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Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0166/22.9BELSB
Data do Acordão:09/12/2024
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:ANA CELESTE CARVALHO
Descritores:ACÇÃO
CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL
AVALIAÇÃO DE PROPOSTAS
MODELO INADEQUADO
Sumário:I - Integra o núcleo do exercício do poder administrativo a definição do sistema de avaliação do concurso, quer quanto ao critério de adjudicação da proposta economicamente mais vantajosa, nos termos do artigo 74.º, n.º 1 do CCP, no respeitante à sua respetiva modalidade – monofator ou multifator –, quer quanto aos fatores e eventuais subfatores de avaliação.
II - O modelo de avaliação, traduzindo opções decorrentes dos interesses próprios da entidade adjudicante, em relação às quais o poder judicial não se pode substituir, não está, porém, isento do controlo de legalidade, pois existem regras e limites legais definidos na lei que têm de ser respeitados.
III - Se a escala criada para os dois primeiros subfatores do fator Componente Técnica, na prática ou em concreto, não foi a mais adequada ou conveniente – e não foi – a assegurar a avaliação comparativa das propostas e a proceder que se distinguissem nos vários aspetos submetidos à concorrência, perante as demais circunstâncias do caso, isso não torna tal modelo de avaliação ilegal, por não acarretar a violação das normas e princípios jurídicos invocados pelas Recorrentes, segundo o disposto no artigo 139.º do CCP e os princípios da proporcionalidade, na vertente da adequação, e da concorrência, designadamente, por falta de densidade dos parâmetros de avaliação.
IV- O modelo de avaliação multifatorial deve comportar uma aptidão abstrata para aferir a diferenciação das propostas, independentemente dos efeitos concretos da avaliação, em função dos atributos propostos, por tal já não ser controlável pela entidade adjudicante.
V- Existir empate entre as propostas admitidas quanto a um dos fatores de avaliação, nada diz, nem acarreta, só por si, qualquer ilegalidade do sistema de avaliação das propostas definido pela entidade adjudicante, pois tal decorre da concorrência de duas circunstâncias: do concreto sistema de avaliação definido no procedimento pela entidade adjudicante e do conteúdo das propostas apresentadas pelos concorrentes.
VI - Não se pode afirmar que a igualização da classificação das propostas quanto a um dos fatores seja em si mesmo algo contrário ao direito da contratação pública, pois, se assim fosse, não teria o legislador erigido o regime legal do critério de desempate (artigo 74.º, n.º 4 do CCP), sendo também este um critério de adjudicação, embora subsidiário, que visa a escolha de uma de entre as melhores propostas admitidas ao procedimento.
VII - As escalas binárias, em si mesmo, não constituem uma violação de qualquer disposição legal, sendo de admitir que o descritor contenha apenas dois níveis, correspondente à forma mais simples do método de avaliação, por, nesta matéria, se aplicar um princípio não apenas de liberdade ou autonomia administrativa, mas também de razoabilidade, nos termos do artigo 8.º do CPA.
VIII - Essencial é que o modelo de avaliação seja apto a estabelecer diferenças relevantes entre as propostas em abstrato, independentemente do resultado concreto da avaliação e que permita a diferenciação de propostas que sejam diferentes, sob a lógica subjacente ao princípio da igualdade, que impõe o tratamento diferente do que é diferente.
IX - Pode discordar-se do modo como a entidade adjudicante definiu os dois primeiros subfatores e definiu a respetiva escala de pontuação, mas tal não se coloca no plano da legalidade, por estar em causa uma mera discordância ou uma menor adequação, sem assumir, in casu, gravidade suficiente ou, sequer, configurar uma situação de erro grosseiro quanto à adequação do sistema de avaliação, que determine a violação do subprincípio da adequação do princípio da proporcionalidade, não tendo sido postergada qualquer dimensão de estrita vinculação legal, considerando o sistema de avaliação globalmente considerado.
X - Formular o juízo de falta de adequação do sistema de avaliação no concurso em presença, seria equivalente a formular um juízo substitutivo de mérito da entidade adjudicante, que se encontra vedado ao julgador.
XI - Também carece de fundamento a alegada violação do dever de fundamentação inerente à diferença qualitativa das propostas, nos termos previstos nos artigos 7.º, 152.º e 153.º do CPA, pois além de as Recorrentes invocarem tal fundamento do recurso como uma consequência da adoção do modelo binário de avaliação das propostas e não o autonomizarem, não logrando proceder à sua devida substanciação, também é possível extrair do modelo de avaliação a respetiva fundamentação da avaliação das propostas e das respetivas classificações parcelares e totais atribuídas a cada proposta, segundo os parâmetros previamente fixados.
Nº Convencional:JSTA00071868
Nº do Documento:SA1202409120166/22
Recorrente:A..., LDA E OUTROS
Recorrido 1:SANTA CASA DA MISERICÓRDIA
Votação:UNANIMIDADE
Legislação Nacional:CCP ART1-A N1, ART74 N1, ART139 N3 N5
CPA ART7 ART152 ART153
Aditamento: