Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0144/21.5BEPRT |
Data do Acordão: | 05/10/2023 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | PEDRO VERGUEIRO |
Descritores: | IMPUGNAÇÃO JUDICIAL TAXA DE OCUPAÇÃO DO SUBSOLO REPERCUSSÃO FISCAL CONSUMIDORES JUROS INDEMNIZATÓRIOS |
Sumário: | I - A repercussão fiscal consiste na transferência do imposto que legalmente incide sobre um sujeito passivo, para um terceiro, alheio à relação jurídica tributária, com quem aquele tem relações económicas. Nas palavras de alguns autores, o repercutido será um mero "contribuinte de facto" (titular da capacidade contributiva), por contraposição ao "contribuinte de direito", aquele a quem é juridicamente exigível o pagamento do tributo. II - A norma constante do art. 85º nº 3, da Lei do OE/2017 para 2017 (Lei nº 42/2016, de 28-12), ostenta validade ou conformidade constitucional e plena eficácia, assim produzindo efeitos desde 01-01-2017, passando a ser ilegal a repercussão da TOS nos consumidores. III - A circunstância da entidade que praticou o acto lesivo (repercussão ilegal) ser uma entidade privada, uma sociedade anónima, não determina a sua exclusão do âmbito de aplicação do art. 43º nº 1 da LGT, interpretado em conformidade com o art. 22º da CRP. IV - No contexto de facto e de direito que emerge dos autos, é de considerar a sociedade comercializadora de gás ora recorrida integrada no conceito de "serviços" consagrado no citado art. 43º nº 1 da LGT, o que significa que não existe qualquer obstáculo em reconhecer à sociedade recorrente o direito de reaver o que ilegalmente lhe foi exigido e pagou e, bem assim, o direito a receber o valor correspondente aos juros indemnizatórios. |
Nº Convencional: | JSTA000P30974 |
Nº do Documento: | SA2202305100144/21 |
Data de Entrada: | 03/02/2022 |
Recorrente: | A..., S.A. |
Recorrido 1: | B..., S.A. – SUCURSAL PORTUGAL |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Processo n.º 144/21.5BEPRT (Recurso Jurisdicional) Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. RELATÓRIO “A..., S.A.”, devidamente identificada nos autos, inconformada, veio interpor recurso jurisdicional da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, datada de 07-12-2021, que julgou improcedente a pretensão pela mesma deduzida no presente processo de IMPUGNAÇÃO relacionado com a taxa municipal de ocupação do subsolo (TOS), relativa a Abril de 2019, no montante de € 9.411,48, que foi incluída na factura n.º ...35, emitida em 13/05/2019 pela “B..., SA - Sucursal Portugal”.
“ (…) A. A partir de 1 de janeiro de 2017, a repercussão da TOS nos consumidores finais passou a ser expressamente proibida. B. Com efeito, decorre do artigo 85.º, n.º 3, da Lei do OE para 2017 que a “taxa municipal de direitos de passagem e de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores”. C. Ainda assim, a Recorrente foi notificada da fatura n.º ...35, emitida em 13 de maio de 2019 pela B..., S.A. - Sucursal em Portugal, e na qual foi incluída a TOS no montante de €9.411,48. D. Neste contexto, a Recorrente procedeu, em 6 de junho de 2019, ao pagamento da fatura e da TOS, tendo, no dia 7 de junho de 2019, apresentado reclamação graciosa necessária junto do Município da Maia por forma a reagir contra a repercussão ilegal. E. Perante a formação do indeferimento tácito da reclamação graciosa, a Recorrente deduziu impugnação judicial, cujo objeto era o ato de indeferimento tácito, a anulação da TOS incluída na fatura n.º ...35 e o reembolso do seu montante acrescido de juros indemnizatórios. F. O Tribunal a quo concluiu pela total improcedência da ação, declarando a absolvição da instância por falta de legitimidade passiva do Município. G. Na sequência da referida sentença, a Recorrente instaurou nova ação contra a comercializadora B..., S.A. - Sucursal Portugal), requerendo a anulação da repercussão da TOS incluída na fatura n.