Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0395/07.5BEVIS |
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Data do Acordão: | 10/02/2024 |
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Tribunal: | 2 SECÇÃO |
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Relator: | NUNO BASTOS |
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Descritores: | INADMISSIBILIDADE DO RECURSO TERCEIRO GRAU DE JURISDIÇÃO |
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Sumário: | O artigo 280.º, n.º 6, do Código de Procedimento e de Processo Tributário não admite recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de acórdão proferido pela Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo em segundo grau de jurisdição, mesmo que seja invocada como fundamento do mesmo a violação de regras de competência em razão da hierarquia. |
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Nº Convencional: | JSTA000P32701 |
Nº do Documento: | SA2202410020395/07 |
Recorrente: | A..., LDA. |
Recorrido 1: | AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A..., Lda., com o número de identificação fiscal e de pessoa coletiva ...69 e com sede na Rua ..., ... ... interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo do douto acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte que concedeu provimento ao recurso interposto pela Representação da Fazenda Pública da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, que tinha julgado totalmente procedente a impugnação judicial dos atos de liquidação adicional de IVA do período de 2002 e juros compensatórios respetivos, no montante global de € 19.177,53, bem como do agravamento à coleta reclamada no montante de € 1.722,00. Com a interposição do recurso, apresentou alegações e formulou as seguintes conclusões: «(…) I. O presente recurso vem interposto do douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte que: a) Julgou procedente o recurso apresentado pela Fazenda Pública e revogou a douta Sentença recorrida; e b) Decidiu manter as liquidações impugnadas. II. Salvo o devido respeito, a Recorrente considera que o douto Acórdão recorrido, padece dos seguintes vícios: · A decisão proferida perfilhou solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de facto e de direito com a decisão que foi proferida pelo Tribunal Central Administrativo Norte, 242/07.8BEVIS, (cfr. artigo 280.º, n.º 3 do CPPT); no Processo n.º 242/07.8BEVIS, (cfr. artigo 280.º, n.º 3 do CPPT); · Violação da regra da competência hierárquica, (cfr. artigo 629.º, n.º 2, alínea a) do CPC, ex vi artigo 2.º e 281.º do CPPT); e · Erro de julgamento na apreciação da matéria de facto e de direito. III. A douta Sentença proferida em primeira instância julgou a impugnação judicial procedente por a Autoridade Tributária não ter logrado demonstrar a existência de indícios suficientes, quer da falsidade da escrita, quer dos pressupostos para o recurso aos métodos indiretos, conforme lhe era imposto pelo artigo 74.º, n.º 1 da LGT. IV. E, consequentemente, o Tribunal de 1ª instância considerou prejudicado o conhecimento dos demais vícios dos atos de liquidação, nos termos do artigo 608.º, n.º 2, 2ª parte do CPC, aplicável, ex vi, artigo 2.º, alínea e) do CPPT, interpretado em conjugação com o disposto no artigo 124.º, n.º 1 do CPPT. V. No douto Acórdão recorrido, o Tribunal Central Administrativo Norte além de conceder provimento ao recurso, julgando verificados os pressupostos legais que permitiam a tributação com recurso aos métodos indiretos, substituiu-se ao Tribunal de 1ª instância relativamente ao vício do excesso de quantificação da matéria coletável, que este não apreciou por o considerar prejudicado nos termos supra expostos. VI. Sem que o Senhor Juiz de 1º instância se tenha pronunciado sobre o vício do excesso de quantificação, o Tribunal, a quo, proferiu Acórdão onde julgou esse vício por não verificado, a contrário do que foi decidido no Processo n.º 242/07.8BEVIS, pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro e confirmado pelo Tribunal Central Administrativo Norte, com decisão já transitada em julgado. VII. O douto Acórdão recorrido perfilhou solução oposta ao douto Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte, no âmbito do Processo n.