Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0121/12.7BEPNF
Data do Acordão:06/05/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P32352
Nº do Documento:SA2202406050121/12
Recorrente:A..., S.A.
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- Relatório –

1 – A..., S.A. vem, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA) interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 7 de dezembro de 2023, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel, que julgara improcedente a impugnação judicial de Imposto de Selo, verba 10.3 da Tabela Geral anexa ao respetivo Código, devida pela constituição de uma hipoteca sobre vários imóveis.

A recorrente conclui as suas alegações de recurso nos seguintes termos:

A) A discordância quanto à improcedência da apelação filia-se, para lá do mais, no entendimento de quem é o sujeito passivo na relação jurídica em causa, nos presentes autos, e sobre quem recai a obrigação de pagamento do imposto do selo.

B) A Administração Tributária entendeu que a Requerente detinha a qualidade de sujeito passivo, fazendo recair sobre ela a liquidação.

C) Entendimento sufragado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel e pelo Tribunal Central Norte.

D) No Código do Imposto de Selo a qualidade de sujeito passivo do imposto está plasmada no artº. 2º, nº. 1, a), norma inserta no capítulo da incidência e, como tal, sujeita ao princípio da legalidade tributária, por força do comando contido no artº 8º da Lei Geral Tributária.

E) O sujeito passivo do imposto do selo é a entidade que deve proceder à sua liquidação e entrega ao Estado, conforme resulta da conjugação entre os artsº 2º e 23º CIS.

F) E no imposto de selo e para a situação aqui em apreço a lei elegeu como sujeito passivo a Srª. Notária que celebrou a escritura de hipoteca, como consta da alínea a) do nº 1 do artº 2º do Cód. do Imposto do Selo;

G) A Administração Tributária atribuiu a qualidade de sujeito passivo à Requerente, desrespeitando o princípio da legalidade tributária do referido artº 8º da LGT;

H) A definição de quem é sujeito passivo não é da competência da Administração Tributária, mas sim da lei;

I) A atribuição da qualidade de sujeito passivo pela AT e consequente liquidação de imposto a quem suporta o encargo do imposto é contra legem, porque contrária à opção legislativa expressamente consagrada na lei;

J) A Administração Tributária não pode, arbitrariamente, atribuir a qualidade de sujeito passivo a quem a lei expressamente afasta dessa condição, a fim de poder efetuar diretamente uma liquidação de imposto, escolher, discricionariamente, a quem fazer essa liquidação.

L) Pelo que a liquidação está ferida de ilegalidade

M) O CIS define quem é a entidade que tem o encargo do imposto, ou seja, aquela que efetivamente o suporta por repercussão legal.

N) A questão passa, pois, por definir se no caso do imposto do selo há substituição nos termos do art.º 20.º da LGT ou repercussão tributária nos termos do art.º 18.º/3 e 4 da LGT).

O) O código do imposto do selo impõe que o encargo do imposto recaia sobre o titular do interesse económico, mas essa responsabilidade opera, através da figura da repercussão tributária, que se caracteriza pelo facto de que quem suporta o imposto não coincide com quem tem de o entregar ao Estado.

P) No nosso caso está, claramente, em causa a figura da repercussão, obedecendo às regras do artº. 18 da LGT nºs. 3 e 4.

Q) A repercussão ocorre quando o sujeito, abrangido pelas regras de incidência do imposto, transfere para outrem o encargo económico.

R) A substituição tributária verifica-se quando, por imposição da lei, a prestação tributária for exigida a pessoa diferente do contribuinte nos termos do artigo 20.º da LGT e, apenas nos limites legais impostos pelo art.º 8.º b) da LGT, isto é, estão sujeitos ao princípio da legalidade a regulamentação das figuras da substituição e responsabilidade tributárias, e nenhuma outra, que não a retenção na fonte está regulada na lei.

S) A previsão legal de quem é o sujeito passivo do imposto tem especial relevância para a determinação da responsabilidade tributária em caso de falta de liquidação, conforme artsº. 41º e 42º do CIS.

T) A responsabilidade tributária impende sobre o sujeito passivo do imposto, e, no nosso caso, nunca podia cair na esfera do Requerente, que, como demonstramos, não é sujeito passivo nesta relação.

U) A Recorrente não foi notificada do relatório final da inspecção tributária, nos termos do nº 1 do artº 62º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária (RCPIT);

V) O que constitui uma omissão de uma formalidade essencial, invalidando todos os atos posteriores, designadamente a liquidação efetuada;

X) A junção aos autos da cópia de um ofício enviado ao pretenso mandatário não comprova a constituição deste;

Z) Tal constituição nunca existiu, não há, nem nunca houve, mandatário constituído;

AA) Esta questão não constituiu um facto novo, tendo sido suscitada, quer no Tribunal Administrativo e Fiscal de Penafiel quer no recurso e suas alegações e conclusões apresentadas no TCA Norte;

BB) A não notificação do relatório, e do desfasamento da decisão face à matéria de facto, deverá ser considerada um erro claro na decisão judicial, na medida em que não tem qualquer correspondência na matéria de facto provada.

CC) Qualquer matéria de facto dada como provada, ou qualquer conclusão a que se chegue, tendo em conta os elementos dos autos, não poderá ser outra senão a de que o relatório foi notificado a uma pessoa que não estava mandatada para o receber, e não à concreta pessoa titular do interesse em contradizer e prejudicada com o mesmo.

DD) Não é admissível que se tomem decisões judiciais que não tenham um mínimo amparo na matéria de facto provada e, nessa medida quem quer que seja possa ser prejudicado por um manifesto erro no ato de notificação pela AT, questão pertinente para uma melhor aplicação do direito, por se tratar de erro manifesto do acórdão.

Deve o presente recurso de revista ser admitido com os fundamentos acima referidos.

Deve o recurso ter provimento e a ação ser julgada procedente, anulando a liquidação do imposto do selo efetuada à Requerente assim se fazendo JUSTIÇA.

2 – Não foram apresentadas contra-alegações.

3 – O Ministério Público não emitiu parecer sobre a admissão da revista.

4 – Dá-se por reproduzido o probatório fixado no acórdão sindicado (fls. 4 a 7 da respectiva numeração autónoma).

Cumpre decidir da admissibilidade do recurso.


- Fundamentação –

5 – Apreciando.

Dos pressupostos legais do recurso de revista.

O presente recurso foi interposto e admitido como recurso de revista, havendo, agora, que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 6 do artigo 285.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT).

Embora a recorrente invoque o disposto no artigo 150.º do CPTA como fundamento do seu recurso, atento a que estamos perante recurso de sentença proferida em meio processual especificamente tributário – impugnação judicial – é em face da norma especificamente tributária relativa ao recurso de revista que este deve ser, e será apreciado.

Dispõe o artigo 285.º do CPPT, na redacção vigente, sob a epígrafe “Recurso de Revista”:

1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo, quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual.

3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado.

4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

5 – Na revista de decisão de atribuição ou recusa de providência cautelar, o Supremo Tribunal Administrativo, quando não confirme a decisão recorrida, substitui-a por acórdão que decide a questão controvertida, aplicando os critérios de atribuição das providências cautelares por referência à matéria de facto fixada nas instâncias.

6 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objeto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da Secção de Contencioso Tributário.

Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito artigo a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso.

E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.».

Vejamos, pois.

O acórdão do TCA Norte sindicado nos presentes autos negou provimento ao recurso interposto pela ora recorrente, mantendo a sentença do TAF de Penafiel que julgara improcedente a impugnação da liquidação de Imposto do Selo (verba 10.3 da TGIS).

Não se conforma com o decidido a recorrente, requerendo revista relativamente à questão de saber se “(…) as liquidações oficiosas deve(re)m ser realizadas a quem é o sujeito passivo, nos termos do artº. 2º do CIS, ou a quem é titular do interesse económico, nos termos do artº 3º do CIS, ou, ainda, poderem ou deverem, discricionariamente, ser realizadas pela AT a um ou a outro” (fls. 2/3 das suas alegações), questão que considera ser de relevância jurídica e social fundamental e ainda ser a admissão do recurso necessário para melhor aplicação do direito.

Defende a recorrente, ao que parece, que o Imposto do selo devido devia ter sido liquidada à notária, sujeito passivo do imposto nos termos do respectivo Código, e não a ela, mera titular do interesse económico.

Mas sem razão, como já decidiu este STA há quase uma década – cf. o Acórdão do STA de 25 de março de 2015, rec. n.º 1080/13 – de que no Imposto do Selo estamos perante um fenómeno de substituição tributária sem retenção na fonte, onde a única solução materialmente correcta é a de responsabilizar o substituído pelo tributo, desonerando o substituto de qualquer responsabilidade, desde que este tenha empregue na tarefa da cobrança a diligência que dele se deve esperar.

Assim, não sendo a questão nova e tendo as instâncias adoptado um sentido decisório conforme à jurisprudência do STA sobre a questão não se justifica a admissão da revista para conhecimento desta.

A recorrente levou ainda às conclusões (U) e ss) outra questão – a de que não foi notificada do relatório final da inspecção tributária, nos termos do nº 1 do artº 62º do Regime Complementar do Procedimento da Inspeção Tributária (RCPIT), o que alegadamente constitui uma omissão de uma formalidade essencial, invalidando todos os atos posteriores, designadamente a liquidação efetuada.

Absteve-se, contudo, de justificar por que razão deve ser admitida revista quanto a esta questão e, efectivamente, não se justifica essa admissão, dado o carácter eminentemente casuístico desta.

Termos em que a revista não será admitida.


- Decisão -

6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em não admitir o presente recurso de revista, por não se verificarem os respectivos pressupostos legais.

Custas do incidente pela recorrente.

Lisboa, 5 de Junho de 2024. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - Aragão Seia.