, devendo, em eleições autárquicas, os mandatários identificar o município ou os municípios a que o respetivo grupo de cidadãos eleitores, partido ou coligação apresentou candidatura. 7 - A Assembleia da República procede ao adiantamento, no prazo máximo de 15 dias a contar da entrega da solicitação referida no número anterior, do montante correspondente a 50 /prct. do valor estimado para a subvenção. 8 - Caso, subsequentemente ao adiantamento referido no número anterior, a parte restante da subvenção não seja paga no prazo de 60 dias a contar da entrega da solicitação prevista no n.º 6, vencerá juros de mora à taxa legal aplicável às dívidas do Estado.”. 72. Estabelece a norma alvo de discórdia que a subvenção pública para as campanhas eleitorais, destinada a suportar as despesas das campanhas eleitorais, é solicitada ao Presidente da Assembleia da República nos 15 dias posteriores à declaração oficial dos resultados eleitorais. 73. No caso das eleições em causa nos autos, a declaração oficial dos resultados eleitorais ocorreu em 26/03/2022, tendo o Autor solicitado ao Presidente da Assembleia da República a referida subvenção em 07/12/2022, ou seja, muito depois de decorrido tal prazo de 15 dias. 74. Com fundamento no incumprimento do prazo previsto no n.º 6 do artigo 17.º da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, o Presidente da Assembleia da República praticou o ato impugnado, de indeferimento da subvenção solicitada. 75. A questão que ora vem colocada para decisão foi recentemente objeto de decisão por parte deste STA, primeiro no Acórdão da Secção Administrativa, datado de 09/03/2023 e, depois, reiterado no Acórdão do Pleno, de 28/09/2023, ambos proferidos no Processo n.º 0100/22.6BALSB, em que figura como Autor, não um partido político, mas um grupo de cidadãos eleitores, mas que, por serem ambos previstos no âmbito normativo do n.º 1 do artigo 17.º, não é suscetível de fazer diferir o entendimento que se forme quanto à natureza do prazo de 15 dias para solicitar a subvenção pública, sendo indiferente que na presente ação seja um partido político a figurar o lado ativo da ação, por existir identidade material das situações jurídicas para este efeito. 76. Segundo o sumário lavrado no Acórdão da Secção do STA, de 09/03/2023, proferido no citado Processo n.º 0100/22.6BALSB: “I - O nº 6 do artigo 17º da Lei nº 19/2003, de 20/6 (“Regime aplicável aos recursos financeiros dos partidos políticos e das campanhas eleitorais”), com a epígrafe “Subvenção política para as campanhas eleitorais”, ao dispor que «a subvenção é solicitada ao Presidente da Assembleia da República nos 15 dias posteriores à declaração oficial dos resultados eleitorais», estipula um prazo perentório, com a consequente perda do direito à atribuição da subvenção eventualmente devida, por caducidade, em caso de incumprimento do ónus da sua solicitação atempada, nesse prazo. II – A previsão desse prazo, em termos continuadamente iguais nos últimos 29 anos - cfr. Lei nº 72/93, de 30/11 (nº 7 do artigo 27º), Lei nº 56/98, de 18/8 (nº 7 do artigo 29º, passando ao nº 9 do mesmo artigo 29º pela redação conferida pelo artigo 2º da Lei Orgânica nº 1/2001, de 14/8) e, finalmente, a atual Lei nº 19/2003, de 20/6 (nº 6 do artigo 17º) - não viola os direitos eleitorais e políticos reconhecidos pela CRP aos partidos políticos, coligações ou grupos de cidadãos eleitores, sendo a própria CRP que, no nº 6 do seu artigo 51º, estipula que «a lei estabelece as regras de financiamento dos partidos políticos, nomeadamente quanto aos requisitos e limites do financiamento público».” (destacado nosso). 77. Essencialmente baseou-se tal aresto do STA nas seguintes razões: (i) o elemento literal do enunciado da lei; (ii) o artigo 298.º, n.º 2 do CC, nos termos do qual, quando um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição; (iii) não sendo respeitado o prazo fixado, tal conduziria a que o direito à subvenção pública apenas se extinguisse com o prazo de prescrição aplicável, tornando inútil o prazo legal de 15 dias previsto; (iv) outra solução ser contrária ao regime previsto no artigo 17.º, n.º 8 da Lei, quanto ao vencimento de juros de mora no caso a subvenção não ser paga no prazo de 60 dias a contar da sua solicitação; (v) outra solução não se conformar com o artigo 27.º, n.