Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 076/24.5BALSB |
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Data do Acordão: | 09/26/2024 |
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Tribunal: | PLENO DA SECÇÃO DO CT |
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Relator: | JOÃO SÉRGIO RIBEIRO |
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Descritores: | RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA IUC INCIDÊNCIA |
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Sumário: | Para efeitos do disposto no artigo 3.º n.º 1 do CIUC, na redação introduzida pelo D.L. nº 41/2016, de 01-08, responde pelo pagamento do imposto a pessoa em nome da qual está registado o veículo à data da verificação do facto tributário, independentemente de nessa data já ter ocorrido transmissão da propriedade para outra pessoa. |
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Nº Convencional: | JSTA000P32662 |
Nº do Documento: | SAP20240926076/24 |
Recorrente: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A..., S.A. – SUCURSAL PT |
Votação: | MAIORIA COM 1 DEC VOT E 4 VOT VENC |
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Aditamento: | ![]() |
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Texto Integral: | Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. Relatório 1.1. A DIRETORA-GERAL DA AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA (AT), inconformada com a decisão arbitral proferida no processo n.º 585/2023-T, em 02.05.2024, que correu termos no Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), nos termos da qual foi julgado procedente o pedido de pronúncia arbitral deduzido pela aí Requerente A..., S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, melhor identificada nos autos, tendo em vista a declaração de ilegalidade de 70 (setenta) atos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC), relativos ao ano de 2022, no montante global de € 4.263,62, vem dela interpor o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do disposto no artigo 25.º, n.ºs 2 e 4, do Regime Jurídico da Arbitragem Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de janeiro, na redação dada pela Lei n.º 119/2019, de 18 de setembro, invocando que se encontra em oposição com a decisão arbitral do mesmo CAAD, de 17.11.2022, proferida no processo 148/2022-T, a qual convoca como decisão fundamento. 1.2. A ora Recorrente conclui da seguinte forma as suas alegações de recurso: «(…) A - O Acórdão arbitral recorrido (585/2023-T) incorreu em erro de julgamento, porquanto decidiu o Tribunal Arbitral: “a) Procedente o pedido de pronúncia arbitral e, em consequência, anular a decisão que incidiu sobre o pedido de revisão oficiosa apresentado pela Requerente, bem como anular as liquidações de IUC; b) Condenar a Requerida no reembolso das quantias pagas pela Requerente, acrescidas de juros indemnizatórios contados, à taxa legal, decorrido o prazo de um ano desde a data da apresentação do pedido de revisão oficiosa (27.07.2023), isto é, desde 27 de fevereiro de 2024, até efetivo e integral reembolso.” B – E sustenta o referido acórdão arbitral que: “Nos presentes autos há que decidir as seguintes questões de direito: a) A norma de incidência subjetiva constante do artigo 3.º, n.º 1 do CIUC, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto, consubstancia uma ficção, insuscetível de demonstração em contrário, ou continua a ser suscetível de uma interpretação presuntiva; b) A prova documental junta ao processo pela Requerente é, ou não, um meio idóneo e apto para firmar a propriedade dos locatários no final dos contratos; (…) No presente processo, embora não se desconhecendo a existência de jurisprudência arbitral com distintos entendimentos, acompanhamos o decidido em alguns das mais recentes decisões do CAAD, nesta matéria, em particular as decisões proferidas nos processos n.ºs 154/2023-T e 584/2023-T. A reforma da fiscalidade automóvel teve na sua génese os estudos efetuados por um Grupo de Trabalho, mandado constituir por Despacho Conjunto dos Ministros de das Finanças e do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional (Despacho Conjunto n.º 290/2006, de 27 de março, (2.ª série), em que se definiram um conjunto de orientações e princípios, designadamente, de eficiência, eficácia e simplicidade, e se recomendou, sempre que possível, o recurso a soluções eletrónicas e a busca de soluções integradas que permitissem segurança e eficácia nas liquidações e cobranças através do envolvimento em processos de transmissão eletrónica de dados e acesso à informação de entidades externas. Os trabalhos desse Grupo de Trabalho suportaram a Proposta de Lei n.º 118/X, de 7 de março de 2007. A versão inicial do referido artigo 3.º, n.º 1 do CIUC, preceituava que: “São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontram registados”. A solução legislativa encontrada foi a de recolher as informações necessárias às operações de cobrança do IUC numa base de dados de uma entidade externa – o registo automóvel – por razões de eficácia e simplicidade e tendo em conta as finalidades e a natureza dos dados constantes do registo. Esta redação é, de facto, diferente daquela que o Decreto-Lei n.º 599/72, de 30 de Dezembro adotava para o Imposto sobre Veículos, que estabelecia nos seguintes termos: “O imposto é devido pelos proprietários dos veículos, presumindo-se como tais, até prova em contrário, as pessoas em nome de quem os mesmos se encontrem matriculados ou registados” Esta redação transitou sucessivamente para o Decreto-Lei n.º 782/74, de 31 de Dezembro, para o Decreto-Lei n.º 81/76, de 28 de Janeiro e finalmente para o artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 143/78, de 12 de Junho, legalmente, designado por «Imposto Municipal sobre Veículos», aplicável aos automóveis ligeiros de passageiros e motociclos. E é esta diferença que vem sustentando a posição da AT, de que, em sede de IUC se consagrou uma presunção inilidível, de que quem consta do registo como proprietário do veículo na data em que se verifica o facto tributário o é, para efeitos unicamente tributários e sem prejuízo das regras civis da transmissão da propriedade. Em qualquer caso, a verdade é que, mesmo tendo-se substituído a expressão “presumindo-se” pela expressão “considerando-se” e tendo-se eliminado a expressão “até prova em contrário”, a norma fiscal da incidência subjetiva esteve e está subordinada às regras do registo automóvel. Ora, o Código do Registo Automóvel preceitua que o registo de veículos tem essencialmente por fim dar publicidade à situação jurídica dos veículos a motor e respetivos reboques, tendo em vista a segurança do comércio jurídico. A propriedade de um veículo automóvel é facto obrigatoriamente sujeito a registo, nos termos daquele Código, sendo que quer o Código de Registo Automóvel quer o Regulamento do Registo Automóvel fixam prazos máximos para o registo dos atos a ele obrigatoriamente sujeitos, sob várias cominações, designadamente, de natureza financeira. Nos casos de locação financeira ou ALD, atividade desenvolvida pela Requerente, o Código de Registo Automóvel prescreve que o registo é feito mediante requerimento subscrito pelo vendedor, na sequência do exercício do direito de propriedade ou de aluguer de longa duração registado, acompanhado da fatura correspondente à venda ou de documento de quitação. O legislador fiscal, atentas as finalidades do registo, a mera presunção que ele gera e os prazos para ele estabelecidos, não podia desconhecer que, pese embora a expressão “considerando-se” que resolver utilizar, que a informação que obtinha do registo quanto ao proprietário do veículo automóvel constituía mera presunção, que o visado podia ilidir, mediante prova cabal do contrário. O legislador converteu a base de dados dos registos de propriedade automóvel numa base de dados fiscal constituída por sujeitos passivos, abstraindo-se da formação da sua constituição e da respetiva natureza declarativa, pretendendo assim com esta mudança que as questões que se suscitavam com a titularidade da propriedade formal versus propriedade efetiva não levantassem dificuldades à liquidação e cobrança do imposto. Não pretendeu, porém, com isso subverter as finalidades do registo e criar uma presunção inilidível de propriedade, mas apenas facilitar a cobrança do imposto, transferindo para o sujeito passivo o ónus da prova, dotando a Administração Tributária de um mecanismo de fácil identificação dos sujeitos passivos deste imposto e socorrendo-se de uma presunção, ilidível, baseada nas regras e funções do registo automóvel. (…) Assim sendo, não se pode deixar de ver a disposição legal em questão – artigo 3.º, n.º 1, do CIUC – como uma norma de incidência subjetiva, pelo que por força do artigo 73.º, da LGT, “[a]s presunções consagradas nas normas de incidência tributária admitem sempre prova em contrário”, pelo que outra solução violaria o princípio da proporcionalidade e, bem assim, em bom rigor, o da capacidade contributiva. Consequentemente, quanto a esta primeira questão, tal como decorre das decisões adotadas nos processos arbitrais n.ºs 154/2023-T e 584/2023-T, haverá que responder que a norma de incidência subjetiva constante do artigo 3.º, n.º 1 do CIUC, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto, consubstancia uma mera presunção juris tantum, suscetível de demonstração em contrário, de propriedade do veículo.” C – Ao contrário do que decidiu a Decisão Arbitral fundamento (processo n.º 148/2022-T), na qual o Tribunal arbitral considerou que: “18. As questões de direito que se colocam no presente processo são as seguintes: (i) Saber se o artigo 3.º n.º 1 do IUC contém uma presunção ilidível para atos de liquidação de IUC de 2020; (ii) Saber se, contendo uma presunção ilidível, como alega a AT, a interpretação da Requerente não atende aos elementos sistemático e teleológico de interpretação da lei; (iii) Saber se, concluindo-se, que não existe presunção ilidível, tal interpretação padece de inconstitucionalidade por desconforme com o princípio da equivalência, ínsito no artigo 13.º da CRP; (…) 19. A resposta às duas primeiras questões de direito assenta na interpretação do artigo 3.º do Código do IUC, pelo que se torna necessário: a) saber se a norma de incidência subjetiva, constante desse artigo 3.º, estabelece uma presunção; b) saber se, ao considerar-se que essa norma estabelece uma presunção, tal viola a “unidade do regime”, ou desconsidera o elemento sistemático e o elemento teleológico, como alegado pela AT; e c) saber - a admitir que a presunção existe e que é iuris tantum - se foi feita a sua ilisão. 20. Ora, este tema já foi objeto de várias decisões do CAAD, designadamente, da decisão de 3 de Abril de 2020, proferida no processo nº 557/2019-T, que tem subjacente factualidade idêntica à dos presentes autos, na qual nos revemos (…) 21. De tudo o exposto, a conclusão a que chegamos é no sentido de que: (i) ao contrário do que afirma a Requerente, todo o contexto sistemático e legislativo que rodeia a alteração ao Código do IUC aqui em discussão, aponta no sentido de que o legislador quis expressamente, a partir de 2 de agosto de 2016, romper com a “hermenêutica” e interpretação anterior, no sentido de retirar, do artigo 3.º n.º 1 do Código do IUC, qualquer presunção legal quanto a quem pode ser considerado proprietário de um veículo, para passar a determinar, expressamente, que o sujeito passivo é a pessoa que se encontra inscrita no registo automóvel como proprietária dos veículos; (ii) esta regra de incidência não depende da pessoa inscrita como proprietária ser possuidor e/ou proprietário efetivo do veículo, mas sim de ser a pessoa – mal ou bem – em nome da qual está registada a propriedade do mesmo. Podem ser tecidas várias considerações sobre a inconveniência/impacto negativo deste critério de incidência de imposto em situações de atraso no registo da propriedade, mas não restam grandes dúvidas de que o legislador, devidamente habilitado, retirou a presunção que anteriormente constava do artigo 3.º n.º 1 do Código do IUC, e a substituiu por uma regra de tributação expressa sobre a pessoa que se encontra inscrita no registo como proprietária do veículo; (iii) neste sentido, não colhem os argumentos da Requerente de que estamos perante uma proposta hermenêutica que não se coaduna com as regras gerais de interpretação, nos termos dos artigos 11.º da LGT e 9.º do CC e que o artigo 3.º n.º 1 do Código do IUC contém uma presunção ilidível, nos termos do artigo 73.º da LGT – pois que a proposta hermenêutica foi alterada pelo legislador e ainda que as faturas apresentadas nos autos sejam consideradas como títulos da transmissão de propriedade em momento anterior às liquidações, tal facto é irrelevante para efeitos de apuramento da incidência subjetiva no caso concreto; (iv) o artigo 6.º do IUC – ao contrário do que alega a Requerente – parece reforçar este entendimento quando dispõe que o facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo tal como atestada pelo (…) registo em território nacional, i.e. o registo de propriedade de um veículo automóvel em território nacional gera sujeição a IUC, sendo o sujeito passivo a pessoa inscrita como proprietária no respetivo registo automóvel; (v) neste sentido aponta ainda o artigo 17.º-A do Código do IUC invocado pela Requerente – quando este artigo releva para efeitos de IUC, desde a data de transmissão, a alteração da titularidade do direito de propriedade efetuada ao abrigo do procedimento especial para registo de propriedade, está a indicar que a tributação em IUC segue a titularidade de propriedade constante do registo automóvel; (vi) por fim, quanto ao argumento de que ainda que entenda que a redação do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC, alterada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto, não contém uma presunção ilidível, aplicar essa interpretação à situação vertente seria inconstitucional por atentar contra o princípio da equivalência, ínsito no artigo 13.º da CRP, o mesmo argumento não colhe: o em primeiro lugar porque o princípio da equivalência, antes de se traduzir numa específica formulação do princípio da igualdade, significa que o tributo que nele se baseia deve procurar onerar o sujeito passivo na medida do benefício que este aufere ou do custo que este causa. É assim, em primeiro lugar, um critério para determinação do quantum do tributo; o ainda que se aceite que o imposto é baseado no princípio da equivalência, dele nunca se poderia extrair, como pretende a Requerente, que o mesmo apenas visa titular o proprietário efetivo – pelo contrário, o princípio da equivalência, levado ao limite, levaria a que o imposto devesse recair sobre os utilizadores efetivos – pois são estes que têm os benefícios ou causam custos a partir da utilização dos veículos – e em nenhum momento, nestes autos, nem na lei, existe indicação sobre os elementos que permitem aferir quem, a cada momento, utiliza o veículo e retira dele benefícios ou provoca custos na sociedade (até porque tal seria impraticável).” D – Concluindo o Acórdão fundamento que: “22. Não nos merecem, assim, qualquer censura as liquidações de IUC contestadas nos autos. (…) Julgar improcedente o pedido de declaração de ilegalidade do ato de indeferimento do recurso hierárquico n.º ...97 e de declaração de ilegalidade do ato de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...92, ambos quanto aos 42 (quarenta e dois) atos de liquidação de IUC que lhes subjazem, no total de € 4.913,81, atos que se mantêm na ordem jurídica; em consequência, julgar improcedente o pedido de reembolso desta quantia paga acrescida dos respetivos juros indemnizatórios à taxa legal;(…)” E – Verifica-se, assim, uma patente e inarredável contradição quanto à mesma questão fundamental de direito, que consiste em saber se o artigo 3.