º ...35 por violação do artigo 85.º, n.º 3, do OE 2017, procedendo-se ao seu reembolso acrescido de juros indemnizatórios até efetivo reembolso. H. Entretanto, a Impugnante, ora Recorrente, foi notificada de sentença desfavorável no presente processo n.º 144/21.5BEPRT, no qual a Meritíssima Juíza a quo pugna pela improcedência da impugnação judicial porquanto entende que o artigo 85.º, n.º 3, da Lei do OE para 2017, não produziu efeitos jurídicos imediatos. I. Considera, contudo, a Recorrente que a sentença a quo padece de ilegalidade por assentar numa errada interpretação do direito. Discorda-se totalmente do raciocínio seguido pelo Tribunal a quo na medida em que a Lei do Orçamento do Estado para 2017 veio proibir expressamente a repercussão legal da TOS aos consumidores finais. J. O quadro normativo em que se baseava a possibilidade de repercussão legal foi profundamente alterado com o artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017. K. Assim, desde o dia 1 de janeiro de 2017 que as taxas municipais de ocupação do subsolo não podem ser suportadas pelos consumidores. L. Por outras palavras, sendo a Impugnante, ora Recorrente, consumidora final de Gás, esta não poderá suportar a TOS por repercussão legal. M. A TOS é uma taxa municipal criada e liquidada pelos respetivos municípios pela “utilização e aproveitamento de bens do domínio público e privado municipal”. N. Conforme previsto na Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008 que aprovou as minutas dos contratos de concessão de serviço público de distribuição regional de gás natural a celebrar entre o Estado Português e as distribuidoras, existe a possibilidade de repercussão das TOS nos consumidores de gás natural de cada Município. O. Perante este contexto, a relação jurídico-tributária aqui em discussão processa-se nos seguintes moldes: a Câmara Municipal da Maia liquida uma taxa ao distribuidor de gás natural (a C..., S.A.), que é repercutida ao comercializador (a B..., S.A. - Sucursal Portugal) que, por sua vez, a repercute no consumidor final de gás natural, a ora Recorrente. P. Do quadro descrito tal como estava estabelecido resultava a existência de um mecanismo de repercussão legal da TOS nos consumidores finais pelas concessionárias. Q. Todavia, desde 1 de janeiro de 2017 que foi expressamente consagrada a proibição de fazer repercutir no consumidor final as taxas municipais de ocupação do subsolo (cfr. artigos 85.º, n.º 3, e 276.º, da LOE 2017). R. Não obstante a sua ilegalidade, a repercussão que tem vindo a ser efetuada à ora Recorrente encontra a sua razão de ser no facto de o Repercutente fazer uma interpretação errada do quadro jurídico em vigor, nomeadamente do artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017. S. Ou seja, reitera-se, o que se discute na impugnação judicial é a lesão sofrida por força da repercussão de uma taxa municipal, que a Impugnante considera ser ilegal - e cuja ilegalidade foi confirmada pelo Tribunal a quo, mas que lhe continua a ser efetuada por força de um entendimento da lei que ignora os efeitos do disposto no artigo 85.º, n.º 3, da Lei do Orçamento do Estado para 2017. T. Saliente-se, aliás, que a matéria ora em discussão já foi objeto de apreciação por parte deste douto Tribunal em várias ações intentadas contra os respetivos Municípios, tendo o Tribunal decidido pela ilegitimidade passiva dos mesmos. Assim, é na sequência destas decisões que a Impugnante, ora Recorrente, intentou novas ações, desta feita, contra a comercializadora, vindo, deste modo, acompanhar o entendimento do STA a propósito desta questão. U. Entendimento este que tem suporte na norma do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017 o qual impede que a TOS seja repercutida na Recorrente. Ora, não sendo o Município parte legítima na ação, sempre teria a Recorrente que intentar a mesma contra a entidade que lhe repercutiu indevidamente o tributo, sob pena de se considerar que a norma acima referida não produz qualquer efeito prático. V. Com efeito, um Decreto-Lei de Execução Orçamental não pode afastar a aplicação de uma Lei do Orçamento do Estado. W. Do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017 resultam dois imperativos claros, precisos e incondicionais: (i) a TOS tem que ser paga pelas empresas operadoras de infraestruturas; e (ii) não pode ser refletida na fatura dos consumidores. X. O artigo 85.º, n.º 3, não impõe qualquer requisito nem limitação à sua interpretação ou aplicação. Não se lê “sem prejuízo do disposto no número x”, “assim que y”, “verificado que esteja z”, nem tão pouco se prevê um diferimento temporal para aplicação do referido regime. Y. Mais, a norma não refere que “serão pagas” ou “poderão vir a ser pagas”, antes referindo “são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores”. Z. Salienta-se que a lei é especialmente cuidadosa na terminologia utilizada ao referir que não podem ser “refletidas na fatura dos consumidores”, afastando qualquer possibilidade de repercussão legal e económica. Nada se diz sobre como operará a repercussão, para além da obrigação de a fazer cessar quanto aos consumidores. AA. Relativamente ao artigo 70.º do Decreto-Lei de Execução Orçamental - invocado pela Meritíssima Juíza a quo -, esta norma que não é exequível por si mesma, e nem sequer programática. Através dela, o legislador do Decreto-Lei de Execução Orçamental limitou-se a abrir a porta para, em função da avaliação das consequências no equilíbrio económico-financeira das empresas operadoras de infraestruturas, vir a ser alterada, por via legislativa, a proibição de repercussão que consta do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017. BB. Mais, através da referida norma, o legislador não revogou a norma do artigo 85.º, n.º 3, da LOE 2017, nem sequer estabeleceu que ela terá inexoravelmente de ser revogada. CC. Repare-se que o Decreto-Lei de Execução Orçamental “contém as regras que desenvolvem os princípios estabelecidos no Orçamento do Estado para 2017, assegurando, em paralelo, uma rigorosa execução orçamental” (negritos e sublinhados nossos). De referir que o resultado interpretativo deverá ser aquele que não seja incompatível com a Lei do Orçamento do Estado para 2017. DD. Com efeito, o Decreto-Lei de Execução Orçamental existe porque existe um Orçamento do Estado e destina-se a desenvolver os imperativos deste último. EE. Relativamente ao facto de ter sido novamente inscrito no artigo 133.º da Lei do Orçamento do Estado para 2021 a proibição da repercussão da TOS nos consumidores finais, entende a Recorrente que a norma referida veio apenas reiterar novamente a proibição de repercussão, muito possivelmente, perante o incumprimento continuado das operadoras de infraestruturas. Significa igualmente que o legislador quis manter, inequivocamente, a proibição de repercussão da TOS nos consumidores finais (nomeadamente, em 2021). FF. A Recorrente desenvolve a atividade siderúrgica e de fabricação de ferro-ligas, não se dedica à produção, distribuição, comercialização ou revenda de gás natural. Assim, tratando-se a Recorrente de uma consumidora de gás, a cobrança da TOS contraria lei expressa (cfr. artigo 3.º, al. g), do Decreto-Lei n.º 62/2020, de 28 de agosto). GG. Assim, tendo sido repercutida na Recorrente a TOS, torna-se claro que esta repercussão é ilegal, não podendo ser limitada pelo Decreto-Lei de Execução Orçamental. HH. Por todo o exposto, a decisão recorrida deverá ser revogada e substituída por outra que declare procedente a impugnação judicial proposta pela Impugnante, ora Recorrente, por ser conforme ao Direito. Termos em que deve o presente Recurso ser julgado procedente, em face da fundamentação exposta, revogando-se assim a douta sentença e substituindo-a por uma outra que declare procedente a ação judicial da Impugnante, ora Recorrente.
A Recorrida “B..., S.A. - Sucursal Portugal” apresentou contra-alegações, nas quais enuncia as seguintes conclusões: “… 1) O Tribunal recorrido julgou improcedente a impugnação judicial por entender que a repercussão da Taxa de Ocupação do Subsolo ao cliente final, por desrespeito à alteração que decorreu da Lei n.º 42/206 de 28.12 (LOE de 2017) não padece de ilegalidade. 2) Ora, tal norma, não obstante de fazer parte do Orçamento de Estado que entrou em vigor no dia 1/Janeiro/2017, nunca chegou a entrar em vigor, pois não é eficaz. 3) Aliás, a norma contida no OE de 2017 serve apenas como ponto de partida para uma alteração de um quadro legal. 4) E é isto que decorre do artigo 70.º da Lei de Execução Orçamental para 2017 (Decreto-Lei n.º 25/2017, de 3 de Março) que deve ser considerado como um acto de interpretação autêntica do art. 85.º, n.º 3 da LOE de 2017, já que, provindo ambas as normas de fontes equivalentes (lei e decreto-lei têm igual valor, nos termos do disposto no art. 112.º, n.º 2 da CRP), uma (a mais recente) permite perceber o alcance que a outra (a mais antiga) é suposto ter. 5) A norma da Lei de Execução Orçamental define as condições em que o art. 85.º poderá vir a ser executado (cumprindo, dessa forma, a função de uma lei de execução orçamental). 6) Impõe um cumprimento do dever de comunicação das empresas titulares das infraestruturas do cadastro das suas redes até ao final do mês de abril de 2017 à DGAL e decorrido esse prazo as entidades reguladoras sectoriais avaliariam a informação recolhida e as consequências económico-financeiro das empresas operadoras, para que, posteriormente, tendo em conta essa avaliação o Governo proceda à alteração do quadro legal em vigor. 7) Só assim se cumprirá a proibição da repercussão da TOS prevista na LOE para 2017. 8) Sendo claro que este artigo vem dar aplicação ao que se previa na LOE 2017. 9) Pelo que sem a aprovação deste regime jurídico por parte do Governo não se pode considerar que tenha existido uma alteração normativa eficaz, nomeadamente, não se pode dizer que está em vigor a proibição da repercussão da TOS no consumidor final. 10) Tal entendimento tem sido consensual em várias instituições. 11) Em especial, o Governo que volta a inscrever tal compromisso, para alterar o quadro legal enquadrador da taxa de ocupação do subsolo em vigor, no art. 246.º, n.º 1 da LOE de 2019 (Lei n.º 71/2018, de 31 de Dezembro), obrigação que deveria ser cumprida até ao final do 1º semestre de 2019 e, ainda, no art. 133.º da LOE de 2021 (Lei n.º 75-B/2020, de 31 de Dezembro). 12) Admitindo por isso que não está em vigor a proibição da repercussão da TOS. 13) Acompanhando-se na íntegra a conclusão dos estudos da ERSE: “Concluímos, em suma, que a norma do n.º 3 do artigo 85.º da Lei n.º 42/2016 é parcialmente ineficaz, seja porque não reúne as condições necessárias para projectar os seus efeitos na realidade, seja porque o legislador expressamente explicitou o condicionamento da produção de efeitos até ao momento da entrada em vigor do novo regime jurídico sobre a repercussão da TOS.” 14) E foi assim que entendeu, e muito bem, o Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto na douta decisão recorrida e, também, nos processos 111/21.9BEPRT e 769/21.9BEPRT sobre questão igual à que aqui está em causa, decidindo, em todos, que enquanto não existir um novo quadro legal sobre a matéria, persiste a possibilidade legal de repercussão da TOS nos consumidores, pelo que a repercussão não padece de ilegalidade. 15) Face ao exposto, a sentença proferida nestes autos pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto não merece qualquer reparo pois cumpriu a Lei e o Direito. Termos em que, e nos mais de Direito que Vossas Excelências doutamente se dignarem suprir, deve ser negado provimento ao presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida, como é de inteira JUSTIÇA!”
O Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido de ser concedido provimento ao recurso.
Cumpre decidir. 2. DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES A APRECIAR Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, estando o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das respectivas alegações, sendo que a matéria apontada nos autos resume-se, em suma, em saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar legal a repercussão sobre o consumidor final da taxa de ocupação do subsolo, de acordo com a factura identificada nos autos, o que passa por saber se a disposição do nº 3 do artigo 85º da Lei nº 42/2016, de 28/12, que proíbe a repercussão da TOS no consumidor, carece ou não de um regime legal de execução para produzir os seus efeitos como se entendeu na sentença recorrida e, em caso afirmativo, ponderar se o reconhecimento de qualquer um dos vícios que integram a causa de pedir constitui fundamento suficiente para, em sede de Impugnação Judicial e ao abrigo do preceituado no artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT) serem atribuídos à Recorrente juros indemnizatórios e, em caso afirmativo, desde quando e até quando esses juros são devidos. 3. FUNDAMENTOS 3.1. DE FACTO Neste domínio, consta da decisão recorrida o seguinte: “… A) Em 12/06/2018, a “B..., SA – Sucursal Portugal” e a Impugnante celebraram um “Contrato de Fornecimento de Gás Natural”, constando da Cláusula 4.2. das Condições Gerais que ao preço final acrescerá a taxa de ocupação do subsolo. Documento n.º ... junto à Contestação, a fls 607. B) Em 13/05/2019, a “B..., SA – Sucursal Portugal” emitiu à Impugnante a factura n.º ...35, relativa a Abril de 2019, no montante de € 569.266,78, no qual está incluído o valor de € 9.411,48 relativo a TOS. Documento n.º ... junto à P.I., a fls 59. C) Em 06/06/2019, a Impugnante pagou a factura referida na alínea anterior. Documento n.º ... junto à P.I., a fls 64. D) Em 07/06/2019, a Impugnante apresentou Reclamação junto da Câmara Municipal da Maia. Documento n.º ... junto à P.I., a fls 65. Factos não provados O Tribunal não detectou a alegação de factos com relevo para a decisão, a dar como não provados. Motivação da decisão da matéria de facto A decisão da matéria de facto baseou-se no exame do teor dos documentos constantes dos autos, conforme referido, em concreto, em cada uma das alíneas do probatório.” «» 3.2. DE DIREITO Assente a factualidade apurada cumpre, então, entrar na análise da realidade em equação nos autos, sendo que a este Tribunal está cometida a tarefa de em saber se a sentença incorreu em erro de julgamento ao considerar legal a repercussão sobre o consumidor final da taxa de ocupação do subsolo, relativa ao mês de Abril de 2019, o que passa por saber se a disposição do nº 3 do artigo 85º da Lei nº 42/2016, de 28/12, que proíbe a repercussão da TOS no consumidor, carece ou não de um regime legal de execução para produzir os seus efeitos como se entendeu na sentença recorrida e, em caso afirmativo, ponderar se o reconhecimento de qualquer um dos vícios que integram a causa de pedir constitui fundamento suficiente para, em sede de Impugnação Judicial e ao abrigo do preceituado no artigo 43.º da Lei Geral Tributária (LGT) serem atribuídos à Recorrente juros indemnizatórios e, em caso afirmativo, desde quando e até quando esses juros são devidos.
Para recusar abrigo à pretensão da ora Recorrente, o Tribunal “a quo” ponderou que “… a proibição de repercussão prevista no n.º 3 do artigo 85.º da Lei OE 2017 não operou de forma imediata, não produziu efeitos jurídicos imediatos, pois encontra-se dependente do cumprimento das condições vertidas nos n.ºs 4 e 5 do artigo 70.º do Decreto-Lei n.º 25/2017, que são, precisamente, disposições necessárias à execução do referido normativo. Assim, não tendo o Governo voltado a legislar sobre essa matéria, será de concluir que se mantém o quadro legal que estava em vigor, que, como vimos, permitia de forma expressa a repercussão da TOS sobre os consumidores”.
Nas suas alegações, a Recorrente sustenta que a sentença recorrida padece de erro de julgamento, por errónea interpretação e aplicação do regime legal aplicável, designadamente do disposto no artigo 85º da Lei nº 42/2016, de 28-12, por considerar que a partir de 1 de Janeiro de 2017, passou a ser proibida a repercussão da taxa municipal de ocupação do subsolo (“TOS”) nos consumidores finais, apontando o artigo 85º nº 3, da Lei n.º 42/2016, de 28-12 que a “taxa municipal de direitos de passagem e de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na fatura dos consumidores”.
