Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:02753/12.4BEPRT 0878/15
Data do Acordão:01/08/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:NEVES LEITÃO
Descritores:IVA
FIXAÇÃO DA MATÉRIA COLECTÁVEL
MÉTODOS INDIRECTOS
CORRECÇÃO ARITMÉTICA
IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
Sumário:A exigência de prévia reclamação (procedimento de revisão de matéria tributável) para a impugnação judicial do acto de avaliação indirecta com fundamento na falta dos pressupostos da determinação da matéria tributável por métodos indirectos ou no erro na sua quantificação, não obsta a que possam ser conhecidos na impugnação judicial outros fundamentos não sujeitos àquela condição de impugnabilidade, designadamente erro nas correcções aritméticas da matéria tributável efectuadas pela administração tributária.
(arts. 86º nº 5 e 91º a 94º LGT; art. 117º nº 1 CPPT)
Nº Convencional:JSTA000P25397
Nº do Documento:SA22020010802753/12
Data de Entrada:07/14/2015
Recorrente:A............ UNIPESSOAL, LDA.
Recorrido 1:AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: 1.RELATÓRIO
1.1. A………… Unipessoal, Lda. interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto em 23 fevereiro 2015 que julgou procedente a excepção de inimpugnabilidade invocada pela Fazenda Pública e a absolveu, da instância, no âmbito da impugnação judicial deduzida contra liquidações adicionais de IVA e respectivos juros compensatórios (anos 2008, 2009 e 2010) no montante global de €131.172,36, resultantes de correcções à matéria tributável efectuadas no âmbito de procedimento inspectivo

