Texto Integral: | Recurso jurisdicional do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte (processo n.º 66/99/21-Porto) no recurso interposto da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 1/99.0BUPRT
1. RELATÓRIO
1.1 A sociedade acima identificada recorre para o Supremo Tribunal Administrativo do acórdão por que o Tribunal Central Administrativo Norte negou provimento ao recurso por ela interposto da sentença proferida pelo Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida.
1.2 O recurso foi admitido, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, e a Recorrente apresentou alegações, com conclusões do seguinte teor:
«1.ª) A Recorrente admite algumas alterações à sua fundamentação, por força da fundamentação de direito (n.º 4) em sede do douto acórdão recorrido, nomeadamente:
“- O prazo de prescrição é de 8 (oito) anos, por força da entrada em vigor, em 01.01.1999 da LGT, aprovada pelo DL n.º 398/98, de 17/12 (art. 48.º);
- “… acaso inexistissem quaisquer factos determinantes da interrupção da contagem do período da prescrição, o prazo de referência terminaria em 31.12.2006””;
2.ª) Face às conclusões 4.ª, 5.ª, 6.ª, 13.ª e 14.ª do recurso da Recorrente junto do TCA-Norte, o Tribunal a quo não retirou as devidas conclusões, mas admite que o plano prestacional se esgotou em 7/08/2009, isto é, muito antes da prolação do acórdão do TC n.º 280/2010, de 3/07.
3.ª) No caso concreto, também não se aplica a revogação do n.º 2 do art. 49.º da LGT, porque, à data da entrada em vigor da nova versão (01/01/2007), já o processo de impugnação tinha estado parado por facto não imputável à Recorrente de 25/09/2001 a 15/04/2004 (com efeito, o Tribunal a quo refere que é aplicável a redacção do citado art. 49.º da LGT, na sua versão da Lei n.º 53-A/2006, de 29/12, (art. 90.º), isto é, o n.º 2 fora revogado e só se aplicava a todos os prazos se prescrição em curso, objecto de interrupção, em que ainda não tenha decorrido o período superior a um ano de paragem do processo por facto não imputável ao sujeito passivo).
4.ª) Ora, sendo aplicado o prazo de prescrição de 8 anos às dívidas em causa (IVA de 1991, 1992 e 1993), o início do prazo da prescrição ocorreu em 01.01.1992, 01.01.1993 e 01.01.1994, respectivamente, prescrevendo em 01.01.2000, 01.01.2001 e 01.01.2002, também respectivamente.
5.ª) A LGT entrou em vigor em 01.01.1999, a impugnação ocorreu em 21/03/1997, a autuação à 1.ª Secção do 2.º Juízo do TT de 1.ª instância do Porto ocorreu em 25/10/1999.
6.ª) A impugnação interrompeu a prescrição (art. 49.º da LGT).
7.ª) Mas o n.º 2 do citado art. 49.º da LGT estabelecia que «A paragem do processo por período superior a um ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito previsto no número anterior, somando-se, neste caso, o tempo que decorrer após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação».
8.ª) O processo esteve parado por facto não imputável à Recorrente de 25/09/2001 a 15/04/2004 (2 anos + 203 dias), de 07/12/2006 a 30/04/2008 (1 ano + 144 dias) e mais tarde, de 02/11/2011 a 19/05/20016 (4 anos + 198 dias).
9.ª) Assim, de 01/01/1992 (IVA de 1991) até 25/10/1999 decorreram 7 anos + 297 dias.
10.ª) Como o processo esteve parado por facto não imputável à Recorrente haveria que somar ainda o tempo que decorreu após esse período.
11.ª) E, feitas as contas, as dívidas de IVA relativas a 1991, 1992 e 1993 prescreveram há muito.
12.ª) Aliás, aquando da prolação do Acórdão n.º 280/2010, de 5/7, atendendo a que, nessa altura o processo de impugnação já tinha estado parado por facto não imputável à Recorrente de 25/09/2001 a 15/04/2004 e de 07/12/2006 a 30/04/2008, isto é, durante 3 anos + 347 dias, haveria que os somar aos 7 anos + 297 dias, isto é, 11 anos + 279 dias e, por isso, à data da prolação do dito acórdão, já há muito tinham prescrito as dívidas de IVA dos anos de 1991, 1992 e 1993.
