Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:03009/04.1BELSB-A
Data do Acordão:11/27/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
JUROS DE MORA
Sumário:I - O n.º 5 do art. 43.º da LGT, que prescreve “juros de mora dobrados” quando a AT incumpra o prazo de execução espontânea da decisão judicial que implique a restituição de tributo já pago, é uma norma introduzida como medida de pressão, de modo a promover o cumprimento pontual das obrigações decorrentes de decisões judiciais, transitadas em julgado, com natureza de sanção e sem natureza indemnizatória.
II - As regras da hermenêutica das normas legais tributárias (que são as do art. 9.º do CC, ex vi do n.º 1 do art. 11.º da LGT) não consentem que do n.º 5 do art. 43.º da LGT se extraia o sentido de que os juros de mora que nele se estabelecem só são devidos nas situações em que estejam também verificados os requisitos para o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do mesmo art. 43.º da LGT.
III - Pelo contrário, tais regras impõem que se conclua no sentido de que os juros de mora previstos no n.º 5 do art. 43.º da LGT são devidos em todas as situações em que se verifique a ultrapassagem do termo do prazo de execução espontânea de decisão transitada em julgado.
Nº Convencional:JSTA00071887
Nº do Documento:SAP2024112703009/04
Recorrente:AT- AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:AA E OUTROS
Votação:MAIORIA COM 3 VOT VENC E 1 DEC VOT
Meio Processual:RECURSO DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
Objecto:ACÓRDÃOS DO TCA SUL DE 19.10.2023 E DO TCA NORTE DE 4.7.2019
Decisão:NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO
Legislação Nacional:ARTIGO 284.º DO CPPT; ARTIGOS 11.º E 43.º, N.º 5 DA LGT E ARTIGO 9.º DO C. CIV.
Jurisprudência Nacional:AC. DO PLENO DA SECÇÃO DO CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO DE 7.6.2017 (PROC. 0279/17)
Aditamento:
Texto Integral:
Recurso para uniformização de jurisprudência

1. RELATÓRIO

1.1 A AT veio, ao abrigo do disposto no art. 284.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 19 de Outubro de 2023 no presente processo (Disponível em https://www.dgsi.pt/jtca.nsf/-/d4c051593ecb726380258a550052678c.), para uniformização de jurisprudência, por oposição com o acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte proferido em 4 de Julho de 2019, no processo 2456/04.3BEPRT-A (Disponível em https://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/-/e62778f359991dbd8025843a004735b0.), transitado em julgado. Alegou o recurso, com conclusões (A Recorrente apenas formalmente se desincumbiu do ónus de apresentar conclusões do recurso; materialmente, limitou-se a reproduzir as alegações, as quais são já bastante repetitivas. Entendemos, no entanto, e a bem da celeridade processual, prosseguir no conhecimento do recurso sem convidar, ao abrigo do disposto no n.º 3 do art. 639.º do Código de Processo Civil (CPC), à correcção das conclusões apresentadas. Salientamos, porém, que a finalidade ou função das conclusões, tal como definida pelo n.º 4 do art. 635.º do CPC, é a de definir o objecto do recurso, através da identificação, abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas já desenvolvidas nas alegações; as conclusões devem, por isso, ser proposições sintéticas, em número consideravelmente inferior aos artigos das alegações, e traduzir um esforço de condensação do exposto nas alegações. Tudo isso ignorou a Recorrente.) do seguinte teor:

«Da existência de contradição, sobre a mesma questão fundamental de direito, entre o Acórdão Impugnado e o Acórdão Fundamento (Acórdão da 2.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Norte, com data de 4-07-2019, proferido no Processo: 02456/04.3BEPRT-A), ambos transitados em julgado e publicados no site do IGFEJ – in “dgsi.pt”.

1) A “mesma questão fundamental de direito” a que alude o art. 152.º n.º 1 do CPTA é, no caso sub judice, saber se são devidos juros de mora, nos termos do artigo 43.º, n.º 5 da LGT (na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro), ainda que não se verifiquem os pressupostos constitutivos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1, do artigo 43.º da LGT.

2) Dito por outras palavras, a “mesma questão fundamental de direito” a que alude o art. 152.º n.º 1 do CPTA é, no caso sub judice, saber se face ao preceituado no n.º 5 do art. 43.º da LGT (na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro), são devidos juros de mora “a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas” (ou seja, saber se são devidos juros de mora a taxa agravada), ainda que não se verifiquem os pressupostos constitutivos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios nos termos do n.º 1, do artigo 43.º da LGT.

3) Sendo que o n.º 5 do art. 43.º da LGT (na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro), dispõe “No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas”, o douto Acórdão Impugnado acordou de forma contraditória com o Acórdão Fundamento.

4) O douto Acórdão Impugnado considerou que “II- Resulta da letra da lei, quer da génese da norma, quer da natureza dos juros em causa, a conformação do regime dos juros de mora com função sancionatória, desincentivadora de comportamentos relapsos ou inadimplentes das obrigações que resultam para as partes das decisões judiciais transitadas em julgado, sendo devidos nos termos do artigo 43.º, n.º 5 da LGT, ainda que não se verifiquem os pressupostos constitutivos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios” (ponto II do título “IV – CONCLUSÕES” e do respectivo Sumário) e, consequentemente, acordou “negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida”.

5) O Acórdão Fundamento, face a uma situação idêntica (execução de uma decisão judicial que determina a anulação de um acto de liquidação de imposto, não sendo legalmente devido o pagamento de juros indemnizatórios ao sujeito passivo/exequente), considerou que “Estando em causa executar uma decisão judicial que determine a anulação de acto de liquidação e que implique a restituição da prestação tributária paga, só são devidos juros de mora à taxa agravada, prevista no n.º 5, do artigo 43.º da LGT, se também estiveram reunidos os requisitos para o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1, do citado artigo 43.º” (ponto 3. do título “Conclusões/Sumário”) e, consequentemente, acordou “conceder provimento ao recurso e, em consequência: a) - Revogar a decisão recorrida na parte em que decidiu condenar a executada no pagamento de juros de mora agravados. b) – Em substituição, condenar a Administração Tributária no pagamento de juros de mora, à taxa legal supletiva, nos termos supra fixados” (ou seja, no pagamento de “juros de mora devidos, ao abrigo do n.º 2 do artigo 102.º da LGT, são computados à taxa de juro legal supletiva a que se refere o artigo 599.º do Código Civil, ex vi artigo 2.º, alínea d) da LGT”, a que se alude neste Acórdão).

6) É manifestamente uma “questão fundamental de direito” saber se são devidos juros de mora, nos termos do artigo 43.º, n.º 5 da LGT (na redacção da Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro), ainda que não se verifiquem os pressupostos constitutivos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1, do artigo 43.º da LGT, ou seja, numa situação em que a Administração Tributária não é condenada no pagamento de juros indemnizatórios, ao sujeito passivo/exequente.

7) Quer o Acórdão Impugnado, quer o Acórdão Fundamento, debruçaram-se sobre a referida “questão fundamental de direito”, tendo aquele se pronunciado em sentido contraditório com o do Acórdão Fundamento, sem que entre essas decisões se tenha verificado qualquer alteração legislativa, logo, ambos os Acórdãos foram proferidos com base na mesma legislação.

8) Verifica-se identidade ao nível da situação de facto subjacente a cada um desses Acórdãos, na medida em que, quer no Acórdão Impugnado, quer no Acórdão Fundamento, se está perante uma execução de sentença de anulação de liquidação de imposto, não tendo em ambos os casos a Administração Tributária sido condenada no pagamento de juros indemnizatórios, ao sujeito passivo/exequente.

9) Atentando, especialmente, na contradição existente entre o douto Acórdão Impugnado e o Acórdão Fundamento, quanto à “mesma questão fundamental de direito”, aquele considerou que “Desde já se adianta que é de confirmar a decisão” e que “Em primeiro lugar, atendendo à epígrafe do artigo 43.º da LGT «Pagamento indevido da prestação tributária», nada resulta da letra da lei que permita excluir a aplicação do seu n.º 5, nos casos em que não se verifiquem os pressupostos necessários à constituição a obrigação de pagamento de juros de indemnizatórios” (2.º e 3.º parágrafos da página 15 do Acórdão Impugnado).

10) A seguir, o douto Acórdão Impugnado considerou que “Por outro lado, atendendo à génese da norma, impõe-se interpretá-la no sentido de que a sua aplicação não estará restringida aos casos de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios. A obrigação de pagamento de juros de mora prevista no artigo 43.º, n.º 5 da LGT não está dependente da verificação dos pressupostos da constituição da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios” (4.º parágrafo da página 15 do Acórdão Impugnado).

11) Depois, o douto Acórdão Impugnado considerou que “Com efeito, a aludida norma tem a sua génese, no Regulamento do Conselho (UE) n.º 407/2010 de 11 de Maio de 2010, que estabeleceu o Mecanismo Europeu de Estabilização Financeira (European Financial Stabilisation Mechanism – EFSM) e, em particular, o Artigo 3 (5) do mesmo, nos termos do qual foram acordadas as condições gerais da política económica tal como contidas na Decisão do Conselho sobre a concessão de assistência financeira da União Europeia a Portugal estabelecidas no documento designado Memorando de Entendimento” (5.º parágrafo da página 15 do Acórdão Impugnado).

12) Mais adiante, o douto Acórdão Impugnado considerou que “Tratou-se assim, de uma norma introduzida como medida de pressão de modo a promover o cumprimento pontual das obrigações decorrentes especificamente de decisões judiciais, transitadas em julgado, com natureza de sanção” (3.º parágrafo da página 17 do Acórdão Impugnado).

13) Depois, o douto Acórdão Impugnado considerou que “Sobre a distinção entre juros indemnizatórios e de mora, acolhemos a fundamentação do Acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo datado de 07/06/2017, processo n.º 0279/17, proferido em recurso de Uniformização de jurisprudência: (…)” (4.º parágrafo da página 17 do Acórdão Impugnado), a que se segue a transcrição de excertos deste Acórdão do Pleno (último parágrafo de página 17, páginas 18 e 19 e 1.º parágrafo de página 20, todos do douto Acórdão Impugnado) .

14) A seguir, o douto Acórdão Impugnado considerou que “Sendo o facto gerador dos juros diferente, entendemos, com ressalva do devido respeito por entendimento diverso, que não há que fazer depender a aplicação do disposto no n.º 5 do artigo 43.º, da verificação dos pressupostos previstos no n.º 1 da referida norma, bastando-se a sua aplicação com a verificação do incumprimento do prazo de execução espontânea da decisão judicial transitada em julgado. Ou seja, bastando-se com a constatação de que a restituição do imposto pago indevidamente não se operou naquele prazo” (2.º parágrafo da página 20 do Acórdão Impugnado).

15) Depois, o douto Acórdão Impugnado considerou que “De tudo o exposto podemos concluir, que resulta da letra da lei, quer da génese da norma, quer da natureza dos juros em causa, a conformação do regime dos juros de mora com função sancionatória, desincentivadora de comportamentos relapsos ou inadimplentes das obrigações que resultam para as partes das decisões judiciais transitadas em julgado, ainda que não se verifiquem os pressupostos constitutivos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios” (3.º parágrafo da página 20 do Acórdão Impugnado).

16) A seguir, o douto Acórdão Impugnado considerou que “Nesta conformidade, e sem necessidade de mais longas considerações, concluímos pela improcedência da pretensão da Recorrente, sendo de confirmar e sentença recorrida que assim se manterá na ordem jurídica, ao que se provirá na parte do dispositivo deste acórdão” (4.º parágrafo da página 20 do Acórdão Impugnado), seguindo-se o vertido nos pontos I e II do título “IV – CONCLUSÕES”.

17) A final, o douto Acórdão Impugnado (embora com um voto de vencido), acordou em “negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida” (“sentença recorrida” em que foi entendido que “Ao contrário do invocado pela Entidade Executada, os juros de mora previstos no artigo 43.º, n.º 5, da LGT devem ser calculados a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas e não à taxa de 4%”), em sentido contraditório com a decisão do Acórdão Fundamento.

18) No Acórdão Fundamento, concretamente no ponto “2. DE DIREITO”, considera-se que “Em caso de não cumprimento, por banda da Administração Tributária, de sentença que implique a restituição de tributo já pago, serão devidos juros de mora, a partir do termo da sua execução espontânea (artigo 102.º, n.º 2 da LGT)”.

