Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 02854/11.6BELSB |
Data do Acordão: | 05/25/2023 |
Tribunal: | 1 SECÇÃO |
Relator: | JOSÉ VELOSO |
Descritores: | RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL APRECIAÇÃO PRELIMINAR ASSENTO DE REGISTO DE NASCIMENTO NACIONALIDADE |
Sumário: | Não é de admitir revista que questiona a bondade do unanimemente decidido pelas instâncias sobre a legalidade da recusa de registo de nascimento de um cidadão nascido em Moçambique e que não provou manter a nacionalidade portuguesa, por, no caso, não se verificarem os pressupostos substantivos para tal. |
Nº Convencional: | JSTA000P31055 |
Nº do Documento: | SA12023052502854/11 |
Data de Entrada: | 05/08/2023 |
Recorrente: | AA |
Recorrido 1: | INSTITUTO DOS REGISTOS E DO NOTARIADO, I.P. - CONSERVATÓRIA DOS REGISTOS CENTRAIS |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam, em «apreciação preliminar», na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: 1. AA - autor da presente acção administrativa - vem, invocando o artigo 150º do CPTA, interpor recurso de revista do acórdão do TCAS, de 09.02.2023, que negou provimento à sua apelação e manteve a sentença - de 09.07.2020 - do TAC de Lisboa que julgou totalmente improcedente a acção em que impugnava o despacho de 15.01.2010 - da Conservadora-Auxiliar da Conservatória dos Registos Centrais - que lhe indeferiu o seu pedido de ver integrado o respectivo nascimento no registo civil português por considerar que «ele perdera a nacionalidade portuguesa, por força do disposto no DL nº308-A/75, de 24.06». Alega que o «recurso de revista» deve ser admitido em nome da «necessidade de uma melhor aplicação do direito». O recorrido - INSTITUTO DOS REGISTOS E DO NOTARIADO I.P. - apresentou contra-alegações em que defende, além do mais, a não admissão da revista por ser correcta a aplicação do direito efectuada pelos tribunais de instância, mormente pelo acórdão ora recorrido. 2. Dispõe o nº1, do artigo 150º, do CPTA, que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Deste preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s, no uso dos poderes conferidos pelo artigo 149º do CPTA - conhecendo em segundo grau de jurisdição - não são, em regra, susceptíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar: i) Quando esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental; ou, ii) Quando o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. 3. Como dissemos, a Conservatória dos Registos Centrais indeferiu a pretensão do ora recorrente - que queria ver integrado o respectivo nascimento [a que corresponde o assento nº..., de ..., da Conservatória de Registo Civil da Beira, Moçambique] no registo civil português, ao abrigo do disposto no DL nº249/77, de 14.07 - em virtude de não ter provado que «manteve a nacionalidade portuguesa originária», de acordo com as regras legais do DL nº308-A/75, de 24.06 - diploma que definiu quem, de entre os portugueses nascidos e domiciliados nas ex-colónias portuguesas, conservou ou não a nacionalidade portuguesa. Perante a impugnação desta decisão administrativa, ambos os «tribunais de instância» - TAC de Lisboa e TCAS - consideraram que ela traduzia uma correcta aplicação da lei, e, assim, a mantiveram na ordem jurídica. Sublinharam que se estava perante pretensão relativa à nacionalidade portuguesa no âmbito de fenómeno de sucessão de Estados, historiaram - pormenorizadamente - a sucessão dos pertinentes diplomas legais, e centraram a questão - predominantemente - na necessidade de verificar se era aplicável «a este caso» o regime previsto no artigo 12º-B, da Lei da Nacionalidade [Lei nº37/81, de 03.10]. O autor - e apelante - volta a discordar, agora do acórdão do «tribunal de apelação», ao qual aponta erro de julgamento de direito. Alega que a sua nacionalidade portuguesa se consolidou por força do disposto no «artigo 12º-B da Lei da Nacionalidade», porque ele sempre foi reconhecido como português de origem, ao abrigo da «Lei nº2098», de 1959, tendo inclusivamente, nessa base, adquirido a nacionalidade brasileira. E conclui que a interpretação e aplicação da lei feita pelas instâncias ofende o disposto na Base I da Lei nº2098, de 1959 - por referência ao artigo 4º da CRP -, o disposto no DL nº308-A/75, de 24.06 - por falta do preenchimento do pressuposto da «aquisição de nova nacionalidade» -, o artigo 12º-B da Lei da Nacionalidade - considerando que é inequívoco que o recorrente exerceu e viu reconhecida a titularidade de boa-fé de nacionalidade portuguesa originária ou adquirida durante mais de 10 anos, ainda que o acto ou facto de que resulte a sua atribuição ou aquisição seja contestado -, e, ainda, o disposto no DL nº249/77, de 14.07 - pois que nada impede a transcrição do assento de nascimento do recorrente, que é atributivo da nacionalidade portuguesa, nem se verifica qualquer facto que pudesse implicar a perda da nacionalidade. Compulsados os autos, importa apreciar «preliminar e sumariamente», como compete a esta Formação, se estão verificados os «pressupostos» de admissibilidade do recurso de revista - referidos no citado artigo 150º do CPTA - ou seja, se está em causa uma questão que «pela sua relevância jurídica ou social» assume «importância fundamental», ou se a sua apreciação por este Supremo Tribunal é «claramente necessária para uma melhor aplicação do direito». Ora, cumprirá ressaltar, à cabeça, que as duas instâncias foram unânimes em «julgar» o pedido impugnatório improcedente, fazendo-o, como já salientamos, com base em pormenorizada e assertiva análise das normas legais chamadas a intervir. Se bem que não decisiva, esta unanimidade não deixa de ser sinal de «bom direito». Mas a verdade é que, feita a apreciação preliminar sumária que nos compete, verificamos que o juízo efectuado se mostra alicerçado numa interpretação lúcida e coerente dessas normas, e por isso «aparentemente acertado». Não detectamos, efectivamente, qualquer erro de direito ostensivo, manifesto, a reclamar a intervenção do tribunal de revista, razão pela qual entendemos que a admissão da presente revista não se impõe em nome da «clara necessidade de uma melhor aplicação do direito». Admitir este recurso de revista seria abrir uma 3ª instância, o que não é permitido pela lei. Atento o que fica dito, e os contornos do caso concreto tal como ressumam da matéria provada, não se impõe, quer em nome da sua relevância jurídica quer social, qualificar a questão ainda litigada como de «importância fundamental». Importa, pois, manter a regra da excepcionalidade dos recursos de revista, e recusar a admissão do aqui interposto por AA. Nestes termos, e de harmonia com o disposto no artigo 150º do CPTA, acordam os juízes desta formação em não admitir a revista. Custas pelo recorrente.
Lisboa, 25 de Maio de 2023. – José Veloso (relator) - Teresa de Sousa – Fonseca da Paz. |