Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0282/13.8BELRA
Data do Acordão:05/29/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:PRESCRIÇÃO
INTERRUPÇÃO
Sumário:I – À prescrição das dívidas à Segurança Social aplica-se, subsidiariamente e em abstrato, o regime previsto na L.G.T., atento o disposto no artigo 3.º, alínea a) do actual Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.
II - A nova redacção do n.º 3 do artigo 49.º da LGT aplica-se apenas aos factos interruptivos verificados após o início da vigência da Lei 53-A/2006, de 23 de Dezembro, em conformidade com a regra geral da sucessão de leis no tempo contida no art. 12.º da LGT e no art. 12.º do C.Civil.
III – Tendo os eventos interruptivos da prescrição ocorrido já após a entrada em vigor do novo regime, apesar de as dívidas em causa respeitarem a um período anterior, ficam sujeitos às restrições decorrentes daquele; designadamente, a proibição de duplas causas interruptivas.
IV – O regime do n.º 3 do artigo 49.º da LGT, quando aplicável às dívidas da Segurança Social, restringe-se à citação de execução fiscal, uma vez que, por um lado, nem a impugnação, reclamação ou recurso hierárquico podem ser considerados diligências administrativas e, por outro lado, as demais diligências administrativas não foram equacionadas pelo legislador da LGT, aquando das alterações introduzidas no regime da prescrição em 2006.
Nº Convencional:JSTA000P32301
Nº do Documento:SA2202405290282/13
Recorrente:INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, I.P. – CENTRO DISTRITAL DE LEIRIA
Recorrido 1:A... LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam na Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 Alegações
O INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL, IP, vem recorrer da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria, datada de 25-2-2021, a qual julgou procedente a impugnação judicial interposta pela impugnante, ora recorrida A... LDA e declarou prescritas as obrigações tributárias relativas a contribuições para a Segurança Social, relativas ao período compreendido entre janeiro de 2004 e novembro de 2005, no valor global de € 23.432,25 euros.
Apresenta as suas alegações de recurso, formulando as seguintes conclusões a fls. 416 a 435 do SITAF:
A) Com os presentes autos, peticionou a Recorrida, em suma, a anulação do Despacho proferido pelo Impugnado, que lhe foi notificado através do ofício datado de 03/01/2013, o qual veiculava, em síntese, o seguinte: “(…) Foi determinado o apuramento oficioso de contribuições para a Segurança Social no montante de 23.435,22 € (vinte e três mil quatrocentos e trinta e cinco euros e vinte e três cêntimos)”;era nulo e a dívida nele reclamada estava prescrita, devendo ser a Impugnação Julgada procedente.
B) Por sentença todos os factos foram considerados provados.
C) Não subsistindo dúvidas quanto à existência da dívida de reclamada, que a Recorrida através de um engenho de falsas declarações na folha de vencimento, encapotava remuneração sujeita a tributação e pagamento à Segurança Social, como se tratasse de prestações isentas.
D) Tendo a Recorrente iniciado Processo de Averiguações nº ...27, a 21 de Maio de 2007, no âmbito do qual através de ações de fiscalização, foi apurado que entre 31 de janeiro de 2004 e 31 de Dezembro de 2005, a Impugnante pagou a AA e BB, trabalhadores da Recorrida, valores constantes dos respetivos recibos de vencimento, quantias com a descrição “132- Participação nos lucros” e “140- Subsídio p/ Educação Descendentes”.
E) O NFBC da Segurança Social, emitiu relatório final a 28 de Novembro de 2008 onde consta a súmula dos factos apurados, bem como o apuramento de, contribuições que não fora entregues no valor de 23.435,22€.
F) O Tribunal a quo Considerou : “ (…) constata-se que decorreram mais de 5 (cinco) anos entre o dies a quo, 16 de Janeiro de 2006, correspondente ao dia seguinte à data de pagamento da última obrigação contributiva, e a primeira diligência administrativa realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida (dia 09 de agosto de 2011, notificada no dia 18 de agosto de 2011) isto é, a emissão de projecto de relatório, no âmbito do processo averiguação ...41, e respectiva notificação para audiência de interessados.
E pese Embora tenha efectivamente ocorrido citação em sede executiva (cf. alínea CC) da matéria de facto provada), aquando da sua emissão/conhecimento já tinha decorrido o prazo prescricional em causa, não sendo consequentemente de aplicar qualquer efeito interruptivo duradouro”.
G) Considerando assim a impugnação procedente, declarando-se a prescrição da obrigação contributiva e anulando o ato impugnado nos autos.
H) O Recorrente não podia estar mais em desacordo, considera que com as diligências todas já elencadas nas presentes conclusões, efetuadas no procedimento de averiguações, de que foram notificada à Recorrida, interromperam o prazo de prescrição, não estando precludido o direito de reclamar as contribuições em dívida.
I) A obrigação do pagamento das contribuições da segurança social prescreve no prazo de 5 (cinco) anos, a contar da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida (art.º 187.º do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social, doravante designando como CRCSPSS), não é menos certo que o prazo de prescrição se interrompe, quando se verifica a ocorrência de “qualquer diligência administrativa realizada pelos serviços, da qual tenha sido dado conhecimento ao responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida” (art.º 187.º, n.º 2 e 3, do CRCSPSS);
J) O Proave ...27 teve início a 21.05.2007, a 05.12.2008 foi a Recorrida notificada, do mesmo com o projeto de relatório final e todos os documentos e elementos apurados, em sede de audiência prévia.
K) Dessa notificação, a Recorrida apresentou Recurso hierárquico.
L) Que foi analisado pelo NFBC da Segurança Social, chegou à conclusão que a decisão padecia de falta de fundamentação, declarando que aceitava o evocado pela Requerida revogando o ato.
M) Com esta decisão o Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes, revogou parte do ato administrativo que estava ferido por falta de fundamentação, mas por outro lado salvaguardou a utilização futura “das diligências realizadas em sede de instrução administrativa e elementos probatórios recolhidos(….)”.
N) Tendo assim interrompido o decurso da prescrição, a 12 de Dezembro de 2009, com a notificação da Recorrida, da decisão de revogação do ato nos termos e fundamentos já expostos.
O) Estando o prazo de prescrição interrompido até 19 de Agosto de 2011, data em que a Recorrida foi notificada no âmbito Proave nº ...41, que foi iniciado tendo como fim o prosseguimento dos atos praticados no processo de averiguação nº ...27, utilizando as diligências realizadas em sede de instrução administrativa e elementos probatórios recolhidos (protegidos no ato revogação de 12.12.2009).
P) O fim único deste novo Proave era finalizar a averiguação iniciada com o Proave ...27.
Q) No fundo tanto o Proave ...27 e ...27 são o início e fim do mesmo procedimento de fiscalização/ averiguação.
R) Como já enunciamos: “(…) o prazo de prescrição se interrompe, quando se verifica a ocorrência de “qualquer diligência administrativa realizada pelos serviços, da qual tenha sido dado conhecimento ao responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida” (art.º 187.º, n.º 2 e 3, do CRCSPSS);”
S) Ora considerando o prazo interrompido a 12.12.2009, retomado a 19 de Agosto de 2011 começando a correr novo prazo de prescrição.
T) Nesse sentido a jurisprudência, citando Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, processo nº 0534/20.0BEBRG,: “Por sua Vez, a interrupção da prescrição tem sempre como efeito a inutilização para o respectivo regime de todo o tempo decorrido anteriormente, sendo esse efeito instantâneo o único próprio da interrupção, presente em todas as situações (cfr. Artº.326, nº1, do C. Civil).”
U) Não se considerando assim as contribuições em dívidas prescritas, ascendo a dívida da Recorrida a 23.435,22€.
V) Realçamos também que o Recorrente início processo executivo de forma a recuperar os valores em dívida, por os mesmos serem certos e exequíveis.
W) Procedendo a citação do Recorrida a 26 de Junho de 2013.
X) Com a citação o prazo foi novamente interrompido.
Y) No acórdão acima referido, foi ainda afirmado: “(…) (Porém, em certos casos, designadamente, quando a interrupção resultar de citação, notificação ou acto equiparado, ou de compromisso arbitral, o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo (cfr. Artº. 327 nº 1 do C. Civil).”
Z) Em suma;
AA) Pelo NFBC da Segurança Social um relatório final onde constam os factos apurados, bem como o apuramento de contribuições que não foram entregues no valor de 23.435.22€, referentes às contribuições de janeiro de 2004 a Dezembro de 2005.
BB) Que as mesmas até ao presente não foram liquidadas.
CC) Que o processo de averiguação foi notificado à Recorrida a 05.08.2008 para se pronunciar em sede de audiência prévia.
DD) Na sequência do Recurso hierárquico, foi revogado o ato dado conhecimento à Recorrida a 13.09.2009, realçando que as diligências realizadas em sede de instrução administrativa e elementos probatórios recolhidos, seriam aproveitados no futuro. Considerando-se aí o prazo interrompido.
EE) Iniciando novo prazo de prescrição a 19 de Agosto de 2011, data em que a Recorrida foi notificada no âmbito Proave nº ...41.
FF) E pro fim novo prazo foi iniciado com a citação da Recorrida em sede de processo executivo 26 de Junho de 2013, considerando-se o novo prazo de prescrição “(…)o novo prazo de prescrição não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo(…)”.(cfr. Acórdão STA , processo nº 0534/20.0BEBRG).
GG) Resultado assim que o prazo prescricional, ainda não começou a correr, terá início com o trânsito em Julgado da Decisão.
HH) Por todo o exposto, e na medida em que consta e resulta diretamente dos factos dados como provados na própria sentença do Tribunal a quo, deve o presente Recurso ser considerado procedente por provado, e ser a sentença declarada nula, nos termos do artigo 674.º, n.º 1, alínea b), do Código de Processo Civil.

