Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0325/14.8BEMDL
Data do Acordão:01/08/2020
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ARAGÃO SEIA
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P25381
Nº do Documento:SA2202001080325/14
Data de Entrada:05/03/2019
Recorrente:PE... - PARQUE DA ..., SA
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam os juízes da secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:

PE... – PARQUE EÓLICO DA ……….., SA, inconformada, interpôs recurso da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela (TAF de Mirandela) datada de 27 de Setembro de 2018, que julgou improcedente a impugnação deduzida contra a segunda avaliação de fixação do valor patrimonial tributário efectuada à torre eólica, aerogerador do parque eólico sito na freguesia do ……, no concelho de Montalegre, no valor de € 406.710,00.

Alegou, tendo concluído como se segue:
A) Delimita-se o objecto do presente recurso à análise das seguintes questões jurídicas:
i.) Se os aerogeradores de parques eólicos são prédios na acepção do artigo 2.° do CIMI;
ii.) Em face de eventual resposta positiva à questão anterior (no que não se concede), se:
a) Um aerogerador é um prédio classificável como urbano da espécie «outros» na acepção do artigo 6.°, n.ºs 1, alínea d), e 4, do CIMI;
b) Se lhe é aplicável o método de avaliação residual previsto no artigo 46.°, n.° 2, do CIMI, em detrimento do método de avaliação geral previsto no artigo 38.° do CIMI;
c) Se o acto tributário impugnado padece do vício de falta de fundamentação.
• DO ERRO DE JULGAMENTO DA SENTENÇA RECORRIDA CONCERNENTE À PRETENSA SUBSUNÇÃO DO AEROGERADOR EM REFERÊNCIA NO CONCEITO DE PRÉDIO PREVISTO NO ARTIGO 2.° DO CIMI
B) Discorda a Recorrente da posição adoptada pelo Douto Tribunal a quo quando subsume o aerogerador visado no conceito de prédio para efeitos fiscais, na medida em que claudicam os elementos atinentes à natureza física e económica ínsitos no conceito de prédio previsto no artigo 2.° do CIMI, sendo certo que uma interpretação conforme à Lei fundamental — in casu, aos princípios constitucionais plasmados nos artigos 103.°, n.° 2, 165.°, n.° 1, alínea i), e 112.° da CRP — pressupõe necessariamente a não aplicação deste preceito legal à realidade em presença;
C) No que especificamente respeita ao elemento atinente à natureza física, entende a Recorrente que o mesmo não se encontra preenchido uma vez que os aerogeradores de parques eólicos constituem conjuntos integrados de componentes — equipamentos — necessários à produção de energia eléctrica, não possuindo a sapata de betão e a estrutura tubular metálica autonomia funcional intrínseca, não sendo subsumíveis nos conceitos de construção e edificação;
D) No que especificamente respeita ao elemento atinente à natureza económica, não possuindo a sapata de betão e a estrutura tubular metálica autonomia funcional relativamente aos demais componentes integrantes do aerogerador, também não a possui, pelos mesmos motivos e maioria de razão, a nível económico, claudicando, em consequência, o preenchimento do requisito em apreço, conforme já foi aliás expressamente decidido pela jurisprudência dos tribunais superiores, inclusivamente por esse Douto Tribunal ad quem;
E) Em consequência, inversamente ao sentido decisório propalado na sentença recorrida, mantêm plena razão de ser os argumentos esgrimidos nos artigos 38.° a 51.º da petição inicial, os quais se dão por integralmente reproduzidos na presente sede;
F) Com efeito, a subsunção da realidade em presença no conceito de prédio previsto no artigo 2.° do CIMI não pode deixar de ser vista como um meio inadmissível de determinação da incidência tributária em sede de IMI, bulindo directamente com a tipicidade inerente ao escopo garantístico do princípio da legalidade tributária previsto nos artigos 103.°, n.° 2, da CRP, e 8.°, n.° 1, da LGT;