º do Código do Imposto Único de Circulação, na sua redação dada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016 de 1 de agosto, contempla ou não uma presunção legal iuris tantum, ou seja, suscetível de prova em contrário, sobre quem se considera ser o proprietário do veículo. F – Quanto ao estabelecido pelas regras que determinam os requisitos de admissibilidade deste tipo de recursos, resulta que, para que se tenha por verificada a oposição de acórdãos, é necessário (vd., entre outros, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 2015-06-03, processo 0793/14) que: · as situações de facto sejam substancialmente idênticas; · haja identidade na questão fundamental de direito; · se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; e, · a oposição deverá decorrer de decisões expressas e não apenas implícitas. G - As presentes alegações demonstram que, no caso vertente, se encontram reunidos os referidos requisitos para que se tenha por verificada a alegada oposição de acórdãos. H - Para que se considere que há oposição de acórdãos, entende a jurisprudência do Supremo Tribunal Administrativo que os acórdãos em confronto versem sobre situações fácticas substancialmente idênticas e que se pronunciem sobre a mesma questão fundamental de direito. Ou seja, importa que as soluções opostas tenham sido perfilhadas relativamente ao mesmo fundamento de direito, o se verificou. I - Entre o Acórdão recorrido (Processo n.º 585/2023-T) e o Acórdão fundamento (Processo n.º 148/2022-T) há uma identidade de situações de facto, na medida que em ambos os casos, na medida que em ambos os casos, a factualidade consignada se reporta em saber se o artigo 3.º do Código do Imposto Único de Circulação, na sua redação dada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016 de 1 de agosto, contempla ou não uma presunção legal iuris tantum, ou seja, susceptível de prova em contrário, sobre quem se considera ser o proprietário do veículo. J - As decisões em confronto perfilharam, sobre a mesma questão fundamental de direito, soluções opostas de forma expressa, isto é, adotaram sobre a mesma questão de direito soluções juridicamente divergentes em idênticas situações de facto. L - Resta concluir que o Acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento, bem como que se encontra em manifesta oposição quanto à mesma questão fundamental de direito com a jurisprudência firmada na Decisão fundamento, devendo ser substituído por novo Acórdão que julgue improcedente o pedido arbitral. Termos em que deve o presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência ser aceite e posteriormente julgado procedente, por provado, sendo, em consequência, nos termos e com os fundamentos acima indicados revogada a decisão arbitral recorrida e substituída por outro Acórdão consentâneo com o quadro jurídico vigente. (…)» 1.3. Admitido o recurso, foi cumprido o disposto no artigo 25.º, n.º 5, do RJAT. 1.4. A..., S.A. – SUCURSAL EM PORTUGAL, recorrida nos autos, contra-alegou, concluindo do seguinte modo: «(…) A. A AT veio interpor recurso para o STA da decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral Singular constituído sob a égide do CAAD no processo n.º 585/2023-T, que julgou totalmente procedente, por provado, o pedido de pronúncia arbitral deduzido contra a ilegalidade de 70 (setenta) atos de liquidação de Imposto Único de Circulação («IUC») relativos ao ano de 2022 no montante global de 4.263,62 (quatro mil duzentos e sessenta e três euros e sessenta e dois cêntimos). B. Decisão esta que considera estar em oposição com a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral, sob a égide do CAAD, no processo n.º 148/2022-T (acórdão fundamento) alegando existir contradição sobre a mesma «questão fundamental de direito» entre a decisão arbitral recorrida e o acórdão fundamento. C. A «questão fundamental de direito» em apreço nos presentes autos é a previsão do n.º 1 do artigo 3.º do Código do Imposto Único de Circulação («Código do IUC»), na sua redação dada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016 de 1 de agosto, sobre quem se considera ser o proprietário do veículo, ser ou não considerada uma presunção ilidível, ou seja, suscetível de prova em contrário. D. A Recorrida não pode assegurar que os requisitos formais de admissibilidade do presente recurso se encontrem plenamente verificados, nos termos que passa a expor. E. Cumpridas as exigências formais legalmente impostas, são igualmente exigidos requisitos substanciais do recurso por oposição de acórdão ou de uniformização de jurisprudência, a saber: (i) que exista contradição entre a decisão arbitral de que se recorre e um Acórdão proferido por algum dos TCA, pelo STA, ou por outra decisão arbitral; (ii) que essa contradição seja relativamente à mesma «questão fundamental de direito»; e (iii) que a orientação perfilhada pela decisão em crise não esteja de acordo com a jurisprudência consolidada do STA. F. O preenchimento dos pressupostos (i) e (ii) exige, em primeira linha, a definição do que é uma «questão fundamental de direito» e como deve esta ser caracterizada. G. Caso não estejam verificados estes critérios à luz destes princípios, o recurso por oposição de acórdãos não deverá ser admitido e, por conseguinte, este STA não deverá conhecer do mérito da «questão». H. Tarefa essa que compete a este Venerando Tribunal apreciar e decidir, entendendo a recorrida ser de chamar apenas atenção para o