I.2 – Contra-alegações
A Recorrida A... Lda contra-alegou, tendo formulado as seguintes conclusões:
1) A Impugnante foi notificada através do ofício a informar que tinha sido determinado o apuramento oficioso de contribuições para a Segurança Social no montante de 23435,22 (vinte e três mil quatrocentos e trinta e cinco euros e vinte e dois cêntimos;
2) A Impugnante perante a decisão proferida pelo Exmo. Sr. Director do Serviço de Fiscalização Centro apresentou Recurso Hierárquico alegando o que consta dos autos;
3) Não tendo obtido qualquer resposta ao Recurso hierárquico, a Recorrida veio apresentar a Impugnação que deu causa aos presentes autos, alegando o que consta de fls.;
4) Procedeu-se à Audiência de Discussão e Julgamento;
5) Por Sentença de fls., o Meritíssimo Juiz decidiu o acima transcrito;
6) Não se conformando com a Sentença de fls., o Impugnado veio apresentar recurso da mesma alegando que não ocorreu a prescrição, uma vez que existiram várias causas de interrupção;
7) Não assiste qualquer razão ao Impugnado e muito menos qualquer fundamento legal para a apresentação do recurso;
8) Conforme resulta dos autos as alegadas contribuições em causa dizem respeito ao período de 2004 e 2005;
9) Sucede que tais contribuições foram lançadas oficiosamente pelo Recorrente, em Março de 2009;
10) A Recorrente, por notificação de 13/11/2009, notificou a Recorrida do Despacho de revogação da decisão proferida no âmbito do de averiguação nº ...27, no qual consta a revogação do referido ato administrativo com efeitos reportados à data do mesmo;
11) O Recorrente com a revogação do ato administrativo, com efeitos retroativos expressos, destruiu os efeitos jurídicos do ato administrativo de 11 de março de 2009;
12) A revogação anulatória operada pelo Recorrente retroagiu os seus efeitos jurídicos ao momento da prática do ato revogado, fazendo desaparecer o ato da ordem jurídica;
13) Os efeitos jurídicos dos atos interlocutórios do processo de averiguação nº ...27 foram eliminados da ordem jurídica com a prolação do despacho de revogação do ato administrativo de 11 de março de 2009;
14) Não pode, nem é legal o Recorrente querer beneficiar dos efeitos de um ato que anulou;
15) Não tem qualquer fundamento o alegado pelo Recorrente nas suas alegações de recurso, devendo o mesmo ser julgado improcedente, por não provado com todas as consequências legais daí resultantes;
16) Bem andou o Meritíssimo Juiz ao decidir como decidiu;
17) Carece, pois, totalmente de fundamento a motivação alegada pelo Recorrente quanto a todas as questões suscitadas;
18) Face a todos os motivos supra explanados, sobre os quais também o Tribunal a quo já abundantemente se pronunciou, deverá o recurso interposto pelo Recorrente motivar a prolação do competente Acórdão de total improcedência do mesmo, o que se requer, com todas as consequências legais daí resultantes.

