Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 03760/23.7BELSB |
Data do Acordão: | 05/23/2024 |
Tribunal: | 1 SECÇÃO |
Relator: | TERESA DE SOUSA |
Descritores: | APRECIAÇÃO PRELIMINAR INTIMAÇÃO PARA PROTECÇÃO DE DIREITOS LIBERDADES E GARANTIAS AUTORIZAÇÃO DE RESIDÊNCIA |
Sumário: | É de admitir revista sobre a adequação do processo de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, para reagir à inércia da Administração num pedido de reagendamento na sequência de uma pretensão de autorização de residência e reagrupamento familiar, face à relevância jurídica da questão e à necessidade de a clarificar e solidificar no caso concreto. |
Nº Convencional: | JSTA000P32277 |
Nº do Documento: | SA12024052303760/23 |
Recorrente: | AA E OUTROS |
Recorrido 1: | AGÊNCIA PARA A INTEGRAÇÃO, MIGRAÇÕES E ASILO, I.P. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Formação de Apreciação Preliminar Acordam no Supremo Tribunal Administrativo 1.Relatório AA e BB, de nacionalidade britânica, com os sinais dos autos, intentaram no TAC de Lisboa contra o Ministério da Administração Interna e a Agência para a Integração, Migrações e Asilo, IP [AIMA, IP], Intimação para Protecção de Direitos, Liberdades e Garantias, nos termos do art. 109º, nº 1 do CPTA, pedindo a intimação das entidades demandadas a, no âmbito do procedimento de autorização de residência com fundamento em actividade de investimento/aquisição de bens imóveis, disponibilizarem aos Requerentes uma data para o reagendamento da diligência de recolha dos seus dados biométricos, a fim de se concluir o procedimento de autorização de residência e de reagrupamento familiar. Por decisão datada de 31.10.2023, o TAC rejeitou liminarmente o requerimento inicial por não se ter demonstrado a indispensabilidade que subjaz ao meio processual utilizado. Referiu que “perante a ausência de motivos que justifiquem que a alegada demora no agendamento de uma data e consequente obtenção do título de residência implica a produção de danos imediatos ou previsíveis, e bem assim, justificar a urgência na tutela principal, torna-se forçoso concluir que não podem os Requerentes lançar mão da intimação para a defesa de direitos, liberdades e garantias, nos termos do art.º 109.º do CPTA.”. Mais se entendeu não ser possível lançar mão do previsto no art. 110º-A, nº 1 do CPTA, atendendo a que no requerimento inicial não se alegara qualquer facto atinente a uma situação de urgência para o decretamento da providência. Por acórdão de 19.03.2024 o TCA Sul negou provimento ao recurso interposto daquela decisão pelos Recorrentes/Requerentes, mantendo a decisão de 1ª instância, por ter entendido, nomeadamente, que os requerentes ao não terem comparecido na delegação de Portimão do então SEF ao agendamento de 20.04.2023, que apenas a eles é imputável, faz com que se esvazie, no caso em apreço, o critério da urgência/premência que preside ao accionamento do processo de intimação. Sendo que os próprios Recorrentes só acabaram por recorrer ao presente meio de intimação “seis meses após a não comparência ao primeiro agendamento (em 30/10/2023 – data da apresentação em juízo dos autos de intimação).” É deste acórdão que os Recorrentes interpõem o presente recurso de revista, nos termos do disposto no art. 150º, nº 1 do CPTA, invocando a manifesta relevância jurídica e social da questão que se reveste de importância fundamental, já que estão em causa direitos fundamentais. Não foram apresentadas contra-alegações. 2. Os Factos Os factos dados como provados são os constantes do acórdão recorrido para onde se remete. 3. O Direito O art. 150º, nº 1 do CPTA prevê que das decisões proferidas em 2ª instância pelo Tribunal Central Administrativo possa haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de uma importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”. Como resulta do próprio texto legal, e a jurisprudência deste STA tem repetidamente sublinhado, trata-se de um recurso excepcional, como, aliás, o legislador sublinhou na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs 92/VIII e 93/VIII, considerando o preceito como uma “válvula de segurança do sistema”, que só deve ter lugar, naqueles precisos termos. Na presente revista os Recorrentes invocam que o acórdão recorrido, confirmativo da decisão do TAC de Lisboa, incorreu em erro de julgamento quanto à verificação dos requisitos de indispensabilidade e subsidiariedade exigidos pelo concreto meio processual previsto no art. 109º do CPTA. Alegam que são já titulares de um direito subjectivo – consubstanciada na decisão de deferimento de ARI e de Reagrupamento Familiar – estando, porém, privados do seu exercício e do efectivo prosseguimento dos autos para obtenção da ARI, mediante emissão do título/cartão de residência. Mantendo os Requeridos indevidamente suspenso o procedimento, ocorrendo, assim, uma injustificada restrição de direitos fundamentais dos Recorrentes, estando a ser confrontados com um obstáculo meramente burocrático, isto é, a inércia dos Requeridos em proceder a agendamento para recolha de dados biométricos, que os impede de concluir o processo de candidatura a ARI e obter o título de residência, em violação do princípio da tutela da confiança corolário do princípio da boa-fé a que a Administração está sujeita (cfr. art. 266º da CRP). Esta Formação de Apreciação Preliminar teve já oportunidade de se pronunciar sobre questões de natureza semelhante à que os Recorrentes pretendem ver apreciadas nesta revista. Assim, v.g., no acórdão de 28.09.2023, Proc. nº 0455/23.5BELSB expendeu-se, nomeadamente, o seguinte: “Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista – referidos no citado artigo 150º do CPTA – ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Feita uma tal apreciação, impõe-se-nos concluir pela admissão do presente recurso de revista. Efectivamente, e desde logo, a sintonia dos «tribunais de instância» no sentido da decisão de indeferimento liminar assenta em «diferentes fundamentos», (…). Estas discrepâncias jurídicas traduzem claramente, aliás, a divergência existente nas instâncias sobre a questão aqui litigada, a qual se mostra resolvida em aparente divergência com acórdão deste STA – AC STA de 11.09.2019 Rº 01899/18.0BELSB. Assim, para além de estarmos perante uma «questão» de relevância jurídica, acresce a necessidade de clarificar e solidificar o sentido da sua resolução, no âmbito dos «casos concretos trazidos a juízo», o que é múnus do órgão máximo desta jurisdição.” (cfr., v.g., os acórdãos desta Formação todos de 04.04.2024, Proc. nºs 180/23.7BECBR, 477/23.6BELSB e 741/23.4BELSB e de 22.03.2019, Proc. nº 02762/17.7BELSB). Estes considerandos são absolutamente transponíveis para o caso em presença, sendo de toda a conveniência que o STA se pronuncie sobre a problemática dos pressupostos do meio processual previsto no art. 109º do CPTA, já que, além do mais, a questão da urgência representa um problema nesse domínio susceptível de se colocar repetidamente, justificando-se, portanto, admitir o recurso. 4. Decisão Pelo exposto, acordam em admitir a revista. Sem custas. Lisboa, 23 de Maio de 2024. – Teresa de Sousa (relatora) – José Veloso – Fonseca da Paz. |