Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0415/14.7BEVIS 0346/18 |
Data do Acordão: | 01/16/2020 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ISABEL MARQUES DA SILVA |
Descritores: | RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL ADMISSÃO |
Sumário: | Atenta a relevância social fundamental da questão decidenda, justifica-se a admissão de recurso excepcional de revista de acórdão do TCA no qual se convoca a interpretação do disposto no n.º 7 do artigo 23.º da LGT em consonância com o pressuposto legal da reversão fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor. |
Nº Convencional: | JSTA000P25422 |
Nº do Documento: | SA2202001160415/14 |
Data de Entrada: | 04/04/2018 |
Recorrente: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A.......... |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: - Relatório - 1 – A Autoridade Tributária e Aduaneira – AT vem interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista excepcional, ao abrigo do disposto no artigo 150.º do CPTA, do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte, de 21 de Dezembro de 2017, que negou provimento ao recurso por si interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, que julgara procedente a oposição à execução fiscal intentada por António Pedro Valente, com os sinais dos autos, por dívidas provenientes de IVA e juros de mora do ano de 2009, no valor de € 5.708,72, concluindo as suas alegações de recurso nos seguintes termos: 1. O presente recurso é claramente necessário para uma melhor aplicação do direito. 2. Efetivamente, o acórdão em recurso contradiz a jurisprudência do STA vertida em diversos acórdãos, entre os quais o acórdão de 17.12.2014, processo 01199/13. 3. O art. 23°, 2 da LGT prevê que a AT deve, em caso de fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor originário e ainda que não esteja definido com precisão o valor da insuficiência, reverter a execução contra os responsáveis subsidiários. 4. O art. 23°, 7 do mesmo diploma estende esse dever de reversão aos casos em que haja declaração da insolvência e tenha sido solicitada a avocação dos processos ao abrigo do art. 181°, 2 do CPPT. 5. Da conjugação das citadas normas decorre que, da declaração de insolvência da pessoa colectiva, emergem fortes indícios de insuficiência de bens penhoráveis. 6. Em caso de insolvência da devedora originária, e no que ao requisito da “fundada insuficiência de bens penhoráveis” diz respeito, só não deverá ser efectivada a reversão, se existirem elementos nos autos que, comprovadamente, demonstrem a existência de bens penhoráveis da devedora originária suficientes para fazer face às quantias exequendas reclamadas nos respectivos processos executivos, como será o caso de existirem bens hipotecados a favor da Fazenda Nacional. 7. Se assim não fosse, a utilidade prática do disposto no n° 7 do artigo 23° da LGT seria totalmente nula. 8. Ao decidir em sentido contrário, o acórdão em recurso violou o disposto no n.° 2, 3 e 7 do art. 23.° da LGT. Nestes termos e nos mais de Direito que V.ªs Exªs suprirão, se requer o provimento do presente recurso com as legais consequências.
2 – Contra-alegou o recorrido, pugnando pela inadmissibilidade do recurso e, caso assim não se entenda, pela sua improcedência.
3 – O Excelentíssimo Magistrado do Ministério Público junto deste Tribunal emitiu parecer no sentido da não admissão da revista.
Colhidos os vistos legais, cumpre decidir da admissibilidade do recurso. - Fundamentação - 4 – Matéria de facto Dá-se por reproduzido o probatório fixado no acórdão recorrido.
5 – Apreciando. 5.1 Da admissibilidade do recurso O presente recurso foi interposto e admitido para este STA como recurso de revista excepcional, havendo agora que proceder à apreciação preliminar sumária da verificação in casu dos respectivos pressupostos da sua admissibilidade, ex vi do n.º 5 do artigo 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA). Dispõe o artigo 150.º do CPTA, sob a epígrafe “Recurso de Revista”: 1 – Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excepcionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito. 2 – A revista só pode ter como fundamento a violação de lei substantiva ou processual. 3 – Aos factos materiais fixados pelo tribunal recorrido, o tribunal de revista aplica definitivamente o regime jurídico que julgue mais adequado. 4 – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. 5 – A decisão quanto à questão de saber se, no caso concreto, se preenchem os pressupostos do n.º 1 compete ao Supremo Tribunal Administrativo, devendo ser objecto de apreciação preliminar sumária, a cargo de uma formação constituída por três juízes de entre os mais antigos da secção de contencioso administrativo.
Decorre expressa e inequivocamente do n.º 1 do transcrito preceito legal a excepcionalidade do recurso de revista em apreço, sendo a sua admissibilidade condicionada não por critérios quantitativos mas por um critério qualitativo – o de que em causa esteja a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito – devendo este recurso funcionar como uma válvula de segurança do sistema e não como uma instância generalizada de recurso. E, na interpretação dos conceitos a que o legislador recorre na definição do critério qualitativo de admissibilidade deste recurso, constitui jurisprudência pacífica deste Supremo Tribunal Administrativo - cfr., por todos, o Acórdão deste STA de 2 de abril de 2014, rec. n.º 1853/13 -, que «(…) o preenchimento do conceito indeterminado de relevância jurídica fundamental verificar-se-á, designadamente, quando a questão a apreciar seja de elevada complexidade ou, pelo menos, de complexidade jurídica superior ao comum, seja por força da dificuldade das operações exegéticas a efectuar, de um enquadramento normativo especialmente intricado ou da necessidade de concatenação de diversos regimes legais e institutos jurídicos, ou quando o tratamento da matéria tem suscitado dúvidas sérias quer ao nível da jurisprudência quer ao nível da doutrina. Já relevância social fundamental verificar-se-á quando a situação apresente contornos indiciadores de que a solução pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, ou quando esteja em causa questão que revele especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. Por outro lado, a clara necessidade da admissão da revista para melhor aplicação do direito há-de resultar da possibilidade de repetição num número indeterminado de casos futuros e consequente necessidade de garantir a uniformização do direito em matérias importantes tratadas pelas instâncias de forma pouco consistente ou contraditória - nomeadamente por se verificar a divisão de correntes jurisprudenciais ou doutrinais e se ter gerado incerteza e instabilidade na sua resolução a impor a intervenção do órgão de cúpula da justiça administrativa e tributária como condição para dissipar dúvidas – ou por as instâncias terem tratado a matéria de forma ostensivamente errada ou juridicamente insustentável, sendo objectivamente útil a intervenção do STA na qualidade de órgão de regulação do sistema.». No caso dos autos, e como já decidido por este STA no recurso de revista n.º 345/18 – admitido por Acórdão de 24 de Outubro de 2018 -, cremos justificar-se o conhecimento do recurso, em razão da relevância social fundamental da questão a decidir. O acórdão recorrido negou provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu que julgara procedente a oposição deduzida por um responsável subsidiário de uma sociedade declarada insolvente, no entendimento de que a AT não demonstrara, como lhe competia “a verificação do pressuposto da reversão respeitante à fundada insuficiência de bens penhoráveis da sociedade devedora originária, previsto no art. 23.º/2 da LGT”. O acórdão recorrido, fundando-se em jurisprudência anterior do mesmo Tribunal, conclui, em síntese, que a declaração de insolvência da sociedade não permite, sem mais, que se conclua pela insuficiência do património da devedora originária para efeitos de reversão da execução. Está em causa nos autos a interpretação do disposto no n.º 7 do artigo 23.º da LGT em consonância com o pressuposto legal da reversão fundada insuficiência dos bens penhoráveis do devedor, que a AT parece querer presumir em caso de insolvência do devedor originário. Trata-se de questão nunca expressamente tratada por este STA, daí que seja abusiva a alegação da recorrente no sentido que o acórdão do TCA contraria a jurisprudência deste Supremo Tribunal, e que vem merecendo do TCA-Norte resposta uniforme em sentido desfavorável à leitura dos preceitos que a AT pretende fazer valer. Ora, é manifesto que situação dos autos, nos seus aspectos essenciais, apresenta contornos indiciadores de que a solução que venha a ser acolhida pelo STA pode constituir uma orientação para a apreciação de outros casos, para além de que se trata manifestamente de questão que revela especial capacidade de repercussão social, em que a utilidade da decisão extravasa os limites do caso concreto das partes envolvidas no litígio. A admissão da revista não envolve nenhum pré-juízo sobre a bondade do decidido pelo TCA. Pretende, apenas, permitir ao STA que tome posição na querela pois que, não existindo sobre a concreta questão decidenda pronúncia do STA, mas tendo já sido decididas questões próximas da convocada nos presentes autos, questões essas de enorme relevo social num país com um tecido empresarial com as características do nosso, a pronúncia do STA sobre a questão afigura-se como constituindo um contributo importante no sentido da maior segurança jurídica - quer da actuação do Fisco, quer dos particulares-, contribuindo deste modo para a paz social.
O recurso será, pois, admitido. - Decisão - 6 - Termos em que, face ao exposto, acorda-se em admitir o presente recurso excepcional de revista.
Custas a final.
Lisboa, 16 de Janeiro de 2020. - Isabel Marques da Silva (relatora) - Francisco Rothes - José Gomes Correia. |