Que dizer? A realidade em equação nos autos tem como referência o facto de a partir de 01-01-2017, data da entrada em vigor da lei nº 42/2016, de 28-12, a TOS deixou de poder ser repercutida no consumidor final, sendo encargo das empresas operadoras de infra-estruturas. E, na verdade, o artigo 85º da Lei nº 42/2016, de 28-12, que aprovou o orçamento de estado (OE) para 2017, prevê no seu nº 3 que «A taxa municipal de direitos de passagem e a taxa municipal de ocupação do subsolo são pagas pelas empresas operadoras de infraestruturas, não podendo ser refletidas na factura dos consumidores». E no nº 4 do mesmo preceito legal consignou o legislador que «No primeiro semestre de 2017, é revista a Lei das Comunicações Eletrónicas, aprovada pela Lei n.º 5/2004, de 10 de Fevereiro». Por sua vez, no artigo 70º do D.L. nº 25/2017, de 03-03, diploma de execução da lei do orçamento, estabeleceram-se regras relativas à informação sobre o cadastro das redes de infraestruturas, estabelecendo-se no nº 4 que em função dessa informação iriam ser avaliadas “as consequências no equilíbrio económico-financeiro das empresas operadoras de infraestruturas”. E no seu nº 5 que “o Governo procede à alteração do quadro legal em vigor, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na fatura dos consumidores” Além disso, a Lei nº 71/2018, de 31-12, que aprovou o OE para 2019, o legislador voltou a prever no artigo 246º uma autorização ao Governo para revisão do quadro legal de enquadramento da taxa de ocupação do subsolo, nomeadamente em matéria de repercussão das taxas na factura dos consumidores. Todavia, em nenhum desses períodos nada foi aprovado que em execução do desiderato do legislador, alegadamente por falta de consenso (uma proposta do Governo terá tido a oposição da associação de municípios), e só em Janeiro de 2021, por despacho conjunto dos Ministros de Estado e das Finanças, da Modernização do Estado e da Administração Pública e do Ambiente e da Acção Climática, (despacho nº 315/2021, publicado no Diário da República n.º 6/2021, Série II de 2021-01-11, páginas 222 - 223) é que foi determinada a constituição de um grupo de trabalho «com o objetivo de alterar o quadro legal enquadrador da TOS atualmente em vigor, nos termos estabelecidos pelo artigo 85.º da Lei n.º 42/2016, de 28 de dezembro, artigo 70.º do Decreto -Lei n.º 25/2017, de 3 de março, e artigo 246.º da Lei n.º 71/2018, de 31 de dezembro», sendo que até agora nada foi aprovado em resultado dos labores desse grupo de trabalho. Nesta medida, atentos os contornos legais da norma plasmada no artigo 85º da Lei nº 42/2016, de 28-12, e o facto de não ter sido até agora implementada pelo Governo qualquer alteração ao enquadramento legal da taxa municipal de ocupação do subsolo que os municípios fazem recair sobre os operadores de distribuição do gás, importa perceber que efeitos foram produzidos com a entrada em vigor daquela norma no ordenamento jurídico, o que implica caracterizar os termos em que vem sendo repercutida no consumidor final a referida taxa de ocupação do subsolo, sabendo que em resultado de a sua aplicação (lançamento) por parte dos (alguns) municípios não ter sido prevista aquando dos procedimentos de concessão da distribuição do gás natural, o que tem gerado uma litigância que levou o Governo a acordar com as concessionárias, no âmbito do clausulado contratual, na admissibilidade de a referida taxa municipal poder ser repercutida no consumidor final. É o que resulta da Resolução do Conselho de Ministros n.º 98/2008, de 23 de junho, na qual este órgão do Governo fez as seguintes considerações: “(…) 8 - É reconhecido à concessionária o direito de repercutir, para as entidades comercializadoras de gás ou para os consumidores finais, o valor integral das taxas de ocupação do subsolo liquidado pelas autarquias locais que integram a área da concessão na vigência do anterior contrato de concessão mas ainda não pago ou impugnado judicialmente pela concessionária, caso tal pagamento venha a ser considerado obrigatório pelo órgão judicial competente, após trânsito em julgado da respectiva sentença, ou após consentimento prévio e expresso do concedente. 9 - Para efeitos do estabelecido no número anterior, os valores que vierem a ser pagos pela concessionária em cada ano civil serão repercutidos sobre as entidades comercializadoras utilizadoras das infra -estruturas ou sobre os consumidores finais servidos pelas mesmas, durante os «anos gás» seguintes, nos termos a definir pela ERSE. No caso específico das taxas de ocupação do subsolo, a repercussão será ainda realizada por município, tendo por base o valor efectivamente cobrado pelo mesmo”. E na mesma resolução do CM foi aprovado o clausulado do contrato a celebrar com as concessionárias de distribuição do gás natural, em cuja cláusula 7ª ficou consignado que: “(…) Cláusula 7.ª Direitos e obrigações da concessionária (…) 2 - Assiste à concessionária o direito de repercutir sobre os utilizadores das suas infra-estruturas, quer se trate de entidades comercializadoras de gás ou de consumidores finais, o valor integral de quaisquer taxas, independentemente da sua designação, desde que não constituam impostos directos, que lhe venham a ser cobrados por quaisquer entidades públicas, directa ou indirectamente atinentes à distribuição de gás, incluindo as taxas de ocupação do subsolo cobradas pelas autarquias locais.”. E é com base em tal clausulado do contrato celebrado entre o Estado e as empresas concessionárias que estas têm vindo a repercutir o valor da taxa que lhes é cobrada pelos municípios.
A partir daqui, e sobre a matéria essencial em equação nos autos, cabe ter presente o exposto no recente Ac. deste Tribunal de 29-03-2023, Proc. nº 817/20.0BEALM, www.dgsi.pt, e onde se ponderou, além do mais, que: “… Como se constata da leitura da sentença recorrida, e deixámos já consignado, o julgamento de improcedência da acção acompanhou a tese defendida pela sociedade recorrida, louvando-se, nuclearmente, no entendimento de que a norma prevista no artº.85, nº.3, da Lei do OE para 2017 (Lei 42/2016, de 28/12) não é automaticamente operacional, estando a sua eficácia dependente da criação de um quadro jurídico tendo em vista a alteração do regime legal de repercussão da TOS. Sendo esse o seu objecto, como decorre, no caso, do artº.1, do citado Decreto-Lei 25/2017, de 3/03, parece poder concluir-se que a LOE, no caso para o ano de 2017, constitui o quadro legal que, simultaneamente, legitima as normas que integram o Decreto de Execução Orçamental e limita o âmbito da sua aplicação, devendo as normas que integram este último ser interpretadas, primacialmente, em conformidade com os princípios e normas integradas naquela primeira, desta forma se assegurando que um diploma cuja exclusiva elaboração e execução está cometida ao Governo, não altere, em matéria orçamental, o que ficou decidido pela Assembleia da República, a quem, sob proposta do Governo, compete aprovar o Orçamento de Estado (cfr.artº.161, al.g), da C.R.Portuguesa; artº.53, da Lei de Enquadramento Orçamental actualmente em vigor - Lei 151/2015, de 11/09). As obrigações pecuniárias e de quantidade, como é o caso da obrigação de apuramento de juros derivada do indevido pagamento de uma liquidação tributária, devem ser cumpridas de acordo com o princípio nominalista, em moeda que tenha curso legal no País, impondo a lei o pagamento de juros face a tal tipo de obrigações. Os juros consistem no preço do dinheiro em função do tempo, remunerando o seu titular em face da sua disponibilização temporal a terceiro ou, por outras palavras, são os frutos civis, constituídos por coisas fungíveis e que representam o rendimento de uma obrigação de capital (cfr.artºs.550 e 806, nº.1, ambos do C.Civil; ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 26/05/2022, rec.1611/11.4BELRS-A; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 8/02/2023, rec. 971/21.3BELRS; João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol.I, 7ª. edição, Almedina, 1991, pág.844 e seg., e 867 e seg.; José Maria Fernandes Pires e Outros, Lei Geral Tributária comentada e anotada, Almedina, 2015, pág.357). Especificamente na área do direito tributário, nos termos do artº.100, da L.G.Tributária, em virtude da procedência total ou parcial de impugnação a favor do sujeito passivo, a A. Fiscal está obrigada à imediata e plena reconstituição da legalidade do acto objecto do litígio, tal dever compreendendo o pagamento de juros indemnizatórios ou moratórios, se for caso disso, computados a partir do termo do prazo da execução espontânea da decisão (cfr.artº.43, da L.G.T.). 4. DECISÃO Nestes termos, acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Tributário deste Tribunal, de harmonia com os poderes conferidos pelo art. 202.º da Constituição da República Portuguesa, em conceder provimento ao recurso jurisdicional interposto pela Recorrente, revogar a sentença recorrida e, na procedência da presente impugnação judicial: A - Julgar ilegal e anular o acto de repercussão, de TOS, constante da factura mencionada em B) dos factos provados e; B - Condenar a Recorrida, “B..., S.A. - Sucursal em Portugal” na devolução, à Recorrente, da importância paga a título de TOS, acrescida de juros indemnizatórios, calculados, à taxa legal devida, desde 06-06-2019 e até ao momento/data do reembolso. Custas pela Recorrida em ambas as Instâncias. Notifique-se. D.N.. Lisboa, 10 de Maio de 2023. - Pedro Nuno Pinto Vergueiro (relator) - Francisco António Pedrosa de Areal - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos. |