º 242/07.8BEVIS. VIII. O douto Acórdão proferido no Processo n.º 242/07.8BEVIS, julgou procedente a impugnação judicial da liquidação adicional de IRC, relativa ao ano de 2002, por verificação do vício de excesso de quantificação do volume de negócios estimado, decidindo pela sua anulação. IX. O douto Acórdão recorrido julgou improcedente a impugnação judicial das liquidações de IVA, por considerar não verificado o vício do excesso de quantificação do volume de negócios estimado. X. Verifica-se que mesma situação de facto e de direito, apresenta soluções jurídicas opostas, sendo certo e inquestionável que a mesma situação não pode ser e não ser ao mesmo tempo. XI. Demonstrou-se a identidade entre o valor das correções ao volume de negócios para efeitos de quantificação do lucro tributável e o valor da base tributável para efeitos de quantificação do IVA liquidado adicionalmente. XII. Existe total identidade factual relativamente à mesma realidade jurídico tributária sindicada no Acórdão fundamento e no Acórdão recorrido. XIII. No Processo n.º 242/07.8BEVIS, o Tribunal de 1ª instância, confirmado pelo Tribunal Central Administrativo Norte, considerou ter existido excesso de quantificação da matéria coletável e, em conformidade, a liquidação impugnada foi anulada. XIV. Nos presentes autos, o Tribunal Central Administrativo Norte, sem que tenha ocorrido pronúncia por parte do Tribunal de 1ª instância, julgou não existir excesso de quantificação e decidiu pela improcedência da impugnação judicial e correspondente manutenção das liquidações impugnadas. XV. Tendo a mesma realidade fáctica sido considerada quantificada em excesso no âmbito do Processo n.º 242/07.8BEVIS, com decisão já transitada em julgado, não pode, agora, no âmbito dos presentes autos não ser considerada quantificada em excesso, quando a própria Fazenda Pública se conformou com o doutamente decidido no Acórdão prolatado no Processo n.º 242/07.8BEVIS, uma vez que ao não ter recorrido, fez com que ele se consolidasse na ordem jurídica XVI. O mesmo volume de negócios presumido não pode estar quantificado em excesso no Acórdão fundamento e não estar quantificado em excesso no Acórdão recorrido. XVII. O objeto do recurso apresentado pela Fazenda Pública no âmbito dos presentes autos versava sobre o erro de julgamento cometido pelo Tribunal de 1ª instância, quando decidiu pela procedência da impugnação judicial, por julgar não estarem verificados os pressupostos para aplicação dos métodos indiretos. XVIII. O Tribunal, a quo, ao conceder provimento ao recurso da Fazenda Pública, pronunciou-se sobre matéria que não integrou o objeto do recurso apresentado pela, então, Recorrente e sem que o Tribunal de 1ª instância se tivesse pronunciado sobre essa mesma matéria. XIX. Verifica-se relativamente à mesma questão fundamental de facto e de direito um entendimento do mesmo Tribunal que culminou numa decisão contraditória. XX. O douto Acórdão recorrido violou a regra da competência hierárquica dos Tribunais Administrativos e Fiscais. XXI. O Tribunal competente para o conhecimento dos vícios imputados às liquidações de IVA impugnadas é, em primeira instância, o Tribunal Administrativo e Fiscal, in casu, o de Aveiro. XXII. O Tribunal de 1ª instância não se pronunciou pelo vício do excesso de quantificação invocado na petição inicial pela Impugnante, ora Recorrente. XXIII. O Tribunal, a quo, sem prévia pronúncia do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, em sua substituição, julgou improcedente o vício do excesso de quantificação da matéria coletável, a contrário do que fora já decidido pelo mesmo Tribunal e confirmado pelo Tribunal Central Administrativo Norte, no Processo n.