Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 059/23.2BALSB |
Data do Acordão: | 01/24/2024 |
Tribunal: | PLENO DA SECÇÃO DO CT |
Relator: | PAULA CADILHE RIBEIRO |
Descritores: | RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA VALOR PATRIMONIAL TRIBUTÁRIO IMPUGNAÇÃO |
Sumário: | I - O recurso para o Supremo Tribunal Administrativo de decisão arbitral pressupõe, para além do mais, que se verifique, entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento, oposição quanto à mesma questão fundamental de direito (cfr. o n.º 2 do art. 25.º RJAT), o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas. II - Para apurar da existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito entre a decisão arbitral recorrida e a decisão arbitral fundamento devem adoptar-se os critérios já firmados por este STA, quais sejam: - Identidade da questão de direito sobre que recaíram as decisões em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica; - Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica; - Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; - A oposição deverá decorrer de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta. III - “Deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria colectável”. IV - O Acórdão deste Supremo Tribunal (Pleno) de 23-02-2023, proferido no Proc.º n.º 0102/22.2BALSB, www.dgsi.pt, deve ser lido no sentido de que o artigo 78º é inaplicável aos actos de fixação do VPT (actos administrativos em matéria fiscal), na medida em que visa apenas os actos tributários stricto sensu, incluindo o acto de determinação da matéria tributável, quando não dê lugar à liquidação de qualquer tributo. |
Nº Convencional: | JSTA000P31802 |
Nº do Documento: | SAP20240124059/23 |
Recorrente: | AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A..., S.A. |
Votação: | UNANIMIDADE COM 1 DEC VOT |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. Relatório 1.1. A AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT), vem, ao abrigo do disposto nos artigos 152.º, n.º 1, do Código de Processo dos Tribunais Administrativos (CPTA) e 25.º, n.ºs 2 a 4, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo da decisão arbitral proferida pelo Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), no processo n.º 453/2022-T, de 23/03/2023, invocando contradição com o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 23/02/2023, proferido no processo n.º 102/22.2BALSB. Com a interposição do recurso apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões: «A. O Recurso Para Uniformização de Jurisprudência previsto e regulado no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos tem como finalidade a resolução de um conflito sobre a mesma questão fundamental de direito, devendo o STA, no caso concreto, proceder à anulação da decisão recorrida e realizar nova apreciação da questão em litígio quando suscitada e demonstrada tal contradição, firmando e consolidando o sentido do julgamento acertado desta matéria. B. Para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos suscetível de recurso por oposição, é necessário que: i) as situações de facto sejam substancialmente idênticas; ii) haja identidade na questão fundamental de direito; iii) se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; e iv) a oposição decorra de decisões expressas e não apenas implícitas e v) que a orientação perfilhada na decisão recorrida não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo C. No caso vertente encontram-se reunidos os supra elencados requisitos para que se tenha por verificada a alegada oposição entre a Decisão arbitral n.º 432/2022-T, de 24.03.2023 e o Acórdão fundamento n.º 102/22.2BALSB, de 23.02.2023 D. Entre a Decisão Recorrida e a Acórdão fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto. E. Em ambas as decisões está em causa: i.Uma decisão de indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pelo contribuinte; ii.A arguição da ilegalidade dos atos de liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre os Imóveis (IMI) com base em vícios próprios do valor patrimonial tributário; iii.Em ambos os acórdãos estão em causa os atos de liquidação de 2018; iv.As ilegalidades das liquidações impugnadas foram sustentadas na ilegalidade da fixação do valor patrimonial tributário (VPT) de terrenos para construção; v.Em ambos os casos o contribuinte não requereu, aquando da notificação do resultado da 1.ª avaliação, a 2.ª avaliação. vi.As ilegalidades das liquidações impugnadas foram sustentadas na ilegalidade da fixação do valor patrimonial tributário de terrenos para construção; vii.Em ambos os casos o contribuinte não requereu, aquando da notificação do resultado da 1.ª avaliação, a 2.ª avaliação. F.Entre a Decisão Recorrida e a Acórdão fundamento existe uma manifesta identidade de situações de facto, ou seja, em ambas as situações os vícios do VPT foram arguidos na impugnação da legalidade do ato de liquidação. G.Ou seja, ambos as decisões versam sobre situações fáticas que preenchem a mesma hipótese normativa, isto é, concretizem a mesma fattispécie legal, conforme entendimento veiculado pelo acórdão do STA proferido a 2010.12.07 no âmbito do processo n.º 0511/06, H.Por outro lado, as decisões em confronto pronunciam-se sobre a mesma questão fundamental de direito. I.Enquanto que no Acórdão fundamento se considera que os eventuais vícios do valor patrimonial tributário apenas podem ser invocados na sua impugnação e já não na impugnação da liquidação que com base no valor resultante da avaliação vier a ser efetuada. J.Como bem refere o Acórdão Uniformizador de jurisprudência: “Não tendo sido impugnado judicialmente o resultado da segunda avaliação, nos termos previstos na lei, forma-se caso decidido ou resolvido sobre o valor da avaliação, pelo que esta não pode voltar a ser discutida”. K.Em sentido oposto, a decisão recorrida vem preconizar o entendimento que “ I. O ato de avaliação do valor patrimonial tributário constitui ato destacável para efeitos de impugnação contenciosa, sujeito a impugnação autónoma, pelo que não cabe discutir, no âmbito da impugnação de ato de liquidação de AIMI nele assente, a legalidade daquele ato de avaliação, exceto ocorrendo os pressupostos para a aplicação do art. 78.º, n.