19) Adiante, no Acórdão Fundamento considera-se que “Assim, “os juros de mora a favor do sujeito passivo, que são admitidos nos casos em que não seja cumprida, pela Administração Tributária, no prazo fixado na lei, uma obrigação de pagamento de uma quantia ao sujeito passivo, destinam-se a reparar os prejuízos presumivelmente sofridos por este, derivados da indisponibilidade da quantia não paga pontualmente, tendo natureza idêntica à dos juros de mora previstos na lei civil”. Cfr. Jorge de Sousa, Problemas Fundamentais do Direito Tributário, 1999, p. 180 (disponível em www.dgsi.pt/)

20) No Acórdão Fundamento consta que “Como já se deixou expresso, por força da decisão da primeira instância, a exequente não tem direito a juros indemnizatórios, uma vez que não se verificam dois dos requisitos cumulativos para o pagamento de juros indemnizatórios. A saber: que haja um erro num acto de liquidação de um tributo e que o erro seja imputável aos serviços”.

21) Depois, no Acórdão Fundamento consta que “Relativamente aos juros de mora, a sentença recorrida decidiu, nos termos do disposto no n.º 2, do artigo 102.º e n.º 5 do artigo 43.º da LGT, que são devidos juros de mora agravados a partir do termo do prazo de execução espontânea”.

22) Adiante, no Acórdão Fundamento consta que “O n.º 2 do artigo 102.º da LGT prevê o pagamento de juros de mora ao contribuinte, ao preceituar que em caso de a sentença implicar a restituição de tributo já pago são devidos juros de mora a partir do termo do prazo de execução e a emissão da nota de crédito”.

23) A seguir, no Acórdão Fundamento consta que “Por sua vez, o n.º 5, do artigo 43.º da LGT (aditado pela Lei n.º 64- B/2011, de 30 de Dezembro) preceitua «no período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa de juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outra entidade públicas»”.

24) Depois, no Acórdão Fundamento consta que “Nas palavras de Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa «Trata-se de um regime excepcional, com evidente natureza sancionatória e compulsória, visando compelir a administração tributária a executar tempestivamente as decisões transitadas em julgado, o que é reclamado pelo direito à tutela judicial efectiva (art. 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP) que inclui o direito à execução (art. 2.º, n.º 1, do CPC). (in Lei Geral Tributária, 4.ª edição 2012, encontro da escrita, pág. 344).»” - todos os sublinhados são da nossa autoria.

25) A seguir, no Acórdão Fundamento considera-se que “Porém, o artigo 43.º da LGT, com a epígrafe “Pagamento indevido da prestação tributária” estabelece o regime geral do direito a juros indemnizatórios, onde se insere a determinação da aplicação de juros de mora agravados (n.º 5)” e que “Daqui decorre necessariamente que os juros de mora agravados, previsto no n.º 5, do artigo 43.º da LGT, só são devidos nos casos em que esteja em causa executar uma decisão judicial e se trate de uma situação enquadrável no n.º 1, isto é, em que se verificam os pressupostos legais para atribuir juros indemnizatórios a favor do contribuinte, um vez que o citado artigo 43.º versa sobre o direito a juros indemnizatórios, não havendo lugar ao agravamento dos juros de mora se não foram devidos juros indemnizatórios”- todos os sublinhados são da nossa autoria.

26) Depois, no Acórdão Fundamento consta que “Neste sentido pronunciou-se o acórdão do STA de 01/02/2017, proferido no processo n.º 0285/16, embora aí esteja em apreciação a cumulação de juros indemnizatórios com juros moratórios, do qual se transcrevemos a seguinte passagem sobre a interpretação do n.º 5 do artigo 43.º da LGT «(…) da leitura atenta que se faz deste preceito legal (artigo 43.º, n.º 5 da LGT), podemos perceber que a consideração de tal taxa de juro sancionatória justifica-se nos casos em que sejam devidos juros indemnizatórios, e no período expressamente assinalado no referido preceito legal -período de tempo que vai além do termo do prazo de execução espontânea da decisão judicial transitada em julgado e até à data da emissão da nota de crédito a favor do contribuinte; haverá, por isso, uma cumulação dos “normais” juros indemnizatórios, com os juros de mora “dobrados”, uma vez que estes mais não configuram do que uma sanção à administração relapsa. Efectivamente, estes juros “dobrados” a favor do contribuinte, ao contrário dos juros indemnizatórios, perdem a natureza indemnizatória/reparatória que poderiam ter e apenas assumem a natureza de sanção. De resto, se assim não fosse, mal se compreenderia que o legislador ao fixar idêntica regra para os juros que se vencem a favor da AT se tenha limitado a prever a duplicação dos juros de mora que já eram devidos, cfr. artigo 44.º, n.º 3, ao passo que neste artigo 43.º, n.º 5 previu uma nova categoria de juros de mora que acompanham os juros indemnizatórios, não se tendo limitado, como naquele artigo 44.º, n.º 3, a “dobrar” os juros que sempre seriam legalmente devidos, cfr. na doutrina, tal como referido na sentença recorrida, Diogo Leite Campos e outros, Lei Geral Tributária, anotada e comentada, págs. 344 e 345» (disponível em www.dgsi.pt/)”- todos os sublinhados são da nossa autoria.

27) A seguir, no Acórdão Fundamento considera-se que “Com igual entendimento, cita-se ainda José Maria Fernandes Pires e Outros «Tratando-se, porém, de juros de mora a favor do contribuinte, não resulta do texto da lei qualquer taxa agravada. De facto, o legislador apenas estabeleceu o agravamento da taxa de juros de mora no n.º 5 do artigo 43.º da LGT, preceito legal que apenas versa sobre o direito aos juros indemnizatórios. E, atento o texto da norma, apenas nos casos em que haja sentença judicial transitada em julgado que determine a restituição de determinado imposto (não havendo qualquer agravamento nas demais situações que contemplem o direito a juros indemnizatórios). Do que resulta que, apenas nos casos em que se verifique que estão reunidos os pressupostos legais para atribuir juros indemnizatórios aos contribuintes resultantes de decisão judicial é que haverá lugar ao pagamento dos juros de mora ao dobro» (in Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada, 2015, Almedina, nota 60 artigo 43.º, pág. 377 a 378)” - todos os sublinhados são da nossa autoria.

28) Depois, no Acórdão Fundamento considera-se que “Esta é, também a nosso ver, por não encontramos razões para discordar com a jurisprudência e doutrina citada, a solução consagrada actualmente na lei, atenta a inserção sistemática da norma”e que “Assim, atendendo ao que acaba de ser exposto resulta que não é aplicável ao caso dos autos a norma ínsita no n.º 5, do artigo 43.º da LGT, pelo que não são devidos juros de mora à taxa agravada”- todos os sublinhados são da nossa autoria.

29) Adiante, no Acórdão Fundamento considera-se que “Estando em causa executar uma decisão judicial que determine a anulação de acto de liquidação e que implique a restituição da prestação tributária paga, só são devidos juros de mora à taxa agravada, prevista no n.º 5, do artigo 43.º da LGT, se também estiveram reunidos os requisitos para o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1, do citado artigo 43.º”- o sublinhado é da nossa autoria.

30) A seguir, no Acórdão Fundamento considera-se que “In casu, não são devidos indemnizatórios, pelo que os juros de mora devidos, ao abrigo do n.º 2 do artigo 102.º da LGT, são computados à taxa de juro legal supletiva a que se refere o artigo 599.º do Código Civil, ex vi artigo 2.º, alínea d) da LGT”.

31) Depois, no Acórdão Fundamento considera-se que “Face ao exposto, sem necessidade de mais amplas considerações, revoga-se a decisão recorrida no segmento em que sancionou o pagamento de juros de mora agravados em relação aos identificados períodos temporais e quantias, e, em substituição, condena-se a Administração Tributária ao pagamento à Exequente, aqui Recorrida, de juros de mora à taxa legal supletiva”.

32) A final, o Acórdão Fundamento acordou “em conceder provimento ao recurso e, em consequência: a) - Revogar a decisão recorrida na parte em que decidiu condenar a executada no pagamento de juros de mora agravados. b) – Em substituição, condenar a Administração Tributária no pagamento de juros de mora, à taxa legal supletiva, nos termos supra fixados”.

33) É neste sentido – do Acórdão Fundamento – que, no entender da Entidade Recorrente, deve ser proferido Acórdão de Uniformização de Jurisprudência, no âmbito do presente recurso, por ser o entendimento que melhor traduz a mens legislatoris do n.º 5, do artigo 43.º da LGT.

34) No entender da Entidade Recorrente, o Acórdão Fundamento efectuou uma interpretação correcta do n.º 5, do artigo 43.º da LGT, ao ter considerado que “Estando em causa executar uma decisão judicial que determine a anulação de acto de liquidação e que implique a restituição da prestação tributária paga, só são devidos juros de mora à taxa agravada, prevista no n.º 5, do artigo 43.º da LGT, se também estiveram reunidos os requisitos para o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1, do citado artigo 43.º”.

35) Da consulta efectuada ao site do IGFEJ (in “dgsi.pt”) não se logrou detectar qualquer outro Acórdão desse Venerando Tribunal que se tenha pronunciado sobre a “mesma questão fundamental de direito” acima referida, numa situação de facto semelhante (ou seja, numa situação em que se está perante uma execução de sentença de anulação de liquidação de imposto, e em que a Administração Tributária não foi condenada no pagamento de juros indemnizatórios, ao sujeito passivo/exequente), pelo que não haverá Jurisprudência consolidada do STA no sentido perfilhado no Acórdão Impugnado.

36) De todo o exposto, estão reunidos os pressupostos para que o presente recurso seja admitido e apreciado.

37) Assim, deve esse Venerando Tribunal fixar Jurisprudência neste sentido:

Estando em causa executar uma decisão judicial que determine a anulação de acto de liquidação e que implique a restituição da prestação tributária paga, só são devidos juros de mora à taxa agravada, prevista no n.º 5, do artigo 43.º da LGT, se também estiveram reunidos os requisitos para o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1, do citado artigo 43.º.

Dos vícios do Acórdão Impugnado.

38) A Entidade Recorrente considera, com o devido respeito, que ao ter entendido da forma como entendeu – nos excertos transcritos nos pontos 4), 9), 10), 14) e 15) destas conclusões – o douto Acórdão Impugnado, ou Recorrido enferma de erro na interpretação e aplicação do direito, concretamente do n.º 5 do artigo 43.º da LGT, pelos motivos referidos nos pontos 18), 19), 22) e 23) das presentes conclusões e, em especial, nos pontos 24), 25), 26), 27), 28), 29) e 30) das mesmas, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, porquanto no caso sub judice o n.º 5 do artigo 43.º da LGT não é aplicável.

39) Tendo presente todo o vertido nos pontos 24), 25), 26) e 27) destas conclusões, em que são transcritos excertos do Acórdão Fundamento, em que é referida vária Doutrina atinente ao n.º 5 do art. 43.º da LGT, assinala-se que “Nas palavras de Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa «Trata-se de um regime excepcional, com evidente natureza sancionatória e compulsória, visando compelir a administração tributária a executar tempestivamente as decisões transitadas em julgado, o que é reclamado pelo direito à tutela judicial efectiva (art. 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP) que inclui o direito à execução (art. 2.º, n.º 1, do CPC). (in Lei Geral Tributária, 4.ª edição 2012, encontro da escrita, pág. 344).»” - todos os sublinhados são da nossa autoria.

40) Assinala-se, também, que “Com igual entendimento, cita-se ainda José Maria Fernandes Pires e Outros «Tratando-se, porém, de juros de mora a favor do contribuinte, não resulta do texto da lei qualquer taxa agravada. De facto, o legislador apenas estabeleceu o agravamento da taxa de juros de mora no n.º 5 do artigo 43.º da LGT, preceito legal que apenas versa sobre o direito aos juros indemnizatórios. E, atento o texto da norma, apenas nos casos em que haja sentença judicial transitada em julgado que determine a restituição de determinado imposto (não havendo qualquer agravamento nas demais situações que contemplem o direito a juros indemnizatórios). Do que resulta que, apenas nos casos em que se verifique que estão reunidos os pressupostos legais para atribuir juros indemnizatórios aos contribuintes resultantes de decisão judicial é que haverá lugar ao pagamento dos juros de mora ao dobro» (in Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada, 2015, Almedina, nota 60 artigo 43.º, pág. 377 a 378)” - todos os sublinhados são da nossa autoria.

41) Assim, e como é referido no Acórdão Fundamento, “Porém, o artigo 43.º da LGT, com a epígrafe “Pagamento indevido da prestação tributária” estabelece o regime geral do direito a juros indemnizatórios, onde se insere a determinação da aplicação de juros de mora agravados (n.º 5)” e que “Daqui decorre necessariamente que os juros de mora agravados, previsto no n.º 5, do artigo 43.º da LGT, só são devidos nos casos em que esteja em causa executar uma decisão judicial e se trate de uma situação enquadrável no n.º 1, isto é, em que se verificam os pressupostos legais para atribuir juros indemnizatórios a favor do contribuinte, um vez que o citado artigo 43.º versa sobre o direito a juros indemnizatórios, não havendo lugar ao agravamento dos juros de mora se não foram devidos juros indemnizatórios”- todos os sublinhados são da nossa autoria.

42) Como é referido no Acórdão Fundamento, “Neste sentido pronunciou-se o acórdão do STA de 01/02/2017, proferido no processo n.º 0285/16, embora aí esteja em apreciação a cumulação de juros indemnizatórios com juros moratórios, do qual se transcrevemos a seguinte passagem sobre a interpretação do n.º 5 do artigo 43.º da LGT «(…) da leitura atenta que se faz deste preceito legal (artigo 43.º, n.º 5 da LGT), podemos perceber que a consideração de tal taxa de juro sancionatória justifica-se nos casos em que sejam devidos juros indemnizatórios, e no período expressamente assinalado no referido preceito legal -período de tempo que vai além do termo do prazo de execução espontânea da decisão judicial transitada em julgado e até à data da emissão da nota de crédito a favor do contribuinte; haverá, por isso, uma cumulação dos “normais” juros indemnizatórios, com os juros de mora “dobrados”, uma vez que estes mais não configuram do que uma sanção à administração relapsa. Efectivamente, estes juros “dobrados” a favor do contribuinte, ao contrário dos juros indemnizatórios, perdem a natureza indemnizatória/reparatória que poderiam ter e apenas assumem a natureza de sanção. De resto, se assim não fosse, mal se compreenderia que o legislador ao fixar idêntica regra para os juros que se vencem a favor da AT se tenha limitado a prever a duplicação dos juros de mora que já eram devidos, cfr. artigo 44.º, n.º 3, ao passo que neste artigo 43.º, n.º 5 previu uma nova categoria de juros de mora que acompanham os juros indemnizatórios, não se tendo limitado, como naquele artigo 44.º, n.º 3, a “dobrar” os juros que sempre seriam legalmente devidos, cfr. na doutrina, tal como referido na sentença recorrida, Diogo Leite Campos e outros, Lei Geral Tributária, anotada e comentada, págs. 344 e 345» (disponível em www.dgsi.pt/)”- todos os sublinhados são da nossa autoria.

43) Em face do exposto, a Entidade Recorrente considera, com o devido respeito, que o douto Acórdão Impugnado ao ter entendido da forma como entendeu, no excerto transcrito no ponto 4) destas conclusões (ponto II do título “IV – CONCLUSÕES” e do respectivo Sumário), enferma de erro na interpretação e aplicação do direito, concretamente do n.º 5 do artigo 43.º da LGT (e implicitamente de erro de julgamento), porquanto não são “devidos” juros de mora “nos termos do artigo 43.º, n.º 5 da LGT, ainda que não se verifiquem os pressupostos constitutivos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios.”.

44) Contrariamente ao entendido nesse ponto II, só são devidos juros de mora nos termos do n.º 5 do artigo 43.º da LGT, quando são, também, devidos juros indemnizatórios nos termos do n.º 1 do art. 43.º da LGT (ou seja, quando a Autoridade Tributária é condenada no pagamento destes juros ao sujeito passivo/exequente), o que não sucede no caso sub judice (pelo que o n.º 5 do art. 43.º da LGT não é aplicável in casu).

45) Ao ter entendido da forma como entendeu, no excerto transcrito no ponto 4) destas conclusões (ponto II do título “IV – CONCLUSÕES” e do respectivo Sumário do Acórdão Impugnado), o douto Acórdão Impugnado enferma dos erros referidos no penúltimo ponto destas conclusões, porquanto só são devidos juros de mora nos termos do n.º 5 do artigo 43.º da LGT, quando são, também, devidos juros indemnizatórios nos termos do n.º 1 do art. 43.º da LGT (ou seja, quando a Autoridade Tributária é condenada no pagamento destes juros ao sujeito passivo/exequente).

46) Reafirmando-se o vertido no ponto 38) destas conclusões, e em face do exposto nos pontos 39) a 42) das mesmas, a Entidade Recorrente considera, com o devido respeito, que o douto Acórdão Impugnado ao ter entendido da forma como entendeu, nos excertos transcritos no ponto 9) destas conclusões (“Desde já se adianta que é de confirmar a decisão” e “Em primeiro lugar, atendendo à epígrafe do artigo 43.º da LGT «Pagamento indevido da prestação tributária», nada resulta da letra da lei que permita excluir a aplicação do seu n.º 5, nos casos em que não se verifiquem os pressupostos necessários à constituição a obrigação de pagamento de juros de indemnizatórios.” – 2.º e 3.º parágrafos da página 15 do Acórdão Impugnado), enferma de erro na interpretação e aplicação do direito, concretamente do n.º 5 do artigo 43.º da LGT (especificamente o 3.º parágrafo da página 15), e de erro de julgamento (especificamente o 2.º parágrafo da página 15, porquanto está ancorado naquele erro na interpretação e aplicação do direito).

47) Contrariamente ao entendido nesse 3.º parágrafo da página 15 do Acórdão Impugnado, o n.º 5 do art. 43.º da LGT deve ser interpretado no sentido de que a sua aplicação está excluída nos casos em que não se verifiquem os pressupostos necessários à constituição a obrigação de pagamento de juros de indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do art. 43.º da LGT, como sucede no caso sub judice.

48) Ao ter entendido da forma como entendeu, nos excertos transcritos no ponto 9) destas conclusões (2.º e 3.º parágrafos da página 15 do Acórdão Impugnado), o douto Acórdão Impugnado enferma dos erros referidos no penúltimo ponto destas conclusões, porquanto só são devidos juros de mora nos termos do n.º 5 do artigo 43.º da LGT, quando são, também, devidos juros indemnizatórios nos termos do n.º 1 do art. 43.º da LGT (ou seja, quando a Autoridade Tributária é condenada no pagamento destes juros ao sujeito passivo/exequente).

49) Reafirmando-se o vertido no ponto 38) destas conclusões, e em face do exposto nos pontos 39) a 42) das mesmas, a Entidade Recorrente considera, com o devido respeito, que o douto Acórdão Impugnado ao ter entendido da forma como entendeu, no excerto transcrito no ponto 10) destas conclusões (4.º parágrafo da página 15 do Acórdão Impugnado), enferma de erro na interpretação e aplicação do direito, concretamente do n.º 5 do artigo 43.º da LGT (e implicitamente de erro de julgamento).

50) Contrariamente ao entendido nesse 4.º parágrafo da página 15 do Acórdão Impugnado, o n.º 5 do art. 43.º da LGT deve ser interpretado no sentido de que a aplicação do n.º 5 está restringida aos casos de condenação da AT ao pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do art. 43.º da LGT (o que não se verifica no caso sub judice), bem como no sentido de que a obrigação de pagamento de juros de mora prevista no artigo 43.º, n.º 5 da LGT está dependente da verificação dos pressupostos da constituição da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do art. 43.º da LGT, o que não se verifica no caso sub judice.

51) Ao ter entendido da forma como entendeu, no excerto transcrito no ponto 10) destas conclusões (4.º parágrafo da página 15 do Acórdão Impugnado), o douto Acórdão Impugnado enferma dos erros referidos no penúltimo ponto destas conclusões, porquanto só são devidos juros de mora nos termos do n.º 5 do artigo 43.º da LGT, quando são, também, devidos juros indemnizatórios nos termos do n.º 1 do art. 43.º da LGT (ou seja, quando a Autoridade Tributária é condenada no pagamento destes juros ao sujeito passivo/exequente).

52) Reafirmando-se o vertido no ponto 38) destas conclusões, e em face do exposto nos pontos 39) a 42) das mesmas, a Entidade Recorrente considera, com o devido respeito, que o douto Acórdão Impugnado ao ter entendido da forma como entendeu, no excerto transcrito no ponto 14) destas conclusões (2.º parágrafo da página 20 do Acórdão Impugnado), enferma de erro na interpretação e aplicação do direito, concretamente do n.º 5 do artigo 43.º da LGT (e implicitamente de erro de julgamento).

53) Contrariamente ao entendido nesse 2.º parágrafo da página 20 do Acórdão Impugnado, “a aplicação do disposto no n.º 5 do artigo 43.º” depende da verificação dos pressupostos previstos no n.º 1 da referida norma, não bastando “a verificação do incumprimento do prazo de execução espontânea da decisão judicial transitada em julgado”, nem bastando “a constatação de que a restituição do imposto pago indevidamente não se operou naquele prazo”.

54) Ao ter entendido da forma como entendeu, no excerto transcrito no ponto 14) destas conclusões (2.º parágrafo da página 20 do Acórdão Impugnado), o douto Acórdão Impugnado enferma dos erros referidos no penúltimo ponto destas conclusões, porquanto só são devidos juros de mora nos termos do n.º 5 do artigo 43.º da LGT, quando são, também, devidos juros indemnizatórios nos termos do n.º 1 do art. 43.º da LGT (ou seja, quando a Autoridade Tributária é condenada no pagamento destes juros ao sujeito passivo/exequente).

55) Reafirmando-se o vertido no ponto 38) destas conclusões, e em face do exposto nos pontos 39) a 42) das mesmas, a Entidade Recorrente considera, com o devido respeito, que o douto Acórdão Impugnado ao ter entendido da forma como entendeu, no excerto transcrito no ponto 15) destas conclusões (3.º parágrafo da página 20 do Acórdão Impugnado), enferma de erro na interpretação e aplicação do direito, concretamente do n.º 5 do artigo 43.º da LGT (e implicitamente de erro de julgamento), porquanto não são “devidos” juros de mora, nos termos do artigo 43.º, n.º 5 da LGT, “ainda que não se verifiquem os pressupostos constitutivos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios”.

56) Contrariamente ao entendido nesse 3.º parágrafo da página 20 do Acórdão Impugnado, só são devidos juros de mora nos termos do n.º 5 do artigo 43.º da LGT, quando são, também, devidos juros indemnizatórios nos termos do n.º 1 do art. 43.º da LGT (ou seja, quando a Autoridade Tributária é condenada no pagamento destes juros ao sujeito passivo/exequente), o que não sucede no caso sub judice (pelo que o n.º 5 do art. 43.º da LGT não é aplicável in casu).

57) Ao ter entendido da forma como entendeu, no excerto transcrito no ponto 15) destas conclusões (3.º parágrafo da página 20 do Acórdão Impugnado), o douto Acórdão Impugnado enferma dos erros referidos no penúltimo ponto destas conclusões, porquanto só são devidos juros de mora nos termos do n.º 5 do artigo 43.º da LGT, quando são, também, devidos juros indemnizatórios nos termos do n.º 1 do art. 43.º da LGT (ou seja, quando a Autoridade Tributária é condenada no pagamento destes juros ao sujeito passivo/exequente).

58) Tendo presente o exposto nos pontos 18), 19), 22) e 23) das presentes conclusões, nos pontos 24), 25), 26), 27), 28), 29) e 30) das mesmas e, bem assim, nos pontos 38) a 57) das mesmas, a Entidade Recorrente considera, com o devido respeito, que ao ter entendido da forma como entendeu – no excerto transcrito no ponto 16) destas conclusões (4.º parágrafo da página 20 do Acórdão Impugnado) – o douto Acórdão Impugnado, ou Recorrido enferma de erro de julgamento (e de implícito erro na interpretação e aplicação do direito, concretamente do n.º 5 do artigo 43.º da LGT, porquanto no caso sub judice o n.º 5 do artigo 43.º da LGT não é aplicável).