seguinte aspeto: no caso sub judice não aparenta ser líquido que se deva tomar por verificado um dos requisitos de admissibilidade do presente recurso – a identidade das situações de facto. I. Ora, por muito que não se neguem os pontos em comum entre os casos, importa denotar que, em face da apertada teia relativa a esta uniformidade fática que se tem exigido, não se pode afirmar como certo que essa identidade substancial esteja plenamente verificada. J. Uma vez mais, não se nega que ambas as decisões, incidem sobre o mesmo tema e acolham soluções jurídicas que se podem considerar opostas, no entanto consentem uma diferença no seu substrato factual que não permite o preenchimento do requisito da «factualidade substancialmente idêntica». K. Pelo que a diferença de aplicação das normas assenta, ao menos em parte, também, na assimetria da matéria factual existente em cada um dos acórdãos. L. Ademais, e ainda quanto aos pressupostos formais, sempre se diga que a Recorrente não foi capaz de identificar qual a orientação (se existente) da jurisprudência do STA nesta matéria, incumprindo, assim, o ónus que sobre si impendia. M. Todavia, caso se entenda que o presente recurso para uniformização de jurisprudência deverá ser admitido, no que não se concede, sempre se dirá que, mesmo assim, a decisão arbitral recorrida não merece qualquer reparo, devendo, como tal, ser integralmente mantida na ordem jurídica pelos motivos ponderosos que se enunciam de seguida. N. Em outras palavras, caso o STA entenda que se encontram preenchidos os requisitos legais – formais e substanciais – para que o presente recurso seja admitido, considera então a Recorrida que o entendimento que deve prevalecer e vingar, e como tal sancionado por este Venerando Tribunal em sede do presente recurso, é o vertido na decisão recorrida, dado que, com o devido respeito, é esse que encontra efectivamente suporte nos termos do nosso direito constituído, maxime nas regras e funções do registo automóvel apontam neste sentido, bem como em nome do princípio da proporcionalidade e da capacidade contributiva. O. Em traços gerais, a AT defende que o acórdão recorrido incorreu em erro de julgamento, porquanto considera que deve prevalecer o entendimento do tribunal arbitral no acórdão fundamento, o qual considerou que «todo o contexto sistemático e legislativo que rodeia a alteração ao Código do IUC aqui em discussão, aponta no sentido de que o legislador quis expressamente, a partir de 2 de agosto de 2016, romper com a «hermenêutica» e interpretação anterior, no sentido de retirar, do artigo 3.º n.º 1 do Código do IUC, qualquer presunção legal quanto a quem pode ser considerado proprietário de um veículo, para passar a determinar, expressamente, que o sujeito passivo é a pessoa que se encontra inscrita no registo automóvel como proprietária dos veículos». P. Sucede, todavia, que, com todo o acervo jurisprudencial existente, e citando a decisão arbitral recorrida, «a norma de incidência subjectiva constante do artigo 3.º, n.º 1 do CIUC, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto, consubstancia uma mera presunção juris tantum, susceptível de demonstração em contrário, de propriedade do veículo». VEJAMOS: Q. Em primeiro lugar porque, conforme esclarece a melhor doutrina e jurisprudência, o registo de propriedade automóvel não é condição de eficácia do contrato de compra e venda do veículo, mas tem somente de eficácia declarativa. R. Em segundo lugar, e socorrendo-nos dos elementos de interpretação de natureza racional ou teleológica, porque o princípio da equivalência está consubstanciado no artigo 1.º do CIUC – no atual e novo quadro da tributação automóvel – decorre daí que o sujeito do passivo do imposto deverá ser o real proprietário do veículo e não o proprietário registado, uma vez que será o primeiro que causa os custos ambientais e viários que este tributo comutativo visa compensar. S. Neste sentido, foram já proferidas múltiplas decisões arbitrais, designadamente decisões transitadas em julgado. Veja-se, a título meramente ilustrativo, a decisão arbitral proferida pelo Árbitro Hélder Faustino, no processo n.º 55/2023-T, de 02-06-2023, que assentava também sobre uma situação fáctica em tudo idêntica à da decisão recorrida, inclusive com identidade das partes: U. Assim decidiu o Tribunal Arbitral sob a égide do CAAD, no âmbito do processo n.º 462/2019 T: «Verifica-se, portanto, que a lei fiscal teve, desde sempre, o objetivo de tributar o verdadeiro e efetivo proprietário e utilizador do veículo, afigurando-se indiferente a utilização de uma ou outra expressão que, como vimos, têm na nossa ordem jurídica um sentido coincidente. W. Sendo ainda de referir que este mesmo entendimento é sufragado em sede de Imposto Municipal sobre Imóveis («IMI»), cujo código estabelece no seu artigo 8.º uma presunção juris tantum de quem é considerado sujeito passivo do imposto, à semelhança do que sucede com todas as demais presunções que regulem matérias de incidência tributária. X. Em quinto lugar a interpretação «cega» da lei, levaria a situações extremas de completa injustiça, atentando-se contra os princípios da equivalência, da igualdade tributária, da capacidade contributiva e da justiça material. Y. Assim sendo, bem andou o Tribunal a quo, no acórdão recorrido, a decidir tendo por base a Decisão Arbitral proferida no âmbito do Processo n.