º 1 da Lei, que prevê prazos curtos para o encerramento e entrega à Entidade das Contas e Financiamentos Políticos das contas de cada campanha eleitoral e (vi) se não estiver em causa um prazo de caducidade tal comportar uma significativa incerteza sobre o momento do pagamento a subvenção, podendo ter de ser pagas quantias em anos sem previsão orçamental. 78. Por sua vez, acolhendo o sentido decisório do aresto anterior, adotou o Acórdão do Pleno do STA, de 28/09/2023, com dois votos de vencido, a seguinte fundamentação de direito: “a interpretação em que assenta a decisão sob escrutínio e que considerou improcedente a impugnação do acto do Presidente da Assembleia da República é a correcta face às regras da interpretação jurídica (artigo 9.º do C. Civ.), pelas razões ali elencadas: i) porque a letra da norma (elemento textual ou literal) assim o determina quando estipula que a subvenção deve ser “solicitada ao Presidente da Assembleia da República nos 15 dias posteriores à declaração oficial dos resultados eleitorais”; ii) porque é manifestamente desrazoável no plano jurídico a solução propugnada pelo A. e aqui Recorrente de que não haveria lugar à caducidade do direito nas situações em que as subvenções não fossem solicitadas dentro daquele prazo, uma vez que isso conduziria a que o direito àquela subvenção apenas se extinguisse no prazo de prescrição de 20 anos; e iii) porque a natureza peremptória do prazo encontra uma justificação na necessidade de encerramento das contas das campanhas eleitorais para efeitos da respectiva entrega à “Entidade das Contas e Financiamentos Políticos” (elemento teleológico)." (destacados nossos). 79. Evidencia-se com evidente clareza que o Acórdão do Pleno do STA foi decidido por larga maioria, refletindo a posição do órgão da cúpula da Jurisdição Administrativa. 80. Constitui uma das finalidades que recaem sobre este Supremo Tribunal Administrativo pugnar pela uniformidade da jurisprudência, nos termos do recurso para uniformização de jurisprudência, previsto no artigo 152.º do CPTA, assim contribuindo para a segurança e certeza jurídica. 81. O interesse à aplicação uniforme do direito é de interesse público sendo expressamente acolhido pelo legislador, no disposto no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil, ao consagrar que nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito. 82. Assim, sem prejuízo do entendimento contrário anteriormente assumido no voto de vencido, entende-se ser prevalecente a posição maioritária que fez vencimento no Pleno deste Supremo Tribunal Administrativo, a qual não se perspetiva que possa ser alterada. 83. Pelo que, nos termos da presente ação, é novamente este Supremo Tribunal Administrativo chamado a decidir mesma questão fundamental de direito, respeitante à natureza do prazo para solicitar a subvenção pública por despesas das campanhas eleitorais, no termos do n.º 6 do artigo 17.º da Lei n.º 19/2003, de 20/06. 84. O financiamento dos partidos políticos constitui matéria regulada na Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, mas também na Constituição, visto o artigo 51.º, n.º 6 da lei fundamental prever que a lei estabelece as regras de financiamento dos partidos políticos, nomeadamente, quanto aos requisitos e limites do financiamento público, às exigências de publicidade do seu património e das suas contas. 85. Segundo a doutrina, “Porque concorrem para a formação da vontade popular, os partidos têm não só o direito, mas também o ónus de participação nos actos eleitorais, pelo que se comina a extinção de partidos políticos que não apresentem candidaturas em quaisquer eleições gerais e durante um período de seis anos consecutivos e, pelo menos, um terço dos círculos eleitorais”, JORGE MIRANDA, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, org. Jorge Miranda/Rui Medeiros, Vol. I, Coimbra Editora, 2010, pág. 1010. 86. Neste sentido, ganha relevo constitucional, como assumido no n.º 6 do artigo 51.º da Constituição, a problemática do financiamento dos partidos políticos, decorrente dos custos elevados da atividade do partido e das despesas das campanhas eleitorais. 87. Neste sentido, a Constituição estabelece uma imposição legislativa ao confiar à lei da Assembleia da República a definição das regras do financiamento dos partidos, podendo extrair-se que o financiamento público dos partidos constitui uma obrigação constitucional implícita do Estado, J.J. GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA, “Constituição da República Portuguesa Anotada”, Vol. I, Coimbra Editora, 4.ª ed. revista, 2007, pág. 689. 88. Não há dúvidas de que o elemento literal da norma do n.