59) Nesse 4.º parágrafo da página 20 do Acórdão Impugnado, considerou-se que “Nesta conformidade, e sem necessidade de mais longas considerações, concluímos pela improcedência da pretensão da Recorrente, sendo de confirmar e sentença recorrida que assim se manterá na ordem jurídica, ao que se provirá na parte do dispositivo deste acórdão”, residindo o aludido erro de julgamento em “concluímos pela improcedência da pretensão da Recorrente, sendo de confirmar e sentença recorrida que assim se manterá na ordem jurídica, ao que se provirá na parte do dispositivo deste acórdão”.

60) Como se referiu nas conclusões do recurso interposto da Sentença proferida nos autos, que aqui se reafirmam e que são transcritas nas páginas 1 a 10 do Acórdão Impugnado, concretamente na alínea T) das mesmas (páginas 8 e 9 do Acórdão Impugnado) “T) (…) a douta Sentença, no 3.º parágrafo da página 9, enferma de erro na interpretação e aplicação do direito, concretamente do artigo 43.º, n.º 5 da LGT e, bem assim, de erro de julgamento, quando afirma que “Atendendo a que a Entidade Executada já pagou aos Exequentes a quantia de € 1.201,65 a título de juros de mora sobre o valor de IVA indevidamente pago, estes ainda têm direito a receber, a este título, o valor de € 1.576,39”, porquanto in casu não sendo aplicável o artigo 43.º, n.º 5, da LGT (não sendo legalmente devidos “juros de mora à taxa agravada”), não é aplicável ao cálculo desses juros o “dobro das taxas de juros supra referidas” no penúltimo parágrafo da página 8 da Sentença, pelo que os juros de mora legalmente devidos não “perfazem o valor total de € 2.778,04.(mas sim o valor total de €1.201,65, que já foi integralmente pago aos Exequentes - a título de juros de mora, calculados à taxa de 4% ao ano -, através de cheque emitido em 27/09/2022), pelo que os Exequentes não “têm direito a receber, a este título, o valor de €1.576,39””.

61) Como se referiu nas conclusões do recurso interposto da Sentença proferida nos autos, que aqui se reafirmam, concretamente na alínea U) das mesmas (transcrita na página 9 do Acórdão Impugnado), “U) (…) a “Decisão” da douta Sentença enferma de erro de julgamento (e implicitamente de erro de interpretação e aplicação do direito, concretamente do art. 43.º, n.º 5, da LGT), ao ter decidido que “Nestes termos e com os fundamentos expostos”, “b) Julga-se parcialmente procedente, por provada, a presente execução, e, em consequência,” “b.1. condena-se a Entidade Executada, no prazo de 30 dias, a pagar aos Exequentes a quantia de €1.576,39 a título de juros de mora sobre o valor de IVA indevidamente pago;””.

62) Como se referiu nas conclusões do recurso interposto da Sentença proferida nos autos, que aqui se reafirmam, concretamente na alínea V) das mesmas (transcrita na página 9 do Acórdão Impugnado), “V) Em face do exposto, deve a Douta Sentença ser revogada nessa parte (alíneas b) e b.1. da “Decisão”) e ser substituída por outra que decida “Declara-se a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide na parte relativa ao pedido de pagamento de juros de mora sobre o valor de IVA indevidamente pago;” (nos termos do disposto do citado artigo 277.º, alínea e), do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA), em virtude de já ter sido pago aos Exequentes o montante de € 1.201,65, a título de juros de mora legalmente devidos (calculados à taxa de 4% ao ano, sobre o montante de imposto anulado, no período que decorre entre o dia seguinte ao termo do prazo de execução espontânea – 14/01/2021 – até ao dia 10/05/2022 inclusive)”.

63) Em face do exposto, o douto Acórdão Impugnado deveria ter concluído (ou “concluímos”) pela procedência total “da pretensão da Recorrente” (com o teor “Nestes termos e com o mui douto suprimento de V. Ex.as, deve o presente Recurso ser julgado procedente, e a douta Sentença ser revogada na parte recorrida, devendo as alíneas b) e b.1 da “Decisão”, ser substituída por outra que decida declarar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, na parte relativa ao pedido de pagamento de juros de mora sobre o valor de IVA indevidamente pago, assim se fazendo Justiça!”), não confirmando a sentença recorrida.

64) Tendo presente o exposto nos pontos 18), 19), 22) e 23) das presentes conclusões, nos pontos 24), 25), 26), 27), 28), 29) e 30) das mesmas e, bem assim, nos pontos 38) a 57) das mesmas, a Entidade Recorrente considera, com o devido respeito, que ao ter entendido da forma como entendeu – no título “V – DECISÃO” parcialmente transcrito no ponto 17) destas conclusões - o douto Acórdão Impugnado, ou Recorrido, enferma de erro de julgamento (e de implícito erro na interpretação e aplicação do direito, concretamente do n.º 5 do artigo 43.º da LGT).

65) No título “V – DECISÃO”, o douto Acórdão Impugnado (embora com um “voto de vencida”), acordou em “negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida” (“sentença recorrida” em que foi entendido que “Ao contrário do invocado pela Entidade Executada, os juros de mora previstos no artigo 43.º, n.º 5, da LGT devem ser calculados a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas e não à taxa de 4%.”, em sentido contraditório com o Acórdão Fundamento).

66) Por todo o exposto, e em especial pelos motivos referidos nos pontos 60), 61), 62) e 63) destas conclusões, que aqui se reafirmam, o douto Acórdão Impugnado deveria ter decidido conceder provimento ao recurso e a douta Sentença ser revogada na parte recorrida (“devendo as alíneas b) e b.1 da “Decisão”, ser substituída por outra que decida declarar a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide, na parte relativa ao pedido de pagamento de juros de mora sobre o valor de IVA indevidamente pago”, como se peticionou no recurso interposto da douta Sentença).

67) Neste sentido, veja-se o “Voto de vencida” constante do Acórdão Impugnado, com o teor “Não acompanho a decisão e, como tal, contrariamente ao sufragado no presente acórdão, teria dado provimento ao recurso jurisdicional, de acordo com a fundamentação constante dos Acórdãos do TCAN de 04/07/2019, proferido no processo n.º 02456/04.3BEPRT-A e do TCAS de 05/11/2020, proferido no processo n.º 339/06.1BESNT-A, em que fui Relatora (disponíveis em www.dgsi.pt/)”.

68) Em conclusão, o douto Acórdão Impugnado enferma, com o devido respeito, de erro de julgamento ao ter acordado (embora com um “voto de vencida”), em “negar provimento ao recurso e manter a sentença recorrida” (“sentença recorrida” em que foi entendido que “Ao contrário do invocado pela Entidade Executada, os juros de mora previstos no artigo 43.º, n.º 5, da LGT devem ser calculados a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas e não à taxa de 4%”), em sentido contraditório com a decisão do Acórdão Fundamento.

69) De todo o exposto, deve o presente recurso ser julgado procedente e, em consequência, ser anulado o Acórdão Impugnado, ou Recorrido (sendo substituído por outro que revogue a Sentença na parte recorrida – alíneas b) e b.1. da “Decisão” – substituindo-a por outra que decida “Declara-se a extinção da instância por inutilidade superveniente da lide na parte relativa ao pedido de pagamento de juros de mora sobre o valor de IVA indevidamente pago;” (nos termos do disposto do citado artigo 277.º, alínea e), do CPC, ex vi artigo 1.º do CPTA), em virtude de já ter sido pago aos Exequentes o montante de € 1.201,65, a título de juros de mora legalmente devidos (calculados à taxa de 4% ao ano, sobre o montante de imposto anulado, no período que decorre entre o dia seguinte ao termo do prazo de execução espontânea – 14/01/2021 – até ao dia 10/05/2022 inclusive), e uniformizando-se Jurisprudência nos termos referidos no ponto 37) destas alegações».

1.2 Os Recorridos não contra-alegaram.

1.3 Dada vista ao Ministério Público, a Procuradora-Geral-Adjunta neste Supremo Tribunal pronunciou-se no sentido da admissibilidade do recurso, resumindo a sua posição em conclusões do seguinte teor:

«1- A Recorrente vem invocar a contradição entre o Acórdão recorrido, proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul em 19/10/2023, e o Acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, proferido em 04/07/2019 no âmbito do processo n.º 02456/04.3BEPRT-A.

2- A Recorrente indica como questão fundamental de direito “saber se são devidos juros de mora, nos termos do artigo 43.º, n.º 5 da LGT (na redacção da Lei n.º 64- B/2011, de 30 de Dezembro), ainda que não se verifiquem os pressupostos constitutivos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1, do artigo 43.º da LGT.”

3- Entendemos que se verificam os pressupostos para o conhecimento do mérito do presente recurso.

4- Nestes termos, considera-se ser de admitir o presente recurso para Uniformização de Jurisprudência».

1.4 Cumpre apreciar e decidir, em conferência, no Pleno desta Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo.


* * *
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1 DE FACTO

2.1.1 O acórdão recorrido efectuou o julgamento da matéria de facto nos seguintes termos:

«1. A..., Lda. Apresentou impugnação judicial contra o acto de liquidação adicional de IVA do ano de 1995, peticionando a sua anulação que correu termos sob o n.º 3009/04.1BELSB neste Tribunal – cf. processo n.º 3009/04.1BELSB;

2. Atenta a dissolução e liquidação da sociedade referida no ponto anterior, a impugnação judicial prosseguiu os seus termos sendo Impugnantes, os aqui Exequentes, por serem os seus únicos sócios – cf. despacho constante do processo n.º 3009/04.1BELSB;

3. No âmbito do processo n.º 3009/04.1BELSB referido no ponto anterior foi proferida sentença em 30/07/2019, que julgou a impugnação judicial procedente e determinou a anulação da liquidação impugnada, decisão mantida por Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 22/10/2020 – cf. sentença e acórdão constantes do processo n.º 3009/04.1BELSB;

4. O Acórdão referido no ponto anterior foi remetido às partes por notificação electrónica de 23/10/2020 – cf. notificações constantes do processo n.º 3009/04.1BELSB;

5. A presente execução foi apresentada em 31/08/2021 – cf. comprovativo de entrega de documentos a págs. 1 do SITAF;

6. Em 10/05/2022 a Entidade Executada emitiu nota de crédito relativa ao reembolso do valor de €22.702,04 referente ao valor de IVA do ano de 1995 indevidamente pago – cf. documentos a págs. 262 do SITAF;

7. Em 20/09/2022 a Entidade Executada emitiu, em nome de BB cheque n.º ...10 no valor de € 22.702,04 referente ao valor de IVA do ano de 1995 indevidamente pago – cf. documentos e cheque a págs. 262 e 300 do SITAF;

8. Em 23/05/2022 a Entidade Executada emitiu, em nome da sociedade A..., Lda. Cheque n.º ...65, válido até 22/07/2022, no valor de € 227,02 referente ao valor de taxa de justiça pago no âmbito de processo de execução fiscal – documentos a págs. 262 e 300 do SITAF;

9. Em 27/09/2022, a Entidade Executada emitiu em nome de BB cheque n.º ...12 no valor de € 1.201,65 relativo a juros mora – cf. documentos a págs. 272, 290 e 300 do SITAF;

10. O valor referido no ponto anterior foi calculado sobre a quantia de € 22.702,04, mencionada no ponto 7., à taxa de 4%, e para o seguinte período de tempo: de 13/01/2021 a 10/05/2022 – cf. documentos a págs. 272 do SITAF».

2.1.2 No acórdão invocado como fundamento, deu-se como provada a seguinte factualidade:

«1) Em 29/05/2004, a executada emitiu e enviou à exequente, que recebeu no dia 15/06/2004, a liquidação adicional número ...58, referente a correcções efectuadas ao IVA do período de Agosto de 2002, no valor global de 2.781,11 €, com data limite de pagamento voluntário em 31/08/2004 (liquidação de fls. 13 e 14 do processo principal).

2) Na mesma data, a executada emitiu e enviou à exequente, que recebeu no dia 15/06/2004, a liquidação de juros compensatórios número ...57, relativa ao retardamento no pagamento do imposto referido no ponto anterior, no valor global de 96,01 €, com data limite de pagamento voluntário em 31/08/2004 (liquidação de fls. 16 e 17 do processo principal).

3) Em 23/11/2004, no âmbito do processo de execução fiscal n.º ...82, a exequente procedeu ao pagamento do valor global de 2.978,83 €, sendo o valor de 2.877,12 € relativo às liquidações referidas em 1) e 2) e o remanescente, no valor de 101,71 €, a título de acrescidos (documento de cobrança de fls. 40 do processo principal).

4) Em 01/02/2012, no âmbito do processo de impugnação n.º 2456/04.3BEPRT, no qual figurava como impugnante a ora exequente e como impugnada a ora executada, foi proferida sentença, da qual consta o seguinte (sentença de fls. 259 a 265 do processo principal, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido):

(…) Pelo exposto, é manifesto que a liquidação de IVA enferma de absoluta falta de fundamentação, impeditiva de conhecer os fundamentos do acto e, desse modo, obstando à apreciação de vícios que afectam a sua substância, como é o caso do erro nos pressupostos de facto, pelo que fica prejudicado o conhecimento dos demais vícios invocados.
Assim sendo, a falta de fundamentação de que padece a liquidação de IVA implica a respectiva anulação.
Quanto à liquidação de juros compensatórios, nos termos do n.º 8 do artigo 35.º da LGT, os mesmos integram­se na própria dívida de imposto, com a qual são conjuntamente liquidados.
(…) Resultando desconforme com a lei a liquidação do imposto em causa, é, consequentemente, ilegal a liquidação de juros compensatórios correspondentes.
(…) No caso, resulta assente que a impugnante efectuou o pagamento da totalidade de imposto objecto da liquidação impugnada. Porém, atento o vício que procedeu - falta de fundamentação da liquidação -, não é possível apurar se houve erro imputável aos serviços, pelo que não estão reunidos os pressupostos necessários para que sejam atribuídos juros indemnizatórios à impugnante.
Assim, improcede este pedido da impugnante.
(…) V- DECISÃO
Pelo exposto, decide-se julgar a presente impugnação procedente e, em consequência, anular as liquidações impugnadas (…)”.

5) A sentença referida no ponto anterior foi enviada à exequente e executada por ofícios datados de 06/02/2012 (ofícios de fls. 266 e 267 do processo principal).

6) Não foi apresentado qualquer recurso ou reclamação sobre a sentença referida em 4).

7) Por comunicação datada de 29/02/2012, a exequente enviou à executada a nota justificativa e discriminativa das custas de parte, relativa ao processo referido em 4), no valor de 97,90 €, com data limite de pagamento em 31/03/2012 (nota justificativa e discriminativa das custas de parte de fls. 45 do processo físico).

8) Por requerimento de 29/02/2012, a exequente solicitou a remessa do processo referido em 4) ao órgão de execução fiscal competente para a execução espontânea da sentença, o que foi ordenado (requerimento e despacho de fls. 270 e 271, respectivamente, do processo principal).

9) Em 16/07/2012 foi remetido ao Serviço de Finanças de Matosinhos 1, a título definitivo, o processo referido em 4), o qual foi aí recepcionado em 23/07/2012 (comprovativo de entrega de documentos de folha não numerada, seguinte a fls. 284 do processo principal).

10) Em 28/08/2012, a executada procedeu à anulação das liquidações referidas em 1) e 2) (modelo 344 e comprovativos do sistema informático da executada de fls. 57 a 59 do processo administrativo, incorporado no processo principal).

11) Em 29/08/2012, foi proferido despacho de concordância com informação elaborada na mesma data, que deu por reproduzida na totalidade, ordenando a restituição dos montantes de 2.781,11 € e 96,01 € relativos às liquidações de IVA e juros compensatórios pagas (despacho e informação de fls. 60 e 61 do processo administrativo, incorporado no processo principal).

12) A presente execução foi instaurada no dia 13/09/2012, por correio electrónico (comprovativo do envio de e-mail com marca do dia electrónica de fls. 3 e 4 do processo físico).

13) Em 06/11/2012 e em resposta a ofício daquela, a exequente enviou à executada a ficha de reembolso de custas judiciais preenchida em nome da B..., SA, tendo informado que a referida sociedade incorporou por fusão de 30/06/2012 a exequente (ficha de reembolso de custas judiciais de fls. 47 do processo físico).

14) Em 02/01/2013, foi enviado à B..., SA o aviso de pagamento n.º ...63, onde a executada informou que nesta data foi dada ordem de transferência electrónica interbancária para crédito na conta indicada pela referida sociedade, do valor de 97,90€, por referência ao processo indicado em 4) (aviso de pagamento de fls. 48 do processo físico).

15) A executada teve conhecimento da existência da presente acção, tendo sido chamada a, querendo, defender-se em 04/09/2013 (aviso de recepção de citação de fls. 31 do processo físico).

16) Por ofício com a referência n.º ...54, datado de 11/06/2015, a executada enviou à exequente os cheques do Tesouro n.ºs 03xxx42 e 12xxx41, datados de 02/06/2015, nos montantes de 27,81 € e 2.781,11 €, respeitantes a imposto e juros compensatórios de IVA, para cumprimento da sentença proferida no âmbito do processo referido em 4) (ofício de fls. 83 do processo físico).

17) Por ofício com a referência n.º ...39, datado de 02/07/2015, a executada enviou à exequente o cheque do Tesouro n.º 36xxx00, datado de 30/06/2015, no montante de 68,19€ respeitante a juros compensatórios de IVA, para cumprimento da sentença proferida no âmbito do processo referido em 4 ) (ofício de fls. 89 do processo físico)».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 AS QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR

A Fazenda Pública veio, ao abrigo do disposto no art. 284.º do CPPT, interpor recurso para o Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul acima identificado, que invoca encontrar-se em oposição com anterior acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, que identificou, quanto à questão de saber se os denominados juros moratórios dobrados, previstos no n.º 5 do art. 43.º da LGT, apenas são devidos nas situações em que haja lugar a juros indemnizatórios ao abrigo do n.º 1 do mesmo artigo.
Nos termos do art. 284.º do CPPT, «[a]s partes e o Ministério Público podem dirigir ao Supremo Tribunal Administrativo, no prazo de 30 dias contado do trânsito em julgado do acórdão impugnado, pedido de admissão de recurso para uniformização de jurisprudência, quando, sobre a mesma questão fundamental de direito, exista contradição: a) Entre um acórdão do Tribunal Central Administrativo, e outro acórdão anteriormente proferido pelo mesmo ou outro Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo; b) Entre dois acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo».
Não havendo dúvidas quanto aos requisitos formais da admissibilidade (legitimidade da Recorrente, admissibilidade e tempestividade do recurso), há que averiguar se estão verificados os respectivos requisitos substantivos da admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência.
Só depois, se for caso disso, passaremos a conhecer do mérito do recurso.

2.2.2 DOS REQUISITOS SUBSTANTIVOS DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA

A admissibilidade do recurso para recurso para uniformização de jurisprudência, previsto no art. 284.º do CPPT, depende i) da existência de contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão invocado como fundamento, já transitado, sobre a mesma questão fundamental de direito e ii) que não ocorra a situação de a decisão impugnada estar em sintonia com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo.
No que ao primeiro requisito respeita, como tem sido inúmeras vezes explicitado pelo Pleno desta Secção relativamente à caracterização da questão fundamental sobre a qual deve existir contradição de julgados, devem adoptar-se os critérios já firmados no domínio do ETAF de 1984 e da Lei de Processo dos Tribunais Administrativos, para detectar a existência de uma contradição, quais sejam:
i. identidade da questão de direito sobre que recaíram os acórdãos em confronto, o que pressupõe uma identidade substancial das situações fácticas, entendida esta não como uma total identidade dos factos mas apenas como a sua subsunção às mesmas normas legais;
ii. que não tenha havido alteração substancial na regulamentação jurídica, a qual se verifica sempre que as eventuais modificações legislativas possam servir de base diferentes argumentos que possam ser valorados para determinação da solução jurídica;
iii. que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta e esta oposição decorra de decisões expressas, não bastando a simples oposição entre razões ou argumentos enformadores das decisões finais ou a invocação de decisões implícitas ou a pronúncia implícita ou consideração colateral tecida no âmbito da apreciação de questão distinta.

Vejamos, pois, se estão verificados os requisitos da alegada contradição de julgados à luz dos supra referidos princípios.

2.2.3 DA OPOSIÇÃO ENTRE O ACÓRDÃO RECORRIDO E O ACÓRDÃO FUNDAMENTO

2.2.3.1 Ambos os acórdãos em confronto se debruçaram sobre a questão se saber se são, ou não, devidos juros moratórios ao abrigo do n.º 5 do art. 43.º da LGT.

2.2.3.2 O acórdão recorrido, proferido em sede de recurso de uma sentença de execução de julgado, considerou, nos termos do respectivo sumário doutrinal, o seguinte:

«I- Os juros de mora, em caso de a sentença implicar a restituição de tributo já pago, são devidos a partir do termo do prazo da sua execução espontânea e têm uma função indemnizatória, visando reparar prejuízos presumivelmente sofridos pelo sujeito passivo, derivados da indisponibilidade da quantia não paga pontualmente;

II- Resulta da letra da lei, quer da génese da norma, quer da natureza dos juros em causa, a conformação do regime dos juros de mora com função sancionatória, desincentivadora de comportamentos relapsos ou inadimplentes das obrigações que resultam para as partes das decisões judiciais transitadas em julgado, sendo devidos nos termos do artigo 43.º, n.º 5 da LGT, ainda que não se verifiquem os pressupostos constitutivos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios».

2.2.3.3 Por seu turno, o acórdão fundamento, também proferido em sede de recurso de uma sentença de execução de julgados, considerou, nos termos do respectivo sumário doutrinal, o seguinte:

«1. Os juros indemnizatórios e os moratórios foram por lei equacionados em termos de se lhes atribuir natureza, pressupostos e taxas diversas.

2. Nos termos da lei, os juros de mora, diferentemente dos juros indemnizatórios, são devidos, a pedido do sujeito passivo, a partir do termo final do prazo da execução espontânea da sentença anulatória, prazo este cujo termo inicial ocorre com o trânsito em julgado da decisão judicial.

3. Estando em causa executar uma decisão judicial que determine a anulação de acto de liquidação e que implique a restituição da prestação tributária paga, só são devidos juros de mora à taxa agravada, prevista no n.º 5, do artigo 43.º da LGT, se também estiveram reunidos os requisitos para o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1, do citado artigo 43.º».
2.2.3.4 Ambos os acórdãos versam sobre situação em que, tendo o sujeito passivo efectuado o pagamento integral do montante de imposto cuja liquidação foi objecto de sentença anulatória transitada em julgado, em face do incumprimento pela AT do prazo de restituição espontânea, os sujeitos passivos recorreram à execução de julgados.
Em face do que foi decidido em cada um dos acórdãos – de que os sumários que transcrevemos são reflexo – logo podemos concluir que em ambos foi decidida, em sentido divergente, a mesma questão, qual seja a de saber se os juros previstos no n.º 5 do art. 43.º da LGT são devidos apenas quando estejam também reunidos os requisitos para pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do mesmo art. 43.º ou, pelo contrário, se tais juros são devidos, ainda que não se verifiquem os pressupostos constitutivos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios.
Existe, pois, oposição entre os acórdãos quanto à mesma questão fundamental de direito, a impor o conhecimento do mérito do recurso, o que passamos a fazer de seguida.

2.2.4 DO MÉRITO DO RECURSO – O ÂMBITO DE APLICAÇÃO DO N.º 5 DO ART. 43.º DA LGT

2.2.4.1 Diz o n.º 5 do art. 43.º da LGT, aditado pelo art. 149.º do Orçamento do Estado para 2012, aprovado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro: «No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas».
JOSÉ MARIA FERNANDES PIRES, GONÇALO BUCÃO, JOSÉ RAMOS VIDAL e MARIA JOÃO MENEZES, explicam a origem da norma: «Esta disposição legal foi introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2012), em conformidade em conformidade com o previsto no ponto 3.35-ii [(Permitimo-nos corrigir o manifesto lapso de escrito: os AA escreveram 3.34-ii onde queriam escrever 3.35-ii.)] do Memorando de Entendimento Sobre Condicionalidades de Política Económica entre Portugal e a Troika UE/BE/FMI. Trata-se de uma disposição legal claramente destinada a dissuadir os atrasos da administração tributária na restituição aos contribuintes, dos valores indevidamente pagos, após o trânsito em julgado das decisões judiciais. Esta norma tem como contrapartida outra de idêntico teor destinada a dissuadir o atraso dos contribuintes no pagamento das dívidas fiscais em contencioso após o trânsito em julgado das decisões judiciais que confirmem os respectivos actos tributários, que foi introduzida pelo legislador no mesmo contexto, no n.º 3 do artigo 44.º. da LGT» (Lei Geral Tributária, comentada e anotada, comentário 56 ao art. 43.º, pág. 376).
Na verdade, no referido ponto 3.35-ii do referido Memorando, consignou-se: «O Governo abordará os estrangulamentos no sistema de impugnações fiscais através de: […]
ii. aplicação de juros sobre o total dos montantes em dívida durante a totalidade do período do procedimento judicial, utilizando uma taxa de juro superior à corrente no mercado. Impor um juro legal especial quando se verificar o não cumprimento de uma decisão do tribunal fiscal».
Tratou-se assim, de uma norma introduzida como medida de pressão de modo a promover o cumprimento pontual das obrigações decorrentes especificamente de decisões judiciais, transitadas em julgado, com natureza de sanção.
Nas palavras de DIOGO LEITE DE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, «Trata-se de um regime excepcional, com evidente natureza sancionatória e compulsória, visando compelir a administração tributária a executar tempestivamente as decisões transitadas em julgado, o que é reclamado pelo direito à tutela judicial efectiva (art. 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP) que inclui o direito à execução (art. 2.º, n.º 1, do CPC)» (Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita, anotação 7 ao art. 43, pág. 344.).
Ou seja, como ficou dito no acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal, proferido em 7 de Junho de 2017, no processo n.º 279/17 (Disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/963f4ca0a829977b802581470036951b e publicado, em obediência ao n.º 4 do art. 152.º do CPTA, no Diário da República, 1.ª Série, n.º 180, de 18 de Setembro de 2017, págs. 5450 a 5459 (https://files.diariodarepublica.pt/1s/2017/09/18000/0545005459.pdf).):
«O disposto no artigo 43.º, n.º 5, bem como o disposto no artigo 44.º, n.º 3 (a taxa de juros de mora é a definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas, excepto no período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data do pagamento da dívida relativamente ao imposto que deveria ter sido pago por decisão judicial transitada em julgado, em que será aplicada uma taxa equivalente ao dobro daquela), ambos introduzidos pela referida LOE para 2012, tiveram unicamente como objectivo exercer pressão sobre os devedores para que solvam rapidamente as suas obrigações. Na verdade, não se encontra na previsão de tais preceitos qualquer fundamento ressarcitório ou indemnizatório.
Como já vimos, o contribuinte é ressarcido – relativamente ao período de tempo em que esteve indevidamente desapossado do imposto pago e não devido – por via dos juros indemnizatórios ou moratórios, a administração tributária é ressarcida – relativamente ao período de tempo em que esteve indevidamente desapossada do imposto devido – por via dos juros compensatórios, cf. artigo 35.º, n.º 1 (são devidos juros compensatórios quando, por facto imputável ao sujeito passivo, for retardada a liquidação de parte ou da totalidade do imposto devido ou a entrega de imposto a pagar antecipadamente, ou retido ou a reter no âmbito da substituição tributária) e por via dos juros moratórios, cf. artigo 44.º, n.º 1 (são devidos juros de mora quando o sujeito passivo não pague o imposto devido no prazo legal), ambos da LGT, sendo que os juros compensatórios se integram na dívida de imposto, cf. art. 35.º, n.º 8 e, portanto, sobre os mesmos incidirão os respectivos juros moratórios quando devidos.
Ou seja, o legislador ao elevar para o dobro a taxa dos juros de mora devidos pelo contribuinte, nos termos do artigo 44.º, n.º 3 e ao instituir a obrigação do pagamento de juros de mora, a favor do contribuinte, a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas, cf. artigo 43.º, n.º 5, sendo que incluiu tal obrigação de pagamento de juros de mora no preceito legal que dispõe sobre os juros indemnizatórios também a favor do contribuinte, não pretendeu, claramente, estabelecer um regime legal em que os juros indemnizatórios e moratórios fossem alternativos ou que mutuamente se excluíssem.
Antes pretendeu instituir uma sanção para as situações de incumprimento grave, e tal como refere a recorrente, a par das restantes sanções já legalmente previstas, a sanção pecuniária compulsória, cf. artigo 169.º e a responsabilidade civil e disciplinar da administração e dos seus órgãos, cf. artigo 159.º, ambos do CPTA. Enquanto que os normais juros indemnizatórios, compensatórios e de mora são estabelecidos, essencialmente, na perspectiva do credor, de modo a que se diminuam as suas perdas pela privação da quantia que lhe é devida, estes juros de mora agravados são estabelecidos na perspectiva do devedor, de modo a que o mesmo se sinta efectivamente compelido a efectuar o pagamento em falta.
E, na verdade, compreende-se que assim seja, uma vez que tal sanção foi estabelecida numa época de grandes dificuldades económicas (que parcialmente se mantêm) em que era essencial que todos contribuíssem atempadamente para a economia comum, uns por via do rápido pagamento de impostos, outra, a administração tributária, pela rápida devolução aos contribuintes das quantias indevidamente pagas a título de impostos (sobre a razão de ser do regime dos juros de mora agravados, diz J. Maria Fernandes Pires e outros, Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada, págs. 378 e 392: “O legislador estabeleceu uma taxa de juros de mora agravada no n.º 3 do artigo 44.º da LGT. A excepção constante do n.º 3 do artigo 44.º - foi introduzida pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2012). A introdução deste regime no ordenamento jurídico tributário foi um dos compromissos assumidos por Portugal no âmbito do plano de assistência financeira assinado em 11 de Maio de 2011. Essa medida consta do ponto 3.34-ii do Memorando de Entendimento entre Portugal, a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o FMI (a chamada Troika). O objectivo do regime dos juros de mora agravados foi o de aplicar um juro legal especial ao não cumprimento das decisões dos tribunais tributários pelos sujeitos passivos. Para o efeito, estabeleceu-se a aplicação de uma taxa de juros de mora agravada, correspondente ao dobro da taxa de juros de mora por dívidas ao Estado e outras entidades públicas (prevista nos n.ºs 1 e 2 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 73/99, de 16 de Março, com a redacção da Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, e do Decreto-Lei n.º 32/2012, de 13 de Fevereiro) sempre que houver uma decisão transitada em julgado, ou seja, definitiva (porque insusceptível de recurso), e da qual resulte a obrigação de pagamento (pelo contribuinte) de certo montante de imposto, e que não seja cumprida no prazo de execução espontânea da sentença. Esta medida tinha como objectivo diminuir a litigância, o excesso de pendências de processos nos tribunais tributários, o tempo médio de resolução dos processos e ainda o incumprimento das decisões judiciais com expedientes dilatórios utilizados nos processos executivos.
Na verdade, a razão fundamental que está na origem da instituição do mecanismo dos juros de mora em dobro é a dissuasão do incumprimento do dever de pagamento pelos contribuintes, nos casos em que a litigância é utilizada até ao extremo para protelar o pagamento do imposto, incluindo no processo executivo (como resulta do n.º 3 do artigo 44.º da LGT). A instituição do mecanismo dos juros de mora a favor do contribuinte é uma opção de política legislativa reflexa daquela que se encontra prevista no n.º 3 do artigo 44.º da LGT, destinando-se a garantir um princípio de igualdade e de reciprocidade nas relações entre os sujeitos da relação jurídica tributária».
Podemos, pois, concluir que a razão fundamental que está na origem da instituição do mecanismo dos juros de mora em dobro previsto no n.º 3 do art. 44.º da LGT é a dissuasão do incumprimento do dever de pagamento pelos contribuintes, nos casos em que a litigância é utilizada até ao extremo para protelar o pagamento do imposto, incluindo no processo executivo, enquanto a instituição do mecanismo dos juros de mora em dobro a favor do contribuinte, previsto no n.º 5 do art. 43.º da LGT, é uma opção de política legislativa reflexa daqueloutra, destinando-se a garantir um princípio de igualdade e de reciprocidade nas relações entre os sujeitos da relação jurídica tributária (Opção de política legislativa que não deriva de uma qualquer exigência constitucional, designadamente do princípio da igualdade, pois seria admissível a diferença de tratamento mais favorável dos juros a favor do Estado por créditos tributários, por estar em causa a violação da obrigação principal do “dever fundamental” de pagar impostos, correspondente ao interesse público de arrecadação de receitas e financiamento do Estado, enquanto as dívidas do Estado ao contribuinte se situam no plano de qualquer outro débito a este.).

2.2.4.2 Antes de avançarmos na apreciação da questão de saber se os juros previstos no n.º 5 do art. 43.º da LGT são devidos apenas quando estejam também reunidos os requisitos para pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do mesmo art. 43.º ou, pelo contrário, se tais juros são devidos, ainda que não se verifiquem os pressupostos constitutivos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios, recordemos o que cada um dos acórdãos em confronto entendeu a esse respeito.
No acórdão recorrido, entendeu-se:
«Resulta da letra da lei, quer da génese da norma, quer da natureza dos juros em causa, a conformação do regime dos juros de mora com função sancionatória, desincentivadora de comportamentos relapsos ou inadimplentes das obrigações que resultam para as partes das decisões judiciais transitadas em julgado, sendo devidos nos termos do artigo 43.º, n.º 5 da LGT, ainda que não se verifiquem os pressupostos constitutivos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios».
Isto, com base na seguinte fundamentação:
«Sendo o facto gerador dos juros diferente, entendemos, com ressalva do devido respeito por entendimento diverso, que não há que fazer depender a aplicação do disposto no n.º 5 do artigo 43.º, da verificação dos pressupostos previstos no n.º 1 da referida norma, bastando-se a sua aplicação com a verificação do incumprimento do prazo de execução espontânea da decisão judicial transitada em julgado. Ou seja, bastando-se com a constatação de que a restituição do imposto pago indevidamente não se operou naquele prazo.
De tudo o exposto, podemos concluir, que resulta da letra da lei, quer da génese da norma, quer da natureza dos juros em causa, a conformação do regime dos juros de mora com função sancionatória, desincentivadora de comportamentos relapsos ou inadimplentes das obrigações que resultam para as partes das decisões judiciais transitadas em julgado, ainda que não se verifiquem os pressupostos constitutivos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios.
Nesta conformidade, e sem necessidade de mais longas considerações, concluímos pela improcedência da pretensão da Recorrente, sendo de confirmar e sentença recorrida que assim se manterá na ordem jurídica, ao que se provirá na parte do dispositivo deste acórdão».
Por seu turno, no acórdão fundamento entendeu-se:
«Estando em causa executar uma decisão judicial que determine a anulação de acto de liquidação e que implique a restituição da prestação tributária paga, só são devidos juros de mora à taxa agravada, prevista no n.º 5, do artigo 43.º da LGT, se também estiveram reunidos os requisitos para o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1, do citado artigo 43.º».
E, para sustentar tal conclusão, aí se argumentou nos seguintes termos:
«Nas palavras de Diogo Leite Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa «Trata-se de um regime excepcional, com evidente natureza sancionatória e compulsória, visando compelir a administração tributária a executar tempestivamente as decisões transitadas em julgado, o que é reclamado pelo direito à tutela judicial efectiva (art. 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP) que inclui o direito à execução (art. 2.º, n.º 1, do CPC). (in Lei Geral Tributária, 4.ª edição 2012, encontro da escrita, pág. 344).
Porém, o artigo 43.º da LGT, com a epígrafe “Pagamento indevido da prestação tributária” estabelece o regime geral do direito a juros indemnizatórios, onde se insere a determinação da aplicação de juros de mora agravados (n.º 5).
Daqui decorre necessariamente que os juros de mora agravados, previsto no n.º 5, do artigo 43.º da LGT, só são devidos nos casos em que esteja em causa executar uma decisão judicial e se trate de uma situação enquadrável no n.º 1, isto é, em que se verificam os pressupostos legais para atribuir juros indemnizatórios a favor do contribuinte, um vez que o citado artigo 43.º versa sobre o direito a juros indemnizatórios, não havendo lugar ao agravamento dos juros de mora se não foram devidos juros indemnizatórios.
Neste sentido pronunciou-se o acórdão do STA de 01/02/2017, proferido no processo n.º 0285/16, embora aí esteja em apreciação a cumulação de juros indemnizatórios com juros moratórios, do qual se transcrevemos a seguinte passagem sobre a interpretação do n.º 5 do artigo 43.º da LGT «(…) da leitura atenta que se faz deste preceito legal (artigo 43.º, n.º 5 da LGT), podemos perceber que a consideração de tal taxa de juro sancionatória justifica-se nos casos em que sejam devidos juros indemnizatórios, e no período expressamente assinalado no referido preceito legal - período de tempo que vai além do termo do prazo de execução espontânea da decisão judicial transitada em julgado e até à data da emissão da nota de crédito a favor do contribuinte; haverá, por isso, uma cumulação dos “normais” juros indemnizatórios, com os juros de mora “dobrados”, uma vez que estes mais não configuram do que uma sanção à administração relapsa.
Efectivamente, estes juros “dobrados” a favor do contribuinte, ao contrário dos juros indemnizatórios, perdem a natureza indemnizatória/reparatória que poderiam ter e apenas assumem a natureza de sanção.
De resto, se assim não fosse, mal se compreenderia que o legislador ao fixar idêntica regra para os juros que se vencem a favor da AT se tenha limitado a prever a duplicação dos juros de mora que já eram devidos, cfr. artigo 44.º, n.º 3, ao passo que neste artigo 43.º, n.º 5 previu uma nova categoria de juros de mora que acompanham os juros indemnizatórios, não se tendo limitado, como naquele artigo 44.º, n.º 3, a “dobrar” os juros que sempre seriam legalmente devidos, cfr. na doutrina, tal como referido na sentença recorrida, Diogo Leite Campos e outros, Lei Geral Tributária, anotada e comentada, págs. 344 e 345.» (disponível em www.dgsi.pt/).
Com igual entendimento, cita-se ainda José Maria Fernandes Pires e Outros «Tratando-se, porém, de juros de mora a favor do contribuinte, não resulta do texto da lei qualquer taxa agravada. De facto, o legislador apenas estabeleceu o agravamento da taxa de juros de mora no n.º 5 do artigo 43.º da LGT, preceito legal que apenas versa sobre o direito aos juros indemnizatórios. E, atento o texto da norma, apenas nos casos em que haja sentença judicial transitada em julgado que determine a restituição de determinado imposto (não havendo qualquer agravamento nas demais situações que contemplem o direito a juros indemnizatórios). Do que resulta que, apenas nos casos em que se verifique que estão reunidos os pressupostos legais para atribuir juros indemnizatórios aos contribuintes resultantes de decisão judicial é que haverá lugar ao pagamento dos juros de mora ao dobro» (in Lei Geral Tributária, Comentada e Anotada, 2015, Almedina, nota 60 artigo 43.º, pág. 377 a 378)».

2.2.4.3 O acórdão recorrido entende que os juros de mora previstos no n.º 5 do art. 43.º da LGT são devidos em todas as situações em que se verifique a ultrapassagem do termo do prazo de execução espontânea de decisão transitada em julgado, ainda que não se verifiquem os pressupostos constitutivos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios nos termos do n.º 1 do art. 43.º da LGT; o acórdão fundamento entende que os juros de mora agravados, previstos no n.º 5 do art. 43.º da LGT, só são devidos nos casos em que esteja em causa executar uma decisão judicial e se trate de uma situação enquadrável no n.º 1 do mesmo artigo, i.e., nos casos em que se verificam os pressupostos legais para atribuir juros indemnizatórios a favor do contribuinte, não havendo lugar ao agravamento dos juros de mora se não foram devidos juros indemnizatórios.
Se bem interpretámos os acórdãos em confronto a divergência entre eles resulta do facto de terem valorado diversamente os elementos de interpretação, os factores hermenêuticos a ter em conta na busca do verdadeiro sentido do texto legal. Vejamos:
O acórdão recorrido invoca os elementos literal e lógico, este com referência ao elementos teleológico e histórico («podemos concluir, que resulta da letra da lei, quer da génese da norma, quer da natureza dos juros em causa, a conformação do regime dos juros de mora com função sancionatória, desincentivadora de comportamentos relapsos ou inadimplentes das obrigações que resultam para as partes das decisões judiciais transitadas em julgado, ainda que não se verifiquem os pressupostos constitutivos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios»).
Por seu turno, o acórdão fundamento dá preponderância à técnica legislativa, ao lugar em que o legislador introduziu a norma em causa, aditando um n.º 5 ao art. 43.º da LGT, norma que considerou estabelecer o regime geral do direito do contribuinte a juros indemnizatórios («o artigo 43.º da LGT, com a epígrafe “Pagamento indevido da prestação tributária” estabelece o regime geral do direito a juros indemnizatórios, onde se insere a determinação da aplicação de juros de mora agravados (n.º 5)») e ao facto de – ao contrário do que sucedeu relativamente aos “juros dobrados” a favor do Estado, em que o legislador “se limitou” a alterar o n.º 3 do art. 44.º da LGT, de modo a prever a duplicação dos juros de mora após o trânsito em julgado da decisão judicial –, para os “juros dobrados” a favor do contribuinte o legislador ter criado uma nova norma e «uma nova categoria de juros de mora que acompanham os juros indemnizatórios», («mal se compreenderia que o legislador ao fixar idêntica regra para os juros que se vencem a favor da AT se tenha limitado a prever a duplicação dos juros de mora que já eram devidos, cfr. artigo 44.º, n.º 3, ao passo que neste artigo 43.º, n.º 5 previu uma nova categoria de juros de mora que acompanham os juros indemnizatórios, não se tendo limitado, como naquele artigo 44.º, n.º 3, a “dobrar” os juros que sempre seriam legalmente devidos»).

2.2.4.4 Procuremos, pois, interpretar o disposto no n.º 5 do art. 43.º da LGT, tendo como pano de fundo a controvérsia suscitada e levando em conta que a interpretação das normas tributárias se faz de acordo com as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis (cf. art. 11.º, n.º 1, da LGT).
Antes do mais, atentemos no texto da lei, «o ponto de partida da interpretação», ao qual cabe «desde logo uma função negativa: a de eliminar aqueles sentidos que não tenham qualquer apoio, ou pelo menos uma qualquer “correspondência” ou ressonância nas palavras da lei», mas também «uma função positiva», cuja primeira vertente é a de que «se o texto suporta apenas um sentido, é esse o sentido da norma» (Cf. BATISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1983, pág. 182.).
Diz o n.º 5 do art. 43.º da LGT: «No período que decorre entre a data do termo do prazo de execução espontânea de decisão judicial transitada em julgado e a data da emissão da nota de crédito, relativamente ao imposto que deveria ter sido restituído por decisão judicial transitada em julgado, são devidos juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro da taxa dos juros de mora definida na lei geral para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas».
É certo que o art. 43.º – que tem como epígrafe «Pagamento indevido da prestação tributária» –, nos seus n.ºs 1, 3 e 4, se refere a juros indemnizatórios; mas, salvo o devido respeito, isso não autoriza que se possa extrair a conclusão de que o seu n.º 5 – que se refere exclusivamente a juros de mora – tenha como pressuposto da sua aplicabilidade o serem devidos juros indemnizatórios nos termos do n.º 1 daquele artigo.
Lido o preceito, logo verificamos que nele não se estabelece restrição alguma no sentido de os “juros dobrados” aí previstos só serem devidos se forem também devidos juros indemnizatórios nos termos do n.º 1 do mesmo artigo; e, se fosse essa a intenção do legislador (o pensamento legislativo), ter-lhe-ia sido fácil traduzi-lo em palavras: bastaria, por exemplo, e como sucede em tantas normas legais, em que se faz referência a anteriores números do mesmo artigo ou a outros artigos, ter iniciado o n.º 5 do art. 43.º da LGT com a expressão Nos casos do n.º 1, ou outra similar, que permitisse estabelecer a dependência sustentada pela Recorrente e pelo acórdão fundamento.
O legislador não o fez, nem por qualquer outro modo expressou na letra da lei a intenção de restringir a atribuição dos “juros dobrados” a favor do contribuinte às situações em que ao contribuinte também sejam devidos juros indemnizatórios. Consequentemente, não pode o intérprete – a quem, por força do n.º 3 do art. 9.º do Código Civil (CC), se impõe presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados – considerar que o n.º 5 do art. 43.º da LGT tem o seu campo de aplicação limitado às situações em que ao contribuinte sejam devidos juros indemnizatórios nos termos do n.º 1 do mesmo artigo.
Tanto mais, que assim o impõe o princípio de hermenêutica jurídica expresso no brocardo ubi lex non distinguit, nec nos distinguere debemus (quando a lei não distingue, não devemos distinguir nós).
Mas como logo adverte BAPTISTA MACHADO, pode dar-se o caso «de se poder concluir com base noutras normas que a redacção do texto atraiçoou o pensamento do legislador»(Ibidem.) ou que o espírito da lei (a ratio legis) não encontrou expressão adequada na fórmula adoptada.
Será que assim é?
Tendo sempre presente que a interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir, a partir dela, o pensamento legislativo (cf. art. 9.º, n.º 1, do CC), procuremos indagar qual é este.
Como deixámos já dito, esta norma do n.º 5 do art. 43.º da LGT e a sua norma reflexo, constante do n.º 3 do art. 44.º da LGT, tiveram unicamente como objectivo exercer pressão sobre os devedores para que solvam rapidamente as suas obrigações, não se encontrando nas respectivas previsões qualquer fundamento ressarcitório ou indemnizatório. A instituição dos “juros dobrados” no n.º 5 do art. 43.º da LGT destina-se, unicamente, a dissuadir os atrasos da AT na restituição aos contribuintes dos valores por eles indevidamente pagos, após o trânsito em julgado das decisões judiciais de que resulte a obrigação de restituir.
Porque é essa a ratio legis, mal se compreenderia que o legislador fizesse depender a atribuição desses “juros dobrados” da circunstância de serem devidos juros indemnizatórios a favor do contribuinte. É que a razão de ser de uns e outros juros é totalmente diversa e aqueles em nada dependem destes.
Atenta a razão de ser da instituição dos “juros dobrados”, não se compreenderia que o legislador tivesse querido que a sua aplicação não se aplicasse a todos os casos de atraso da AT na restituição do imposto ao contribuinte após o trânsito em julgado da decisão judicial de que resulta a obrigação de restituir.
Depois de haver decisão judicial transitada em julgado de que resulte a imposição ao Estado de restituição do montante respeitante a um tributo, para efeitos da aplicação do n.º 5 do art. 43.º da LGT apenas releva o incumprimento do prazo da execução espontânea da decisão judicial; o facto de serem, ou não, devidos juros indemnizatórios, é, para esse efeito, totalmente irrelevante.
Poderá eventualmente argumentar-se que, então, deveria o legislador – à semelhança do que fez relativamente ao n.º 3 do art. 44.º da LGT – ter-se limitado a alterar o n.º 2 do art. 102.º da LGT, norma que, à data em que foram efectuadas na LGT as alterações em ordem a prever os “juros dobrados” (Ou seja, em 1 de Janeiro de 2012, data em que entrou em vigor Orçamento do Estado para 2012, aprovado pela Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro .), dispunha, como continua a dispor, que «[e]m caso de a sentença implicar a restituição de tributo já pago, são devidos juros de mora a partir do termo do prazo da sua execução espontânea».
Mas ao intérprete não compete sindicar as opções de técnica legislativa e sempre se poderá dizer que o n.º 2 do art. 102.º da LGT se limita a prever que são devidos juros de mora no caso de incumprimento do prazo de execução espontânea da decisão judicial que implique a restituição de tributo já pago, enquanto o n.º 5 do art. 43.º da mesma Lei fixa o modo de cálculo desses juros.
Não encontramos, pois, na ratio legis, motivo para concluir que a redacção do n.º 5 do art. 43.º da LGT não corresponda fielmente ao pensamento do legislador.
A interpretação sustentada no acórdão fundamento e pela Recorrente releva, decisivamente, a circunstância de a norma ter sido inserida (mediante o aditamento de um n.º 5) no art. 43.º da LGT, artigo que, a seu ver, «estabelece o regime geral do direito a juros indemnizatórios», para daí concluir pela dependência dos “juros dobrados” da existência de direito a juros indemnizatórios.
Mas, salvo o devido respeito, não só ignora que o artigo tem como epígrafe «Pagamento indevido da prestação tributária», como também despreza o facto de a letra do n.º 5 do art. 43.º da LGT não se referir – nem remotamente, de modo que se possa nela vislumbrar «um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (cf. art. 9.º, n.º 2, do CC) – a essa dependência e, decisivamente, faz tábua rasa da ratio legis.
A interpretação sustentada pela Recorrente constitui, em última análise, uma interpretação restritiva da norma, que só seria autorizada caso pudéssemos concluir, com base na ratio legis, «que o legislador adoptou um texto que atraiçoa o seu pensamento, na medida que diz mais do que aquilo que se pretendia dizer», ou seja, que a aplicação dos “juros dobrados” aí previstos estava dependente do direito a juros indemnizatórios (Cf. BAPTISTA MACHADO, idem, pág. 186, que refere também que «[o] argumento em que assenta este tipo de interpretação costuma ser assim expresso: cessante ratione legis cessat eius dispositivo (lá onde termina a razão de ser da lei termina o seu alcance)». Aplicado ao caso sub judice, fácil se torna concluir que a razão de ser da lei determina que, para efeitos do reconhecimento dos “juros agravados” previstos no n.º 5 do art. 43.º da LGT, não se distinga entre as situações em que foi reconhecido o direito a juros indemnizatórios daquelas em que esse direito não foi reconhecido.).
Ora, como deixámos dito, nada autoriza essa conclusão.
Finalmente, refira-se que a tese da Recorrente não encontra apoio algum na anterior jurisprudência deste Supremo Tribunal, designadamente no acórdão invocado pela Recorrente e pelo acórdão fundamento – o acórdão da Secção de Contencioso Tributário de 1 de Fevereiro de 2017, proferido no processo com o n.º 285/16 (Disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/6cba90d8b5d47e71802580bf0054af36.). Este aresto, que se propunha resolver a questão da possibilidade, ou não, de se cumular, relativamente ao mesmo período de tempo e sobre a mesma quantia, a contagem de juros indemnizatórios e juros de mora e cuja solução foi confirmada pelo Pleno (Vide o acórdão do Pleno da Secção de Contencioso Tributário de 7 de Junho de 2017, proferido no processo com o n.º 279/17, disponível em https://www.dgsi.pt/jsta.nsf/-/963f4ca0a829977b802581470036951b, publicado como Acórdão n.º 4/2017, no Diário da República, 1.ª Série, n.º 180, de 18 de Setembro de 2017, págs. 5450 a 5459 (https://files.diariodarepublica.pt/1s/2017/09/18000/0545005459.pdf), que uniformizou jurisprudência nos seguintes termos: «Face ao preceituado no n.º 5 do art. 43.º da LGT, na redacção dada pela Lei 64-B/2011 de 30 de Dezembro, é admissível a atribuição cumulativa de juros indemnizatórios e de juros moratórios, calculados nos termos deste preceito legal, sobre a mesma quantia e relativamente ao mesmo período de tempo».) – que tem como sumário «Os juros de mora previstos no artigo 43.º, n.º 5 da LGT, a favor do contribuinte, ao contrário dos juros indemnizatórios, perdem a natureza indemnizatória/reparatória que poderiam ter e apenas assumem a natureza de sanção, pelo que são devidos em simultâneo com os juros indemnizatórios devidos ao abrigo do n.º 1 do mesmo artigo 43.º » –, não permite a conclusão de que a taxa de juros sancionatória só se justifica nos casos em que sejam devidos juros indemnizatórios, mas que também se justifica nesses casos; ou seja, o que o Supremo Tribunal Administrativo aí afirmou foi que o direito a juros indemnizatórios não obsta à atribuição dos “juros dobrados” a favor do contribuinte, podendo cumular-se, atenta a sua diferente natureza. Mas nada disse, nem era suposto que dissesse, sobre a questão que ora nos ocupa, que é a de saber se os “juros dobrados” previstos no n.º 5 do art. 43.º da LGT só são devidos quando houver lugar a juros indemnizatórios nos termos do n.º 1 do mesmo artigo.