º 145/2017-T que «a relevância legalmente conferida ao princípio da equivalência, não comporta a tributação, em IUC, do locador que, enquanto proprietário formal do veículo, não tem, consequentemente, qualquer potencial poluidor». Z. Desta premissa parte para outra igualmente unívoca de que «admitindo-se a ilisão da presunção contida no artigo 3º, nº 1 do Código do IUC, tendo em consideração que à data dos factos geradores do IUC, as viaturas automóveis que deram origem aos actos de liquidação objecto do Pedido de Pronúncia Arbitral já não estavam locadas, a Requerente procurou demonstrar que, nessas datas, já não era, nem Locadora, nem proprietária dos referidos veículos automóveis, anexando para o efeito cópia das respectivas facturas (ou facturas-recibo) de venda de cada uma delas». AA. Sem prescindir, e até acrescentando, caso se admita a tese pugnada pela Recorrente – de que o n.º 1 do artigo 3.º do CIUC consagra uma presunção inilidível – o que não se concede apenas de admite por mero dever de patrocínio, sempre se dirá que a interpretação daquela norma, nesses termos, padece de inconstitucionalidade material por violação dos princípios da equivalência, da igualdade, da capacidade contributiva e da proporcionalidade; inconstitucionalidade essa que se invoca para todos os efeitos legais. BB. Inconstitucionalidade material que se sustenta, desde logo, no facto de o princípio da equivalência, na sua máxima pujança, não comportar razões de praticabilidade desmedida e que vá além dos objetivos pretendidos pelo legislador; e exige que, no caso do IUC e quanto à sujeição passiva a este imposto, seja onerada a pessoa concreta que utilizou o veículo e provocou danos à rede viária com a sua utilização. CC. É conhecimento da Recorrida que esse princípio se encontra circunscrito pelo princípio da praticabilidade e, na confluência entre estes dois princípios decorre que o IUC, enquanto imposto ambiental, por natureza de base mais larga, onde o causador dos danos ou o aproveitador dos benefícios que visam ser internalizados pelo imposto é reconhecido com maior dificuldade, poderá ser sujeito passivo o causador presumível dos danos, ie., o proprietário do veículo automóvel, ou quando a propriedade e o direito de uso sejam separados, o locatário financeiro, o adquirente com reserva de propriedade, ou outro titular de direitos de opção de compra por força do contrato de locação, tal como estatuído nos n.os 1 e 2 do artigo 3.º do Código do IUC. DD. Importa ainda invocar nesta sede o princípio da proporcionalidade, constante do n.º 2 do artigo 18.º da CRP que, por sua vez, restringe o âmbito de aplicação do princípio da praticabilidade. Aquele princípio subdivide-se em (i) princípio da adequação, que dita que as medidas tomadas devem ser adequadas à prossecução dos fins visados pela lei; (ii) princípio da exigibilidade, que manda que as medidas restritivas previstas na lei; e (iii) o princípio da proporcionalidade em sentido estrito que impede o legislador de tomar medidas legais excessivas em relação às finalidades que se visam atingir. EE. Atentos os comandos constitucionais supra expostos, parece-nos ser completamente desproporcional a interpretação do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC de que o critério normativo extraído daquela norma ditasse, sem mais, que o antigo proprietário do veículo automóvel, por ter sido anterior locador, se veja obrigado a suportar o IUC e demais encargos associados possa ou não requerer a alteração do registo da propriedade da viatura, uma vez que ou essa alteração lhe acarretará custos que ele não está obrigado a supor ad eternum um custo (in casu, o IUC) com a repercussão de um dano que não provocou, quando o custo que a AT teria neste tipo de situações será, apenas e somente, a emissão de uma nova liquidação de IUC, não estando defraudadas, sequer, as expectativas do erário público. FF. Em síntese, e por maioria de razão, o entendimento de que o n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC consagra uma presunção inilidível que a AT tanto pregou de que o sujeito passivo é, sem prova admitida em contrário, a pessoa em nome da qual o mesmo está registado é uma interpretação totalmente contrária à lógica subjacente ao artigo 13.º e 18.º da CRP, sendo, e por isso, inconstitucional. GG. O Tribunal Constitucional («TC») inclusive já se debruçou sobre a (in)admissibilidade de presunções inilidíveis no direito fiscal, no que diz respeito à sua (des)conformidade com o princípio da igualdade, subprincípio da capacidade contributiva, no Acórdão n.º 348/97, de 29 de abril de 1997. HH. Em face ao exposto, para que a interpretação do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC possa estar em harmonia com o princípio da equivalência, da igualdade, da capacidade contributiva e da proporcionalidade, constitucionalmente tutelados, deve-se entender que a presunção de causação de custo ou de aproveitamento de um benefício deixa de subsistir no momento em que o putativo proprietário apresenta prova da transmissão da propriedade do veículo. II. Portanto, mesmo que se pudesse interpretar o disposto no n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC como se de uma presunção inilidível se tratasse, não era possível, contudo, aplicar essa interpretação à situação vertente (entidade locadora), sob pena de manifesta inconstitucionalidade material. JJ. Assim, é forçoso concluir que, ainda que se admita hipoteticamente o presente recurso por oposição de acórdãos, a decisão arbitral recorrida não padece de nenhum dos vícios imputados pela Recorrente nas alegações de recurso; primeiro por estabelecer o n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC uma presunção ilidível de quem deve ser considerado sujeito passivo do Imposto Único de Circulação com base no Registo Automóvel, e segundo – sem prescindir – por a interpretação invocada pela Recorrente ser inconstitucional, na medida em que fere o princípio da equivalência, da igualdade, da capacidade contributiva e da proporcionalidade, todos constitucionalmente tutelados, devendo, por isso, a decisão arbitral recorrida ser integralmente mantida por este STA, com todas as consequências legais. V. DO PEDIDO Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. por certo suprirão, o presente recurso não deve ser admitido, por força do disposto o artigo 152.º, n.º 3 do CPTA, e caso assim não se entenda, sempre deve a interpretação perfilhada no Acórdão Arbitral recorrido prevalecer, devendo o mesmo ser integralmente mantido quanto a ambas as questões objeto do presente recurso, com todas as consequências legais. (…)»
«(…) 1-Objecto do recurso A recorrente interpôs, ao abrigo do disposto nos arts. 25º, nº 2, do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária, aprovado pelo Dec. Lei nº 10/2011, de 20/1, e 152.º, n.º 1, do Código de Processo nos Tribunais Administrativos, o presente recurso para uniformização de jurisprudência para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, pugnando pela revogação da decisão arbitral do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD) proferida no processo nº 585/2023 - T e pela correcção da interpretação perfilhada na decisão arbitral proferida pelo CAA, proferida no âmbito do proc. nº 148/2022 - T, convocada como decisão fundamento. A recorrida apresentou contra-alegações de recurso defendendo não ser líquido que se mostrem preenchidos todos os pressupostos que permitam o conhecimento do recurso, e, caso assim não se entenda, sempre deverá a interpretação perfilhada na decisão recorrida ser mantida na ordem jurídica. 2-Da admissibilidade do recurso a) São requisitos do prosseguimento do presente recurso para uniformização de jurisprudência: - contradição entre um acórdão do TCA ou do STA e a decisão arbitral ou entre duas decisões arbitrais; - trânsito em julgado do acórdão (decisão) fundamento; - existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito; - ser a orientação perfilhada no acórdão (decisão) impugnado desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA. Por sua vez quanto à caracterização da questão fundamental de direito: - deve haver identidade da questão de direito sobre a qual incidiu o acórdão (decisão) em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respectivos pressupostos de facto; - a oposição deverá emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas; - não obsta ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos (decisões) sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica; - as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais. 3-Apreciação Entende a recorrente que entre a decisão recorrida e a decisão fundamento existe contradição quanto à mesma questão fundamental de direito, que enuncia da seguinte forma: “Verifica-se, assim, uma patente e inarredável contradição quanto à mesma questão fundamental de direito, que consiste em saber se o artigo 3.º do Código do Imposto Único de Circulação, na sua redação dada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016 de 1 de agosto, contempla ou não uma presunção legal iuris tantum, ou seja, suscetível de prova em contrário, sobre quem se considera ser o proprietário do veículo”. Em termos de matéria de facto assente em ambas as decisões, afigura-se-nos que a mesma é, nos seus contornos essenciais idêntica. Em ambos os casos, a requerente de pronúncia arbitral é uma instituição de crédito, assumindo especial relevância, na sua actividade comercial, o financiamento ao sector automóvel, designadamente através da celebração de contratos de locação financeira e de aluguer de longa duração. Nas datas da liquidação do IUC, as requerentes constavam, no registo da Conservatória do Registo Automóvel, como proprietárias dos veículos automóveis, relativamente aos quais incidiu IUC. Aquando das liquidações as requerentes já não eram proprietárias dos veículos automóveis, objecto das liquidações de IUC. Quanto à questão de direito, a decisão recorrida encontra-se sumariada nos seguintes termos: “1.A norma de incidência subjetiva constante do artigo 3.º, n.º 1 do CIUC, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto, tem de ser lida à luz das finalidades e regras do registo automóvel e constitui mera presunção juris tantum de propriedade. 