G) Ademais, provindo do entendimento vertido pela Administração Tributária na Circular n.° 8/2013, de 4 de Outubro de 2013, do Director-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, equivale a admitir como possível a definição de obrigações tributárias por meras orientações administrativas, hipótese que resulta manifestamente incompatível com o disposto no artigo 112.°, n.° 1, da CRP, com o referido princípio da legalidade tributária previsto nos artigos 103.° da CRP e 8.º da LGT e, de igual modo, com o princípio da reserva de lei previsto no artigo 165.°, n.° 1, alínea i), da CRP;
H) Tudo ponderado, conclui-se não serem os aerogeradores de parques eólicos prédios na acepção do artigo 2.° do CIMI, constituindo os seus diversos componentes bens de equipamento não enquadráveis nos conceitos de construção e edifício, carecendo igualmente de valor económico autónomo;
I) Nestes termos, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que julgue totalmente procedente o presente recurso, revogando a decisão recorrida com fundamento em erro de julgamento por incorrecta aplicação do regime insito no artigo 2.° do CIMI e, nessa medida, nos artigos 103.°, n.° 2, 165.°, n.° 1, alínea i), e 112.°, n.° 1, da CRP, tudo com as demais consequências legais;
• DO ERRO DE JULGAMENTO CONCERNENTE AO ENQUADRAMENTO DO AEROGERADOR NO CONCEITO DE PRÉDIO URBANO DA ESPÉCIE «OUTROS» PREVISTO NO ARTIGO 6.°. N.ºs 1. ALÍNEA D). E 4. DO CIMI
J) O Douto Tribunal a quo entende subsumir-se o aerogerador visado no conceito de prédio urbano da espécie «outros» na acepção do artigo 6.°, n.ºs 1, alínea d), e 4, do CIMI;
K) Discorda a Recorrente da posição adoptada pelo Douto Tribunal a quo, na medida em que desenvolve a sua actividade no sector da indústria energética, possuindo, nesse contexto e para esse efeito, licença de exploração emitida pela Direcção-geral de Energia e Geologia, motivo pelo qual a torre eólica em presença não pode deixar de constituir um prédio urbano enquadrável na espécie «industrial» na acepção do artigo 6.°, n.°s 1, alínea b), e 2, do CIMI;
L) Por outras palavras, tendo a Recorrente licença para desenvolver uma actividade industrial — e, ainda que assim não se considerasse, tendo a exploração de um parque eólico como destino normal tal fim —, a torre eólica em presença sempre teria de ser enquadrada no conceito de prédio urbano da espécie «industrial» na acepção do artigo 6.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, do CIMI;
M) Por outro lado, e inexplicavelmente, afirma ainda o Douto Tribunal a quo não poder decidir esta questão por inexistirem documentos e factos alegados pela Recorrente para se poder pronunciar sobre esta matéria;
N) Importa salientar que a actividade industrial prosseguida pela Recorrente é um facto público e notório, não carecendo, por isso, de alegação ou prova, nos termos e para os efeitos do artigo 412.° do CPC;
O) Não obstante, cumpre reiterar que estes factos foram devidamente alegados e provados documentalmente (cfr. artigos 54.° a 59.° da petição inicial e documento n.° 6 junto à mesma), tendo também a Recorrente junto, no que respeita especificamente a esta matéria, dois pareceres jurídicos da autoria do Professor Doutor Casalta Nabais e dos Doutores Silvério Mateus e Branco Guimarães, bem como Acórdão do Tribunal Central Administrativo Sul n.° 08035/14, de 4 de Junho de 2015, através dos requerimentos apresentados a 7 de Maio de 2015 e 8 de Janeiro de 2016, respectivamente;
P) Perante o exposto, entende a Recorrente não merecer acolhimento a posição sufragada pelo Douto Tribunal a quo quanto ao enquadramento do alegado prédio urbano na espécie «outros» na acepção do artigo 6.°, n.°s 1, alínea d), e 4, do CIMI, enquadrando-se o mesmo indubitavelmente na espécie «industrial» prevista no artigo 6.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, do CIMI;
Q) Nestes termos, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que julgue totalmente procedente o presente recurso, considerando enfermar o acto tributário em crise de ilegalidade — geradora de anulabilidade nos termos do então 135.° do CPA — com fundamento na incorrecta aplicação do regime ínsito no artigo 6.°, n.ºs 1, alínea d), e 4, do CIMI, tudo com as demais consequências legais.