º 6 do artigo 7.º da Lei n.º 19/2003, de 20 de junho, aponta no sentido do estabelecimento de um prazo fixo para ser solicitada a subvenção pública, como invocado no Acórdão do Pleno deste STA. 89. E ao estabelecer esse prazo fixo, tal como anteriormente decidido, pretende estabelecer-se um prazo de caducidade. 90. Está em causa determinar, não o prazo aplicável para solicitar a subvenção pública para a cobertura das despesas das campanhas eleitorais ou, sequer, apurar, factualmente, em que prazo o Autor requereu tal subvenção pública, mas antes qual o regime associado ao prazo legal fixado. 91. O que deve ser analisado em face do regime globalmente considerado, descortinando as razões que estão na base da fixação desse prazo de 15 dias. 92. Para o efeito, tem inteira aplicação o disposto no artigo 9.º, n.º 1 do Código Civil, segundo o qual, a interpretação não se deve cingir à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada. 93. No que respeita ao elemento histórico da interpretação do n.º 6 do artigo 17.º da Lei n.º 19/2003, de 20/06, em que relevam, designadamente, as circunstâncias que conduziram à aprovação da norma e os seus trabalhos preparatórios, importa considerar que a mesma foi antecedida da Lei n.º 72/93, de 30/11 e, depois desta, da Lei n.º 56/98, de 18/08. 94. Segundo o artigo 27.º, n.ºs 1 e 7, da Lei n.º 72/93, a qual regulou, pela primeira vez, a matéria do financiamento partidário, no referente à “Subvenção estatal para as campanhas eleitorais”, previa, “Os partidos políticos que submetam candidaturas às eleições para a Assembleia da República, para as Assembleias Legislativas Regionais e para as autarquias locais e os candidatos às eleições para a Presidência da República têm direito a uma subvenção estatal para a realização das campanhas eleitorais, nos termos previstos nos números seguintes.” (n.º 1), sendo tal subvenção estatal “solicitada ao Presidente da Assembleia da República nos 15 dias posteriores à declaração oficial dos resultados eleitorais” (n.º 7). 95. No diploma que sucedeu à Lei n.º 72/93, de 20/06, a Lei n.º 56/98, de 18/08, estabelecia no seu artigo 29.º o regime da “Subvenção estatal para as campanhas eleitorais”, prevendo norma idêntica ao n.º 1 do artigo 27.º da Lei n.º 72/93, mas sem prever norma como a do seu n.º 7, pelo que, à luz do regime que imediatamente antecedeu a Lei n.º 19/2003, de 20/06, não era estipulado qualquer prazo para solicitar a subvenção estatal para a cobertura das despesas das campanhas eleitorais. 96. Revogada a Lei n.º 56/98, de 18/08 pelo atual regime aprovado pela Lei 19/2003, de 20/06, o n.º 6 do seu artigo 17.º passou a contemplar norma idêntica à do primitivo n.º 7 do artigo 27.º da Lei n.º 72/93, de 30/11. 97. Neste sentido, tal como anteriormente decidido pelo STA, no Acórdão de 09/03/2023, Processo n.º 0100/22.6BALSB, “Este prazo de 15 dias vem sendo previsto, nos mesmos termos, continuamente, desde 1993, nas Leis nºs 72/93, de 30/11 (nº 7 do art. 27º), na seguinte Lei nº 56/98, de 18/8 (nº 7 do art. 29º, passando ao nº 9 do mesmo art. 29º, pela redação conferida pelo art. 2º da Lei Orgânica nº 1/2001, de 14/8) e, finalmente, no atual nº 6 do art. 17º da Lei nº 19/2003.”. 98. Sendo a lei evolutiva na sua conceção, não se pode extrair a intencionalidade legislativa de querer fixar um prazo meramente ordenador, mas antes de caducidade, sob o imperativo de que se o legislador se assim não o quisesse tinha o dever de ser claro na respetiva redação adotada. 99. Com efeito, como antes decidido por este STA no citado aresto de 09/03/2023, confirmado pelo Acórdão do Pleno do STA, de 28/09/2023, “uma interpretação conforme aos ditames do art. 9º do C.Civil, obriga a dotar de sentido útil a disposição legal de que “a subvenção é solicitada em 15 dias”. E o sentido útil só pode ser o do ónus de cumprimento desse estipulado prazo, sob pena de perda do direito à atribuição da subvenção. Desde logo, o nº 1 do art. 17º em questão refere que o direito a uma subvenção pública é conferido «nos termos previstos nos números seguintes». E, nos termos estabelecidos nos números seguintes, para além das condições ou pressupostos substantivos de atribuição das subvenções, inclui-se, no nº 6, a condição procedimental da sua “solicitação em 15 dias”. E, como refere a Ré “AR”, dispõe o nº 2 do art. 298º do C.Civil (“Prescrição, caducidade e não uso do direito”) que: «Quando, por força da lei ou por vontade das partes, um direito deva ser exercido dentro de certo prazo, são aplicáveis as regras da caducidade, a menos que a lei se refira expressamente à prescrição».”