1.2. A recorrente apresentou alegações que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões:

I. A Sentença proferida nos autos julgou como procedente a excepção alegada pela AT, de não dedução prévia do pedido de revisão da matéria tributável, vindo a decretar a absolvição da instância daquela entidade, porquanto entende que o pedido e causa de pedir feito pela Impugnante configuram erro de quantificação ou pressupostos de determinação da matéria tributável por meios indirectos.
II. A Impugnante/Recorrente, não se conforma com tal interpretação dos factos e fundamentos legais que presidiram à presentação da respectiva P.I., nem aqueles configuram erro de quantificação ou pressupostos da determinação da matéria tributável por métodos indirectos.
III. Entende pois a Rte. que ocorreu errada interpretação da lei por parte do Tribunal recorrido.
IV. A Rte., no pedido final da sua P.I. alega que “se verifica erro quanto aos pressupostos de facto ou de direito no que às correcções meramente aritméticas respeita" e, "errado enquadramento da situação de facto, quanto ao recurso a métodos indirectos na fixação do lucro tributável e subsequente determinação presumida de IVA".
V. Assenta pois, em duas vertentes a fundamentação da causa de pedir e pedido: por um lado, aponta erros nos pressupostos de facto ou de direito que presidiram às correcções meramente aritméticas;
VI. Noutro, funda as razões da discórdia no injustificado recurso aos métodos indirectos na fixação da matéria tributável, em particular do IVA presumido.
VII. Pois, entende a Rte. que, face à documentação existente na sua contabilidade, a determinação da matéria tributável era passível de avaliação directa.
VIII. Seja, no que aos encargos por si suportados respeita – essencialmente com trabalhadores e respectivos encargos legais.
IX. Seja, relativamente aos proveitos percebidos que, de modo fidedigno, suficiente e verdadeiro constam da respectiva contabilidade.
X. Que, atestam a real e efectiva prestação de serviços por parte da Rte. aos seus clientes.
XI. Configurando a intervenção da AT subversão da regra geral - da avaliação directa - quando, recorre aos métodos indirectos que, tem natureza supletiva.
XII. A liquidação de imposto de IVA presumido só pode ser feita nos termos do Artº 90° do CIVA que, remete para, entre outros, os Art° 87 e Artº 88º da LGT.
XIII. Dos referidos preceitos, particularmente da alínea b) do Artº 87° e Artº 88°, se alcança que, a avaliação indirecta, pode fazer-se, entre outros, pela impossibilidade de comprovação e quantificação directa e exacta da matéria tributável.
XIV. Tal impossibilidade directa pode resultar de qualquer uma das circunstâncias elencadas no Artº 88°.
XV. Ora, no caso dos autos não se verifica qualquer das circunstâncias previstas naqueles preceitos legais ou, até, nas restantes alíneas do Art. 88º
XVI. Constatando-se, desse modo, violação da lei por parte da AT.
XVII. Ilegalidade, contra a qual reagiu, através da presente Impugnação.
XVIII. Por outro lado, se é verdade qua a alínea a) do Artº 99° do CPPT consagra a possibilidade de Impugnação da liquidação com base em errónea quantificação ou qualificação dos rendimentos, sujeitando-a, no entanto, a prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável.
XIX. O que, a Rte., não fez; motivo pelo qual, não fundamentou o seu pedido em tal preceito.
XX. Mas, sim em outra "qualquer ilegalidade" que o Artº 99° permite.
XXI. O que, fez, com base em erro nos pressupostos de facto ou de direito.
XXII. Ora, ao contrário do alegado pela Impugnante, veio a Sentença aqui posta em crise a subsumir os factos por si alegados em erro de quantificação da matéria tributável.
XXIII. No que, não se aceita.
XXIV. Pelo contrário, no que respeita às correcções meramente aritméticas, a Rte. não veio invocar errónea quantificação mas, errada apreciação dos factos ou de direito que presidiram às rectificações operadas.
XXV. Porquanto a AT, partindo de pressupostos de facto ou de direito errado, desprezou ou desconsiderou encargos por si efectivamente suportados.
XXVI. Por outro lado, no que respeita ao recurso aos métodos indirectos por parte da AT, não resulta do pedido ou da causa de pedir qualquer razão, ou motivo, que ponha em causa os respectivos pressupostos, designadamente os constantes dos Art° 87° e 88° da LGT.
XXVII. Mas, pelo contrário, existindo, como existe, na contabilidade da Rte. documentação verdadeira, fidedigna e suficiente que permitia fosse efectuada uma avaliação directa da matéria tributável.
XXVIII. A sentença em apreço é, pois, ilegal por violação, entre outros, dos Artigos 99°, alínea a), Artº 117°, ambos do CPPT, Artº 19° e Artº 90 do CIVA, bem assim como os Artº 87° e Artº 88° da LGT.
XXIX. Motivo pelo qual, se requer, venha ser revogada e substituída por outra que decrete o prosseguimento do normal andamento dos autos, permitindo à Rte. fazer a prova dos factos por si alegados.
XXX. REVOGANDO-A FAZEM, V.EXAS., A JUSTIÇA DEVIDA.

1.3. Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4. O Ministério Público emitiu parecer no sentido do recurso dever ser julgado parcialmente procedente, no respeitante às correcções meramente aritméticas (fls 203/205)

1.5. Após os vistos dos juízes conselheiros adjuntos cumpre apreciar e decidir em conferência.

2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. DE FACTO
Sob a epígrafe Do contexto processual relevante a sentença recorrida enunciou os seguintes factos processuais com interesse para a decisão proferida:
O impugnante vem impugnar judicialmente a liquidação de IVA e respectivos juros compensatórios referentes ao ano de 2003 [por lapso material indica-se o ano 2003 em vez dos anos 2008, 2009 e 2010], no valor de €131.172,36 efectuada na sequência de correcções à matéria tributável no âmbito de procedimento inspectivo.
A presente acção foi interposta sem prévio pedido de revisão da matéria colectável.

2.2. DE DIREITO
2.2.1. Questão decidenda: procedibilidade da impugnação judicial deduzida contra actos de liquidação adicional resultantes de correcções meramente aritméticas e de fixação da matéria tributável por métodos indirectos

2.2.2. Apreciação jurídica
2.2.2.1. A avaliação indirecta não é susceptível de impugnação contenciosa directa, salvo quando não dê origem a liquidação (art.86º nº3 LGT)
Em caso de erro na quantificação ou nos pressupostos da determinação indirecta da matéria tributável, a impugnação judicial da liquidação ou, se esta não tiver lugar, da avaliação indirecta depende da prévia reclamação nos termos da presente lei (art.86º nº 5 LGT)

As correcções meramente aritméticas da matéria tributável resultantes de imposição legal e as questões de direito, salvo quando referidas aos pressupostos de determinação indirecta da matéria tributável, não estão abrangidas pelo disposto neste artigo [pedido de revisão da matéria tributável] (art.91º nº 14 LGT)
Salvo em caso de regime simplificado de tributação ou quando da decisão seja interposto, nos termos da lei, recurso hierárquico com efeitos suspensivos da liquidação, a impugnação dos actos tributários com base em erro na quantificação da matéria tributável ou nos pressupostos de aplicação de métodos indirectos, depende de prévia apresentação do pedido de revisão da matéria tributável (art.117º nº 1 CPPT),
2.2.2.2. O regime jurídico transcrito aponta no sentido da intervenção do órgão de revisão na solução de questões de natureza predominantemente técnica emergentes:
- dos pressupostos da aplicação dos métodos indirectos, exigindo uma apreciação de carácter técnico sobre a suficiência dos elementos documentais, designadamente contabilísticos, para a determinação da exactidão da matéria tributável (art.88º LGT);
- da escolha dos critérios de aplicação dos métodos indirectos, com reflexo na quantificação da matéria tributável, implicando o recurso a presunções e estimativas (art.90º nº 1 LGT)
reservando a intervenção do tribunal para a solução de questões de natureza jurídica, exigindo a interpretação e aplicação de normas legais (Diogo Leite de Campos/Benjamim Silva Rodrigues/Jorge Lopes de Sousa Lei Geral Tributária anotada e comentada 4ª edição 2012 pp.800/801; Jorge Lopes de Sousa Código de Procedimento e de Processo Tributário anotado e comentado 6ª edição 2011 Volume II p.272; José Casalta Nabais Justiça Administrativa nº 17 p.44; acórdãos STA-SCT 28.06.2017 processo nº 18/17; 26.06.2013 processo nº 216/13; 30.04.2013 processo nº 383/13; 15.09.2010 processo nº 406/10; 26.01.2007 processo nº 37/07; 13.02.2002 processo nº 26 276)
2.2.2.3.No caso concreto as liquidações de IVA objecto da impugnação judicial radicaram em alterações da matéria tributável resultantes de:
- correcções meramente aritméticas, geradas pela dedução indevida de IVA, determinantes de liquidações de imposto nos montantes de € 6 971,11 (ano 2008), € 7 125,71 (ano 2009) e € 12 333,62 (ano 2010) (petição inicial arts.14º/42º; relatório de inspeção tributaria III-.8.B fls.50 e anexo 2);
- avaliação indirecta do valor tributável, com utilização do critério do volume de negócios presumido, determinante de liquidações de imposto nos montantes de € 36 633,92 (ano 2008), € 34 243,11(ano 2009) e € 23 431,18 (ano 2010) (petição inicial arts.43º/101º; relatório de inspeção tributária V- 4 fls.54 e anexo 2)
Neste contexto o tribunal não pode recusar a apreciação da impugnação judicial no segmento cujo objecto são as liquidações adicionais resultantes das correcções aritméticas, porque não abrangidas pela condição de impugnabilidade das liquidações resultantes da fixação da matéria tributável por métodos indirectos

3. DECISÃO
Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento parcial ao recurso e, em consequência:
- confirmar a decisão de procedência da excepção invocada pela Fazenda Pública, com âmbito restrito à impugnação judicial cujo objecto são as liquidações de imposto resultantes da fixação da matéria tributável por métodos indirectos;
- ordenar a devolução do processo ao tribunal recorrido, para conhecimento da impugnação judicial cujo objecto são as liquidações de imposto resultantes de correcções aritméticas à matéria tributável.
Custas pelas partes, na proporção dos respectivos decaimentos, sem taxa de justiça pela Fazenda Pública no Supremo Tribunal Administrativo, por não ter apresentado contra-alegações (art.527º nº2 CPC; art.7º nº 2 Regulamento das Custas Processuais)

Lisboa, 8 de janeiro de 2020. - José Manuel de Carvalho Neves Leitão (relator) - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos - Francisco António Pedrosa Areal Rothes.