Termos em que deve ser recebido o presente recurso, devendo esse colendo Tribunal declarar a prescrição das dívidas de IVA dos anos de 1991, 1992 e 1993».
1.3 A Fazenda Pública não contra-alegou.
1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e o Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso, revogado o acórdão recorrido e julgada inútil a instância da presente impugnação judicial por prescrição da dívida respeitante às liquidações impugnadas, com a seguinte fundamentação:
«Nos termos do estatuído no artigo 297.º do Código Civil, a lei que estabelecer prazo mais curto que o fixado em lei anterior é, também, aplicável aos prazos que já estejam em curso, salvo se segundo a lei antiga faltar menos tempo para o prazo se completar, sendo certo que o novo prazo só se conta a partir da entrada em vigor da nova lei.
O prazo de prescrição era de 20 anos para os tributos, nos termos do estatuído no artigo 27.º do CPCI.
Com a entrada em vigor do CPT, em 1 de Julho de 1991, nos termos do seu artigo 34.º o prazo de prescrição passou para 10 anos, para os impostos, contados desde o início do ano seguinte àquele em que tiver ocorrido o facto tributário.
Nos termos dos referidos diplomas, a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação judicial e a instauração da execução fiscal interrompe a prescrição e se o processo estiver parado por mais de um ano, por facto não imputável ao contribuinte, o prazo suspende-se entre a data da autuação até ao momento em que faz um ano que o processo está parado por facto não imputável ao contribuinte.
Em 1999.01.01 entrou em vigor a LGT, diploma actualmente em vigor, que no artigo 48.º/1, na redacção actual, estatui que as dívidas tributárias prescrevem no prazo de 8 anos contados, nos impostos periódicos a partir do termo do ano em que ocorreu o facto tributário e nos de obrigação única a partir da data em que ocorreu o facto tributário, excepto o IVA e nos impostos sobre o rendimento quando a tributação seja efectuada por retenção na fonte a título definitivo, caso em que o prazo se conta a partir do início do ano civil seguinte àquele em que se verificou, respectivamente, a exigibilidade do imposto ou o facto tributário, sendo certo que nos termos do n.º 4, aditado pela Lei 64-B/2011, de 30 de Dezembro, no caso de dívidas em que o respectivo direito à liquidação esteja abrangido pelo disposto no artigo 45.º/7, o prazo é de 15 anos.
Nos termos do n.º 2 do mesmo artigo as causas de suspensão ou interrupção aproveitam igualmente ao devedor principal e aos responsáveis solidários e subsidiários, sendo certo que, nos termos do n.º 3 a interrupção da prescrição relativamente ao devedor principal não produz efeitos quanto ao devedor subsidiário se a citação deste em processo de execução fiscal for efectuada após o 5.º ano posterior ao da liquidação.
Nos termos do artigo 49.º a citação (após a entrada em vigor da Lei 100/99, de 26 de Julho), a reclamação, o recurso hierárquico, a impugnação e o pedido de revisão oficiosa interrompem a prescrição.
De acordo com o n.º 2, entretanto revogado e pela Lei 53-A/2006, de 29/12, mas cuja revogação só se aplica aos casos em que o ano de paragem do processo termina a partir de 2007.01.01, a paragem do processo por mais de 1 ano por facto não imputável ao sujeito passivo faz cessar o efeito interruptivo, somando-se neste caso, o tempo que decorre após esse período ao que tiver decorrido até à data da autuação.
Nos termos do n.º 3, na redacção anterior à referida Lei 53-A/2006, o prazo de prescrição suspende-se por motivo de paragem do processo de execução fiscal em virtude de pagamento em prestações legalmente autorizado ou de reclamação, impugnação ou recurso, com efeito suspensivo da execução fiscal em consequência de prestação de garantia, sendo certo que com a redacção introduzida pela citada Lei além da suspensão por pagamento em prestações o prazo suspende-se enquanto não houver decisão transitada que ponha termo ao processo, nos casos de reclamação, impugnação, recurso ou oposição quando determinem a suspensão da cobrança da dívida.
Por força do disposto no artigo 49.º/3 da LGT, na redacção introduzida pela Lei 53-A/2006, de 29 de Dezembro (LOE 2007) a interrupção tem lugar uma única vez, com o facto que se verificara em primeiro lugar.
Todavia, a LOE de 2007 entrou em vigor 1 de Janeiro de 2007, e, sendo uma norma sobre os efeitos dos factos, ela só se aplica após a sua entrada em vigor, por força do estatuído no artigo 12.º/2 do CC (Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas práticas, página 65, Juiz Conselheiro Jorge Lopes de Sousa).
Nos termos do disposto no n.º 5 do artigo 49.º, aditado pela Lei 66-B/2012, de 31 de Dezembro, o prazo de prescrição suspende-se, ainda, desde a instauração até ao trânsito em julgado da acção de impugnação pauliana intentada pelo MP.
Nos termos do estatuído no artigo 49.º/4/ d), a prescrição suspende-se, ainda, durante o período de impedimento legal à realização da venda de imóvel afecto a habitação própria e permanente.
Além do mais, com interesse para a apreciação da questão controvertida estão provados os seguintes factos:
1. Em 19/09/1996 foi instaurada reclamação graciosa (RG);
2. Em 21/03/1997 foi deduzida impugnação judicial (IJ);
3. A impugnação atrás mencionada esteve parada desde 25/09/2001 a 15/04/2004, por facto não imputável à recorrente;
4. A recorrente aderiu ao Plano Mateus, Lei 124/96, tendo a pretensão sido deferida por despacho 07/02/1997, não se tendo provado que tivesse sido excluída desse plano, sendo certo que foi aprovado o pagamento da dívida em 150 prestações mensais (durante 12,5 anos).
3. Em 01/03/1997 foram instaurados os processos de execução fiscal (PEFs) para cobrança coerciva da dívida tributária em causa.
Em consonância com o acórdão recorrido e com a posição da recorrente, neste segmento, há que aplicar o prazo de prescrição de 8 anos estatuído na LGT e não o de 10 anos estatuído no CPT, uma vez que, à data da entrada em vigor da LGT (01.01.1999) faltava mais tempo para a ocorrência da prescrição ao abrigo do CPT, atentos os factos interruptivos consubstanciados na instauração da RG e IJ e o facto suspensivo traduzido na adesão ao Plano Mateus.
De facto, ao abrigo do CPT não decorreu qualquer prazo de prescrição.
Temos, assim, que, contados 8 anos do prazo de prescrição, desde 01/01/1999, data da entrada em vigor da LGT, não ocorrendo qualquer causa interruptiva ou suspensiva da prescrição, esta teria ocorrido em 31/12/2006.
Todos os actos interruptivos da prescrição, pelo menos até à entrada em vigor da Lei 53-A/2006, de 29/12, têm dois efeitos, um instantâneo, inutilizando todo o tempo decorrido anteriormente e outro duradouro que se traduz no facto de o novo prazo de prescrição não começar a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo, nos termos do estatuído no artigo 327.º/1 do CC, ex vi do artigo 2.º/d) da LGT (Conselheiro Jorge Lopes de Sousa, Sobre a Prescrição Tributária, páginas 51/61 e acórdão do STA, de 13/03/2019 - P. 01437/18.4BELRS).
O facto interruptivo consubstanciado na instauração da IJ ocorreu na vigência do CPT, sendo certo que ainda produziu efeitos na vigência da LGT.
De facto, a IJ parou por mais de um ano, por facto não imputável à recorrente, em 25/01/2001, em plena vigência da LGT, pelo que, nos termos do disposto no artigo 49.º/2 desse diploma legal, cessa o efeito interruptivo, pelo que, em princípio, se deveria contar, para efeitos de prescrição, o tempo que decorreu a partir de 25/01/2002.
Sucede que, o prazo de prescrição estava suspenso, ao abrigo do artigo 5.º/5 do DL 124/96 (Lei Mateus) desde 07/02/1997 a 07/08/2009 e cuja conformidade constitucional foi atestada pelo acórdão 280/2010 do PLENÁRIO do TC, como bem adianta a decisão recorrida, pelo que durante esse período não releva o tempo decorrido para efeitos de prescrição.
Não obstante, ao contrário do que parece sustentar o acórdão recorrido, a paragem da IJ por mais de um ano, por facto não imputável à recorrente, não pode deixar de relevar para efeitos de obstar a que se continue a produzir o efeito duradouro, ou seja a não contagem do tempo até ao trânsito da decisão que venha a pôr termo à impugnação.
De facto, se houver algo período do prazo que não é eliminado pelo facto interruptivo e é pelo facto suspensivo, como acontece no caso em apreciação, cumulam-se os efeitos dos dois factos.
Assim sendo, o prazo de prescrição de 8 anos reiniciou-se a partir de 08/08/2009, pois a partir desta data não há notícia de ter ocorrido qualquer outro facto relevante interruptivo ou suspensivo da prescrição.
Assim sendo, como parecer ser, a dívida tributária prescreveu, inexoravelmente, em 08/08/2017, portanto, antes da prolação do acórdão recorrido».
1.5 Colhidos os vistos dos Juízes Conselheiros adjuntos, cumpre apreciar e decidir.
* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO
O acórdão recorrido deu como assentes os seguintes factos, alguns que constavam já da sentença e outros – os vertidos sob os n.ºs 14, 15 e 16 – que foram aditados pelo Tribunal Central Administrativo Norte e que ora reproduzimos por ordem sequencial:
«(...)
1. Os Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária procederam à fixação do Lucro Tributável da impugnante para os exercícios de 1991 a 1993, por recurso a métodos indiciários, por se ter concluído que a contabilidade não reflectia a exacta situação patrimonial bem como os resultados efectivamente obtidos – cfr. fls. 350 a 367 do processo físico;
2. A 07 de Junho de 1996 foi elaborada Nota da Fundamentação das Correcções por Presunção/Métodos Indiciários, cujo teor se considera aqui integralmente reproduzido e no qual consta:
[Remete-se para a decisão da 1.ª instância, nos termos do n.º 6 art. 66.º do CPC]
3. No seguimento da inspecção, foram fixados os lucros tributáveis dos três exercícios, tendo sido liquidado IVA em falta no montante de:
– 1991: 767.862$00
– 1992: 863.704$00
– 1993: 1.058.051$00
4. A Impugnante deduziu reclamação da fixação da matéria tributável, a qual por deliberação unânime dos membros da Comissão de Revisão foi parcialmente deferida, considerando-se aqui reproduzido todo o teor da ata, tendo sido fixado o IVA em falta nos seguintes termos:
– 1991 – 455.268$00;
– 1992 – 450.966$00
– 1993 – 653.154$00
Cfr. fls. 344 a 348 do PA.
5. A 26 de Abril de 2001 foi elaborado relatório Pericial da escrita e contabilidade da Impugnante, o qual se considera aqui integralmente reproduzido – cfr. fls. 478 a 480 do processo físico;
6. A impugnante apresenta saldos credores do “Caixa” de Fevereiro de 1992 a Novembro de 1992, Março de 1993 a Novembro de 1993 – relatório pericial:
7. Os bónus quantidade – ofertas de filmes – constantes das facturas de fornecedores, não se encontram escriturados, nem como aquisições de mercadorias nem imobilizado – relatório pericial;
8. A Impugnante não tem para os exercícios de 1991 a 1993 talões de venda a dinheiro – relatório pericial;
9. A Impugnante nos exercícios em questão tinha 1700 sócios e das fichas de associados para além da identificação do sócio nada mais evidenciam, no que concerne ao aluguer de filmes por parte desses associados – relatório pericial;
10. A Impugnante não detinha para os exercícios em questão de tabelas de preço dois vídeos, a não ser de jogos – relatório pericial;
11. A 30 de Janeiro de 1997 a Impugnante apresentou requerimento de regularização de dívidas no âmbito do vulgarmente designado “Plano Mateus” – cfr. fls. 27 do processo executivo apenso aos autos;
12. Por despacho datado de 07 de Fevereiro de 1997 foi deferido o requerimento de regularização de dívidas, o qual foi notificado ao Impugnante – cfr. fls. 29 do processo executivo apenso;