• DA ERRÓNEA APLICAÇÃO DO MÉTODO DE AVALIAÇÃO PREVISTO NO ARTIGO 46.°, N.° 2. DO CIMI
R) O Tribunal a quo entende ser aplicável ao aerogerador em referência o método de avaliação previsto no artigo 46.°, n.° 2, do CIMI por tal alegado prédio urbano ser enquadrável na espécie «outros» na acepção do artigo 6.°, n.°s 1, alínea d), e 4, do CIMI;
S) Discorda a Recorrente desta posição por considerar que, sendo o alegado prédio urbano enquadrável na espécie «industrial», a sua avaliação deveria ter sido realizada nos termos do artigo 38.° do CIMI, não sendo aplicável o regime do artigo 46.º, n.° 2, do CIMI;
T) Não obstante, mesmo que o alegado prédio fosse enquadrável na espécie «outros», a sua avaliação deveria, de igual modo, ter tido lugar nos termos do artigo 38.° do CIMI;
U) Com efeito, entende a Recorrente retirar-se da letra da lei o carácter supletivo do método de avaliação previsto no artigo 46.º n.° 2, do CIMI e, por conseguinte, a circunstância do mesmo só ser aplicável «no caso de não ser possível utilizar as regras do artigo 38.° [do CIMI]», o que efectivamente não sucede no caso em análise, conforme indubitavelmente resulta das simulações apresentadas pela Recorrente na petição inicial;
V) Nestes termos, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que julgue totalmente procedente o presente recurso, considerando enfermar o acto tributário em crise de ilegalidade — geradora de anulabilidade nos termos do então artigo 135.° do CPA — com fundamento na incorrecta aplicação do regime ínsito no 46.°, n.° 2, do CIMI, tudo com as demais consequências legais;
• DA FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO DO ACTO IMPUGNADO
W) Discorda a Recorrente da posição adoptada pelo Douto Tribunal a quo, na medida em que a avaliação notificada omite os motivos na origem da aplicação do método de avaliação residual do artigo 46.°, n.° 2, do CIMI, omitindo também com base em que elementos e documentos determinou a Administração Tributária os quantitativos utilizados nas diversas parcelas que compõem a fórmula matemática utilizada no apuramento do valor patrimonial tributário;
X) Resulta assim evidente não se encontrar a Recorrente em condições de aferir da fidedignidade dos valores apresentados nem da bondade da sua aplicação, impendendo o respectivo ónus probatório sobre a Administração Tributária nos termos do artigo 74.°, n.° 1, da LGT;
V) Conclui-se portanto padecer o acto tributário de segunda avaliação do vício de falta de fundamentação por omitir o itinerário cognoscitivo e valorativo na origem da sua prática — isto é, as razões conducentes à aplicação do método de avaliação previsto no artigo 46.º, n.° 2, do CIMI e, bem assim, os documentos que concorreram para o apuramento dos valores avançados ao abrigo desse regime;
Z) Nestes termos, requer-se a esse Douto Tribunal ad quem que julgue totalmente procedente o presente recurso, considerando enfermar o acto tributário em crise de ilegalidade — geradora de anulabilidade nos termos do então artigo 135.° do CPA — por preterição do regime ínsito nos artigos 268.°, n.° 3, da CRP, 77.º e 84.°, n.° 3, da LGT, tudo com as demais consequências legais.

Não houve contra-alegações.

O Ministério Público notificado, pronunciou-se no sentido de que relativamente à questão de se saber se os aerogeradores de parques eólicos são prédios na acepção do artº 2º do CIMI, a resposta deverá ser negativa e assim sendo, as demais questões serão de julgar o seu conhecimento prejudicado, sendo consequentemente o recurso procedente.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

Na sentença recorrida deu-se como assente a seguinte factualidade concreta:
1. A Impugnante é uma sociedade comercial anónima, com sede e direcção efectiva em Portugal, que se dedica à produção, transporte, venda e distribuição de electricidade proveniente do sector das energias renováveis.
2. A Impugnante é titular e proprietária de parque eólico sito na Freguesia do ……, no concelho de Montalegre, composto por oito aerogeradores da marca e modelo GE-GEWE 1.5 S.
3. Cada um dos referidos aerogeradores é composto por uma sapata de betão (“fundação”) com 132,25 m2; uma estrutura tubular metálica (“torre”) constituída por seis pisos, com 11,00 m2 (junto à base) e 5,30 m2 (junto à nacelle); uma nacelle um rotor e três pás.
4. Ao A. foi-lhe concedida a licença de exploração para o parque eólico em apreço.
5. O dito parque eólico iniciou a sua exploração no ano de 2005.
6. No dia 2 de Janeiro de 2014, a Impugnante foi notificada do ofício n.º 15.448.170, do Chefe do Serviço de Finanças de Montalegre, contendo o seguinte:
«Em resultado da avaliação efectuada ao PRÉDIO TIPO “OUTROS” inscrito na matriz predial urbana sob o artigo P-1858 da freguesia …… ……., foi atribuído a Valor Patrimonial Tributário abaixo descrito [EUR 414.910,00], apurado nos termos do n.º 2, do artigo 46.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis».
7. A Impugnante procurou determinar junto do serviço de finanças a realidade avaliada - isto é, o alegado prédio (tipo «outros») inscrito na matriz predial urbana sob o artigo P-1858, tendo constatado corresponder à torre eólica (aerogerador) do parque eólico denominado “PARQUE EÓLICO DA ……….. (……..)”.
8. Ao alegado prédio foi atribuído o valor patrimonial tributário de EUR 414.910,00, determinado mediante a aplicação da seguinte fórmula: valor patrimonial tributário = valor do terreno + valor da construção.
9. Por ter discordado da notificação a Impugnante apresentou perante o serviço de finanças pedido de segunda avaliação nos termos do artigo 76.º n.º 1, do CIMI, sustentando o seguinte: “(...) A Requerente [Impugnante](...) por entender que a realidade em causa [aerogerador do parque eólico] não é susceptível de configurar um prédio para efeitos de IMI […] o valor patrimonial tributário em apreço não pode deixar de ser determinado de acordo com as regras do art.º 38.º do CIMI, não se alcançando o motivo pelo qual foi utilizado o critério supletivo previsto no art.º 46.°, n.º 2, do CIMI […] sempre se dirá não terem as avaliações sido acompanhadas de adequada fundamentação, na medida em que em momento algum foram facultados à Requerente os elementos e documentos que estiveram na base da determinação das diversas parcelas que concorreram para o apuramento do valor patrimonial tributário em causa” - cfr. doc. 9 da PI;
10. Esta 2.ª avaliação foi efectuada e teve a participação de um representante da Impugnante.
11. Em 23/4/2014 a Impugnante foi notificada do ofício n.º 15.591.449 do Chefe do SF de Montalegre contendo o resultado da segunda avaliação a que foi atribuído o valor patrimonial tributário de 406.700,00€.
12. O valor patrimonial atribuído foi determinado mediante a aplicação da seguinte fórmula: valor patrimonial tributário = (área do terreno x preço m2) + (área bruta de construção x custo m2).
13. Para a aplicação da referida fórmula concorreram os seguintes valores: área total do terreno = 153,00 m2; preço m2 = EUR 0,50; área bruta de construção da sapata = 300,00 m2 e custo m2= EUR 265,00; área bruta de construção do betão de limpeza = 40,00 m2 e custo m2 = EUR 55,00; área bruta de construção da estrutura metálica da torre = 60,00 m2 e custo = EUR 5.415,00.