2.2.4.5 Impõe-se-nos, pois, uniformizar jurisprudência, o que, em face do que deixámos dito, fazemos nos seguintes termos:

«Os juros de mora previstos no n.º 5 do art. 43.º da LGT são devidos em todas as situações em que se verifique a ultrapassagem do termo do prazo de execução espontânea de decisão transitada em julgado, ainda que não se verifiquem os pressupostos constitutivos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios nos termos do n.º 1 do art. 43.º da LGT».

2.2.5 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:

I - O n.º 5 do art. 43.º da LGT, que prescreve “juros de mora dobrados” quando a AT incumpra o prazo de execução espontânea da decisão judicial que implique a restituição de tributo já pago, é uma norma introduzida como medida de pressão, de modo a promover o cumprimento pontual das obrigações decorrentes de decisões judiciais, transitadas em julgado, com natureza de sanção e sem natureza indemnizatória.

II - As regras da hermenêutica das normas legais tributárias (que são as do art. 9.º do CC, ex vi do n.º 1 do art. 11.º da LGT) não consentem que do n.º 5 do art. 43.º da LGT se extraia o sentido de que os juros de mora que nele se estabelecem só são devidos nas situações em que estejam também verificados os requisitos para o pagamento de juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do mesmo art. 43.º da LGT.

III - Pelo contrário, tais regras impõem que se conclua no sentido de que os juros de mora previstos no n.º 5 do art. 43.º da LGT são devidos em todas as situações em que se verifique a ultrapassagem do termo do prazo de execução espontânea de decisão transitada em julgado.


* * *

3. DECISÃO

Pelo exposto, os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo acordam em tomar conhecimento do mérito do recurso, em negar-lhe provimento, mantendo o acórdão recorrido, e em uniformizar jurisprudência nos seguintes termos:

«Os juros de mora previstos no n.º 5 do art. 43.º da LGT são devidos em todas as situações em que se verifique a ultrapassagem do termo do prazo de execução espontânea de decisão transitada em julgado, ainda que não se verifiquem os pressupostos constitutivos da obrigação de pagamento de juros indemnizatórios nos termos do n.º 1 do art. 43.º da LGT».

Custas pela Recorrente, que ficou vencida (cfr. art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, aplicável ex vi do art. 281.º do CPPT).


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Após o trânsito, publique-se (art. 152.º, n.º 4, do CPTA).

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Lisboa, 27 de Novembro de 2024. - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes (por vencimento) - Isabel Cristina Mota Marques da Silva (vencida, acompanhando o voto em anexo, do Conselheiro Gustavo Lopes Courinha) - Joaquim Manuel Charneca Condesso (vencido, aderindo ao douto voto em anexo, do Sr. Conselheiro Gustavo Courinha) - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (revendo posição) - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz - Gustavo André Simões Lopes Courinha (vencido, nos termos do voto em anexo) - Pedro Nuno Pinto Vergueiro - Anabela Ferreira Alves e Russo – João Sérgio Feio Antunes Ribeiro.

Voto de vencido do Ex.mo Conselheiro Gustavo Lopes Courinha:

Voto Vencido

Votamos vencido por entendermos ser outra a interpretação a dar ao artigo 43.º, n.º 5 da Lei Geral Tributária, a saber, no sentido de que a atribuição dos juros moratórios dobrados previstos no artigo 43.º, n.º 5 da LGT pressupõe a verificação da condição de atribuição dos juros indemnizatórios prevista no n.º 1 do mesmo artigo.

E explicamos as quatro razões que nos levam a decidir nesse sentido.

Em primeiro lugar, por entendermos que, num diploma codificado, não pode ser considerada inocente a colocação da alteração legislativa relativa à introdução dos juros de mora dobrados no n.º 5 do artigo 43.º da LGT, quando tal situação – com a mesma factispécie legal – se encontrava, até então, regulada pelo artigo 102.º, n.º 2 da mesma LGT.

Com efeito, o elemento hermenêutico sistemático parece apontar nitidamente para a pretensão de fazer sujeitar a exigência de juros dobrados nos casos em que, além do atraso na execução espontânea das sentenças, se tenha dado por provado um “erro imputável aos serviços”. É nestes e apenas nestes casos – em que mais censurável surge a atitude da Fazenda Pública – que se justifica dobrar os juros de mora.

Em segundo lugar, e em termos que julgamos decisivos, seguimos tal leitura por entendermos que, a ser seguida a posição ora vencedora, a mesma implica a retirada de objeto ao artigo 102.º, n.º 2 da LGT, cuja hipótese legal fica, em tal caso, a corresponder exactamente àquela prevista no artigo 43.º, n.º 5 da LGT. Com a consequência que, em tal cenário, se deverá passar a ter o artigo 102.º, n.º 2 da LGT como implicitamente revogado ou, pura e simplesmente, inaplicável; o que parece ter como consequência o desaparecimento do ordenamento jurídico-fiscal nacional dos juros moratórios normais. O novo normal passará, no seguimento da posição vencedora, a ser os juros moratórios dobrados.

Em terceiro lugar, sublinhe-se que, à data das alterações legislativas aqui em causa, se procedera igualmente ao aumento da taxa de juro de mora em 1 ponto percentual – o que já denotava uma intenção de conceder tutela aos contribuintes nos casos de mero atraso no cumprimento da sentença judicial, mesmo na ausência de “erro imputável aos serviços”.

O que parece, também, apontar no sentido de que o n.º 5 do artigo 43.º não se encontrava previsto para estas situações.

Em quarto e último lugar, valendo o que vale, julgamos ser essa, salvo melhor opinião, a leitura que melhor se coaduna com a jurisprudência já firmada neste Supremo Tribunal.

É que, ainda que em termos meramente implícitos, parece ser com base nesse exato pressuposto (de cumulação de requisitos, entenda-se) que vários casos foram decididos nesta instância. Entre outras, vejam-se as seguintes passagens de Acórdãos deste Supremo Tribunal: no Proc. n. 285/16, de 1 de Fevereiro de 2017, lavrado pela 2.ª Secção, conclui-se que “Mas diferentemente deste artigo 44º, para os casos de incumprimento por parte do contribuinte, a previsão da aplicação da taxa em dobro aos juros de mora a pagar pela AT foi introduzida no preceito legal que dispõe sobre os juros indemnizatórios, levando mesmo alguns autores a referir que tal taxa de juro “dobrada” só será devida quando forem devidos os juros indemnizatórios a que alude o artigo 43º, cfr. mesmo autor citado, pág. 377.

Ou seja, da leitura atenta que se faz deste preceito legal (artigo 43º, n.º 5 da LGT), podemos perceber que a consideração de tal taxa de juro sancionatória justifica-se nos casos em que sejam devidos juros indemnizatórios, e no período expressamente assinalado no referido preceito legal -período de tempo que vai além do termo do prazo de execução espontânea da decisão judicial transitada em julgado e até à data da emissão da nota de crédito a favor do contribuinte; haverá, por isso, uma cumulação dos “normais” juros indemnizatórios, com os juros de mora “dobrados”, uma vez que estes mais não configuram do que uma sanção à administração relapsa. Efectivamente, estes juros “dobrados” a favor do contribuinte, ao contrário dos juros indemnizatórios, perdem a natureza indemnizatória/reparatória que poderiam ter e apenas assumem a natureza de sanção.”; no Proc. n. 297/17 de 7 de Junho de 2017, do Pleno da Secção Tributária, lê-se igualmente, citando autores que sustentam tal posição, que “A propósito da natureza deste regime dos juros de mora agravados, referem Diogo Leite Campos e outros, Lei Geral Tributária Anotada e Comentada, pág. 344: “A Lei n.º 64-B/2011, de 30 de Dezembro, aditou um n.º 5 a este art. 43.º em que se atribui ao sujeito passivo o direito a juros de mora a uma taxa equivalente ao dobro dos juros de mora previstos para as dívidas ao Estado e outras entidades públicas. Trata-se de um regime excepcional, com evidente natureza sancionatória e compulsória, visando compelir a administração tributária a executar tempestivamente as decisões transitadas em julgado, o que é reclamado pelo direito à tutela judicial efectiva (art. 20.º, n.ºs 1 e 4, da CRP) que inclui o direito à execução (art. 2.º, n.º 1, do CPC). Por outro lado, estabelecendo-se que estes juros de mora agravados são devidos relativamente ao período entre o termo do prazo de execução e a emissão da nota de crédito, é de concluir que, nos casos em que esteja em causa executar uma decisão e se trate de uma situação enquadrável no n.º 1, em que são devidos juros indemnizatórios, estes juros de mora serão cumuláveis com os indemnizatórios, pois estes são «contados desde a data do pagamento indevido do imposto até à data do processamento da respectiva nota de crédito, em que são incluídos» (art. 61.º, n.º 5, do CPPT).”; e, ainda do Pleno, e em termos remissivos para os acórdãos anteriores, o Acórdão de 26 de Maio de 2022 (Processo n.º 1611/11) - todos disponíveis em www.dgsi.pt (sublinhados nossos).

Gustavo Lopes Courinha