Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01603/24.3BELSB
Data do Acordão:04/10/2025
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:FONSECA DA PAZ
Descritores:APRECIAÇÃO PRELIMINAR
CONTRATAÇÃO PÚBLICA
PREÇO ANORMALMENTE BAIXO
Sumário:Não é de admitir a revista que não respeita a uma questão jurídica a propósito da qual se conheça litigiosidade significativa nem reveste uma elevada complexidade e em que o acórdão recorrido parece ter julgado acertadamente, considerando as pertinentes disposições do Código dos Contratos Públicos e a jurisprudência do STA que nele foi citada.
Nº Convencional:JSTA000P33607
Nº do Documento:SA12025041001603/24
Recorrente:MUNICÍPIO DO MONTIJO
Recorrido 1:A..., LDA (E OUTROS)
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: ACORDAM NA FORMAÇÃO DE APRECIAÇÃO PRELIMINAR DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO:



1. A..., LDA., intentou, no TAC, contra o MUNICÍPIO DO MONTIJO e em que era contra-interessada a B..., S.A, acção administrativa de contencioso pré-contratual, onde, com referência ao concurso público designado por “Aquisição de Serviços Específicos de Segurança na ...”, pediu a anulação do acto de adjudicação proferido em 25/1/2024 e do contrato que viesse a ser celebrado, bem como a condenação da entidade demandada a retomar o procedimento pré-contratual, a excluir a proposta da contra-interessada e a adjudicar-lhe o contrato.
Foi proferida sentença que, julgando a acção improcedente, absolveu a entidade demandada e a contra-interessada dos pedidos.
A A. apelou para o TCA-Sul, o qual, por acórdão de 30/01/2025 concedeu parcial provimento ao recurso, anulou o acto de adjudicação e determinou o prosseguimento do procedimento administrativo “para a realização das diligências adequadas à prova dos factos invocados pela Contrainteressada no que respeita aos custos relativos ao seguro de acidentes de acidentes de trabalho e à segurança e saúde no trabalho”.
É deste acórdão que a entidade demandada vem pedir a admissão de recurso de revista.

2. Tem-se em atenção a matéria de facto considerada pelo acórdão recorrido.

3. O art.º 150.º, n.º 1, do CPTA, prevê que das decisões proferidas em 2.ª instância pelos tribunais centrais administrativos possa haver excepcionalmente revista para o STA “quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental” ou “quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito”.
Como decorre do texto legal e tem sido reiteradamente sublinhado pela jurisprudência deste STA, está-se perante um recurso excepcional, só admissível nos estritos limites fixados pelo citado art.º 150.º, n.º 1, que, conforme realçou o legislador na Exposição de Motivos das Propostas de Lei nºs. 92/VIII e 93/VIII, corresponde a uma “válvula de segurança do sistema” que apenas pode ser accionada naqueles precisos termos.
A sentença, para julgar a acção improcedente, entendeu que o acto de adjudicação, ao não excluir a proposta da contra-interessada – com fundamento no facto de esta ter apresentado um preço anormalmente baixo por não acomodar todos os custos mínimos e obrigatórios decorrentes de imposições legais e regulamentares, nomeadamente de obrigações de natureza social e laboral –, não violara as alíneas e) ou f) do n.º 2 do art.º 70.º do CCP. Para tanto, considerou que, não tendo ficado definido nas peças do procedimento o limiar do preço anormalmente baixo, a entidade adjudicante, ou o tribunal, não poderiam excluir a referida proposta com esse fundamento por o n.º 2 do art.º 71.º do CCP não o permitir, apenas admitindo que, em casos excepcionais e por decisão discricionária – susceptível, por isso, de ser anulada apenas com fundamento na existência de erro grosseiro ou manifesto – se exclua “uma proposta que se revele insuficiente para o cumprimento de obrigações legais em matéria ambiental, social ou laboral ou para cobrir os custos inerentes à execução do contrato”.
O acórdão recorrido, apoiando-se em numerosa doutrina e jurisprudência (designadamente, nos Acs. do STA de 22/9/2022 – Proc. n.º 0339/21.1BECBR e de 25/5/2023 – Proc. n.º 02318/21.0BELSB), começou por considerar que, ainda que não tenham sido previamente fixadas, nas peças do procedimento, as situações em que o preço ou custo de uma proposta é anormalmente baixo, a entidade adjudicante poderia proceder à sua exclusão com esse fundamento, “desde que, nomeadamente, o preço ou custo se revelasse insuficiente para o cumprimento de obrigações legais em matéria ambiental, social e laboral ou para cobrir os custos inerentes à execução do contrato” e, seguidamente, em conformidade com a exigência do n.º 2 do art.º 1.º-A do CCP, passou a analisar se o preço apresentado na proposta da contra-interessada se deveria considerar anormalmente baixo por não representar a totalidade dos custos mínimos e obrigatórios a ter em conta na prestação de serviços de segurança privada, concluindo nos seguintes termos:
“(...).
Em síntese, a Recorrente apresentou esclarecimentos explicando satisfatoriamente os preços e/custos propostos, com exceção dos custos relativos ao seguro de acidentes de trabalho e à segurança e saúde no trabalho, cujas justificações carecem de demonstração, pelo que se impõe, anular o ato de adjudicação e determinar que o procedimento seja retomado com vista à prova pela Contrainteressada dos factos alegados quanto a estes referidos custos, designadamente para efeitos de provar que a celebração do contrato em causa nestes autos não envolveu novos custos para a Contrainteressada com a contratação de seguro de acidentes de trabalho e com os serviços de saúde, ou seja, que os mesmos já eram são inerentes à sua atividade, de molde a demonstrar que não ocorreria em incumprimento de obrigações legais em matéria laboral e que a proposta apresentada não é insuficiente para cobrir os custos inerentes à execução do contrato.
Já no que respeita aos demais custos indicados no item 5., tendo o júri e, posteriormente, a entidade adjudicante, considerado os mesmos suficientes e não se tendo demonstrado que o preço da proposta apresentada pela Contrainteressada configura um preço anormalmente baixo, em resultado do não cumprimento das obrigações laborais, sociais e ambientais aplicáveis ou por se revelar insuficiente para cobrir os custos inerentes à execução do contrato, ou que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis, em virtude de os mesmos não terem sido contemplados, com estes fundamentos não se verifica que estejamos perante uma situação de exclusão da proposta com fundamento na previsão do artigo 70.º, n.º 1, alíneas e) e f), do CCP”.
A entidade demandada justifica a admissão da revista com a relevância jurídica e social da questão de saber qual o real alcance do poder-dever administrativo de averiguação do cumprimento das normas legais e regulamentares e de a elas se apelar para excluir uma proposta, que se mostra complexa e extravasa amplamente o interesse do concreto caso dos autos por ter potencialidade para abranger incontáveis concursos públicos, bem como com a necessidade de se proceder a uma melhor aplicação do direito, por a interpretação adoptada do art.º 70.º, n.º 2, als e) e f), do CCP, violar o princípio da concorrência, por infringir as regras do ónus da prova – porque, tendo o júri considerado suficientes os esclarecimentos prestados pela contra-interessada, era à A. que incumbia provar que se estava perante um preço anormalmente baixo por violação de normas aplicáveis –, por se estar perante uma decisão discricionária do júri a que não foi imputada qualquer erro grosseiro e por estar, legal e constitucionalmente, vedado à entidade adjudicante uma função fiscalizadora da actividade do cocontratante.
O assunto sobre que incide a revista, naquilo que tem de generalizável, não respeita a uma questão jurídica a propósito da qual se conheça litigiosidade significativa nem reveste uma elevada complexidade em resultado de dificuldades de operações exegéticas a realizar.
Por outro lado, há que atentar que num sistema onde a redução a dois graus de jurisdição é a regra, para a admissão da revista “não basta a plausibilidade do erro de julgamento”, exigindo-se “que essa necessidade seja clara por se surpreender na decisão a rever erros lógicos em pontos cruciais do raciocínio, desvios manifestos aos padrões estabelecidos de hermenêutica jurídica ou indícios de violação de princípios fundamentais de tal modo que seja evidente a necessidade de intervenção do órgão de cúpula da jurisdição” (cf. Ac. desta formação de 9/9/2015 – Proc. n.º 0848/15). Ora, o acórdão recorrido, que decidiu de forma amplamente fundamentada, não só não incorreu nesses erros, desvios ou violações, como parece ter julgado acertadamente, considerando as pertinentes disposições do CCP e a jurisprudência deste STA que nele foi citada.
Assim, não se justifica quebrar a regra da excepcionalidade da admissão das revistas.

4. Pelo exposto, acordam em não admitir a revista.
Custas pelo recorrente.


Lisboa, 10 de abril de 2025. – Fonseca da Paz (relator) – Teresa de Sousa – Suzana Tavares da Silva.