Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0813/05.7BEALM 01192/17 |
Data do Acordão: | 12/04/2019 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | PAULO ANTUNES |
Descritores: | IRS PROCURAÇÃO IRREVOGÁVEL MAIS VALIAS ANULAÇÃO |
Sumário: | I - Tendo ocorrido a outorga de procuração irrevogável, nos termos do art. 265.º n.º 3 do CCiv66, por promitente-vendedor, bem como o pagamento do preço do prédio na parte que lhe cabia, não é de afastar que a dita procuração pudesse ainda produzir para efeitos do art. 10.º n.º 1 a) do CIRS pela escritura de compra e venda do dito prédio. II – No entanto, a declaração efetuada pelo procurador na escritura que veio a ser celebrada não tem força probatória plena quanto ao valor de realização de mais-valias, de acordo com o estatuído nos artigos 371.º do CCiv66 e 44.º n.º 3 do CIRS, pelo que se vem a ser efetuada prova na impugnação judicial da liquidação relativa ao exercício de 2001 de que o valor real foi diferente do constante da dita escritura e do que veio a ser declarado, é de anular a liquidação reportada ao exercício de 2001. III – Com efeito, a declaração tem valor de presunção e admite prova em contrário – artigos 75,º n.º 1 e 73.º da L.G.T. IV – E a anulação parcial da liquidação não é possível, pois tal implicaria a aplicação de outra taxa de IRS, de acordo com o previsto na respetiva tabela, e matéria de direito. |
Nº Convencional: | JSTA000P25258 |
Nº do Documento: | SA2201912040813/05 |
Data de Entrada: | 11/02/2017 |
Recorrente: | AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A............ E OUTROS |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | 1. A representante da Fazenda Pública interpõe recurso da sentença proferida no T.A.F. de Almada que julgou procedente a impugnação apresentada por A………… e B…………, relativamente à liquidação n.º 2005 5004283765, referente a IRS do exercício de 2001, terminando as suas alegações com o seguinte quadro conclusivo: «I. Em causa nos presentes autos está a impugnação judicial da liquidação de IRS e juros compensatórios referentes ao ano de 2001 no valor de € 109.678,03 resultante das mais-valias obtidas na venda do prédio rústico inscrito na matriz cadastral da freguesia de ………, sob o artigo 339, da secção G; II. Para julgar a impugnação procedente, considerou a douta sentença, que “os Impugnantes não obtiveram com a venda do prédio rústico em análise, o valor constante da escritura pública, referida na alínea F), valor esse inserto na declaração de rendimentos – modelo 3 (declaração de substituição mencionada na alínea J) do probatório €448.918,11) mas sim os valores descritos nas alíneas C) e E) do probatório”; III. É nosso entendimento, salvo o devido respeito por opinião diversa, que contrariamente ao decidido, a liquidação de IRS em causa não padece de qualquer ilegalidade, devendo manter-se na ordem jurídica; IV. Em 07 de Dezembro de 2000 foi celebrada Procuração Irrevogável, através da qual o Impugnante confere poderes para a alienação do prédio supra identificado; V. Em 03 de Julho de 2001, por escritura pública o Impugnante, através de representante, interveio como alienante em negócio de compra e venda, no qual vende o imóvel já identificado pelo montante de cento e oitenta milhões de escudos; VI. Foi entregue declaração de substituição pelo Impugnante que gerou a liquidação n.º 2005 5004283765, liquidação está que agora põe em causa; VII. Pois bem, pela procuração, o “dominus” outorga poderes de representação e, apesar da procuração não resultar nenhuma obrigação de o procurador exercer esses poderes e dela nem sequer consta, normalmente, qualquer indicação sobre como o procurador os deverá exercer, a verdade é que, os atos que vierem a ser praticados pelo procurador no exercício desses poderes produzem efeitos jurídicos diretamente na esfera daquele “dominus”; VIII. E de harmonia com o disposto no art.