. 100. No respeitante ao elemento teleológico da interpretação da norma jurídica, também não se encontram motivos para afastar as razões invocadas nos anteriores arestos do STA relativas ao fundamento da certeza e confiança jurídica em que se baseia o instituto da caducidade, assentes na fixação de um prazo certo e objetivo, como o prazo previsto no n.º 6, do artigo 17.º da Lei n.º 19/2002, pois rigorosamente não está em causa um prazo para a constituição do direito, mas para o seu exercício. 101. Na verdade, todos os pressupostos que permitem a constituição do direito à subvenção pública estão todos legalmente definidos no artigo 17.º, não estando em causa um direito que careça de ser definido, mas antes um direito que tem um prazo certo, de caducidade, para ser exercido. 102. Está em causa a prática de um ato que é estritamente vinculado, quer quanto à sua prática, quer quanto ao seu conteúdo, por o mesmo ser determinado pela lei, a qual não apenas reconhece o direito aos partidos políticos ao recebimento da subvenção pública, como define os pressupostos desse direito, incluindo quanto ao quantum da subvenção a receber, que depende de um mero cálculo matemático, nos termos dos artigos 17.º e 18.º da Lei n.º 19/2003, mas que depende da iniciativa do titular do direito, ou seja, do respetivo exercício do direito. 103. Por isso, não podem assistir dúvidas de o direito à subvenção pública para as campanhas eleitorais, previsto no artigo 17.º da Lei n.º 19/2003, de 20/06, se constituir ope legis como um direito dos partidos políticos em consequência da publicação oficial dos resultados eleitorais, mas que depende do respetivo exercício do direito no prazo legal definido na lei, que constitui um prazo de caducidade, decorrido o qual, se extingue o direito. 104. No presente caso, reitera-se, assim, o entendimento antes assumido, de que o incumprimento do prazo previsto para a solicitação da subvenção pública tem por consequência a perda do direito à atribuição da referida subvenção, por caducidade. 105. Não só se impõem razões de segurança e certeza jurídica, como é do interesse dos partidos políticos que o procedimento de pagamento da subvenção pública seja célere, o que decorre das várias normas do regime da Lei n.º 19/2003. 106. A que acresce não se vislumbrar que tal prazo de 15 dias, previsto no n.º 6 do artigo 17.º da Lei n.º 19/2003, de 20/06, esteja ferido de inconstitucionalidade, por violação do princípio da proporcionalidade, em qualquer das duas dimensões, da necessidade, da adequação e da proporcionalidade stricto sensu, ou a violação do princípio da razoabilidade, por não restringir, para além do necessário, direitos, liberdades e garantias de participação política, previstos no n.º 6 do artigo 51.º da Constituição, integrados no Capítulo II, do Título I, “Direitos, liberdades e garantias”, à luz do regime previsto nos artigos 17.º e 18.º da Constituição. 107. Antes se extraindo a interpretação, recorrendo aos vários elementos da interpretação da norma jurídica, de que o prazo de 15 dias para o Autor solicitar ao Presidente da Assembleia da República a subvenção pública para as campanhas eleitorais, previsto no n.º 6 do artigo 17.º da Lei n. 19/2003, de 20/06, é um prazo de caducidade, cujo não exercício ou no caso de não ser respeitado, extingue o direito à subvenção pública que se constitui com a publicação oficial dos resultados eleitorais. 108. Termos em que, conclui-se que a presente ação não merece provimento.
DECISÃO Pelo exposto, acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, de harmonia com os poderes conferidos pelo disposto no artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em julgar: a) improcedente, por não provada, a exceção de intempestividade da instauração da ação; b) improcedente, por não provada, a presente ação administrativa, mantendo na ordem jurídica o ato impugnado do Presidente da Assembleia da República, datado de 03/03/2023, de indeferimento da subvenção pública para as campanhas eleitorais, por não incorrer em errada interpretação e aplicação do n.º 6 do artigo 17.º da Lei n.º 19/2003, de 20/06 e, em consequência, absolver a Entidade Demandada do pedido. Custas a cargo do Autor. Lisboa, 6 de novembro de 2024. - Ana Celeste Catarilhas da Silva Evans de Carvalho (relatora) - Cláudio Ramos Monteiro - Pedro José Marchão Marques. |