º 242/07.8BEAVR, que apreciou o mesmo volume de negócios quantificado em excesso. XXIV. A competência hierárquica dos tribunais visa salvaguardar o controlo jurisdicional das decisões proferidas e garantir às partes a reapreciação das decisões que lhes sejam desfavoráveis. XXV. O Tribunal de 1ª instância é principal detentor da competência para proferir decisão sobre a existência ou não do vício do excesso de quantificação, pois foi neste Tribunal que foi produzida toda a prova, sendo o Senhor Juiz de primeira instância aquele que melhor está habilitado para aferir da sua valoração e interpretação face ao caso concreto e à correspondente aplicação do direito, segundo o seu prudente juízo. XXVI. Ao ser violada a regra da competência hierárquica, em que o Tribunal de recurso, ou segunda instância, decide matéria que não foi apreciada, nem julgada em primeira instância, a parte à qual a decisão foi desfavorável ficaria limitada no direito de ver essa decisão ser apreciada por um tribunal superior, tendo em conta o valor da alçada e da sucumbência. XXVII. Não existe decisão em primeira instância que julgue o invocado excesso de quantificação, pelo que não existe decisão que possa ser sindicada pelo douto Tribunal, a quo. XXVIII. O Tribunal, a quo, tendo decidido em substituição do Tribunal de 1ª instância violou o princípio do duplo grau de jurisdição. XXIX. A Recorrente considera que, salvo o devido respeito, o douto Acórdão recorrido padece do vício de erro de julgamento. XXX. A tributação indireta não visa apenas procurar obter uma tributação aproximada ao rendimento real, enquanto desiderato constitucional, mas acima de tudo, não pode constituir um mecanismo sancionatório. XXXI. Os sócios da Recorrente eram também sócios da sociedade B..., Lda., com a designação comercial de “O ...”, que foi inspecionada precisamente na mesma altura em que foi a Recorrente e com a supervisão do mesmo Coordenador de Equipa e do mesmo Chefe de Divisão. XXXII. Tanto a Recorrente, como a sociedade B..., Lda., encontravam-se coletadas para o exercício da atividade “Restaurantes do tipo tradicional”, com o CAE 55301, com idêntica estrutura de custos e proveitos, com o mesmo tipo de negócio e com o mesmo saber fazer. XXXIII. Para a Recorrente, a Autoridade Tributária elegeu como critério de quantificação a margem de comercialização média do setor de atividade e para a sociedade B..., Lda., elegeu como critério a rentabilidade fiscal. XXXIV. Só por via desta discriminação e discricionariedade afigura-se por demais evidente o manifesto excesso de quantificação da matéria coletável, porquanto para realidades idênticas necessariamente se obteriam rentabilidades fiscais idênticas. XXXV. Contudo, a rentabilidade fiscal resultante do critério selecionado pela Autoridade Tributária para tributar a Recorrente é mais do dobro da que foi utilizada para quantificar o resultado da outra sociedade, cujos sócios são os mesmos, com estrutura empresarial idêntica, a exercer atividade no mesmo setor, com o mesmo tipo de produto comercializado e o mesmo saber fazer. XXXVI. Não se compreende o motivo pelo qual a Recorrente teve que pagar três vezes mais imposto do que a outra sociedade dos mesmos sócios, com idêntica estrutura empresarial. XXXVII. A Recorrente entende ter existido erro na apreciação da matéria de facto e na valoração da adequação ao direto aplicável, na medida em que se verifica um excesso na quantificação da matéria coletável, em violação do princípio da igualdade, da proporcionalidade, da legalidade, da boa-fé e da justiça. XXXVIII. Da totalidade das compras realizadas pela Recorrente uma parte delas destinou-se necessariamente à confeção dos pratos/sobremesas comercializados no restaurante, razão porque todas as unidades utilizadas não podiam ser vendidas e, consequentemente, não podiam gerar valor acrescentado, mas acabaram por serem indevidamente sujeitas a IVA. XXXIX. A Recorrente suportou os autoconsumos com os funcionários que, como é consabido, constituem prática corrente neste setor de atividade e a Autoridade Tributária bem sabia disso e, ainda assim, ignorou essa factualidade. XL. O cálculo da margem de comercialização das bebidas encontra-se errado, pondo em causa a validade dos critérios utilizados na amostra, seguidos pela Autoridade Tributária e consequentemente as conclusões a que a mesma chegou para justificar o critério que escolheu e o valor das correções que estimou. XLI. A Recorrente considera que existe manifesta contradição entre a prova produzida e a solução jurídica encontrada pelo Tribunal, a quo. XLII. Provado que ficou a existência de consumos e autoconsumos, estes não podem concorrer para a quantificação do custo das existências vendidas e das matérias consumidas sobre que incidiu a margem de comercialização considerada pela Autoridade Tributária. XLIII. O erro sobre a escolha do método de quantificação ou sobre a sua aplicação que conduza a um excesso de quantificação pode gerar o vício de violação de lei, por erro de quantificação. XLIV. A Recorrente considera que existiu erro na escolha do método de quantificação, desde logo pelo facto de para a sociedade B..., Lda., ter sido escolhido o critério da rentabilidade fiscal e, in casu, da Recorrente ter sido escolhido o critério da margem de comercialização, quando os sócios são os mesmos, o saber fazer é o mesmo, a estrutura de custos e proveitos é idêntica, os produtos comercializados são do mesmo tipo, assim como o ano inspecionado é o mesmo. XLV. O que conduziu a que a Recorrente fosse tributada num montante três vezes superior, quando comparado com a sociedade B..., Lda., o que constitui uma flagrante violação do princípio da igualdade, da proporcionalidade, da legalidade, da boa-fé e da justiça. XLVI. A maior parte dos produtos comercializados pela Recorrente tinham margens de comercialização manifestamente inferiores à margem média que foi considerada pela Autoridade Tributária, o que necessariamente conduziu a que a margem da Recorrente se afastasse significativamente da margem média do setor, atentas as concretas circunstâncias em que exerceu de facto a sua atividade. XLVII. A “explicitação do funcionamento da mediana” não serve de fundamentação do critério escolhido, tanto mais que é suposto a Autoridade Tributária quantificar os rácios de acordo com as definições e com as regras utilizadas na ciência da estatística. XLVIII. O que se impõe saber é se, está fundamentado que, com aquela média do setor, era alcançado o objetivo de uma tributação o mais próxima possível da realidade e, com isso, não ocorreria o excesso de quantificação. XLIX. Em termos matemáticos é inquestionável que o resultado de uma percentagem aplicada a um determinado quantum gera um resultado superior ao que resulta da sua aplicação a um quantum inferior. L. A margem de comercialização incidiu sobre o custo das existências vendidas e das matérias consumidas, as quais resultam da seguinte fórmula: CEVMC = Existências Iniciais + Compras – Consumos e Autoconsumos – Existências Finais. LI. A Autoridade Tributária apenas considerou a seguinte fórmula: CEVMC = Existências Iniciais + Compras – Existências Finais LII. Ignorando por completo, os consumos e autoconsumos, o que por si só já é bem justificativo do excesso de quantificação. LIII. O simples facto de existirem consumos e autoconsumos, implica que os mesmos não geram valor acrescentado, não podendo, por isso, gerar coleta, sob pena de a Recorrente estar a pagar um imposto indevido e sem previsão legal. LIV. A Autoridade Tributária de acordo com o conhecimento e experiência que possuía relativamente ao setor de atividade tinha a obrigação de saber que é uma prática efetiva a ocorrência de autoconsumos e, por conseguinte, tinha a obrigação ter em linha de conta essa factualidade. LV. A Recorrente cumpriu o ónus de demonstrar o excesso de quantificação, factualidade não percecionada pelo douto Tribunal, a quo, que ao decidir em segunda instância, substituiu-se ao Tribunal de 1ª instância e não valorou corretamente a prova produzida e os seus efeitos na quantificação e na demonstração do excesso de quantificação da matéria coletável. LVI. Razão porque, o douto Acórdão recorrido violou as disposições consignadas nos artigos 103.º, n.º 3, 104.º, 266.º, n.º 1 e 2 e 268.º, n.º 4 da CRP, artigo 280.º, n.º 3 do CPPT, artigos 411.º, 615.º e 629.º, n.º 2, alínea a) do CPC, nos artigos 8.º, 55.º, 58.º e 74.º, n.º 3, 2ª parte da LGT, artigos 3.º, n.º 1, 8.º, 58.º, 115.º, n.º 1 e 153.º do NCPA, artigos 5.º, n.º 1, 42.º, n.º 1, e 49.º, n.º 1, alínea a), subalínea i), da Lei 13/2002, de 19 de fevereiro, artigo 37.º, n.º 1, da Lei 62/2013, de 16 de agosto..». Pediu fosse concedido provimento ao recurso, fosse revogada a decisão recorrida e, subsidiariamente, fosse declarada procedente a impugnação judicial, determinando-se, em consequência, a anulação das liquidações adicionais de IVA e respetivos juros compensatórios, com as legais consequências. A Recorrida não apresentou contra-alegações. A Ex.ma Juíza Desembargadora Relatora lavrou o seguinte despacho: «(…) A recorrida ao que tudo indica pretende recorrer do acórdão ao abrigo do art.284.º, n.º1, al. a) do CPPT, contudo, fê-lo quando o acórdão recorrido ainda não tinha transitado em julgado. Assim, caso mantenha a intenção de recorrer com fundamento de oposição, deverá fazê-lo, pois, só agora estão reunidos os pressupostos para o recurso. Caso, não seja este o recurso que pretende fazer, deverá, assim o exprimir, já que nas alegações faz alusão à oposição com o acórdão proferido no processo 247/07.». A recorrente respondeu apresentando requerimento com o seguinte teor: A Recorrente apresentou recurso para o STA, do douto Acórdão proferido pelo TCA Norte, com os seguintes fundamentos: I. A decisão proferida perfilhou solução oposta relativamente ao mesmo fundamento de facto e de direito com a decisão que foi proferida pelo Tribunal Central Administrativo Norte, no Processo n.º 242/07.8BEVIS, (cfr. artigo 280.º, n.º 3 do CPPT); II. Violação da regra da competência hierárquica (crf. artigo 629.º, n.º 2, alínea a) do CPC, ex vi artigo 2.º e 281.º do CPPT); e III. Erro de julgamento na apreciação da matéria de facto e de direito. Razão porque, por ora, e porque deduzido em tempo, o presente recurso deverá versar apenas sobre: I. Violação da regra da competência hierárquica (crf. artigo 629.º, n.º 2, alínea a) do CPC, ex vi artigo 2.º e 281.º do CPPT); e II. Erro de julgamento na apreciação da matéria de facto e de direito. A Ex.ma Juíza Desembargadora Relatora ordenou que fossem cumpridas as formalidades legais do n.º 3 do artigo 282.º, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário [doravante identificado pela sigla “CPPT"] e que, de seguida, os autos subissem ao Supremo Tribunal Administrativo. Remetidos os autos a este tribunal, foram os mesmos com vista ao Ministério Público. O Ex.mo Sr. Procurador-Geral Adjunto lavrou douto parecer, tendo concluído nos seguintes termos: «(…) « Face ao exposto, o Ministério Público é de parecer que deve ser negado provimento ao fundamento da alegada violação da regra da competência hierárquica (em virtude do caso, em abstrato, não poder senão ser de nulidade da decisão judicial), e mais vem arguir a questão prévia da irrecorribilidade quanto ao fundamento dos alegados erros de julgamento, de Direito e de facto (por não haver meio processual de os fazer valer no STA), nos termos e para os legais efeitos (art. 288.º, n.º 1, do CPPT e 655.º, n.º 1, do CPC).» Após conclusão, o relator lavrou o seguinte despacho: A..., Lda., contribuinte fiscal n.º ...69, com sede na Rua ..., ... ..., interpôs, ao abrigo do disposto nos artigos 280.º, n.ºs 1 e 3, 281.º e 283.º, n.º 3, do Código de Procedimento e de Processo Tributário, recurso para o Supremo Tribunal Administrativo do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte que, concedendo provimento ao recurso de sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, revogou essa sentença e manteve a liquidação impugnada. Por despacho da Ex.ma Senhora Desembargadora Relatora, foi a Recorrente convidada a esclarecer se pretendia interpor recurso para uniformização de jurisprudência. A Recorrente esclareceu que pretendia interpor recurso com fundamento na violação da regra da competência hierárquica e erro de julgamento na apreciação da matéria de facto e de direito. A Ex.ma Senhora Desembargadora Relatora admitiu o recurso e atribuiu lhe subida imediata nos próprios autos, como se deduz do despacho que ordenou a sua subida. Ora, este recurso não deveria ter sido admitido. Vejamos porquê. Ao esclarecer que pretendia interpor recurso do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte com fundamento na violação da regra da competência hierárquica e erro de julgamento na apreciação da matéria de facto e de direito, a Recorrente veio esclarecer, na prática, que pretendia interpor recurso ordinário desse acórdão. Porque, como decorre do artigo 26.º, alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, o Supremo Tribunal Administrativo só conhece dos recursos (ordinários) dos acórdãos dos tribunais centrais administrativos quando tenham sido proferidos em primeiro grau de jurisdição. E isto sucede porque, aquando da redação que lhe foi introduzida pelo Decreto-Lei n.º 229/96, de 29 de novembro, foi extinto, no contencioso tributário, o terceiro grau de jurisdição – artigo 120.º desse diploma. A tal não obsta que o artigo 629.º, n.º 2, do Código de Processo Civil estabelecer que seja sempre admissível o recurso com os fundamentos de dele constam. Porque a função dessa norma não é a de excecionar as regras de organização judiciária (e em especial as que determinam a competência dos diversos órgãos judiciários) mas afastar as regras que relacionam a admissibilidade dos recursos com o valor da causa. Ou seja, o recurso é admissível independentemente de o valor da causa o comportar, e não independentemente de não ser comportável pelas regras de organização judiciária. Preparo-me, por isso, para proferi[r] decisão de não admissão do recurso. Devendo, porém, o relator assegurar o contraditório sobre esta questão, determino seja as partes notificadas deste despacho e para se pronunciarem quanto à questão nele suscitada, querendo e em 10 (dez) dias. A Recorrente respondeu nos termos que resultam do seu requerimento último e que a seguir se transcreve parcialmente: «(…) 1. O presente recurso ficou delimitado à verificação dos seguintes vícios: a) Violação da regra da competência hierárquica (crf. artigo 629.º, n.º 2, alínea a) do CPC, ex vi artigo 2.º e 281.º do CPPT); e b) Erro de julgamento na apreciação da matéria de facto e de direito. 2. Se quanto ao segundo dos indicados vícios se reconhece a irrecorribilidade do douto Acórdão devido ao valor do processo. 3. Já quanto ao primeiro dos identificados vícios é sempre admissível recurso, independentemente do valor da causa, tal como resulta do disposto no artigo 629.º, n.º 2, alínea a) do CPC: (…) 4. Ora, na decorrência do apontado vício ao douto Acórdão recorrido está, precisamente, em causa a medida da competência decisória do tribunal e a pronúncia sobre o pedido formulado pela aí Recorrente. 5. Que, in casu, apenas se insurgiu contra a decisão de primeira instância que decidiu julgar a impugnação judicial procedente por considerar não estarem reunidos os requisitos para aplicação dos métodos indiretos. 6. Sendo que, a decisão em primeira instância não apreciou a matéria relativa à questão do excesso de quantificação. 7. E a Recorrente, Fazenda Pública, apenas recorreu da decisão que determinou a não existência de motivos para aplicação dos métodos indiretos delimitando, com isso, o objeto do recurso. 8. Todavia, o douto Acórdão, ora recorrido, além de decidir quanto ao objeto do recurso, pronunciou-se sobre a matéria do excesso de quantificação que não havia sido decidida em primeira instância. 9. A falta de competência material e hierárquica do TCA Norte, vício invocado nas alegações de recurso, gera a nulidade do douto Acórdão, ora recorrido. 10. Ora, com o devido e merecido respeito, a Recorrente invoca a nulidade do douto Acórdão recorrido, na parte final das suas alegações, quando acaba por concluir que: (…) 11. Assim como na conclusão LVI: (…) 12. O artigo 615.º do CPC, refere-se precisamente às causas de nulidade da sentença, mais concretamente as alíneas d) e e) do n.º 1, como se descreve: 13. Posto isto, a Recorrente sustenta a sua posição com base nas alegações constantes dos artigos 79.º a 104.º e o objeto do recurso afere-se pelas correspondentes conclusões: (segue-se a transcrição das conclusões XIV a XXVIII, já acima reproduzidas) 14. Tendo as conclusões do recurso culminado na seguinte conclusão: (…) 15. Face ao exposto, resulta o reconhecimento da nulidade do douto Acórdão ao concluir que este violou, entre outras disposições legais, o artigo 615.º do CPC. Nestes termos, e ressalvado o devido respeito, a Recorrente entende que o presente recurso deve, por isso, ser admitido.». Foi elaborado projeto de acórdão e remetido aos Ex.mos Conselheiros Adjuntos, que dispensaram os vistos legais, pelo que cumpre decidir. *** 2. Nos autos levanta-se uma questão prévia: a de saber se o presente recurso é admissível. A Recorrente entende que sim, porque o recurso é interposto com fundamento na violação das regras de competência em razão da hierarquia e o artigo 629.