º 10 n.º 1 do CIRS, redação dada à data dos factos – constituem mais-valias os ganhos obtidos que, não sendo considerados rendimentos empresariais e profissionais, de capitais ou prediais, resultem de: a) Alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis (....); IX. Definindo-se, pela diferença entre o valor de realização e o valor de aquisição, especialmente quando o facto gerador do imposto se define como uma alienação onerosa (cfr. art.º 44, do C.I.R.S.); X. E o n.º 3 do mesmo artigo prevê que os ganhos consideram-se obtidos no momento da prática dos atos previstos no n.º 1; XI. Considerando o quadro normativo supra e transpondo o exposto para o caso sub judice, resulta que a procuração irrevogável não afasta a tributação na esfera jurídica do impugnante, uma vez que os efeitos dos negócios jurídicos celebrados pelo procurador a quem foi conferido o mandato produz os seus efeitos em relação aos representados, e no momento da alienação do imóvel; XII. Na senda do defendido veja-se o Acórdão do TCAS de 06-09-2016, proc. N.º 03312/09: “I. A procuração constitui um negócio cujo efeito consiste em alguém, o dominus, atribuir a outrem, o procurador, poderes para que este celebre negócios ou pratique outros actos jurídicos em sua representação e o substitua assim na prática desses actos ou negócios (cfr. artigo 262.º, n.º 1 do Código Civil). II. Diz-se irrevogável a procuração no interesse exclusivo do dominus (cfr. artigo 265.º, n.º 2 do Código Civil), que é livremente revogável e a procuração também no interesse do credor ou de terceiros (cfr. artigo 265.º, n.º 3 do Código Civil), que é irrevogável, salvo acordo do interessado ou justa causa. III. A outorga de procuração irrevogável não afasta a tributação na esfera jurídica do Recorrido, pois os negócios celebrados por procurador a quem foram conferidos poderes de representação produzem os seus efeitos em relação ao representado”. XIII. Assim e no seguimento do entendimento perfilhado, a procuração irrevogável não afasta a tributação na esfera jurídica dos impugnantes; XIV. Ao que acresce que a liquidação foi efetuada pela Administração Fiscal com base na declaração dos contribuintes e comprovado por documento autêntico (a escritura pública), onde consta o impugnante como vendedor; XV. Neste sentido veja-se o acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul de 20/09/2011, no processo n.º 4440/11: “Nestes casos, tendo sido apresentadas as referidas declarações de substituição, as liquidações em causa não poderiam deixar de assentar nessas novas declarações dos contribuintes (5), nos termos do disposto nos art.º 57.º do CIRS, designadamente no seu n.º 4, 75.º e 76.º, na redacção introduzida pelo Dec-Lei n.º 198/2001, de 3 de Julho, 59.º do CPPT e 75.º da LGT, cujas declarações se continuam a presumir de verdadeiras e de boa-fé (...) a liquidação tem por objecto o rendimento colectável determinado com base nos elementos declarados (6)..., mas não se tratando de um caso de autoliquidação, mas sim de liquidação da competência da Direcção-Geral dos Impostos – cfr. art.º 75 do mesmo CIRS – a sua impugnação podia ser directamente intentada como foi, não sendo assim caso de aplicação do disposto no art.º 131.º do CPPT, com reclamação graciosa necessária para abrir a via judicial, pelo que nesta impugnação judicial podem ser discutidos os vícios ou erros de tal matéria colectável declarada, no que à sua existência e quantificação dizem respeito, mas não já os relativos ao ónus da prova na perspectiva de que tenha sido a AT a desconsiderar os elementos declarados pelos contribuintes.” XVI. Mais adiante no mesmo acórdão, “No caso, tendo em conta que foram os sujeitos passivos ora recorrentes que vieram a declarar tais montantes, ora em causa, como de rendimentos do trabalho, nas respetivas declarações de substituição, relativas a estes três anos, tais declarações presumem-se verdadeiras e prestadas de boa-fé nos termos do já citado art.