º 4 da LGT, caso em que pode ser apreciado, no âmbito da impugnação da liquidação do imposto, o erróneo apuramento do valor patrimonial tributário.(…).” L.A decisão recorrida colide diretamente com o Acórdão uniformização de jurisprudência que proferiu um entendimento absoluto e definitivo sobre a preclusão da invocação de vícios específicos do VPT. M.No caso em apreço, não tendo sido colocado em causa o valor patrimonial obtido pela 1.ª avaliação, requerendo uma 2.ª avaliação, o mesmo fixou-se, não sendo possível conhecer na posterior liquidação, de eventuais erros ou vícios cometidos nessa avaliação. N.Pelo deve aplicar-se a jurisprudência uniformizada o sentido de, havendo preclusão do pedido de segunda avaliação, o pedido de revisão oficiosa do sujeito passivo não afasta a regra da inadmissibilidade de arguição da ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade do cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável. O.Sendo absolutamente clara a vigência desta regra mesmo nos casos em a impugnação é precedida por um pedido de revisão oficiosa como, aliás, se verificava na situação analisada naquele Acórdão. P.Em suma, entre a decisão recorrida e a Acórdão fundamento existe uma patente e inarredável contradição sobre as mesmas questões fundamentais de direito que importa dirimir mediante a admissão do presente recurso e consequente anulação da decisão recorrida, com substituição da mesma por novo acórdão que decida definitivamente a questão controvertida nos termos do entendimento e fundamentação propugnada no Acórdão fundamento que uniformizou a jurisprudência. Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, sendo, em consequência, nos termos e com os fundamentos acima indicados revogada a decisão arbitral recorrida e substituída por outra consentânea com o quadro jurídico vigente como é de Direito e Justiça.» 1.2. Admitido o recurso foi cumprido o disposto no artigo 25.º, n.º 5, do RJAT. 1.3. A..., S.A. contra-alegou, concluindo do seguinte modo: «A) O presente recurso foi interposto, pela Autoridade Tributária e Aduaneira, da Decisão Arbitral proferida no CAAD no âmbito do processo n.º 453/2022-T, nos termos do artigo 25.º, n.º 2 e n.º 3 do RJAT e do artigo 152.º do CPTA.; B) A Decisão Arbitral objeto do presente recurso julgou procedente o pedido de pronúncia arbitral, declarando ilegais e anulando parcialmente as liquidações de IMI de 2016, 2017, 2018 e 2019 e de AIMI dos anos de 2018, 2019 e 2020, no valor total de € 152.960,20 e condenando a AT a reembolsar o imposto pago a mais acrescido dos respetivos juros indemnizatórios; C) A Autoridade Tributária e Aduaneira interpôs o presente recurso por entender que a referida Decisão Arbitral se encontrava em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito com acórdão proferido pelo STA, no âmbito do processo n.º 102/22.2BALSB, de 23.02.2023; D) A douta Decisão Arbitral, de que a Autoridade Tributária e Aduaneira recorre, apresenta-se como justa e inequívoca, atendendo aos princípios processuais que devem ser observados; E) A Decisão Arbitral ora Recorrida não se encontra em oposição com a jurisprudência invocada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, porquanto o plano de discussão é manifestamente diferente; F) Conforme resulta da decisão arbitral, constitui thema decidendum do processo: “ … na sequência da formação da presunção de indeferimento do pedido de revisão oficiosa formulado, a legalidade, por erro determinativo de injustiça grave quanto à fixação do valor patrimonial tributário (VPT) resultante da avaliação realizada, da liquidação do Adicional ao Imposto Municipal sobre Imóveis (AIMI) n.º 2018 ...71, respeitante ao período de tributação de 2018, no que concerne ao terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., sob o artigo n.º ...92”; G) No que concerne à questão da impugnabilidade do acto, o Tribunal Arbitral na decisão ora recorrida invoca mesmo o Acórdão de uniformização de jurisprudência que constitui o Acórdão Fundamento do presente recurso, mencionando o seguinte:“ Em suma, por força da formação de caso decidido ou caso resolvido, apesar da impugnabilidade contenciosa do ato de liquidação, os vícios de que padecia o ato destacável de fixação do VPT – cuja arguição tinha que ocorrer na competente impugnação autónoma deduzida no prazo legal e após esgotamento dos meios graciosos previstos no procedimento de avaliação (art. 134.º, n.ºs 1 e 7 do CPPT e 77.º do CIMI) – não podem ser apreciados na impugnação da liquidação do imposto, dada a sua estabilização definitiva. Refira-se que esta orientação foi recentemente reafirmada no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23.02.2023, proc. n.º 0102/22.2BALSB, proferido em recurso para uniformização de jurisprudência, em que se decidiu que “deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável”; H) Acresce que, conforme resulta da decisão recorrida: “ Assinale-se, porém, que, como se deduz do acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 23.02.2023, proc. n.º 097/22.2BALSB, o meio processual adoptado para reagir contra a liquidação – designadamente o recurso ao mecanismo processual especial da revisão da matéria tributável por injustiça grave ou notória previsto no n.º 4 do art. 78.º da LGT – é relevante para a resposta à questão de saber se deixando um contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o VPT fica totalmente afastada a possibilidade de arguir a ilegalidade de liquidações de IMI ou AIMI com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do VPT que serviu de base à liquidação sindicada ou existe alguma exceção a esta solução” ; I) Em suma, a decisão recorrida concluiu, de forma cristalina, nos seguintes termos: “Deste modo, por estarem verificados os pressupostos para a aplicação da revisão da matéria tributável prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, não se mostra conforme com a lei o indeferimento presumido do pedido de revisão oficiosa formulado pela Requerente (vd. factos provados n.ºs VII e VIII) e fica afastada a pretendida inimpugnabilidade, por caso decidido ou resolvido, da liquidação de AIMI sindicada com base em erro na determinação da matéria tributável, por erro na fórmula de cálculo da avaliação do VPT dos terrenos para construção, o que pode, pois, ser apreciado por este Tribunal em consonância com o disposto na al. a) do art. 99.º do CPPT e na al. a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT, sendo que a procedência da revisão da matéria tributável prevista no n.º 4 do artigo 78.º da LGT sequenciará, na parte aplicável, a anulação da liquidação consequente que a tem como pressuposto”; J) Em suma, estamos perante um erro que inquinou manifestamente as liquidações ora em apreço, pelo que se fosse vedada a possibilidade de reação contra as mesmas, estar-se-ia a perpetuar atos ostensivamente ilegais que dariam origem a uma injustiça grave e notória que não pode deixar de ser arguida, sob pena de violação dos princípios constitucionais de acesso à justiça e da tutela jurisdicional efetiva, constantes dos art.ºs 20.º e 268.º da CRP; K) Nos termos do n.º 2 do artigo 25.º do RJAT, um dos requisitos para a procedência do recurso interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira é a «[…] oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito» da Decisão Arbitral recorrida «[…] com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo»; L) Conforme resulta das alegações da Recorrente, para que se verifique a oposição de acórdãos: - As situações de facto sejam substancialmente idênticas; - Haja identidade na questão fundamental de direito; - Se tenha perfilhado nos dois arestos uma solução oposta; - Que a orientação perfilhada na decisão recorrida não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo. M) Conforme resulta da jurisprudência do STA, no âmbito do processo n.º 01447/13, no qual se esclareceu que para se verificar uma oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, têm de estar verificadas as seguintes condições: i «identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais; ii. que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica, a qual se verifica sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica; iii. que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta e esta oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta» – cfr. Acórdão do STA, datado de 4 de junho de 2014, disponível em www.dgsi.pt.; N) No caso em apreço na decisão recorrida, o Tribunal Arbitral vai mais além na análise que efetua à ilegalidade das liquidações, considerando o teor da fundamentação da qual resulta que seria legítimo ao então Requerente, ora recorrido, lançar mão do mecanismo previsto no artigo 78º da LGT, em particular dos seus n.ºs 4 e 5; O) No entender do Tribunal Arbitral estamos perante uma injustiça grave e notória, pelo que pode ser requerida a revisão com tal fundamento e por conseguinte foi julgado procedente o pedido arbitral; P) No Acórdão fundamento, a questão que é analisada é diversa conforme resulta até do sumário do mesmo: “Deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável”; Q) A análise empreendida pelo STA refere-se somente a um facto que não é contestado pela Recorrida, ou seja, de que se os valores patrimoniais tributários estão consolidados e consideram-se atos destacáveis para efeitos de impugnação contenciosa. Como veremos adiante, a questão da aplicabilidade do Acórdão fundamento, já foi analisada em sede arbitral e o entendimento é que não é esse o plano da discussão colocado pela Recorrida nos autos arbitrais; R) Face ao exposto, não existe, no caso sub judice, verdadeiramente uma oposição quanto à mesma questão fundamental de direito, uma vez que, embora esteja em causa em ambos, factos de natureza idêntica, a verdade é que a decisão ora recorrida não tem um entendimento diferente, apenas preconizando uma análise que vai além desta questão; S) Consequentemente, não pode afirmar-se a existência de contradição de julgados, o que determina a inadmissibilidade do recurso por falta de verificação desse indispensável requisito; T) De facto, na decisão recorrida, citando apenas algumas passagens, a mesma tem o mesmo entendimento de que o STA, no Acórdão de Uniformização de jurisprudência; U) Conforme resulta desde logo do sumário da decisão arbitral: “ O ato de avaliação do valor patrimonial tributário constitui ato destacável para efeitos de impugnação contenciosa, sujeito a impugnação autónoma, pelo que não cabe discutir, no âmbito da impugnação de ato de liquidação de AIMI nele assente, a legalidade daquele ato de avaliação, exceto ocorrendo os pressupostos para a aplicação do art. 78.º, n.º 4 da LGT, caso em que pode ser apreciado, no âmbito da impugnação da liquidação do imposto, o erróneo apuramento do valor patrimonial tributário.” V) No entanto, o Tribunal Arbitral vai mais além quando menciona o seguinte: “ … por estarem verificados os pressupostos para a aplicação da revisão da matéria tributável prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, não se mostra conforme com a lei o indeferimento presumido do pedido de revisão oficiosa formulado pela Requerente …que pode, pois, ser apreciado por este Tribunal em consonância com o disposto na al. a) do art. 99.º do CPPT e na al. a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT, sendo que a procedência da revisão da matéria tributável prevista no n.º 4 do artigo 78.º da LGT sequenciará, na parte aplicável, a anulação da liquidação consequente que a tem como pressuposto”; W) Ou seja, o Tribunal a quo, independentemente do Acórdão de uniformização de jurisprudência, que aliás subscreve relativamente à questão da estabilização definitiva do VPT, vai mais longe e confirmou de forma clara que estão reunidos os pressupostos previstos nos n.ºs 4 e 5 do art.º 78.º da LGT: “ i) o pedido de revisão oficiosa deduzido pela Requerente em relação à liquidação de AIMI n.º 2018 ...71, referente ao período de tributação de 2018, emitida em 2018 (cfr. factualidade provada nos n.ºs V e VI), foi formulado em 29.12.2021 (cfr. facto provado n.º VI), portanto, dentro do prazo de três anos posteriores ao do ato tributário, que correspondia ao dia 31 de Dezembro de 2021; ii) está em causa a ocorrência de injustiça grave, dado que o valor sindicado da liquidação de AIMI é manifestamente superior, a envolver uma eventual diferença de coleta em montante superior ao triplo, do que resultaria após a expurgação dos vícios suscitados pela Requerente quanto à fórmula de cálculo adotada na determinação do VPT do terreno para construção inscrito sob o artigo matricial ...92, designadamente no que concerne à aplicação dos coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto e à majoração do valor médio de construção, suscetível, segundo a alegação da Requerente, de implicar que o VPT em vez de €10.491.289,68 fosse no valor de €3.321.210 (cfr. factos provados n.ºs III, V e VII); iii) o eventual erro na fórmula de avaliação e na fixação do VPT no que concerne à aplicação dos coeficientes de localização, de afetação e de qualidade e conforto e à majoração do valor médio de construção não pode ser reputado imputável a comportamento negligente do contribuinte, porquanto, não obstante a ausência de impugnação pela Requerente do ato de fixação do VPT (cfr. facto provado n.º IV), o cálculo e fixação do VPT ocorreu num procedimento desencadeado e concretizado pela Administração Tributária no ano de 2011 relativamente ao qual não se apurou a prestação de qualquer informação incorreta pela Requerente quanto à natureza dos prédios (cfr. factos provados n.ºs II e III).” X) Nesta conformidade, a Recorrida entende que, salvo o devido respeito, deve concluir-se pela não verificação da contradição da Decisão Recorrida e do Acórdão fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito; Y) A posição defendida pela ora Recorrida quanto à falta de verificação do requisito substancial do recurso interposto pela Autoridade Tributária e Aduaneira respeitante à existência de contradição quanto à mesma questão fundamental de direito é corroborada por jurisprudência do STA, em concreto pelo Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 049/11, no qual o STA se pronunciou no seguinte sentido: «I - São requisitos legais cumulativos do conhecimento do recurso por oposição de acórdãos a identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, que supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica, que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica e que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta. II - Não se verifica o pressuposto legal de prosseguimento do recurso por oposição de julgados se dos acórdãos em confronto resulta não se verificar oposição de soluções jurídicas sobre a questão fundamental de direito, antes radicando as soluções antagónicas em divergência no domínio da apreciação da matéria de facto, concretamente no que respeita à relação causal de indispensabilidade dos custos» (nosso negrito) – cfr. Acórdão do STA, datado de 15 de junho de 2011; Z) Face ao exposto, resta concluir pela não verificação da contradição alegada pela Autoridade Tributária e Aduaneira, razão pela qual o presente recurso não deve ser apreciado; AA) Neste sentido, o STA pronunciou-se nos seguintes termos: “ A pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, tecida no âmbito da apreciação de questão distinta» (na expressão repetidamente usada na jurisprudência) não é suficiente para que este Supremo Tribunal seja chamado a intervir em sede de uniformização de jurisprudência, o que bem se compreende, uma vez que uma decisão implícita, em regra, não corresponderá – ou, pelo menos, não dá garantia de que corresponda – à ponderação, pelo tribunal, das várias soluções plausíveis da mesma questão, não assegurando que esta questão foi enfrentada. As decisões implícitas ou subentendidas não podem, pois, servir de referência para a comparação com outra decisão para efeitos de verificar se existem decisões contraditórias enquanto requisito da admissibilidade do recurso previsto no art. 25.º do RJAT e no art. 152.º do CPTA” – cfr. Acórdão do STA de 23 de fevereiro de 2023, – cfr. Acórdão do STA, de 23 de fevereiro de 2023, (Proc.º n.º 0160/21.7BALSB); BB) O conhecimento do mérito do recurso, na medida em que este tem na sua base a oposição de julgados e tem como objectivo fundamental a uniformização de jurisprudência e exigiria a demonstração de que os acórdãos em presença, relativamente ao mesmo fundamento de direito, perfilharam soluções opostas. Eventual erro de julgamento do acórdão recorrido, designadamente no segmento que aprecia a possibilidade do contribuinte lançar mão do mecanismo previsto no artigo 78.º n.ºs 4 e 5 da LGT, e consequentemente a viabilidade da revisão no prazo de 3 anos posteriores ao ato tributário, só poderia ser sindicado por este Supremo Tribunal caso o recurso passasse a primeira fase, qual seja a da verificação dos requisitos da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência; CC) Em conclusão, estamos perante um significativo conjunto de distinções de contexto legal que são de molde a não deixar dúvidas acerca da não sobreposição das decisões em confronto suscetível de fundamentar um recurso de uniformização de jurisprudência; DD) O entendimento sufragado no Acórdão proferido no Proc.º n.º 0102/22.2BALSB, que é invocado nas alegações de recurso não tem aplicação nos presentes autos, face ao que é peticionado pela Recorrente; EE) Na verdade, e conforme resulta de decisão arbitral proferida no Proc.º n.º 769/2022, datada de 11 de abril de 2023, em que a Recorrida também veio invocar o mencionado Acórdão de uniformização de jurisprudência, o Tribunal pronunciou-se nos seguintes termos, em sentido manifestamente oposto ao da decisão arbitral ora recorrida: “Assim, tendo as liquidações sido efectuadas com base nos valores patrimoniais dos prédios que constavam das matrizes a 31 de Dezembro do ano a que respeita o IMI, não há erro da Administração Tributária ao efectuar as liquidações e, por isso, o pedido de revisão oficiosa não podia ser deferido ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT. Por isso, tem razão a Autoridade Tributária e Aduaneira, quanto a esta questão, o que é reconhecido pelo Supremo Tribunal Administrativo no recente acórdão uniformizador de jurisprudência de 23-02-2023, processo n.º 102/22.2BALSB, citado pela Autoridade Tributária e Aduaneira”; FF) “Acrescenta ainda a referida decisão com relevância para os presentes autos, o seguinte: “O referido acórdão uniformizador não se pronuncia especificamente sobre a situação de revisão oficiosa prevista no n.º 4 do artigo 78.º, em que se prevêem excepções à inimpugnabilidade de actos de fixação da matéria tributável consolidados, pelo que importa apreciar a possibilidade de revisão neste condicionalismo”; GG) Conforme resulta ainda da Decisão arbitral proferida no Proc.º n.º 769/2022-T: “Diferente da questão da impugnabilidade dos actos de liquidação de IMI com fundamento em ilegalidade, ao abrigo do n.º 1 do artigo 78.º da LGT, é a da possibilidade da revisão da matéria tributável com fundamento em injustiça grave ou notória, prevista no n.º 4 do artigo 78.º da LGT, que a Requerente pediu, e que é um afloramento do dever de revogação de actos ilegais, que emerge do princípio a legalidade da actuação da Administração Tributária (artigos 266.º, n.º 2, da CRP e 55.º da LGT)”; HH) O Tribunal arbitral concluiu assim nos seguintes termos: “ Atento o acima exposto …. julga-se procedente, na decorrência da formação da presunção de indeferimento do pedido de revisão oficiosa com fundamento em injustiça grave, o pedido de anulação da liquidação de AIMI n.º 2018 ...71, respeitante ao período de tributação de 2018, no que concerne ao terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., sob o artigo n.º ...92, na parte excedente ao que seria devido com base no apuramento do VPT nos termos legais, o que deve ser quantificado em sede de execução da presente decisão arbitral”; II) É assim evidente que não existe jurisprudência consolidada no STA no sentido da orientação perfilhada na decisão arbitral ora recorrida; JJ) De facto e conforme resulta de outros princípios com proteção constitucional e legal em matéria de tributação, como é o caso do princípio da justiça – cfr. art.º 266.º, n.º 2, da CRP e artigos 5.º, n.º 2, e 55.º da LGT -, a solução tem de ser manifestamente a que é preconizada pela Recorrida; KK) Uma vez que a anulação administrativa é um acto administrativo que se desenrola no âmbito do procedimento administrativo, e cuja prática se encontra na exclusiva disponibilidade da AT, é claro que as vicissitudes quanto à possibilidade de o acto ser anulado, ainda no âmbito do procedimento, não interfere em nada com o direito processual dos interessados recorrerem a uma instância jurisdicional sob pena de violação do princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva. Nos termos expostos e sempre com o Mui Douto suprimento de V. Ex.ªs, requer-se que seja negado provimento ao presente recurso que não deve ser conhecido atentos os fundamentos supra expostos e por conseguinte seja mantida a decisão arbitral impugnada.» 1.3. O excelentíssimo Procurador-Geral Adjunto, notificado nos termos e para os efeitos do n.º 1 do artigo 146.º do CPTA, emitiu douto parecer que se transcreve: «(…)» 3. DELIMITAÇÃO DAS SITUAÇÕES CONFIGURADAS EM CADA UMA DAS DECISÕES EM CONFRONTO. 3.1 Na decisão arbitral recorrida o tribunal arbitral deu como assente que a Requerente é proprietária de prédio urbano da espécie “terreno para construção” cujo valor patrimonial tributário foi fixado tendo em consideração a aplicação de coeficientes de localização (1,65), de afetação (1,10) e de qualidade e conforto (1,000), e a percentagem de 40% para cálculo da área de implantação, e sobre o qual foi calculado o AIMI relativo ao ano de 2018, tendo sido apurado imposto no valor de € 41.965,16 euros. 3.1.1 Mais se deu como assente que tendo sido apresentado em 29/12/2021 pedido de revisão oficiosa, ao abrigo do disposto no nº4 do artigo 78º da LGT, com fundamento em “injustiça grave”, no que concerne ao valor de € 28.680,32 euros, sobre o mesmo não foi emitida qualquer pronúncia no prazo de 4 meses. 3.1.2. Entendeu o tribunal arbitral que «no caso sub judice se mostram preenchidos, prima facie, os pressupostos para a aplicação do disposto naqueles n.ºs 4 e 5 do art. 78.º da LGT,…», «dado que o valor sindicado da liquidação de AIMI é manifestamente superior, a envolver uma eventual diferença de coleta em montante superior ao triplo, do que resultaria após a expurgação dos vícios suscitados pela Requerente quanto à fórmula de cálculo adotada na determinação do VPT do terreno para construção…». 3.1.3 Mais se considerou que «por estarem verificados os pressupostos para a aplicação da revisão da matéria tributável prevista nos n.ºs 4 e 5 do artigo 78.º da LGT, não se mostra conforme com a lei o indeferimento presumido do pedido de revisão oficiosa formulado pela Requerente (vd. factos provados n.ºs VII e VIII) e fica afastada a pretendida inimpugnabilidade, por caso decidido ou resolvido, da liquidação de AIMI sindicada com base em erro na determinação da matéria tributável, por erro na fórmula de cálculo da avaliação do VPT dos terrenos para construção, o que pode, pois, ser apreciado por este Tribunal em consonância com o disposto na al. a) do art. 99.º do CPPT e na al. a) do n.º 1 do art. 2.º do RJAT….». 3.1.4 E adotando a jurisprudência firmada no acórdão do STA de 23/10/2019, proc. nº 0170/16.6BELRS, conclui o tribunal arbitral que «impõe-se declarar que não há lugar à aplicação dos coeficientes de afetação, de localização e de qualidade e conforto a que se refere o artigo 38.º do CIMI em relação a terrenos para construção». 3.1.5 Tendo o tribunal arbitral decidido julgar «procedente, na decorrência da formação da presunção de indeferimento do pedido de revisão oficiosa com fundamento em injustiça grave, o pedido de anulação da liquidação de AIMI n.º 2018 ..., respeitante ao período de tributação de 2018, no que concerne ao terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia de ..., sob o artigo n.º ..., na parte excedente ao que seria devido com base no apuramento do VPT nos termos legais, o que deve ser quantificado em sede de execução da presente decisão arbitral». 3.2 Por sua vez no acórdão fundamento, acórdão de uniformização de jurisprudência proferido por este tribunal, estavam em causa, conforme se extrai do aresto, ações interpostas no CAAD, «na sequência do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado pelo contribuinte; em ambas estava em causa a ilegalidade dos atos de liquidação do AIMI referentes aos anos de 2017, 2018, 2019 e 2020; em ambas a ilegalidade das liquidações do AIMI foi sustentada na ilegalidade da fixação do valor patrimonial tributário (VPT) de terrenos para construção, por terem sido utilizados, de acordo com a Recorrente, coeficientes não aplicáveis; em ambas o contribuinte não requereu, aquando da notificação do resultado da 1.ª avaliação, a 2.ª avaliação». 3.2.1 Tendo o STA enunciado a questão decidenda como «a de saber se deixando um contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o VPT, poderá ainda assim arguir a ilegalidade das liquidações de AIMI com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo dos VPT’s que serviram de base às liquidações». 3.2.2 E analisando tal questão foram feitas as seguintes considerações no acórdão fundamento: «(i) as ilegalidades de que possa padecer a primeira avaliação no que tange à fixação do valor patrimonial não é diretamente impugnável – admitindo o Supremo Tribunal Administrativo que poderá ser impugnada com fundamento em vícios de forma ou com base em erro de facto ou de direito, designadamente errada classificação do prédio (acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 16/04/2008, proferido no processo 004/08, de 30/05/2012, proferido no processo 01109/11, de 27/06/2012, proferido no processo 01004/11 e de 27/11/12, de 27/11/2013); (ii) do resultado da segunda avaliação, que esgota os meios graciosos à disposição dos interessados, cabe impugnação judicial que pode ter como fundamento qualquer ilegalidade, designadamente a errónea quantificação do valor patrimonial do prédio. E uma terceira conclusão se impõe: a de que prevendo a lei um modo especial de reação contra as ilegalidades do ato de fixação do valor patrimonial tributário, proferido em procedimento tributário autónomo, as mesmas não podem servir de fundamento à impugnação da liquidação do imposto que tiver por base o resultado dessa avaliação». 3.2.3 Mais se concluiu que «…deixando o contribuinte precludir a possibilidade de sindicar o valor patrimonial tributário nos termos previstos nos artigos 76.º e 77.º do Código do IMI, não pode arguir a ilegalidade da liquidação com fundamento na ilegalidade subjacente ao cálculo do valor patrimonial tributário que lhe serviu de matéria coletável». ANÁLISE DOS REQUISITOS DA OPOSIÇÃO DE JULGADOS 4. Como se deixou supra enunciado, a identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, supõe estar-se perante uma situação de facto substancialmente idêntica. 4.1 Decorre da decisão arbitral recorrida e do acórdão fundamento que tanto o pedido de pronuncia arbitral como a ação de impugnação judicial foram apresentados na sequência de indeferimento tácito de pedidos de revisão oficiosa de atos de liquidação de AIMI relativos ao período de 2017 a 2020, e nos quais se peticionava a anulação dos atos tributários com base em vício dos atos de fixação do valor patrimonial dos prédios, por neles se ter tido em consideração de forma indevida coeficientes previstos no artigo 38º do CIMI, tais como coeficientes de localização, de afetação, de qualidade e conforto, atenta a espécie dos prédios de “terrenos para construção”. 4.2 E em ambos os casos se colocou a questão de saber se era admissível o conhecimento, em sede de impugnação do ato de liquidação de IMI (ou de AIMI), de vícios próprios do ato de fixação dos valores patrimoniais dos prédios sobre os quais incidiu o imposto, tendo os tribunais perfilhado em cada uma das decisões soluções opostas sobre esta questão. 4.3 Entendemos, assim, que se mostram verificados os requisitos legais com vista à prolação de acórdão de uniformização de jurisprudência. III. APRECIAÇÃO DO MÉRITO DO RECURSO. Adiantamos desde já que não vislumbramos razões para alteração da jurisprudência firmada no acórdão do Pleno de 23/02/2023, proferido no processo nº 102/22.2BALSB, e que serve de acórdão de fundamento. 1. Tal como ali nos pronunciamos, a questão que se coloca consiste em saber se a ilegalidade dos atos de fixação do valor patrimonial dos prédios, decorrente da sua quantificação, é suscetível de apreciação em sede de impugnação judicial dos atos de liquidação de IMI e AIMI, caso tais atos não tenham sido objeto de impugnação autónoma. 1.1 Decorre dos autos que em ambos os casos o contribuinte apresentou pedido de revisão oficiosa dos atos tributários relativos a AIMI, invocando a ilegalidade da fixação do valor patrimonial tributário de terrenos para construção, por terem sido utilizados coeficientes não aplicáveis. 1.2 A questão que se coloca é pois a de saber se nestes casos é admissível, em sede de impugnação do ato de liquidação de AIMI, o conhecimento da ilegalidade da quantificação do valor patrimonial dos prédios ou se tal conhecimento se mostra precludido por o ato de fixação do valor patrimonial não ter sido oportunamente contestado e impugnado. 1.3 Nos termos do regime previsto no artigo 134º do CPPT, em conjugação com o disposto no artigo 86º, nºs 1 e 2 da LGT, e arts. 76º, nº1, e 77º, nº1, ambos do CIMI, a exigência do prazo especial de três meses para a impugnação de atos de fixação de VPT’s e a exigência de esgotamento dos meios graciosos, afasta a possibilidade impugnatória por via indireta, designadamente em sede de impugnação de atos de liquidação. 1.4 O procedimento de fixação do valor patrimonial de prédio configura um procedimento autónomo relativamente ao qual a lei prevê um meio especial de reação contra ilegalidades da avaliação – artigo 134º do CPPT1. E assim sendo, para além de a impugnação judicial do ato de fixação do valor patrimonial depender do esgotamento dos meios graciosos – nº7 do artigo 134º do CPPT -, a não impugnação desse ato preclude, em sede de impugnação judicial do ato de liquidação que lhe segue, a possibilidade de ser questionada a quantificação do valor fixado. 1.5 O disposto nos artigos 76º e 77º do CIMI, deve ser interpretado em conjugação com o disposto no artigo 134º do CPPT, em cujo nº 7 se prevê que a impugnação “só pode ter lugar depois de esgotados os meios graciosos previstos no procedimento de avaliação”, pelo que o pedido de uma segunda avaliação ao abrigo do disposto no artigo 76º do CIMI impõe-se como condição de a impugnação abranger a “errónea quantificação do valor patrimonial tributário do pedido”, sentido este que se infere igualmente do disposto no nº2 do artigo 77º do CIMI. 1.6 O ato de fixação do valor patrimonial tributário de prédio urbano, como é o caso dos autos, assume-se como ato destacável, cuja impugnação autónoma a lei impõe no artigo 134º do CPPT, motivo pelo qual, na falta de cumprimento desse ónus de impugnação, constitui caso decidido ou resolvido e preclude o conhecimento da ilegalidade da sua quantificação em sede de impugnação do ato de liquidação. 1.7 Como refere Jorge Lopes de Sousa (in CPPT Anotado, vol. I, pág. 469), «Na verdade, se todos os actos procedimentais com efeitos externos são, facultativamente, passíveis de impugnação contenciosa, a previsão expressa da impugnabilidade autónoma de determinado acto, para ter algum alcance útil, deverá de ser interpretada, na falta de elementos que permitam concluir em contrário, como uma manifestação de uma intenção legislativa de impor a impugnação autónoma, com o consequente corolário de ficar precludido o direito de impugnar esse acto conjuntamente com o acto final do procedimento». 1.8 É este o entendimento que supomos tem vindo a ser sufragado na jurisprudência deste tribunal, designadamente nos acórdãos de 03/12/2014, proc. 0881/12, de 23/10/2013, proc. 01361/13, e de 27/11/013, proc. 01725/13, jurisprudência que foi reiterado no acórdão do Pleno que serve de fundamento ao presente recurso. 1.9 Deixou-se exarado no primeiro dos citados arestos: «os actos interlocutórios do procedimento tributário, sendo meramente instrumentais ou preparatórios da decisão final, ainda que ilegais, não são, em princípio, lesivos dos interesses do contribuinte, pois a sua situação tributária não fica com eles definida ou resolvida. Razão por que a sua ilegalidade só pode ser suscitada aquando da eventual impugnação deduzida contra o acto final lesivo. A menos que se trate (ii) de actos procedimentais cujo escrutínio judicial imediato e autónomo se encontre expressamente previsto na lei (os chamados “actos destacáveis”), que na falta de impugnação imediata se consolidam na ordem jurídica, ficando precludido o direito ou a faculdade processual de posteriormente discutir a sua legalidade e afastada a possibilidade de impugnar, com base na sua ilegalidade, a liquidação que desse acto partiu…». 1.10 Importa por último acrescentar que desta interpretação não resulta violado o princípio do acesso ao direito, consagrado no artigo 20.º da Constituição da República, nem se mostra transponível para este caso a jurisprudência do Tribunal Constitucional firmada no acórdão nº 510/2015. 1.11 Com efeito, no referido aresto o TC considerou que a impugnação do ato interlocutório ali em causa – cessação do benefício fiscal – resultava da sua lesividade e era de natureza facultativa, motivo pelo qual se entendeu que «a impugnação autónoma de atos lesivos ou interlocutórios praticados no âmbito do procedimento administrativo tributário é configurada pela lei como uma faculdade do contribuinte, apenas justificada no quadro do reforço das suas garantias». 1.12 E como tem sido entendido pelo STA (ac. de 23/10/2013, proc. 0131/13) «no procedimento tributário, os actos interlocutórios, sendo meramente instrumentais ou preparatórios da decisão final, ainda que ilegais, não sejam, em princípio, lesivos dos interesses do contribuinte, pois a sua situação tributária não fica com eles definida ou resolvida. Razão por que a sua ilegalidade só pode ser suscitada aquando da impugnação deduzida contra o acto final, excepto se se tratar de um dos seguintes actos susceptíveis de impugnação imediata: (i) actos interlocutórios cujo escrutínio imediato e autónomo se encontre expressamente previsto na lei (“actos destacáveis”); (ii) actos que, embora inseridos no procedimento e anteriores à decisão final, sejam imediatamente lesivos, abrindo-se então a possibilidade da sua impugnação imediata, sem prejuízo de a sua ilegalidade poder ainda ser suscitada na impugnação que venha a ser deduzida contra o acto final; (iii) actos trâmite que ponham um ponto final na relação da administração com o interessado, já que nestes casos, muito embora o acto continue a ser, na economia geral do procedimento, um acto preparatório pré-ordenado ao acto final, é para o seu destinatário o acto que define a posição da Administração e, por isso, o acto lesivo dos seus direitos ou interesses legítimos»2. 1.13 Tratando-se de ato destacável em que recai sobre o contribuinte o ónus da sua impugnação autónoma (e não meramente facultativa), como é o caso do ato de fixação do valor patrimonial tributário – artigo 134º do CPPT –, já o Tribunal Constitucional considerou que «tendo tido o contribuinte ora recorrido plena possibilidade de reagir contenciosamente, nos termos que ficaram expostos, contra o ato de indeferimento do pedido de reconhecimento do benefício fiscal que apresentou, não se vê como a exclusão da possibilidade de invocação dos vícios deste em momento ulterior — isto é, no âmbito da impugnação da legalidade do ato de liquidação do imposto — possa violar o princípio constitucional da tutela jurisdicional efetiva» - Acórdão nº 718/2017. 1.14 Entendemos, assim, que a oposição de arestos deve ser decidida reiterando-se o entendimento sufragado no acórdão fundamento, no sentido de que «prevendo a lei um modo especial de reação contra as ilegalidades do ato de fixação do valor patrimonial tributário, proferido em procedimento tributário autónomo, as mesmas não podem servir de fundamento à impugnação da liquidação do imposto que tiver por base o resultado dessa avaliação». E nessa medida impõe-se julgar procedente o recurso e anular-se a decisão arbitral recorrida.» 1.4. Cumprido o disposto no n.º 2 do artigo 92.º do CPTA, há que decidir. 2. Fundamentação de facto 2.1. Na decisão arbitral recorrida consta o seguinte julgamento da matéria de facto: «10. Consideram-se provados os seguintes factos com relevância para a decisão das questões em apreciação: I. A Requerente era proprietária em 01.01.2018 do terreno para construção inscrito na matriz predial urbana da freguesia ..., concelho ..., sob o artigo n.º..., com o valor patrimonial tributário de €10.491.289,68 (cfr. a lista junta como doc. n.º 4 à PI e a certidão de teor junta pela Requerida como procedimento administrativo, bem como o reconhecimento fáctico constante dos arts. 69.º e 70.º da PI). II. Consta da indicada certidão de teor respeitante ao terreno para construção inscrito sob o artigo matricial ... da freguesia do ..., concelho ..., junta pela Requerida, que aqui se dá por integralmente reproduzida, o seguinte em sede de “Dados de avaliação”: [IMAGEM] III. O valor patrimonial tributário do indicado terreno para construção foi fixado mediante fórmula (Vt = Vc x [A x % + (Ac + Ad)] x Cl x Ca x Cq) que considerava como valor base o montante de €603,00, a aplicação de coeficientes de localização (1,65), de afetação (1,10) e de qualidade e conforto (1,000), e a percentagem de 40% para cálculo da área de implantação, do que resultou o mencionado VPT em 2018 de €10.491.289,68 (cfr. a indicada certidão de teor junta pela Requerida). IV. A Requerente não requereu segunda avaliação nem procedeu a qualquer impugnação da avaliação do terreno para construção inscrito sob o artigo matricial ... da freguesia do ..., concelho ..., que determinou o VPT reportado na certidão de teor junta pela Requerida (reconhecimento de facto resultante da PI, respetivo art. 74.º, e do requerimento de 06.12.2022, respetivos números 5, 11 e 12). V. A Requerente foi objeto da liquidação de AIMI n.º 2018..., referente ao período de tributação de 2018, no valor de €68.303,60 (sessenta e oito mil, trezentos e três euros e sessenta cêntimos), a qual, relativamente ao indicado terreno para construção inscrito sob o artigo matricial ..., determinou imposto a liquidar no montante de €41.965,16 (conforme doc. n.º 2 junto à PI), nos termos do seguinte quadro: [IMAGEM] VI. A Requerente efetuou o pagamento do AIMI no montante total de €68.303,60 objeto da liquidação mencionada, conforme nota de cobrança junta como doc. n.º 2 à PI onde consta como data limite de pagamento 2018-09-30. VII. A Requerente apresentou, em 29.12.2021, conforme doc. n.º 1 e doc. n.º 3 juntos à PI, um pedido de revisão oficiosa, “nos termos e para efeitos do disposto no artigo 78.º da Lei Geral Tributária (LGT), no artigo 115.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) e no artigo 10.º, n.º 1, al. b) do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e com fundamento em injustiça grave”, relativamente à liquidação de AIMI n.º 2018..., referente ao período de tributação de 2018, no que concerne ao valor de € 28.680,32 (vinte e oito mil, seiscentos e oitenta euros e trinta e dois cêntimos), no qual invocou o seguinte: - o pedido de revisão oficiosa é apresentado ao abrigo do disposto no n.º 4 do artigo 78.º da LGT, pois a liquidação de AIMI “encontra-se inquinada de injustiça grave decorrente de uma errónea quantificação da respetiva base tributável – em concreto do valor patrimonial tributário (VPT) de um terreno para construção – por parte da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT), não imputável à Requerente, de que resultou o apuramento de um imposto superior ao devido”; - “ainda que a fixação do VPT seja um ato administrativo destacável em matéria tributável, e por isso passível de impugnação autónoma, não se deve por isso entender que a liquidação que resulta da aplicação do mesmo não possa ser contestada, antes pelo contrário” e “apesar de o pedido de revisão oficiosa do ato tributável não ser aplicável aos atos de fixação do VPT, tal não significa que a liquidação ilegal que resulte da incorreta aplicação das regras fiscais na determinação do VPT não possa ser revista e corrigida oficiosamente”; - como se decidiu no acórdão n.º 2765/12.8BELRS, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul, “da interpretação conjugada do n.º 1 do artigo 78° da LGT com o disposto no artigo 115.°, n.º 1, alínea c) do CIMI, resulta que a revisão oficiosa das liquidações deve ser realizada pela administração tributária, ainda que sob impulso inicial do contribuinte, quando tenha ocorrido erro imputável aos serviços” e o “erro (...) se traduziu até numa injustiça grave e notória concretizada na fixação de um VPT em valor claramente superior ao que resultaria das disposições legais que deveriam ter sido aplicadas”, “[e]rro esse que, independente da inércia impugnatória da recorrida após a notificação do VPT, não pode ser imputável a qualquer comportamento negligente desta, visto que o erro no cálculo e fixação do VPT ocorre num procedimento desencadeado e concretizado pela administração e que sempre justificaria a revisão ao abrigo do n.º 4 do normativo em questão, se o nº1 não fosse inteiramente aplicável”; - “a liquidação do AIMI de 2018 teve por base uma incorreta determinação do VPT do terreno para construção, tendo por isso ocorrido uma liquidação de imposto consideravelmente superior àquela que deveria ter ocorrido, motivo pelo qual a mesma padece de ilegalidade, devendo ser revista oficiosamente em conformidade”, pois “o VPT deveria ter sido determinado com base no produto entre o valor base do prédio edificado (Vc) e a área bruta de construção adicionada da área excedente à área de implantação (A)”, o que acarretou “uma injustiça grave na emissão da liquidação de AIMI de 2018, a qual determinou o pagamento de imposto em montante superior ao triplo daquele que era efetivamente devido”; - o VPT correcto do terreno para construção inscrito sob o artigo matricial ... “deveria ascender a Euro 3.321.210, e não a Euro 10.491.289,68, conforme VPT subjacente à liquidação do AIMI de 2018”, pelo que o montante correto e legal do AIMI que deveria ter sido liquidado correspondia a €13.284,84 e não a €41.965,16. VIII. Decorridos 4 meses desde a data do pedido de revisão oficiosa e até à apresentação do pedido de pronúncia arbitral, a AT não se pronunciou sobre o mesmo (arts. 51.º e 52.º da PI não impugnados pela Requerida). IX. A Requerente apresentou o presente pedido de pronúncia arbitral em 27.07.2022 (conforme registo no sistema de gestão processual do CAAD). 11. Não se descortina factualidade que seja relevante dar como não provada para a decisão da causa. 12. Os factos provados acima elencados no n.º 10 resultaram assentes, conforme se indica nos diversos números do probatório, pelos documentos juntos pela Requerente e pela Requerida, por confissão (art. 46.º do CPC, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e) do RJAT), e por acordo das partes ou não impugnação especificada (art. 110.º, n.º 7 do CPPT).» 2.2. No Acórdão fundamento consta o seguinte julgamento da matéria de facto: «Com base nos elementos que constam do processo (processo administrativo, factos consensualizados pelas partes e documentos incorporados nos autos e que não foram impugnados), consideram-se provados os seguintes factos relevantes para a decisão: |