º, n.º 2, alínea a) do Código de Processo Civil dispõe que o recurso com este fundamento é «sempre admissível». Estamos perante um recurso de um ato jurisdicional proferido em processo judicial tributário regulado pelo CPPT (no caso, o processo de impugnação judicial regulado nos seus artigos 99.º e seguintes). Aos recursos de atos jurisdicionais praticados em processo judicial tributário regulado por este Código aplicam-se as regras do seu Título V – alínea a) do n.º 1 do seu artigo 279.º. Assim, só deve apelar-se para as regras do Código de Processo Civil quando o CPPT para elas remeta. Vem ao caso o artigo 280.º, n.º 6, do CPPT que, efetivamente, dispõe que é sempre admissível recurso em processo judicial tributário nos casos previstos na lei processual civil, isto é, nos casos em que a lei processual civil disponha que o recurso é sempre admissível. Assim, o artigo 280.º, n.º 6, do CPPT remete para os casos regulados no artigo 629.º, n.º 2, do Código de Processo Civil. No entanto, a função desta norma é a de afastar as regras das alçadas e da sucumbência. Assim, o que ali se estabelece é que estas regras não obstam à admissibilidade do recurso. Por conseguinte, este dispositivo deve ser interpretado no sentido de que o recurso é admissível mesmo que o processo não tenha valor superior à alçada do tribunal de que se recorre e a decisão impugnada não seja desfavorável ao recorrente em valor superior a metade da alçada desse tribunal, quando forem observadas as demais regras da admissibilidade do recurso (as que não tenham a ver nem com a alçada nem com a sucumbência). Ora, no processo judicial tributário há outras regras de admissibilidade dos recursos que não têm a ver nem com as alçadas nem com a sucumbência. Algumas dessas regras dizem respeito ao recurso para o Supremo Tribunal e derivam diretamente da lei da organização judiciária, porque também contendem com a distribuição hierárquica das competências dos diferentes órgãos da jurisdição administrativa e fiscal. Vem ao caso o artigo 26.º, alínea a) do Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais, que atribui à Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo competência para conhecer dos recursos dos acórdãos da Secção de Contencioso Tributário dos tribunais centrais administrativos, proferidos em 1.º grau de jurisdição. Desta norma deriva a contrário que Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo não tem competência para conhecer dos recursos dos acórdãos da Secção de Contencioso Tributário dos tribunais centrais administrativos, proferidos em 2.º grau de jurisdição (isto é, em recurso de decisões dos tribunais tributários). O que sucede porque, como é unanimemente reconhecido, o anterior Estatuto dos Tribunais Administrativos e Fiscais extinguiu, no contencioso tributário, o terceiro grau de jurisdição. Atualmente, o recurso de decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo e em processos judiciais tributários tem natureza excecional e só pode ser admitido nos termos do artigo 285.º do CPPT. Pelo que o presente recurso não é admissível nos termos da lei processual tributária. O que a final se decidirá. *** 3. Preparando a decisão e em cumprimento do disposto nos artigos 679.º e 663.º, n.º 7, ambos do Código de Processo Civil, elabora-se o seguinte sumário: O artigo 280.º, n.º 6, do Código de Procedimento e de Processo Tributário não admite recurso para a Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo de acórdão proferido pela Secção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo em segundo grau de jurisdição, mesmo que seja invocada como fundamento do mesmo a violação de regras de competência em razão da hierarquia. *** 4. Decisão Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária do Supremo Tribunal Administrativo em não admitir o recurso. Custas pela Recorrente.
Lisboa, 2 de outubro de 2024. – Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes. |