º 75.º da LGT. XVII. Ao decidir no sentido em que o fez, violou a sentença o artigos 10.º n.º 1 e n.º 3 do Código do IRS, e o artigo 75.º da LGT”; Nestes termos e nos mais de Direito aplicável, requer-se a V.as Ex.as se dignem julgar PROCEDENTE o presente recurso, por totalmente provado e em consequência ser a douta sentença ora recorrida, revogada e substituída por douto Acórdão que julgue totalmente improcedente a presente impugnação, tudo com as devidas e legais consequências.». O recorrido, A…………, contra-alegou, tendo terminado com o seguinte quadro conclusivo: «1 – A Fazenda Pública recorreu da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância. 2 – O recorrente no art. 9 das suas alegações entende que “(...)a liquidação de IRS em causa não padece de qualquer ilegalidade, devendo manter-se na ordem jurídica”. 3 – As suas alegações assentam exclusivamente nos efeitos jurídicos da Procuração. 4 – Os recorridos receberam de C…………, que como supra referido intitulou-se proprietário do prédio rústico, e ter pago o totalidade do preço constante no Contrato de Promessa aos aqui Recorridos, tendo-se verificado a tradição do imóvel. 5 – No caso concreto, a traditio envolveu a transmissão da posse, uma vez que se encontrava pago a totalidade do preço, tendo agido o promitente-comprador, como o prédio rústico já fosse. 6 – Os recorridos não, receberam o valor que consta da Escritura pública, referida na al) F, valor constante na Declaração de Rendimentos, mencionada na al) J, no montante de € 448.918,11, constante da prova – mas sim os montantes descritos nas al) C) e E) do probatório da Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada. 7 – De acordo com n.º 2 do art. 5 da LGT a tributação respeita os princípios da generalidade, da igualdade, da legalidade e da justiça material. Termos em que se requer a V. Ex., que se dignem a julgar improcedente o presente recurso, mantendo-se a sentença recorrida, e o Acórdão proferido como totalmente procedente.». O magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu o seguinte parecer: “Recorrente: Fazenda Pública Objecto do recurso: sentença declaratória da improcedência da impugnação judicial deduzida contra liquidação de IRS (ano 2001) no montante € 109 678,03 FUNDAMENTAÇÃO 1.No domínio da fiscalidade a aplicação do princípio da prevalência da substância sobre a forma tem como consequência que a pura literalidade do instrumento jurídico que titula o negócio ou do documento que expressa a declaração de rendimentos não deve impedir a tributação de acordo com a substância da operação económica ou o real acréscimo de rendimento obtido pelos sujeitos passivos (cf. declinações no art. 5º nº 2 LGT: princípio da tributação segundo a justiça material; no art. 8º CPA vigente: princípios da justiça e da razoabilidade) A presunção de veracidade das declarações das contribuintes apresentadas nos termos previsto na lei é ilidível mediante prova cabal ou indícios fundados de que não reflectem a matéria tributável do sujeito passivo (art. 75º nºs 1 e 2 al. a) LGT) O negócio jurídico realizado pelo representante em nome do representado, nos limites dos poderes que lhe competem, produz os seus efeitos na esfera jurídica deste último (art. 258º CCivil) 2. No caso concreto a conjugação da prova documental e testemunhal produzida permite a conclusão inequívoca de que os impugnantes apenas receberam do valor de realização do imóvel alienado a quantia de 30.179.360$00 (€ 150.534,01) e não a quantia de €448.918,11 constante da declaração de substituição (factos provados als C) E) J)); a quantia de 180.000.000$00 correspondente ao preço de venda do imóvel foi recebida na data da celebração da escritura pelo procurador D………… (factos provados als. D) F) A projecção dos efeitos do negócio jurídico realizado pelo procurador na esfera jurídica dos sujeitos passivos não impede que a quantificação da matéria tributável corresponda ao real acréscimo de rendimento auferido por aqueles, segundo os princípios supra enunciados. A natureza divisível do acto tributário permite a anulação parcial da liquidação, circunscrita à parcela resultante do excesso do valor de realização do imóvel indevidamente considerado, superior ao montante realmente obtido pelos sujeitos passivos (30 179 360$00 = € 150 534,01; factos provados als. C e E) CONCLUSÃO O recurso merece provimento parcial. A sentença impugnada deve ser revogada e substituída por acórdão que anule a liquidação de IRS na parcela resultante do excedente da quantia de 30.179.360$00 (€150.534,01) como valor de realização do imóvel.». Foram colhidos os vistos legais. 2. Objeto do recurso. O objeto do recurso é de definir, de acordo com as conclusões da recorrente, salvo questões de conhecimento oficioso de que cumpra conhecer – artigos 635.º n.º 4 e 608.º n.º 2 do C.P.C.. Ora, nas mesmas é invocada ilegalidade do decidido por erro sobre os pressupostos da liquidação, considerado relativamente ao art. 10.º n.º 1, a), do C.I.R.S.. No entanto, tal concretiza-se no conhecimento das seguintes duas questões: - Se a procuração irrevogável não afasta que a escritura de compra e venda produza efeitos na esfera jurídica dos recorrentes; - Se, ao contrário do decidido, é de atender ao valor declarado pelos impugnantes, de acordo com o constante da escritura pública de compra e venda. Com efeito, quanto à 1.ª questão, resulta na sentença recorrida ter sido recusada a aplicação do art. 258.º do Código Civil (CCiv66), com fundamento em jurisprudência dos Tribunais comuns que se cita; e a recorrente invoca a esse respeito que o disposto nos artigos 262.º n.º 1 e 265.º do CCiv66 não obsta à dita tributação. Quanto à 2.ª questão, foi considerado na sentença recorrida ter sido comprovado na impugnação o valor efetivamente recebido pelo impugnante na alienação do imóvel em causa, tendo sido anulado com esse fundamento a liquidação, fazendo aplicação do princípio da prevalência da substância sobre a forma, bem como dos demais princípios previstos no n.º 2 do art. 5.º da L.G.T.; e a recorrente invoca a este respeito que, para efeitos do art. 44.º n.º 3 do C.I.R.S., é de atender ao valor declarado pelos contribuintes e comprovado por documento autêntico. 3. Fundamentação. 3.1. A sentença recorrida deu como provada a seguinte matéria de facto: «A) Em 7 de abril de 2000, foi outorgado escrito denominado de “CONTRATO- PROMESSA DE COMPRA E VENDA”, do qual resulta que o Impugnante marido e E…………, prometem vender a C…………, pelo valor de 60.000.000$00, o prédio rústico sito na ……… – ………, com a área de 13.000 m2, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o n.º 03213/280897, da freguesia do ………, concelho de Palmela e inscrito na respetiva matriz predial rústica sob o artigo 339 (cfr. fls. 15 a 17 do suporte físico dos autos). B) Resulta do teor do escrito referido em A), entre o mais, o seguinte: “(…) CLÁUSULA QUARTA O preço ajustado será pago do seguinte modo:a) Esc. 20.000.000$00 (vinte milhões de escudos), no contrato-promessa, de que os PRIMEIROS OUTORGANTES dão, no presente, integral quitação. b) Esc. 40.000.000$00 (quarenta milhões de escudos); 180 dias após a assinatura deste contrato, aquando da realização da escritura. (...) CLÁUSULA SÉTIMA A escritura será marcada pelo SEGUNDO OUTORGANTE, devendo ser celebrada até 180 dias após a assinatura do presente CONTRATO e em simultâneo ao pagamento constante da alínea b) da cláusula quarta anterior.” (cfr. fls. 15 a 17 do suporte físico dos autos).C) Em 7 de abril de 2000, foi depositado no Balcão de ………, do Banco Internacional de Crédito, a favor do Impugnante marido, o cheque n.º 23618205, do Banco Espírito Santo, no valor 10.000.000$00 (cfr. fls. 18 do suporte físico das autos). D) Em 7 de dezembro de 2000, no Cartório Notarial da Baixa da Banheira, foi outorgada escrita denominado de “PROCURAÇÃO”, da qual resulta o seguinte: “A…………, e mulher, B…………, casados sob o regime de comunhão de adquiridos, (...) pelo presente instrumento constituem seus bastante procuradores C…………, casado, natural da freguesia de S. Pedro, concelho do Funchal e D…………, casado, natural da freguesia e concelho de Pinhal, ambos com domicílio profissional para o efeito no ………, ………, ……, ……, Lisboa, a quem concedem os poderes necessários, incluindo a faculdade de substabelecer para em conjunto ou separadamente vender; prometer vender; receber os respectivos preços e dar as necessárias quitações, conforme lhes aprouver, o prédio rústico sito na ……… - ………, freguesia de ………, concelho de Palmela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o número zero três mil e duzentos e treze de vinte e oito de Agosto de mil novecentos e noventa e sete, da referida freguesia podendo outorgar a respectiva escritura, assinar contratos-promessa, representá-los junto das autoridades administrativas, nomeadamente, Conservatórias de Registo Predial, Repartições de Finanças e Câmaras Municipais, podendo pedir certidões e proceder a quaisquer registos definitivos ou provisórios e tudo quanto for necessário à prossecução dos aludidos fins. Sendo esta procuração conferida também no interesse dos mandatários, é irrevogável, nos termos do n.º 2 do artigo 1170º e 1175º do Código Civil, não caducando os poderes nela conferidos por morte, interdição ou inabilitação dos mandantes, podendo ser utilizada em negócio consigo mesmo. (…)”. (cfr. fls. 28 a 30 do suporte físico dos autos). E) Em 12 de dezembro de 2000, foi depositado no Balcão de ………, do Banco Internacional de Crédito, a favor do Impugnante marido, o cheque n.º 4206245, do Banco Espírito Santo, no valor 20.000.000$00, o cheque n.º 20031569, do Banco Comercial Português, no montante de 170.000$00 e o cheque n.º 6959611, do Banco Totta, no valor de 9.360$00 (cfr. fls. 19 do suporte físico dos autos). F) Em 3 de julho de 2001, no Vigésimo Sétimo Cartório Notarial de Lisboa, foi outorgado escrito denominado de “Compra e Venda, Mútuo com Hipoteca e Fiança”, entre o mais, com o seguinte teor: “(…) PRIMEIRO D…………, (...) outorga na qualidade de procurador de:a) E…………, (...) b) A…………, (...) devidamente autorizado por sua mulher B………… (...) SEGUNDO …………, (...) e mulher ………… (...); e …………, (...) e mulher …………, (…), outorgando eles maridos por si e ainda na qualidade de únicos sócios e gerentes, em nome e representação da sociedade comercial por quotas “F…………, LDA” (...)DECLAROU O PRIMEIRO OUTORGANTE, NA INVOCADA QUALIDADE: Que, em nome dos seus representados e pelo preço de CENTO E OITENTA MILHÕES DE ESCUDOS, que já recebeu, vende, à sociedade representada dos segundos outorgantes maridos, o prédio rústico, sito em ………, ………, freguesia de ………, concelho de Palmela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Palmela sob o número três mil duzentos e treze, nela registada, a sua aquisição a favor dos vendedores, pelas inscrições G-UM e G-DOIS, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 339, Secção G, com o valor patrimonial de 25. 560$00. PELOS SEGUNDOS OUTORGANTES MARIDOS, FOI DITO: —-----------------—-—----- Que, para a sociedade sua representada, a deitam a presente venda nos termos expostos e que o prédio ora adquirido se destina a revenda. —-—-—-—------——-—---- (…)” (cfr. fls. 20 a 25 do suporte físico dos autos). G) Em 24 de abril de 2002, os Impugnantes apresentaram declaração de rendimentos - modelo 3, relativa ao ano de 2001, com os anexos B e F (cfr. fls. 6 a 8 do processo administrativo em apenso). H) Consta no sistema interno dos Serviços de IRS que a declaração de rendimentos referida na alínea antecedente deu origem à liquidação n.º 5112854764, de 11 de agosto de 2002, no valor de 550,67€ (cfr. fls. 22 do processo administrativo em apenso). 1) Pelo ofício n.º 25384, datado de 09/09/2005, a Direção de Finanças de Setúbal comunicou ao Impugnante marido o seguinte: “De acordo com a informação disponível nos registos em poder desta Direcção de Finanças, nomeadamente a fornecida através das declarações modelo 11, remetidas pelos Notários e outras entidades, verificou-se que no ano de 2001 V. Exa., procedeu à alienação de bens imóveis. Atendendo a que os rendimentos resultantes da alienação de imóveis estão sujeitos a tributação em sede de IRS, deverá a sua alienação ser contemplada no anexo G da declaração de rendimentos modelo 3, salvo se aos mesmos for aplicável a exclusão prevista no art.º 5.º do Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 30 de Novembro. No que se refere ao valor de alienação a ser considerado, deverá ter-se em consideração o determinado nos artigos 44, 45 e 46, do Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares. Caso a alienação não seja declarada ou seja evidenciada por valor inferior ao previsto na lei, os Serviços desencadearão os procedimentos tendentes à posterior liquidação do imposto, acrescido dos correspondentes juros compensatórios, bem como à fixação da respectiva coima. (…)” (cfr. fls. 31 do suporte físico dos autos). J) Em 19 de setembro de 2005, os Impugnantes apresentaram declaração de rendimentos - modelo 3, relativa ao ano de 2001 (declaração de substituição), com os anexos B, F, G e H, constando no anexo G, relativo à declaração de Mais-Valias e Outros Incrementos Patrimoniais, entre o mais, o seguinte: “(…) 4. ALIENAÇÃO ONEROSA DE DIREITOS REAIS SOBRE BENS/MÓVEIS E AFECTAÇÃO DE QUAISQUER BENS A ACTIVIDADE EMPRESARIAL E PROFISSIONAL — Artigo 10.º, n.º 1, alínea-a) K) Em 28 de setembro de 2005, foi efetuada a liquidação n.º 2005 5004263765, relativa aos rendimentos do ano de 2001 dos impugnantes, entre o mais, com o seguinte conteúdo: (…)” (cfr. fls. 13 do suporte físico dos autos) L) Em 3 de outubro de 2005, foi efetuada a compensação n.º 2005 00012527477, relativa aos rendimentos do ano de 2001 dos lmpugnantes, com o seguinte conteúdo: M) C………… adquiriu o prédio referido na alínea A) como forma de investimento e com o objetivo de o vender (depoimento das testemunhas C………… e D…………). N) Em data não apurada, C………… declarou aos sócios e gerentes da sociedade “F…………, Lda.”, ………… e …………, ser o dono do prédio referido na alínea A) (depoimento das testemunhas ………… e …………).». 3.2. Se a procuração irrevogável não afasta que a escritura de compra e venda produza efeitos na esfera jurídica dos recorrentes quanto à tributação de mais-valias prevista no art. 10.º n.º 1, a), do C.I.R.S.. De acordo com o artigo 262.º n.º 1 do CCiv66, resulta que a procuração produz, em geral, efeitos na pessoa do representado. No caso da procuração irrevogável, sobre o que rege o art. 265.º n.º 3 do mesmo Código, resulta que a procuração não pode ser revogada ou extinta pelo procurador quando é passada não só no interesse do representado ou de terceiro, salvo se ocorrer justa causa. Tendo ocorrido a outorga de procuração irrevogável pelo impugnante, bem como o pagamento do preço do prédio na parte que lhe cabia, no total de 30 179 360$00, conforme resulta dos pontos da matéria de facto C) e E), consideramos, ainda assim, não ser de afastar que a procuração pudesse produzir efeitos pela escritura de compra e venda do dito prédio. Com efeito, para que se considerasse o contrário, importava que resultasse ainda comprovada a transmissão material da propriedade ou, pelo menos, as respetivas responsabilidades - assim, José Maria Fernandes Pires, em Lições de Impostos Sobre o Património e do Selo, 2.ª ed. Almedina 2012, pág. 291; Pedro Leitão de Pais de Vasconcelos, em A Procuração Irrevogável, ed. Almedina 2012, a pág. 110. Aliás, no acórdão do T.C.A. Sul de 9-6-2016, proferido no processo 03312/09, acessível em www.dgsi.pt, considerou-se que “a outorga de procuração irrevogável não afasta a produção de efeitos na esfera jurídica do Recorrido, pois os negócios jurídicos produzidos por procurador a quem foram conferidos poderes de representação produzem os seus efeitos em relação aos representados”. 3.3. Se, para efeito do art. 10.º 1, a), do CIRS, e ao contrário do decidido, é de atender ao valor declarado pelos impugnantes, de acordo com o constante da escritura pública de compra e venda. Observa-se ter sido declarado pelos impugnantes, para efeitos de tributação em sede de IRS, o valor dado por recebido na dita escritura (a 50%, conforme era de sua responsabilidade), conforme consta assinalado na al. J) do probatório, o que ocorreu na sequência de convite efetuado pela A. T. a que se refere a anterior al. L). No entanto, ainda que a liquidação esteja de acordo com o declarado, este constitui presunção, de acordo com o previsto no art. 75.º n.º 1 da L.G.T. -“presumem-se verdadeiras e de boa-fé as declarações dos contribuintes”- que não impede que seja elidida a presunção do valor de realização, de acordo com o art. 73.º da L.G.T. - “as presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”- por referência à norma contida no art. 44.º n.º 3 do C.I.R.S. - o valor de realização, nos casos não previstos nos n.ºs anteriores é o “da respectiva contraprestação”. Aliás, a declaração efetuada pelo procurador na escritura que veio a ser celebrada não tem força probatória plena, de acordo com o estatuído no art. 371.º do Código Civil, conforme é há muito entendimento da jurisprudência de acordo com a doutrina que cita – assim, nomeadamente, nos acórdãos do S.T.A. de 31-5-2006 proferido no proc. 0200/06 e do S.T.J. de 7-2-08, publicado em Col. Jur. de Acórdãos do S.T.J. Ano XVI, tomo 1, pág. 77 a 82. Assim, é de admitir também a elisão da presunção mediante prova quanto ao valor real – nesse sentido, acórdão do S.T.A. de 16-11-2011 proferido no processo n.º 0289/11 -, sob pena de se verificar inconstitucionalidade – acórdão do Tribunal Constitucional de 2-5-2017, n.º 211/17, acessível em www.tribunalconstitucional.pt. De acordo com a doutrina por este citada, tal impõe-se de acordo com o princípio da capacidade contributiva que decorre do princípio constitucional da igualdade (art. 13.º da C.R.P.), em articulação com os arts. 103.º n.º 1 e 104.º n.º 2 da C.R.P. – princípios da repartição justa dos rendimentos e da riqueza e da tributação sobre o rendimento real. Ora, é na aplicação destes princípios, a par do da progressividade (art. 103.º n.º 1 da C.R.P.) que resulta não haver ilegalidade no decidido que anulou a liquidação por esse sobre os pressupostos quanto ao valor de realização considerado não ser o real, bem como fazendo aplicação do princípio da justiça material previsto ainda no art. 5.º n.º 2 da L.G.T.. Consideramos ainda não ser possível anular parcialmente a liquidação, conforme propugnado pelo magistrado do Ministério Público no seu parecer. Com efeito, tal implicaria a aplicação de outra taxa de IRS, de acordo com o previsto na respetiva tabela (art. 68.ºdo CIRS) e, envolvendo matéria de direito, exige-se a prática de novo ato tributário, caso tal seja ainda possível – nesse sentido, Jorge Lopes de Sousa, em Código de Procedimento e Processo Tributário, 6.ª ed., 2011, Vol. III, págs. 343 e 525 e acórdão do S.T.A. de 28-6-2017, no processo n.º 01129/16, em www.dgsi.pt, citando vários outros acórdãos no mesmo sentido. 4. Decisão: Os Juízes Conselheiros do S.T.A. acordam em negar provimento ao recurso e confirmar a sentença recorrida. Custas pela recorrente. Lisboa, 4 de dezembro de 2019. - Paulo Antunes (relator) - Ascensão Lopes - José Gomes Correia. |