I.3 – Parecer do Ministério Público
O Ministério Público emitiu parecer com o seguinte conteúdo:
“I. Objecto do recurso.
1. O presente recurso vem interposto da sentença do TAF de Leiria, que julgou verificada a prescrição das obrigações tributárias relativas a contribuições para a Segurança Social, relativas ao período compreendido entre janeiro de 2004 e novembro de 2005, no valor global de € 23.432,25 euros.
A Recorrente insurge-se contra o assim decidido, por considerar que a sentença padece do vício de nulidade, por violação do disposto no artigo 674º, nº1, alínea b) do Código de Processo Civil.
Para o efeito alega, em síntese, que o prazo de prescrição foi interrompido em 12/12/2009 com a notificação à Recorrida da decisão de revogação do ato de liquidação oficiosas das contribuições, anteriormente praticado, e em 19/08/2011, com a notificação do relatório do procedimento inspectivo.
E termina pedindo a revogação da sentença.
2. Para se decidir pela procedência da ação considerou o tribunal “a quo” que «decorreram mais de 5 (cinco) anos entre o dies a quo, 16 de janeiro de 2006, correspondente ao dia seguinte à data de pagamento da última obrigação contributiva, e a primeira diligência administrativa realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida (dia 9 de agosto de 2011, notificada no dia 18 de agosto de 2011) isto é, a emissão de projeto de relatório, no âmbito e averiguação ...41, e respetiva notificação para audiência de interessados». Mais se considerou que ao revogar todos os atos do procedimento administrativo inicialmente realizado, a Segurança Social «não pode beneficiar do efeito interruptivo da prescrição dos atos que expressamente revogou».
Concluindo-se, assim, que o primeiro facto interruptivo ocorreu com a notificação, em 18/08/2011, do projecto de relatório, para efeitos do exercício do direito de audiência, altura em que já tinha decorrido o prazo de cinco anos previsto no nº 4 do artigo 60º da Lei nº 4/2007.
II. APRECIAÇÃO DE MÉRITO.
A questão que é suscitada pela Recorrente consiste em saber se a sentença recorrida incorreu em erro de julgamento na apreciação que fez da questão da prescrição das contribuições para a segurança social, objecto de impugnação, o que passa por saber se se verifica ou não a prescrição dessas obrigações tributárias ou ocorreu qualquer facto com efeitos interruptivos que obstou a tal resultado.
A prescrição da obrigação tributária não é de conhecimento oficioso no processo de impugnação judicial do acto de liquidação, por não consubstanciar vício invalidante desse acto, cuja verificação possa conduzir à procedência da respectiva impugnação. Todavia, a jurisprudência deste tribunal vem admitindo que o juiz tome conhecimento da prescrição, no âmbito da impugnação judicial da liquidação, para retirar dela, não a procedência da impugnação e a anulação da liquidação, mas a declaração de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide (cfr. neste sentido os acórdãos de 09/02/2003, recurso nº 0939/04, de 03/07/2002, recurso nº 0723/02, de 02/10/2002, recurso nº 0638/02 e de 20/04/2005, recurso nº 01261/04). Passemos, assim, a analisar a questão que é colocada a este tribunal.
1. Resulta da matéria de facto fixada na sentença recorrida (com uma longa descrição e cópia da documentação junta aos autos que dificulta a sua apreensão), que as contribuições cuja legalidade foi impugnada pelo sujeito passivo respeitam ao período compreendido entre janeiro de 2004 e novembro de 2005.
2. Como se deixou exarado na sentença recorrida, o prazo de prescrição das dívidas provenientes de contribuições e quotizações para a Segurança Social é de 5 anos, e conta-se a partir da data em que aquela obrigação deveria ter sido cumprida, sendo que a prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida (Regime que se tem mantido nos diversos diplomas legais que têm regulado a matéria, conforme resulta do disposto no artigo 63.º, n.º 1 e 2 da Lei n.º 17/2000, de 8 de Agosto, do artigo 49.º, n.º 1 e 2 da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro, do artigo 60.º, n.º 3 e 4 da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, e do artigo 187º da Lei nº 110/2009).
3. No caso concreto dos autos resulta da matéria de facto assente que tendo sido instaurados procedimentos de averiguação por parte dos Serviços da Segurança Social, a impugnante e aqui Recorrida foi notificada para os termos dos mesmos em 05/12/2008 e em 11/03/2009 foi determinada a emissão de declarações oficiosas de remunerações referentes ao período de janeiro de 2004 a dezembro de 2005.
Na sequência de tal ato (que presumimos ter sido notificado à impugnante - Mas que não consta da matéria de facto assente, cujo método se nos afigura incorreto, por se basear na cópia e colagem dos documentos juntos aos autos, cujo teor só em determinados casos se mostra relevante levar ao probatório, mas que deve ser objecto de uma análise critica do tribunal, a fim de fixar os factos relevantes para a discussão da causa.), a impugnante apresentou em 1 de agosto de 2009 recurso hierárquico, no âmbito do qual se determinou a revogação do ato anterior (emissão das declarações oficiosas) e a repetição de atos do procedimento inspectivo, com vista a sanar uma alegada irregularidade cometida no mesmo, que contendia com a fundamentação do ato.
Ora, o tribunal “a quo” considerou a este propósito que tendo aqueles atos sido revogados, os mesmos deixaram de produzir efeitos e designadamente os efeitos interruptivos do prazo de prescrição, entendimento este que merece a nossa adesão e que também não é questionado pela Recorrente.
Com efeito, nos termos do nº2 do artigo 145º do CPA, a revogação tem efeito retroactivo, quando se fundamente na invalidade do acto revogado. Referem a este propósito Mário Esteves de Oliveira e Outros (in CPA Comentado, 2ª edição, 2005, pág.692), «projectando-se retroativamente à data do acto revogado, a anulação administrativa faz com que se tenham de retirar do ordenamento jurídico todos os efeitos dele, bem como dos seus actos consequentes, tudo se passando (salvo o caso julgado, claro) como se o acto revogado tivesse sido anulado pelo tribunal».
Todavia a Recorrente invoca que a impugnante e aqui Recorrida foi notificada em 13/11/2009 da decisão do recurso hierárquico (“a notificação da Recorrida por ofício de 12 de dezembro de 2009 da decisão de revogação do ato”) e que esse ato produziu efeitos interruptivos, os quais não foram atendidos na sentença recorrida, na qual o tribunal “a quo” apenas considerou suscetível de produzir tais efeitos interruptivos o ato de notificação em 19 de agosto de 2011 do projecto do novo relatório elaborado após a decisão proferida no recurso hierárquico.
De facto na sentença recorrida o tribunal entendeu que o primeiro ato interruptivo da prescrição ocorreu apenas em 19/08/2011, com a notificação da impugnante para exercer o direito de audição no âmbito do novo relatório dos Serviços de Fiscalização, altura em que concluiu já ter decorrido o prazo de prescrição de cinco anos.
A questão que se coloca consiste em saber se no decurso do prazo de prescrição ocorreu qualquer facto interruptivo e designadamente se da decisão proferida em sede de recurso hierárquico, que revogou a decisão que determinou as liquidações oficiosas das contribuições, consubstancia uma “diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida”.
Considera a Recorrente que o ato revogatório deixou incólume alguns dos atos praticados no procedimento de averiguações (diligências instrutórias de recolha de elementos) e que nessa medida o contribuinte era informado através desse ato que o procedimento de averiguações seria retomado e prosseguiria com vista à liquidação das contribuições.
Não oferece dúvidas que o referido ato foi praticado no âmbito de um procedimento gracioso de impugnação enxertado no procedimento de liquidação das contribuições e do qual foi dado conhecimento à impugnante e aqui recorrida. O referido ato revogou a decisão que determinara a liquidação oficiosa das contribuições impugnadas, com base em vício formal (falta de fundamentação), e determinou o seu suprimento. E na sequência de tal ato foi elaborada nova informação dos Serviços, que foi notificada ao sujeito passivo para o exercício do direito de audição, e proferida nova decisão a determinar a elaboração das liquidações oficiosas.
É duvidoso que o ato de decisão do recurso hierárquico consubstancie uma diligência administrativa conducente à liquidação das contribuições, mas não temos dúvidas que a apresentação do recurso hierárquico consubstancia um ato interruptivo da prescrição, nos termos do nº1 do artigo 49º da Lei Geral Tributária.
De facto, este tribunal tem entendido que as regras dos artigos 48.º e 49.º da LGT, no que não está especialmente regulado nas Leis da Segurança Social supra citadas, aplicam-se à prescrição dos créditos da Segurança Social derivados de cotizações e contribuições (cfr. entre outros, o acórdão de 21/04/2010, proc. 023/10).
Assim sendo e conforme se deixou supra referido, tendo o recurso hierárquico sido apresentado em 1 de agosto de 2009 (alínea M) do probatório), o qual constituindo facto interruptivo, tem por efeito a inutilização do período até então decorrido, iniciando-se a partir dessa altura a contagem de novo prazo (nº1 do artigo 326º do Cod. Civil).
É certo que nessa data – 01/08/2009 – o prazo de prescrição de cinco anos já havia decorrido em relação às contribuições respeitantes aos meses de janeiro a junho, inclusivé, de 2004, cujo último prazo se iniciou em 15/07/2004 e terminou em 14/07/2009.
Mas no que respeita às demais contribuições e atento que a impugnante foi citada no âmbito da execução fiscal em 26/06/2013, cujo facto interruptivo tem efeitos duradouros (nº1 do art. 327º do Cód. Civil), como tem sido entendido de forma pacífica por este tribunal, é manifesto que não decorreu o assinalado prazo de cinco anos, motivo pelo qual se conclui que não se verifica nesta parte a prescrição das contribuições impugnadas.
Assim sendo, ainda que com outra fundamentação, entendemos que a sentença recorrida padece do vício de erro de julgamento que lhe é assacado pela Recorrente, pois não só a prescrição não constitui fundamento conducente à anulação do ato impugnado, como entendeu o tribunal “a quo”, mas tão só fundamento para a declaração de extinção da instância, por inutilidade superveniente da lide, como no caso concreto não ocorreu a prescrição, por terem decorrido factos interruptivos, com efeitos instantâneo e duradouro que obstaram a esse resultado.
Afigura-se-nos, assim, que se impõe a revogação da sentença recorrida e a baixa dos autos ao TAF de Leiria para conhecimento das demais questões, cujo conhecimento o tribunal deu como prejudicado.”

I.4 - Colhidos os vistos dos Exmos. Juízes Conselheiros Adjuntos, submetem-se agora os autos à Conferência para julgamento.


II - FUNDAMENTAÇÃO

II.1 – De facto
A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto a fls. 324 a 371 do SITAF:
A) A Impugnante é uma sociedade comercial, denominada “A..., Lda.", sociedade por quotas, com o número de identificação de pessoa coletiva ...52, número de identificação de segurança social ...30, com sede na Rua ..., B..., ... ..., ... (cf. processo administrativo constante do SITAF);
B) Entre 31 de janeiro de 2004 e 31 de dezembro de 2005, a Impugnante pagou a AA e BB, trabalhadores desta, as quantias mencionadas nos respetivos recibos de remunerações, nomeadamente verbas a título de “132 - Participação nos lucros" e “140 - Subsídio p/Educação Descendentes" (cf. fls. 82 a 105 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
C) No dia 20 de maio de 2005, a Impugnante apresentou uma declaração de rendimentos em sede de IRC, referente ao exercício de 2003, da qual não consta qualquer variação patrimonial negativa não refletida no resultado líquido (cf. fls. 109 a 111 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
D) No dia 17 de maio de 2006, a Impugnante apresentou a declaração de rendimentos em sede de IRC, referente ao exercício de 2003, da qual não consta qualquer variação patrimonial negativa não refletida no resultado líquido (cf. fls. 112 a 115 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
E) No dia 21 de maio de 2007, foi iniciado pelo Núcleo de Fiscalização de Beneficiários e Contribuintes do Setor de Leiria (doravante NFBC) da Segurança Social, o processo de averiguação n.° ...27, referente à Impugnante, do qual consta, entre o mais o seguinte:

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(cf. fls. 73 a 77 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
F) Entre 13 de fevereiro de 2009 e 11 de março de 2009, foram emitidos pareceres no âmbito do processo de averiguação n.° ...27, com o seguinte teor:

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(cf. fls. 75 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
G) No dia 28 de novembro de 2008, o NFBC da Segurança Social emitiu, no âmbito do processo de averiguação n.º ...27, um documento denominado “relatório”, do qual consta, entre o mais, o seguinte:

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(cf. fls. 116 a 120 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

H) No dia 04 de dezembro de 2008, o NFBC da Segurança Social emitiu, no âmbito do processo de averiguação n.º ...27, um ofício, do qual consta, entre o mais, o seguinte:

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I) No dia 05 de dezembro de 2008, a Impugnante foi notificada, no âmbito do processo de averiguação n.º ...27, do projeto de relatório precedente, anexado a ofício do qual consta, entre o mais, o seguinte:

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J) No dia 22 de dezembro de 2008, a Impugnante emite, no âmbito do processo de averiguação n.° ...27, um requerimento do qual, entre o mais, consta o seguinte:

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K) No dia 13 de fevereiro de 2009, o NFBC da Segurança Social emitiu, no âmbito do processo de averiguação n.º ...27, um documento denominado “relatório”, do qual consta, entre o mais, o seguinte:(...)
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(cf. Fls. 124 a 126 do SITAF, cujo o teor se dá por integralmente reproduzido)

L) No dia 11 de março de 2009, foi proferida decisão, no âmbito do processo de averiguação n.º ...27, que determinou a elaboração oficiosa de declarações de remunerações referentes ao período compreendido entre o mês de janeiro do ano de 2004 e o mês de dezembro de 2005 (cf. fls. 143 a 149 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

M) No dia 01 de agosto de 2009, a Impugnante apresentou, no âmbito do processo de averiguação n.º ...27, um documento denominado “recurso hierárquico", do qual consta, entre o mais, o seguinte:


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(…)

(cf. Fls. 130 a 141 do SITAF, cujo teor se dá por reproduzido):
N) No dia 21 de setembro de 2009, o NFBC da Segurança Social emitiu, no âmbito do processo de averiguação n.° ...27, uma informação da qual consta, entre o mais, o seguinte:

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O) No dia 11 de novembro de 2009, o NFBC da Segurança Social emitiu, no âmbito do processo de averiguação n.° ...27, um documento denominado “revogação de ato administrativo”, do qual consta, entre o mais, o seguinte:

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P) No dia 12 de novembro de 2009, o NFBC da Segurança Social emitiu, no âmbito do processo de averiguação n.° ...27, um ofício, recebido no dia 13 de novembro de 2009 pela Impugnante, do qual consta, entre o mais, o seguinte:

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Q) No dia 20 de janeiro de 2011, o NFBC da Segurança Social iniciou o processo de averiguação n.° ...41, referente à Impugnante, do qual consta, entre o mais, o seguinte:

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(cf. fls. 78 a 81 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);

R) Entre 22 de novembro de 2011 e 27 de novembro de 2011, foram emitidos pareceres, no âmbito do processo de averiguação n.° ...41, com o seguinte teor:

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S) No dia 09 de agosto de 2011, foi emitido um documento denominado “projeto de relatório”, no âmbito do processo de averiguação n.° ...41, do qual consta, entre o mais, o seguinte:

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T) No dia 17 de agosto de 2011, o NFBC da Segurança Social emitiu, no âmbito do processo de averiguação n.° ...41, um despacho para notificação da Impugnante para audiência de interessados (cf. fls. 151 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
U) No dia 18 de agosto de 2011, o NFBC da Segurança Social emitiu, no âmbito do processo de averiguação n.° ...41, um ofício, endereçado à Impugnante, recebido por esta, no dia 19 de agosto de 2011, do qual consta, entre o mais, o seguinte:

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V) No dia 23 de agosto de 2011, a Impugnante apresentou, no âmbito do processo de averiguação n.° ...41, um requerimento, do qual consta, entre o mais, o seguinte:

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W) No dia 22 de novembro de 2011, o NFBC da Segurança Social emitiu, no âmbito do processo de averiguação n.° ...41, um documento denominado “relatório final”, do qual consta, entre o mais, o seguinte:

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X) No dia 26 de novembro de 2011, o NFBC da Segurança Social emitiu um despacho, no âmbito do processo de averiguação n.° ...41, do qual consta, entre o mais, o seguinte:

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Y) No dia 26 de novembro de 2011, o NFBC da Segurança Social emitiu, no âmbito do processo de averiguação n.° ...41, um ofício, recebido no dia 02 de dezembro de 2011 pela Impugnante, do qual consta, entre o mais, o seguinte:

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Z) No dia 23 de dezembro de 2011, a Impugnante apresentou, no âmbito do processo de averiguação n.° ...41, um documento, denominado “recurso hierárquico”, do qual consta, entre o mais, o seguinte:

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AA) No dia 03 de janeiro de 2013, a Segurança Social emitiu um ofício, recebido pela Impugnante no dia 04 de janeiro de 2013, do qual consta, entre o mais, o seguinte:

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BB) No dia 26 de fevereiro de 2013, a petição inicial constante dos autos foi enviada para 0 presente Tribunal (cf. fls. 1 a 47 do SITAF, cujo teor se dá por integralmente reproduzido);
CC) No dia 26 de junho de 2013, a Impugnante recebeu o ofício denominado “citação", no âmbito do processo executivo fiscal ...40, concernente a dívida exequenda no montante de € 23.432,25, respeitante a contribuições entre janeiro de 2004 e novembro de

I.2 – De Direito
I. INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL interpõe o presente recurso da decisão proferida pelo TAF de Leiria, a qual julgou procedente a impugnação judicial deduzida pelo impugnante, ora recorrido - A... LDA – e que julgou por verificada a prescrição das obrigações tributárias relativas a contribuições para a Segurança Social, durante o período compreendido entre janeiro de 2004 e novembro de 2005, no valor global de € 23.432,25 euros.
Para decidir pela procedência da presente impugnação, a douta sentença considerou “«…decorreram mais de 5 (cinco) anos entre o dies a quo, 16 de janeiro de 2006, correspondente ao dia seguinte à data de pagamento da última obrigação contributiva, e a primeira diligência administrativa realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida (dia 9 de agosto de 2011, notificada no dia 18 de agosto de 2011) isto é, a emissão de projeto de relatório, no âmbito e averiguação ...41, e respetiva notificação para audiência de interessados». Considerou ainda que tendo ocorrido a citação em sede executiva “…aquando da sua emissão/conhecimento já tinha decorrido o prazo prescricional em causa, não sendo consequentemente de aplicar qualquer efeito interruptivo duradouro.” Pelo que concluiu que “…as obrigações em causa nos autos encontram-se prescritas, devendo a decisão impugnada ser anulada, por não serem devidas as quantias em causa.”

II. Do assim decidido, discorda o Instituto da Segurança Social I.P., ora Recorrente, por considerar que a decisão sob recurso está ferida do vício de nulidade, por violação do disposto no artigo 674.º, n.º 1, alínea b) do Código de Processo Civil, na medida em que foi iniciado novo prazo de prescrição na data em que a recorrida foi notificada do deferimento parcial (com revogação de ato) de um recurso hierárquico apresentado pelo Contribuinte no âmbito do Proave n.º ...41, ou seja, em 12 de Dezembro de 2009. Acresce que, ulteriormente, sucedeu que o Recorrente deu início a processo executivo de forma a recuperar os valores em dívida, por os mesmos serem certos e exequíveis, procedendo à citação do Recorrida a 26 de Junho de 2013, o que conduz à conclusão de que, com aquela citação, o prazo foi novamente interrompido.

III. Cabe, portanto, decidir se a sentença recorrida incorre em erro de julgamento ao considerar prescritas as contribuições para a Segurança Social compreendidas no período entre janeiro de 2004 e novembro de 2005.
Vejamos.

IV. Encontram-se em causa dívidas relativas aos períodos entre janeiro de 2004 e novembro de 2005, e tendo a data limite para pagamento da última desta última dívida tido lugar a 16 de Janeiro de 2006.
Dois factos com relevo para a contagem prescricional – ambos ocorridos após a entrada em vigor da actual redacção do artigo 49.º, n.º 3 da LGT – tiveram lugar:
- o PROAVE, cujo início teve lugar em 21 de maio de 2007 e que foi objeto de recurso hierárquico interposto pelo contribuinte da respetiva decisão e decidido pelo NFBC em 12 de Dezembro de 2009;
- a citação em processo executivo para pagamento daquelas dívidas, ocorrida em 26 de Junho de 2013.
Ora, que dizer de tais eventos?
Tratam-se, ambos, de factos interruptivos da prescrição, que implicam o reinício da contagem desse mesmo prazo e, ambos também, com efeito duradouro – tudo em conformidade com a legislação especial aplicável a este respeito, a qual estipula: “A prescrição interrompe-se por qualquer diligência administrativa, realizada com conhecimento do responsável pelo pagamento, conducente à liquidação ou à cobrança da dívida.” (sublinhados nossos) – cfr. artigo 63.º, n.º 3 da Lei n.º 17/2000, artigo 49.º, n.º 2 da lei 32/2002, de 20 de Dezembro, artigo 60.º, n.º 4 da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro e, com mínimas diferenças de redacção, o artigo 187.º, n.º 2 do Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial da Segurança Social.
Com efeito, no regime prescritivo das dívidas à Segurança Social, o conceito de evento interruptivo é significativamente alargado a qualquer diligência administrativa associada à determinação da dívida, abarcando os PROAVEs.
Acresce que, a inexistir qualquer interacção com o regime de contagem da prescrição resultante da Lei Geral Tributária (LGT) – leia-se, a sufragar-se a tese da plena autonomia do regime de prescrição da Segurança Social –, este alargamento importante de eventos interruptivos conduziria à quase insusceptibilidade de prescrição das dívidas à Segurança Social.

V. Por isso, naquilo que é jurisprudência quase unânime, deve entender-se que, em tudo quanto não surge regulado naquela legislação, é subsidiariamente aplicável o regime emanado da LGT.
É o que resulta expressamente do consagrado, entre inúmeros outros, no Acórdão deste Supremo Tribunal, lavrado em 15 de Julho de 2020, no Processo n.º 534/20: “À prescrição das dívidas à Segurança Social aplica-se, subsidiariamente, o regime previsto na L.G.T., atento o disposto no artigo 3.º, alínea a) do actual Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.” – disponível em www.dgsi.pt; no mesmo pressuposto, vejam-se, entre muitos outros, Acórdãos deste Supremo Tribunal lavrados nos processos n.ºs 956/16, de 29 de Setembro de 2016; 984/16, de 12 de Outubro de 2016; 212/18, de 12 de Maio de 2021; ou, por fim, 1044/15, de 23 de Setembro de 2015 – todos disponíveis em www.dgsi.pt.

VI. Ora, sucede que, desde as alterações ocorridas à LGT a este respeito pela Lei n.º 53-A/2006, de 23 de Dezembro, passou a estipular-se no n.º 3 do artigo 49.º deste diploma que: “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar.
Assim, e quanto ao âmbito de aplicação temporal destas alterações, este já foi cabalmente fixado pelos termos do Acórdão lavrado no Processo n.º 1024/15, de 9 de Setembro de 2015, onde se pode ler que: “I - Antes da alteração introduzida no art. 49.º da LGT pela Lei n.º 53-A/2006, de 29.12, foi longamente discutida a questão de saber se existindo várias causas de interrupção do prazo de prescrição da dívida tributária exequenda, podiam ou não relevar todas elas, tendo-se firmado jurisprudência no sentido afirmativo, isto é, de que ocorrendo várias e sucessivas causas de interrupção, deviam todas elas ser consideradas desde que ocorressem após a cessação do efeito interruptivo das anteriores.
II - Só após o início de vigência da Lei n.º 53-A/2006, em 1 de Janeiro de 2007, a interrupção do prazo de prescrição passou a operar uma única vez, tendo em conta que o aludido n.º 3 do art. 49.º passou a ter a seguinte redacção: “Sem prejuízo do disposto no número seguinte, a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificar em primeiro lugar”.
III - Todavia, essa nova redacção da norma aplica-se apenas aos factos interruptivos verificados após o início da vigência da Lei 53-A/2006, em conformidade com a regra geral da sucessão de leis no tempo contida no art. 12.º da LGT e no art. 12.º do C.Civil.” – em sentido idêntico, vd. o Acórdão deste mesmo Tribunal, lavrado em 23 de Setembro de 2015, no Processo n.º 1044/15, ambos disponíveis em www.dgsi.pt.
Todavia, na leitura mais conservadora deste regime adotada por este Supremo Tribunal, é de entender que tal proibição de multiplicação de causas interruptivas se deve cingir unicamente aos eventos de efeito duradouro e, dentro destes, apenas àquelas já expressamente previstos na própria LGT (impugnação, reclamação graciosa, recurso hierárquico e citação) – quer dizer, a estatuição do artigo 49.º, n.º 3 da LGT deve cingir-se à hipótese legal para que foi inicialmente concebida pelo legislador fiscal.
Mais, ainda por esta linha conservadora, é de entender que nem o recurso hierárquico nem qualquer impugnação judicial são diligências administrativas para efeitos do regime da Segurança Social, porquanto, em rigor, o artigo 49.º, n.º 3 da LGT, quando aplicável às dívidas à Segurança Social, se restringe à prescrição.
Assim balizados os termos da nossa análise, devemos então de prosseguir na nossa análise do caso concreto.

VII. Ora, vertendo tais ensinamentos in casu, logo é forçosa a conclusão de que a estatuição daquela norma não tem aqui potencial aplicação, uma vez que aos eventos interruptivos de natureza duradoura da prescrição supra identificados – notificações do PROAVE e citação em processo executivo – não é aplicável o dito normativo da LGT.
Assim, a ter ocorrido, a prescrição ter-se-á de verificar forçosamente até 26 de Junho de 2013.
Pois bem, atenta a sucessão de eventos, comprova-se que a diligência administrativa consistente no processo de averiguações teve início em 2007 e conclusão em finais de 2009. E tal significa que nem antes nem após a conclusão de tal diligência administrativa decorreu o prazo de prescrição de dívidas da Segurança Social de 5 anos e, como o artigo 49.º, n.º 3 da LGT se deve ter por inaplicável neste caso concreto, a prescrição das dívidas aqui discutidas nunca chegou a ocorrer.
Sendo, por isso, de concluir no sentido da não prescrição das dívidas aqui sindicadas.


III. CONCLUSÕES
I – À prescrição das dívidas à Segurança Social aplica-se, subsidiariamente e em abstrato, o regime previsto na L.G.T., atento o disposto no artigo 3.º, alínea a) do actual Código dos Regimes Contributivos do Sistema Previdencial de Segurança Social.
II - A nova redacção do n.º 3 do artigo 49.º da LGT aplica-se apenas aos factos interruptivos verificados após o início da vigência da Lei 53-A/2006, de 23 de Dezembro, em conformidade com a regra geral da sucessão de leis no tempo contida no art. 12.º da LGT e no art. 12.º do C.Civil.
III – Tendo os eventos interruptivos da prescrição ocorrido já após a entrada em vigor do novo regime, apesar de as dívidas em causa respeitarem a um período anterior, ficam sujeitos às restrições decorrentes daquele; designadamente, a proibição de duplas causas interruptivas.
IV – O regime do n.º 3 do artigo 49.º da LGT, quando aplicável às dívidas da Segurança Social, restringe-se à citação de execução fiscal, uma vez que, por um lado, nem a impugnação, reclamação ou recurso hierárquico podem ser considerados diligências administrativas e, por outro lado, as demais diligências administrativas não foram equacionadas pelo legislador da LGT, aquando das alterações introduzidas no regime da prescrição em 2006.


IV. DECISÃO
Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Supremo Tribunal em conceder provimento ao presente recurso, revogar a sentença, mantendo-se a legalidade da cobrança das dívidas, por não prescritas, mais ordenando a baixa do processo à 1.ª instância para serem julgadas as questões tidas por prejudicadas.

Custas pela Recorrida.

Lisboa, 29 de Maio de 2024. - Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) - José Gomes Correia - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz.