Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0104918.2BELRS
Data do Acordão:11/27/2019
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA
QUESTÃO FISCAL
Sumário:A acção em que é pedida a anulação do acto por que o IGFSS revogou o benefício concedido no âmbito do PAECPE (Portaria n.º 985/2009, de 4 de Setembro) e ordenou a restituição do respectivo montante não integra questão fiscal para os efeitos previstos no art. 49.º do ETAF, uma vez que nem o referido benefício é um tributo, nem a solução das questões colocadas exige a interpretação e aplicação de normas de direito fiscal, pois não têm atinência ao exercício da função tributária cometida à Segurança Social.
Nº Convencional:JSTA000P25237
Nº do Documento:SA22019112701049/18
Data de Entrada:09/23/2019
Recorrente:A..........
Recorrido 1:INSTITUTO DA SEGURANÇA SOCIAL,IP
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da decisão proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 1049/18.2BELRS

1. RELATÓRIO

1.1 A acima identificada Recorrente interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão por que a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa declarou a incompetência desse tribunal em razão da matéria para conhecer da impugnação judicial deduzida, mediante invocação do disposto no art. 99.º e segs. do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT) e dos arts. 57.º, 95.º, n.º 2, alínea d), e 101.º, alínea a), da Lei Geral Tributária (LGT) e na sequência do indeferimento tácito do pedido de revisão oficiosa apresentado, contra o acto que identificou como «a “liquidação” (pedido de restituição de prestações)», praticado pelo “Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P.” (adiante Recorrido).

1.2 Admitido o recurso, a Recorrente apresentou as alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«A) Vem o presente recurso interposto contra o despacho proferido em 11 de Setembro de 2018, nos termos do qual o Tribunal se julga incompetente em razão da matéria e determina como competente o Tribunal Administrativo de Círculo;

B) Conforme resulta dos autos, a ora Recorrente insurge-se contra a “liquidação” promovida pela entidade impugnada de reembolso do valor do benefício de subsídio de desemprego recebido no âmbito do regime de criação do próprio emprego.

C) A Recorrente apenas tomou conhecimento da existência de dívida certa, líquida e exigível através da citação para processo de execução fiscal;

D) Na Lei adjectiva subsidiariamente aplicável (cfr. artigo 59.º, n.º 3, alínea b), do CPTA, aplicável ex vi artigo 2.º, alínea c), do CPPT), os prazos de contestação podem ser iniciados com a execução do acto – o que, por cautela, a Recorrente fez;

E) Está em causa a interpretação e aplicação de normas de direito fiscal bem como o exercício de poder de autoridade pública no exercício de função tributária;

F) O benefício de subsídio de desemprego é uma protecção que resulta directamente das contribuições e quotizações pagas, quer por trabalhadores, quer por entidades patronais;

G) No caso concreto, a Recorrente submete à questão do Tribunal a questão de saber se a liquidação referente ao reembolso das quantias recebidas é, ou não, legal;

H) Com efeito, atenta a natureza da relação subjacente não se pode deixar de concluir que estamos perante questões em matéria tributária – cfr. artigo 2.º da LGT;

I) E também inexistem dúvidas que o Instituto da Segurança Social I.P. integra o conceito de administração tributária para este efeito (cfr. artigo 1.º, n.º 3, da LGT);

J) É impostergável a conclusão de que a restituição de benefício originado por contribuições e quotizações pagas mais não é do que uma liquidação de tributo de idêntica natureza – tributária.

K) O benefício comunga da natureza da prestação que lhe deu origem – tributária.

L) A jurisprudência tem sido constante no sentido de que em face das grandes semelhanças que existem entre as contribuições para a segurança social e os impostos – imposições financeiras unilaterais a favor de entidade de direito público com vista a satisfazer necessidade financeira colectiva, ou seja a atribuição de prestações sociais – que as questões relacionadas com dívidas à Segurança Social têm natureza tributária (cfr. Acórdão deste Venerando Supremo Tribunal Administrativo de 5 de Junho de 2002, proferido no processo n.º 046821 ou Acórdão deste venerando Supremo Tribunal Administrativo datado de 11 de Fevereiro de 2004, proferido no Processo n.º 1927/03).

M) Assume primordial relevância o Acórdão do Tribunal de Conflitos, de 21 de Janeiro de 2015, proferido no processo n.º 19/14-70 (disponível em https://dre.pt/application/file/a/75381012), em que discutia questão relativa à atribuição de subsídio de desemprego, social de desemprego e de doença, e a decisão proferida foi a da atribuição de competência aos Tribunais Tributários;

N) Em face do que se deixa exposto é manifesto o erro em que incorreu o Tribunal a quo na decisão judicial em apreço tendo sido violado o disposto no artigo 49.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, devendo ser revogado em conformidade.

O) Por fim, o presente recurso deverá subir imediatamente nos próprios autos e com efeito suspensivo – cfr. artigo 285.º, n.º 2, do CPPT.

P) Com efeito, a subida deferida retirará qualquer efeito útil a este recurso;

Q) A subida do Recurso interposto pela Recorrente, apenas com a Decisão Final, tornaria o mesmo absolutamente inútil, sem finalidade para a mesma e sem qualquer reflexo na sua esfera jurídica, porquanto o efeito pretendido pela Recorrente com a interposição do presente Recurso de Apelação da Decisão Interlocutória recorrida, encontrar-se-á completamente esgotado assim que seja proferida a decisão final;

R) Assim, e também em prol dos Princípios da Economia Processual, da Gestão Processual, da Celeridade Processual, e sobretudo, em prol da ilicitude da prática de actos processuais inúteis, deve o presente recurso subir imediatamente e com efeito suspensivo.

Termos em que, e nos mais de direito, sempre com o douto suprimento de Vossas Excelências deve o presente recurso subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito suspensivo, e determinar-se a revogação do despacho proferido, por violação do disposto no artigo 49.º do ETAF, determinando-se a competência do Tribunal Tributário para conhecimento das questões submetidas à apreciação do Tribunal».

1.3 Não fora apresentadas contra-alegações.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo e dada vista ao Ministério Público, o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que deve negar-se provimento ao recurso, com a seguinte fundamentação: «[…]

A questão que se coloca consiste em saber se a decisão recorrida ao ter excepcionado a sua incompetência material e conferido essa competência ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa padece ou não de vício de violação de lei que lhe é imputado pela Recorrente. Ou seja, importa saber se em face do pedido e das causas de pedir invocados pela Recorrente na sua petição inicial estamos ou não perante questão de natureza fiscal, como a mesma sustenta.
De acordo com a doutrina vertida no acórdão do STA – tribunal de conflitos – de 26/09/2013, proc. 030/13, «… a competência material dum tribunal constitui um pressuposto processual, sendo aferida pela questão ou questões que o A coloca na respectiva petição inicial e pelo pedido formulado, conforme ensina Manuel de Andrade (Noções Elementares de Processo Civil, pág. 91). E nesta lógica, a apreciação da competência dum tribunal tem de resolver-se face aos termos em que a acção é proposta, aferindo-se portanto pelo “quid disputatum”, ou seja pelo pedido do A e respectiva causa de pedir, sendo irrelevantes as qualificações jurídicas alegadas pelas partes ou qualquer juízo de prognose que possa fazer-se quanto à viabilidade ou inviabilidade da pretensão formulada pelo Autor».
Na petição inicial apresentada ao tribunal a Recorrente indica como objecto da acção o acto de indeferimento tácito de pedido de revisão oficiosa de acto de liquidação praticado pelo Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, e como causa de pedir a nulidade do acto de liquidação, por o mesmo não lhe ter sido devidamente notificado, e a caducidade do direito de liquidação, por essa notificação não ter sido efectuada no prazo de 4 anos.
Invoca igualmente a falta de fundamentação do acto de liquidação e erro sobre os pressupostos de facto e de direito do acto, assim como a violação dos princípios da igualdade e da proporcionalidade consagrados na Constituição da República.
E a final formula o pedido de anulação dos actos de liquidação praticados pelo Instituto de Segurança Social.
Em face de tais elementos e pese embora as roupagens que lhe são conferidas pela Recorrente, não subsistem dúvidas que o acto mediato (partindo do seu pressuposto que o acto imediato é o indeferimento do pedido de revisão oficiosa) cuja legalidade a Recorrente pretende ver apreciada e cuja anulação pretende seja determinada pelo tribunal é o acto do Instituto da Segurança Social que determinou a restituição do valor de € 45.105,95 euros, que lhe foram atribuídas no âmbito do “Programa de Apoio ao Empreendedorismo e à Criação do Próprio Emprego (PAECPE)”, regulado pela portaria n.º 985/2009, de 4 de Setembro.
Ora, sendo indiferente as qualificações que a Recorrente atribui a tais actos, como se deixou exarado na decisão recorrida, é manifesto que estamos “perante um acto administrativo, praticado no âmbito de um procedimento administrativo”, que revogou o acto de concessão das prestações efectuadas ao abrigo do referido programa, por alegado incumprimento da beneficiária, e determinou a sua restituição. Ao contrário do que vem invocado pela Recorrente, esse acto administrativo não configura um acto tributário, pois o mesmo não tem subjacente qualquer relação jurídica tributária, nem a exigência daquela quantia por parte do ISS decorre de qualquer obrigação tributária, nem o acto praticado pelo Instituto dimana do exercício da sua função de administração tributária.
Na verdade, não pode confundir-se a natureza das verbas cuja restituição foi exigida pelo Instituto com as contribuições para a Segurança Social ou cotizações efectuadas pelas entidades patronais, como pretende fazer crer a Recorrente.
Entendemos, assim, que não estamos perante uma questão que revista natureza fiscal tal como tem sido entendido pela jurisprudência, ou seja, “todas as que emergem da resolução autoritária que imponha aos cidadãos o pagamento de qualquer prestação pecuniária com vista à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos do Estado e demais entidades públicas, bem como o conjunto de relações jurídicas que surjam em virtude do exercício de tais funções ou que com elas estejam objectivamente conexas” (acórdãos do Tribunal de Conflitos de 9/11/2010, proc. n.º 17/10, e de 26/09/2006, proc. n.º 14/06).
E nessa medida, afigura-se-nos que a decisão recorrida não padece do vício de ilegalidade que lhe é assacado pela Recorrente, antes se impõe a sua confirmação, por a competência para apreciação da acção competir ao Tribunal de Círculo de Lisboa.».

1.5 Colhidos os vistos dos Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir.


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2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A decisão recorrida deixou registada a seguinte factualidade:

«1) Em 11/11/2013 foi emitido pelo Instituto da Segurança Social, I.P., o ofício com o assunto “Montante Global”, remetido à ora impugnante, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual se extrai o seguinte: “Pelo presente, fica V. Exa. notificado, que analisado o seu processo de pagamento global do subsídio de desemprego para criação do próprio emprego, verifica-se ter havido incumprimento injustificado das obrigações assumidas para atribuição do mesmo. No que respeita às consequências do incumprimento, a legislação em vigor determina que, nestes casos, o beneficiário perde o direito aos montantes já recebidos e fica obrigado a restituir os referidos valores. Na situação em análise, V. Exa. estava obrigado a manter o seu próprio emprego durante o período de 3 anos em exclusividade, sendo que V. Exa. iniciou outra actividade profissional, antes de decorrido o período supra mencionado. Nestes termos, caso V. Exa. não apresente, no prazo de 10 dias, elementos que obstem em sentido contrario, a prestação será cessada, com efeitos à data de atribuição do pagamento global do subsídio de desemprego e emitida a respectiva nota de débito” – cfr. doc. n.º 4 junto com a petição inicial;

2) Em 26/09/2014 foi emitido pelo Instituto da Segurança Social, I.P. o ofício com o assunto “Notificação de Decisão”, remetido à ora impugnante, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual se extrai, designadamente, o seguinte: “Informa-se V.Exª de que haverá lugar à cessação do direito à prestação de desemprego se (1), no prazo de 5 dias úteis a contar da data da recepção deste ofício, não der entrada nestes serviços, resposta por escrito, da qual constem elementos que possam obstar à referida cessação, juntando meios de prova se for caso disso. (…)
Na falta de resposta, o despacho de cessação considera-se efectuada no primeiro dia útil seguinte ao do termo do prazo acima referido, data a partir da qual se inicia a contagem dos prazos de:
- 3 meses para recorrer hierarquicamente para o Presidente do Conselho Directivo do Instituto da Segurança Social;
- 3 meses para impugnar contenciosamente. (…)” – cfr. doc. n.º 6 junto com a p.i.;

3) Em 21/10/2014 foi emitido pelo Departamento de Gestão e Controlo Financeiro do Instituto da Segurança Social, I.P., o ofício com o assunto “Restituição de prestações indevidamente pagas”, remetido à ora impugnante, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido e do qual se extrai, designadamente, o seguinte: “Informamos que foi apurado, como indevidamente pago, o valor abaixo indicado. Deve devolver o referido valor à Segurança Social, no prazo de 30 dias a contar da data de recepção deste ofício (artigo 5.º do Decreto-Lei n.º 133/88). (…)
Mais se informa que, decorrido o prazo de 10 dias úteis para a resposta a esta Nota de Reposição, poderá reclamar no prazo de 15 dias úteis para o autor da presente notificação, recorrer hierarquicamente no prazo de 3 meses para o Presidente do Conselho Directivo do Instituto da Segurança Social e impugnar contenciosamente no prazo de 3 meses, prazo que se suspende caso tenha reclamado ou recorrido hierarquicamente.
Valor a restituir 45.105,95 EUR.” – cfr. doc. n.º 2 junto com a p.i.;

4) Foi instaurado na Secção de Processo Executivo de Lisboa II do Instituto de Gestão Financeira da Segurança Social, I.P., o processo executivo n.º 1102201500731021, com base na certidão de dívida n.º 0070989, emitida em 07/11/2015 para cobrança coerciva de dívida proveniente de subsídio de desemprego, no montante de 45.105,92 € - cfr. doc. n.º 3 junto com a p.i.».

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2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

O Tribunal Tributário de Lisboa declarou-se incompetente em razão da matéria para conhecer da presente impugnação judicial e declarou como tribunal competente o Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa.
Em síntese, a Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa, após explanar o princípio geral da delimitação e o âmbito da jurisdição administrativa e fiscal e, dentro da mesma, o critério de repartição da competência entre os tribunais administrativos e os tribunais tributários – o que, tudo, a Recorrente aceitou e também nós subscrevemos –, considerou que a questão trazida perante o Tribunal, tal com configurada na petição inicial, não constitui uma questão fiscal, que, tal como a define a jurisprudência, será «a que exija a interpretação e aplicação de quaisquer normas de direito fiscal, substantivo ou adjectivo, para resolução de questões sobre matérias respeitantes ao exercício da função tributária da Administração Pública»; que a “liquidação” referida pela Impugnante não constitui um acto tributário, «não estando em causa a determinação do quantitativo de um qualquer tributo devido pelo sujeito passivo (cfr. art. 3.º da LGT)», mas antes um acto administrativo, «praticado no âmbito de um procedimento administrativo, que culminou com a cessação do benefício concedido à ora impugnante a título de prestações de desemprego ao abrigo do Programa de Apoio ao Empreendimento e à Criação do Próprio Emprego (PAECPE), aprovado pela Portaria n.º 985/2009, de 4 de Setembro, e, consequentemente, com o pedido de restituição das prestações cujo pagamento a Administração considera indevido»; que a matéria a dirimir no caso não exige «a interpretação e aplicação de normas de direito fiscal, substantivo ou adjectivo, nem estando em causa um acto praticado pela administração no exercício da dita função tributária, ou de algum modo conexionado com a liquidação e cobrança de tributos, mas, antes, actos praticados pelo ISS., I.P. no exercício da função administrativa, e inseridos num procedimento regulado por normas de direito administrativo, são competentes para conhecer da respectiva impugnação os tribunais administrativos e não os tribunais tributários».
A Impugnante interpôs recurso para este Supremo Tribunal dessa decisão. Alega que a mesma incorreu em erro de julgamento por violação do disposto no art. 49.º do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais (ETAF) ao considerar que a competência em razão da matéria para conhecer da presente acção não é do tribunal tributário, mas do tribunal administrativo.
Como já adiantámos, a discordância da Recorrente cinge-se à qualificação da questão. Em resumo, a Recorrente sustenta que a questão tem natureza fiscal porque «a restituição de benefício originado por contribuições e quotizações pagas mais não é do que uma liquidação de tributo de idêntica natureza – tributária» e que «[o] benefício comunga da natureza da prestação que lhe deu origem – tributária». Por isso, a questão que ora cumpre apreciar e decidir é a de saber se o Tribunal Tributário de Lisboa decidiu correctamente, o que passa por indagar da natureza da questão que lhe foi colocada pela Impugnante e ora Recorrente.

2.2.2 DA COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA

Como deixámos dito, apenas está em causa saber se a questão em causa é fiscal, como sustenta a Recorrente, ou administrativa, como defendeu a decisão recorrida.
Tenha-se presente que por «questões fiscais, deve entender-se tanto as resultantes de imposições autoritárias que postulem aos contribuintes o pagamento de toda e qualquer prestação pecuniária, em ordem à obtenção de receitas destinadas à satisfação de encargos públicos dos respectivos entes impositores, como também das que as dispensem ou isentem, ou, numa perspectiva mais abrangente, as respeitantes à interpretação e aplicação de normas de direito fiscal, com atinência ao exercício da função tributária da Administração Pública, em suma, ao regime legal dos tributos» ( Acórdão do Plenário do Supremo Tribunal Administrativo de 29 de Outubro de 2003, proferido no processo n.º 937/03, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/cf1d49a71f7ba86780256ddb00371767.
No mesmo sentido, para além dos citados na decisão recorrida e no parecer do Procurador-Geral Adjunto, e entre outros, os acórdãos do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de 28 de Fevereiro de 2007, proferido no processo n.º 699/06, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/cc73bc25ddc520f88025729d00547863;
do Tribunal de Conflitos de 25 de Setembro de 2014, proferido no processo n.º 29/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jcon.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5c77f21d1ebf086380257d650039b36a.).
Como bem salientou a Juíza do Tribunal a quo, apesar de a Impugnante se referir ao acto impugnado como “liquidação”, o acto em causa – de restituição das quantias respeitantes ao pagamento antecipado de prestações de desemprego, ordenada pelo ora Recorrido por ter considerado que houve incumprimento das condições para a concessão daquele pagamento ao abrigo do programa regulado pela Portaria n.º 985/2009, de 4 de Setembro – não constitui um acto tributário, não tem subjacente relação jurídica tributária alguma, nem foi praticado no âmbito da função administrativa tributária que está cometida ao ora Recorrido.
Na verdade, como igualmente bem ficou salientado na decisão recorrida, a denominada “liquidação” não é senão um acto administrativo praticado no âmbito de um procedimento administrativo, um acto pelo qual o IGFSS revogou a concessão do benefício que, no âmbito do programa PAECPE, havia concedido à ora Recorrente. Tal acto em nada reveste carácter tributário e, por isso, a resolução das questões trazidas a juízo não exige a interpretação ou aplicação de quaisquer normas de direito tributário, seja de carácter processual ou de carácter substantivo. Assim, não merece censura a decisão, que considerou não estarmos perante questão fiscal.
É certo que, como argumenta a Recorrente, o IGFSS tem competência tributária no que respeita às contribuições e cotizações para a Segurança Social, mas não são estas que estão em causa na presente acção. Na presente impugnação judicial, tal como a configurou a Recorrente, o que está em causa é a legalidade do acto que revogou o benefício concedido ao abrigo do referido Programa e ordenou a restituição do respectivo montante; e esse benefício, que consiste no pagamento antecipado do subsídio de desemprego, não assume, de modo algum, natureza tributária. Simplificando, diremos que a matéria do Direito da Segurança Social será perspectivada de acordo com o Direito Tributário quando estiver em causa a relação jurídica contributiva e de acordo com o Direito Administrativo relativamente às demais relações jurídicas, v.g. as que se estabelecem entre os cidadãos e o Estado com base num direito subjectivo à protecção social. Note-se que a jurisprudência invocada pela Recorrente em nada abala o que vimos de dizer, antes o confirma.
Em conclusão: a acção em que é pedida a anulação do acto por que o IGFSS revogou o benefício concedido no âmbito do PAECPE e ordenou a restituição do respectivo montante não integra questão fiscal para os efeitos previstos no art. 49.º do ETAF, uma vez que nem o referido benefício é um tributo, nem a solução das questões colocadas exige a interpretação e aplicação de normas de direito fiscal, pois não têm atinência ao exercício da função tributária cometida à Segurança Social.
Pelo exposto, e sem necessidade de outros considerandos, o recurso não merece provimento, sendo de manter a decisão recorrida, que bem decidiu ao declarar a incompetência do Tribunal em razão da matéria.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente, que ficou vencida no recurso [art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil, aplicável subsidiariamente ex vi da alínea e) do CPPT].

Após o trânsito, remeta ao Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, no prazo de 48 horas (art. 18.º, n.º 1, do CPPT).


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Lisboa, 27 de Novembro de 2019 - Francisco Rothes (relator) – Neves Leitão – Nuno Bastos.