14. Esta acção deu entrada em 28/7/2014.
Nada mais se deu como provado.

A questão que vem colocada neste recurso tem sido respondida de modo uniforme no sentido contrário ao adoptado na sentença recorrida.
Porque não se vê que se deva agora divergir dessa jurisprudência uniforme seguiremos de perto o que se deixou dito no acórdão datado de 17.01.2018, rec. n.º 01109/17:
...nesta parte seguimos a jurisprudência já abundante e uniforme deste STA iniciada com o acórdão de 15/03/2017, no Processo n.º 0140/15, assim sumariado:
I - Para efeitos de Imposto Municipal sobre Imóveis, “prédio” é toda a fração de território, abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes com carácter de permanência (elemento físico), que faça parte do património de uma pessoa singular ou coletiva (elemento jurídico) e que em circunstâncias normais tenha valor económico (elemento económico) – art. 2º do CIMI.
II - Um Parque Eólico estrutura-se sobre uma fração de território, que ocupa, organizando-se com variados e interligados elementos constituintes ou partes componentes (onde se destacam os aerogeradores conectados em paralelo, os postos de transformação, as linhas áreas e os cabos subterrâneas de ligação, a subestação e o centro de comando), com ligação ao solo com carácter de permanência, sendo esse conjunto de elementos imprescindível à atividade económica que se pretende desenvolver: a produção de energia elétrica, através da atividade de transformação da energia eólica, e a sua injeção no sistema elétrico de potência para venda de acordo com a tarifa regulada em Portugal, sendo essa injeção ou conexão ao sistema elétrico um dos principais parâmetros de um parque eólico.
III - Os elementos constituintes e partes componentes de um parque eólico não podem, de per si, ser considerados como prédios urbanos da espécie “outros”, na medida em que não constituem partes economicamente independentes, isto é, não têm aptidão suficiente para, por si só, desenvolverem a referida atividade económica, caracterizando-se como elementos ad integrandum domum, sem autonomia económica relativamente ao todo de que fazem parte.
IV - Nas situações em que um Parque Eólico é constituído por diversos subparques que se encontram funcionalmente interligados entre si, não possuindo autonomia económica relativamente ao todo de que fazem parte, não é aceitável a inscrição oficiosa na matriz predial de cada subparque como um prédio urbano da espécie “outros”, nem, por consequência, a sua avaliação como tal.
Ora a principal questão suscitada nestes autos é também a de saber se, e em que medida, o aerogerador/torre eólica modelo E-82 deve ser considerado prédio nos termos do artigo 2.º do Código do IMI.
A mesma questão relativa à susceptibilidade de cada aerogerador, como defendeu em 1ª instância a recorrida integrar o conceito de prédio para efeito de tributação em sede de IMI foi já apreciada no referido acórdão deste Supremo Tribunal Administrativo no sentido que merece o nosso inteiro assentimento, sem que neste processo se vislumbrem argumentos diversos, ali não consideramos, e, que de algum modo nos possam fazer divergir do entendimento ali expresso, que, por isso, aqui reafirmamos inteiramente e, passamos a citar:
«(…) o conceito fiscal de “prédio”, para efeitos de incidência do IMI, afasta-se da noção civilística contida no art.º 204º do Código Civil, corporizando um conceito mais amplo, «porquanto prevê a existência de um elemento de natureza física (o território, o qual deve ser autónomo e ter um carácter de permanência); um elemento de natureza jurídica (resultante da necessidade do prédio fazer parte do património de uma pessoa física ou jurídica) e um elemento de natureza económica (traduzido na exigência de possuir um valor económico em circunstâncias normais), sendo «que só com a confluência dos três elementos podemos qualificar determinada realidade como prédio para efeitos de enquadramento em sede de IMI».
Entendimento que se mostra correto, na medida em que o art.º 2º do CIMI define o conceito de prédio do seguinte modo:
«1 - Para efeitos do presente Código, prédio é toda a fracção de território, abrangendo as águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes, com carácter de permanência, desde que faça parte do património de uma pessoa singular ou colectiva e, em circunstâncias normais, tenha valor económico, bem como as águas, plantações, edifícios ou construções, nas circunstâncias anteriores, dotados de autonomia económica em relação ao terreno onde se encontrem implantados, embora situados numa fracção de território que constitua parte integrante de um património diverso ou não tenha natureza patrimonial.
2 - Os edifícios ou construções, ainda que móveis por natureza, são havidos como tendo carácter de permanência quando afectos a fins não transitórios.
3 - Presume-se o carácter de permanência quando os edifícios ou construções estiverem assentes no mesmo local por um período superior a um ano.».
Temos, assim, que para efeitos deste imposto, “prédio” é toda a fracção de território (elemento físico), abrangendo águas, plantações, edifícios e construções de qualquer natureza nela incorporados ou assentes com carácter de permanência, que faça parte do património de pessoa singular ou coletiva (elemento jurídico) e que em circunstâncias normais tenha valor económico (elemento económico).
Posto isto, e vista a importância vital do elemento de natureza económica, traduzido na necessidade de a fracção de território em causa possuir, por si só, valor económico para poder ser qualificado como “prédio” para efeitos de incidência objectiva de IMI, a problemática reside, desde logo, em saber se, à luz desta norma, um “parque eólico” pode ser classificado como “prédio” nos termos e para os efeitos da inscrição na matriz predial e consequente avaliação e tributação neste imposto municipal sobre o património imobiliário.
O que passa, necessariamente, por saber o que é um parque eólico.
Da leitura de obras técnicas da especialidade (Cfr., entre outras, a dissertação de mestrado de YESMARY CAROLINA DA SILVA GOUVEIA, no Instituto Superior de Engenharia de Lisboa - Área Departamental de Engenharia Civil, intitulado “Construção de um Parque Eólico Industrial” e bibliografia aí citada.) decorre, de forma clara, que o objetivo final de um parque eólico consiste no aproveitamento da velocidade do vento para a produção de energia elétrica, sendo que, para que tal aconteça, é necessário que o parque seja constituído por alguns elementos essenciais, nomeadamente por um conjunto de aerogeradores que são interligados por cabos de média tensão e cabos de comunicação ligados a uma subestação e a um edifício de comando, que se liga a uma (habitualmente aérea) rede elétrica de transporte.
Deste modo, um parque eólico é constituído por um conjunto obrigatório e interligado de bens, equipamentos e infraestruturas – aerogeradores (Cada um composto por uma sapata de betão ou “fundação”, uma estrutura metálica ou “torre”, uma nacelle, um rotor, e três pás.), postos de transformação, edifícios de comando e de subestação, rede elétrica de cabos subterrâneos com ligação entre os aerogeradores e o edifício de comando/subestação e, no caso de existência de várias subestações, linhas elétricas de ligação destas, bem como caminhos de acesso - tudo com vista a converter a energia cinética do vento em energia elétrica e a injectá-la no sistema eléctrico de potência, sendo que os grandes parques eólicos exigem a construção de várias subestações e de linhas de transmissão para a conexão ao sistema elétrico de potência, sendo esta injeção ou conexão ao sistema elétrico um dos principais parâmetros de um parque eólico.
Em suma, um parque eólico é uma fracção de território (terrestre ou marítimo) organizado e estruturado com variados e interligados elementos constituintes e partes componentes – onde se destacam os aerogeradores conectados em paralelo (no mínimo cinco), um ou mais edifícios onde se localizam a(s) subestação(ões) e o centro de operação e manutenção – com ligação ao solo e com carácter de permanência, sendo todo esse conjunto de bens e equipamentos imprescindível à atividade económica em questão: atividade de transformação da energia eólica em energia elétrica, sua injeção no sistema elétrico de potência e consequente venda desta eletricidade à rede elétrica de acordo com a tarifa regulada em Portugal para o sector eólico em geral.
O que significa que cada um desses elementos constituintes e partes componentes de um parque eólico não pode, de per si, ser considerado um prédio urbano (“outros”), na medida em que não constitui uma parte economicamente independente, isto é, não tem aptidão suficiente para, por si só, desenvolver a aludida atividade económica (A mesma razão leva a que não possam ser considerados como “prédios” (nem a AT ousa considerá-los como tal) os diversos elementos e estruturas que integram um estádio de futebol (as balizas, as bancadas, a estrutura coberta, os balneários, etc.) ou que integram um campo de golfe (o green, o tee, o fairway, os obstáculos, o edifício de atendimento, etc.), já que cada uma dessas estruturas e elementos, que se encontram interligados e conexionados com vista ao mesmo objetivo e finalidade económica, não possuem autonomia económica em relação à fração de território ocupada, pese embora seja incontroverso que tanto o estádio de futebol como o campo de golfe constituem, à luz do mencionado preceito do CIMI, prédios urbanos para efeitos de incidência objetiva de IMI.)
Por conseguinte, e em suma, caracterizando-se como elementos ad integrandum domum, sem autonomia económica relativamente ao todo de que fazem parte, fica afastada a possibilidade de classificar como “prédios” autónomos cada um dos diversos elementos constituintes e partes componentes de um parque eólico, não só porque o seu destino normal não é diferente de todo o prédio, como, também, porque não é possível avaliá-los separadamente, na medida em que não são partes economicamente independentes.
(…).
Pelo que à míngua do terceiro pressuposto, não se pode concluir que um aerogerador pertencente a um parque eólico destinado à injecção de energia eléctrica na rede pública seja um prédio para efeitos de I.M.I., uma vez que o requisito da existência, em circunstâncias normais, do valor económico, não se verifica em relação a cada um dos aerogeradores ou de qualquer outro elemento que compõe o parque eólico (porque individualmente nenhum deles é, por si só, em circunstâncias normais, idóneo para produzir e injectar a energia na rede pública), mas apenas em relação a este (o parque eólico), na sua unidade, atenta a sua finalidade.».
Assiste, pois, razão à impugnante, ora recorrente, quando advoga que os elementos constitutivos de um parque eólico (os aerogeradores, os elementos de ligação, a estação de comando e a subestação) não se subsumem à figura de “prédio” de acordo com a definição constante no CIMI, atenta a falta de valor económico próprio.»

Assim, contrariamente ao entendimento expresso na sentença recorrida de que cada aerogerador (torre eólica) deve ser considerado como realidade distinta e que, mesmo que assim não se entenda, o desiderato da idoneidade para produção e injecção da energia na rede pública é insuficiente, por si só, para afirmar que um aerogerador não tem qualquer valor económico próprio, a falência do referido valor económico de cada aerogerador para produzir a energia eólica faz com que ele não possa ter mais que o valor dos materiais que o compõem e se reduza a uma mera coisa, insusceptível de tributação em sede de IMI.
Inexistindo a referida falta de autonomia económica, não é aceitável a inscrição desta realidade física na matriz predial como um prédio urbano, ou a sua subsequente avaliação, o que determina, a ilegalidade da sua avaliação, e, consequentemente a procedência da impugnação.
E procedendo a impugnação com este fundamento fica, prejudicado o conhecimento das demais questões suscitadas neste recurso.

Termos em que acordam os Juízes da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso, e revogar a decisão recorrida e, em substituição, julgar procedente a impugnação judicial.
Custas pela recorrida em ambas as instâncias, sendo que nesta não contra-alegou.
D.n.

Lisboa, 8 de Janeiro de 2020. – Aragão Seia (relator) – Suzana Tavares da Silva – Aníbal Ferraz.