13. A presente impugnação deu entrada a 21 de Março de 1997.
14. A presente impugnação judicial esteve parada, por facto não imputável à impugnante entre 25.09.2001 até 15.04.2004, 07.12.2006 até 30.04.2008 e 02.11.2011 até 19.05.2016 (fls. 438, 587 e 599/601 dos autos).
15. Em 19.09.1996 a Impugnante deduziu reclamação nos termos do art. 84.º do CPT (cfr. fls. 331, 343 e arts. 3.º e 4.º da p.i.);
16. Em 01.03.1997 foram instaurados os processos de execução fiscal n.ºs 3506-97/100442.5, 3506-97/100441.7 e 3506-97/100440.9, respectivamente, de IVA dos anos de 1991, 1992 e 1993 (cfr. Processo executivo apenso aos autos);
Factos não provados
Que a Impugnante tenha sido excluída do plano regularização de dívidas no âmbito do vulgarmente designado “Plano Mateus”».
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2.2 DE DIREITO
2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR
O presente recurso vem interposto do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, que negou provimento ao recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto. Tenha-se presente, como bem salientou a Desembargadora Relatora no Tribunal Central Administrativo Norte, que porque a petição inicial foi apresentada em 21 de Março de 1997 o presente processo admite recurso em terceiro grau de jurisdição (O terceiro grau de jurisdição estava previsto pelo art. 32.º, n.º 1, alínea a), do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 129/84, de 27 de Abril, e manteve-se para os processos pendentes quando da entrada em vigor do Decreto-Lei n.º 229/96, de 29 de Novembro. Este diploma legal, que criou o Tribunal Central Administrativo, introduziu alterações profundas nas competências dos tribunais em sede tributária, modificando, entre outros preceitos do ETAF, o referido art. 32.º, pelo que ficaram reduzidos a dois os graus jurisdição nesta matéria, sem prejuízo da regra transitória resultante da alteração do art. 120.º do ETAF, consagrando, na nova redacção: «A extinção do anterior 3.º grau de jurisdição no contencioso tributário operada pelo presente diploma apenas produz efeitos relativamente aos processos instaurados após a sua entrada em vigor». Nos termos do n.º 1 do art. 5.º do referido Decreto-Lei n.º 229/96, este entrou em vigor em 15 de Setembro de 1997, com a instalação e entrada em funcionamento do Tribunal Central Administrativo, determinadas pela Portaria n.º 398/97, de 18 de Junho. O que significa se mantém a admissibilidade do terceiro grau de jurisdição para os processos instaurados antes de 15 de Setembro de 1997.).
O recurso tem o seu âmbito limitado à questão da inutilidade superveniente da impugnação judicial por prescrição das obrigações tributárias correspondentes às liquidações impugnadas, respeitantes a IVA dos anos de 1991, 1992 e 1993. Vejamos:
Na sentença, o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, já depois de julgar improcedentes os vícios assacados pela Impugnante às liquidações impugnadas, entendeu também apreciar oficiosamente a prescrição das obrigações tributárias correspondentes àqueles actos. Isto, como o próprio reconhece, apesar de a questão não ter sido suscitada pelas partes nem pelo Ministério Público e apesar de ter concluído que não se verificava a prescrição (Salvo o devido respeito, mal se compreende que o tribunal encete o conhecimento oficioso de uma questão, a menos que a resposta a dar-lhe seja no sentido da procedência. Na verdade, dando aqui de barato que a prescrição possa ser conhecida em processo de impugnação judicial – e só o poderá ser enquanto pressuposto da utilidade ou não do prosseguimento da lide, questão à qual voltaremos adiante –, não é curial que o juiz aí aprecie oficiosamente a prescrição das obrigações tributárias se não for para considerar inútil a instância. Embora o tribunal tenha o dever de pronúncia sobre questões de conhecimento oficioso não suscitadas pelas partes – como decorre do art. 608.º, n.º 2, do Código de Processo Civil (CPC) –, se não se pronunciar sobre alguma dessas questões deve considerar-se que entendeu, implicitamente, que a solução da mesma não releva para a decisão a proferir, designadamente por não proceder. Daí que, como a jurisprudência tem vindo a afirmar, se tribunal violou o dever de conhecimento oficioso de uma questão que não tenha sido suscitada, essa violação nunca constituirá nulidade [por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no art. 125.º, n.º 1, do CPPT e nos arts. 608.º, n.º 2, e 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC], podendo apenas integrar erro de julgamento. É que não faz sentido impor ao tribunal a apreciação expressa de todas e cada uma das questões de conhecimento oficioso se estas não tiverem sido invocadas pelas partes e se forem irrelevantes para a decisão a proferir.).
A Impugnante recorreu dessa sentença para o Tribunal Central Administrativo Norte, limitando a sua discordância com a sentença ao segmento em que nesta se decidiu pela não verificação da prescrição.
O Tribunal Central Administrativo Norte – depois de salientar que em sede de impugnação judicial a prescrição apenas era de conhecer a título incidental, enquanto pressuposto da inutilidade superveniente da lide e não enquanto fundamento de impugnação judicial – também decidiu no sentido de que se não verificava a prescrição das obrigações tributárias geradas pelas liquidações objecto da presente impugnação, se bem que com fundamentos não coincidentes com os utilizados pela 1.ª instância.
Recorre de novo a Impugnante, agora do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte e para este Supremo Tribunal Administrativo, sustentando que as obrigações tributárias estão prescritas.
Assim, a questão a apreciar e decidir, tal como conformada pela Recorrente, seria a da prescrição das obrigações tributárias correspondentes às liquidações impugnadas. No entanto, como procuraremos demonstrar, não há aqui que apreciar essa questão nem como fundamento de impugnação judicial nem como pressuposto da inutilidade superveniente da lide.
2.2.2 DO CONHECIMENTO DA PRESCRIÇÃO EM SEDE DE IMPUGNAÇÃO JUDICIAL
2.2.2.1 Como este Supremo Tribunal tem vindo a afirmar desde há muito, uniforme e reiteradamente, a prescrição da obrigação tributária não é fundamento de impugnação judicial, motivo porque nela não deve ser conhecida oficiosamente, sem prejuízo de aí poder ser conhecida a título incidental, enquanto pressuposto da utilidade da lide, este sim de conhecimento oficioso.
Sobre a questão, ficou dito no acórdão de 7 de Fevereiro de 2007, proferido no processo com o n.º 980/06 (Disponível em http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/cedd724eaaed289c80257295003cb2f6.): «Como é sabido, trata-se na impugnação judicial de um contencioso de anulação, que não de plena jurisdição – cfr. Alberto Xavier, Aspectos Fundamentais do Contencioso Tributário, p. 43 e ss. –, sendo o seu objecto o acto tributário, através de “qualquer ilegalidade” ou “vício”, em vista da sua “anulação total ou parcial”.
Assim, se o pedido impugnatório procede, o tribunal anula o acto, pela existência de qualquer ilegalidade.
Pelo que tem este tribunal entendido que a prescrição da obrigação tributária – “da dívida exequenda”, na expressão legal –, embora de conhecimento oficioso, não é fundamento de impugnação judicial mas de oposição à execução fiscal.
Na verdade, não pode confundir-se a validade do acto tributário com a sua eficácia.
[…]
O decurso do prazo de prescrição extingue o direito do Estado à “cobrança” do imposto e não tendo pois a ver com a sua validade ou existência do acto tributário e, em consequência, com a sua legalidade, não é fundamento de impugnação judicial mas de oposição à execução».
Prossegue o mesmo acórdão, ponderando a prescrição, não como fundamento de impugnação judicial, «mas apenas como sustentáculo da inutilidade da lide e consequente extinção da instância», com a afirmação de que, então, esse conhecimento se fará «plenamente dentro da legalidade» e porque, verificada a prescrição da obrigação tributária, «a lide impugnatória não tem qualquer utilidade». E explica porquê:
«Na verdade, a sua procedência não teria quaisquer consequências, uma vez que já não poderia, mercê da predita prescrição da dívida, ser instaurada execução fiscal, que se instaurada, logo soçobraria, mesmo sem oposição, dado o carácter oficioso do conhecimento da mesma.
Ou seja: a questão não radica na inclusão da prescrição da obrigação tributária em termos de ilegalidade da liquidação mas, em termos processuais, da utilidade da lide impugnatória que, assim, não pode ter qualquer reflexo na relação substancial respectiva, pelo que a sua continuação seria pura inutilidade».
É este entendimento que tem vindo a ser seguido na jurisprudência de que o citado acórdão é um exemplo entre muitos (Vide, entre outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 2 de Dezembro de 2015, proferido no processo com o n.º 1364/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/235ab3098a7e831580257f1e005090e9;
- de 9 de Novembro de 2016,proferido no processo com o n.º 1118/15, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/0b84374a73dde81f8025806b0040bbbb;
- de 4 de Julho de 2018, proferido no processo com o n.º 1433/17, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/f1fc96dd1f2c333c802582cd004aac60. ): a impugnação judicial não tem como objecto o conhecimento da prescrição da obrigação tributária, porque se trata de um processo que visa apreciar a legalidade ou ilegalidade do acto de liquidação (cfr. arts. 99.º e 24.º do CPPT) e a prescrição não contende com a legalidade da liquidação, mas apenas com a exigibilidade da obrigação tributária por ela criada, motivo por que em sede de impugnação judicial a prescrição não pode ser conhecida senão incidentalmente e como pressuposto da utilidade ou não do prosseguimento da lide, questão esta do conhecimento oficioso (Cfr. JORGE LOPES DE SOUSA, Sobre a Prescrição da Obrigação Tributária, Notas Práticas, Áreas Editora, 2.ª edição, 2010, págs. 23 a 25. ).
2.2.2.2 Dito isto, cumpre ter presente que no caso sub judice a Impugnante nem sequer invocou a prescrição na petição inicial e foi o Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto quem, após apreciar e julgar improcedentes os vícios que a Impugnante assacou às liquidações adicionais impugnadas, entendeu apreciar a questão, o que, vimos já, lhe estava vedado nesta sede.
A Impugnante recorreu dessa sentença para o Tribunal Central Administrativo Norte, mas limitou o recurso ao segmento em que foi apreciada a prescrição, pretendendo que a sentença seja revogada nessa parte e que o Tribunal de 2.ª instância declare a prescrição das obrigações tributárias originadas pelas liquidações impugnadas.
Por seu turno, o Tribunal Central Administrativo Norte, apesar de salientar que «a prescrição, em sede de impugnação judicial, é apreciada apenas para aferir se deve a instância prosseguir ou deve ser declarada a inutilidade superveniente da lide» e que «[e]m sede de recurso, por identidade de razão, a questão só pode ser incidentalmente colocada na pendência do recurso dessa decisão para aferir da utilidade da apreciação do mesmo», sendo que «[o] que está em questão não é o imediato conhecimento oficioso da prescrição, mas sim, o problema do conhecimento oficioso das causas de inutilidade da lide», não se coibiu de apreciar o erro de julgamento imputado à sentença, afirmando «Apreciemos, então, se a sentença incorreu em erro de julgamento»; e, após averiguar da prescrição das obrigações tributárias geradas pelas liquidações impugnadas, concluiu: «a dívida não se encontra prescrita, pelo que se mantém a sentença recorrida, embora com [a] fundamentação do presente acórdão».
A Impugnante recorre desse acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte para este Supremo Tribunal, mantendo que as obrigações tributárias estão prescritas. Vejamos:
No caso sub judice foi proferida sentença que não reconheceu a invocada invalidade das liquidações impugnadas, única questão que cumpria ao juiz decidir, sentença que, nessa parte, transitou em julgado por falta de pedido de reexame por tribunal de hierarquia superior (cfr. arts. 628.º e 635.º, n.ºs 2 e 5, do CPC).
Ora, tendo já transitado em julgado a sentença relativamente à única questão que a Impugnante colocou ao Tribunal – a da validade das liquidações impugnadas – e que a este cumpria decidir, não faz sentido algum averiguar de eventual causa de inutilidade dessa lide em ordem a impedir a prossecução do processo. Aliás, tendo-se extinguido a instância pelo julgamento, não poderia agora a mesma extinguir-se por inutilidade [cfr. art. 277.º alíneas a) e e), do CPC]. Com o reconhecimento da prescrição das obrigações tributárias geradas pelas liquidações impugnadas pretendia-se obviar à prossecução da impugnação judicial, por inutilidade, mas essa pretensão já não pode atingir-se porque já foi proferida sentença, com trânsito em julgado quanto à única questão cumpria ao juiz decidir.
Como ficou dito no acórdão de 2 de Maio de 2012, proferido no processo com o n.º 1174/11 (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/3e068cd57c9867af802579fb003909e9.), que temos vindo a seguir, «[n]ão se pode conhecer a questão da prescrição, tendo em vista impedir a continuação do processo de impugnação, quando já foi proferida uma sentença de anulação que não sofreu contestação por parte do impugnante. O processo deve cessar porque já cessou a matéria da contenda, que era a questão da validade do acto impugnado, e não porque é inútil prosseguir com ele por efeito da prescrição».
Assim, o recurso não merece provimento.
Isto não significa que a Impugnante não tenha meio de reagir contenciosamente contra uma eventual prescrição das obrigações tributárias que tiveram origem nas liquidações impugnadas; significa apenas que essa reacção terá de ter lugar em sede própria, ou seja, na execução fiscal. Recorde-se que em sede de execução fiscal a prescrição é de conhecimento oficioso e pode ser suscitada a todo o tempo pelo executado, com possibilidade de reclamação judicial de eventual decisão desfavorável (cfr. art. 276.º e segs. o CPPT).
2.2.3 CONCLUSÕES
Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - A prescrição da dívida resultante do acto tributário de liquidação não constitui vício invalidante desse acto e, por isso, não serve de fundamento à respectiva impugnação (cfr. arts. 99.º e 124.º do CPPT) nem é nela de conhecimento oficioso, contrariamente ao que sucede na execução fiscal (cfr. art. 175.º do CPPT).
II - Contudo, deve conhecer-se da mesma em sede de impugnação judicial, a título incidental e em ordem a averiguar da utilidade da prossecução da lide [cfr. art. 277.º, alínea e) do CPC], na medida em que será inútil apreciar a invalidade de um acto que titula uma obrigação tributária que está extinta por prescrição.
III - Se já foi proferida sentença, com trânsito em julgado quanto à questão da validade do acto impugnado – a única suscitada pelo impugnante e que cumpria ao juiz resolver –, extinguiu-se a instância nos termos do disposto na alínea a) do art. 277.º do CPC e, consequentemente, não há possibilidade de extinguir a instância por outro modo, motivo por que não há que indagar da utilidade da prossecução da lide.
IV - Isto, obviamente, sem prejuízo da questão da prescrição ser conhecida na sede própria, qual seja a execução fiscal instaurada para cobrança coerciva da dívida correspondente à obrigação tributária.
* * *
3. DECISÃO
Face ao exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam, em conferência, em negar provimento ao recurso.
Custas pela Recorrente.
Lisboa, 8 de Janeiro de 2020. – Francisco Rothes (relator) – Suzana Tavares da Silva – Paulo Antunes. |