2.As faturas e os contratos de locação permitem no final dos mesmos (dos contratos), concluir pela transmissão dos veículos, sendo meios idóneos para ilidir a presunção; 3.Sendo julgado procedente um pedido de pronúncia arbitral, e estando o imposto pago, são devidos juros indemnizatórios, mas apenas a partir da data em que se perfizer 1 (um) ano sobre a data da apresentação do pedido de revisão oficiosa”. Por sua vez, a decisão fundamento encontra-se sumariada nos seguintes termos: “1.Com a nova redação da norma aprovada pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º (DL) 41/2016, de 1 de agosto, o IUC não é um imposto que incida sobre a propriedade ou posse do veículo, mas sobre a pessoa em nome de quem está registado um veículo automóvel. 2.O sujeito passivo é a pessoa em nome de quem está registada a propriedade do veículo, independentemente de ser ou não o seu proprietário e/ou possuidor. 3.A incidência subjetiva basta-se com o mero registo do direito de propriedade em nome do sujeito passivo, sendo suficiente o nome da pessoa em que se encontra registada a propriedade do veículo, independentemente de ela ser ou não a proprietária e possuidora efetiva do veículo no ano a que respeita o IUC, designadamente no caso das situações de venda do veículo sem atualização do registo de propriedade”. Na fundamentação da decisão recorrida, consta ainda o seguinte: “Da redacção dada ao n.º 1 do artigo 3.º do CIUC pelo Decreto-Lei n.º 41/2016 conclui-se que veio o legislador afastar qualquer presunção legal quanto a quem pode ser considerado proprietário de um veículo, vindo antes determinar que passará a ser sujeito passivo do imposto a pessoa em nome da qual os veículos se encontrem registados”. Em sede de matéria de direito, a decisão fundamento entende que o nº1, do art. 3º, do CIUC, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, não contém qualquer presunção; por sua vez, a decisão recorrida entende que o mesmo preceito legal constitui mera presunção juris tantum de propriedade. Assim, afigura-se-nos existir contradição quanto à mesma questão fundamental de direito. Por outro lado, não conhecemos jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal que se tenha pronunciado quanto à matéria objecto do presente recurso. Nestes termos, encontram-se reunidos todos os pressupostos que permitem o conhecimento do recurso. Quanto ao mérito do recurso, de salientar o seguinte: A questão que se coloca consiste em saber quem é o sujeito passivo de IUC para efeitos do disposto no art. 3º, nº 1, do CIUC, na redacção introduzida pelo Dec. Lei nº 41/2016, de 1/8, e designadamente saber se a pessoa em nome da qual está registado o veículo pode ou não afastar a responsabilidade pelo pagamento do imposto se fizer prova de que à data da verificação do facto tributário o veículo já não lhe pertencia. Consta do preâmbulo do Dec. Lei nº 41/2016, que introduziu a nova redacção do art. 3º, do CIUC, o seguinte: “Finalmente, o artigo 169.º da Lei do Orçamento do Estado para 2016 autoriza que se efetuem, também, alterações ao Código do Imposto Único de Circulação. Sendo estas, igualmente, conexas com a necessidade de ultrapassar dificuldades interpretativas que surgiram com redações anteriores deste Código, importa clarificar-se quem é o sujeito passivo do imposto”. O preceito legal em análise, na redacção anterior àquela que lhe foi dada pelo Dec. Lei nº 41/2006, estatuía que são sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos. Aquele preceito, na sua actual redacção estatui que são sujeitos passivos do imposto as pessoas, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos. Da leitura da disposição legal em causa, resulta que sujeito passivo de IUC é a pessoa em nome da qual se encontre registado o veículo, independentemente de tal pessoa ser ou não proprietária do veículo à data da verificação do facto tributário. “Da redacção dada ao n.º 1 do artigo 3.º do CIUC pelo Decreto-Lei n.º 41/2016 conclui-se que veio o legislador afastar qualquer presunção legal quanto a quem pode ser considerado proprietário de um veículo, vindo antes determinar que passará a ser sujeito passivo do imposto a pessoa em nome da qual os veículos se encontrem registados”, Ac. do TCAN de 21/2/2019, proc. nº 00611/13.4BEVIS. Nestes termos, acompanho a posição sustentada pelo Ministério Público no âmbito do parecer emitido no proc. nº 157/23.2BALSB. Conclusão: Pelo exposto, emite-se parecer no sentido de dever ser conhecido o mérito do presente recurso, devendo ser uniformizada jurisprudência no seguinte sentido: -Para efeitos do disposto no art. 3º, nº1, do CIUC, na redacção introduzida pelo Dec. Lei nº 41/2016, de 1/8, responde pelo pagamento do imposto a pessoa em nome da qual está registado o veículo à data da verificação do facto tributário, independentemente de nessa data já ter ocorrido a transmissão para outra pessoa. E, consequentemente, ser determinada a anulação da decisão arbitral recorrida que assim não o entendeu. (…)» 1.6. Após «vista simultânea» - artigo 92.º, n.º 2 do CPTA -, vêm os autos submetidos à Conferência no Pleno desta Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, para julgamento. A. A Requerente é uma instituição de crédito, assumindo especial relevância, na sua atividade comercial, o financiamento ao sector automóvel, designadamente através da celebração de contratos de locação financeira e de aluguer de longa duração. B. Uma parte substancial da sua atividade reconduz-se à celebração de contratos de locação financeira ou de aluguer de longa duração, destinados à aquisição, por empresas e particulares, de veículos automóveis; C. Os contratos obedecem, de forma geral, a um guião comum, em que a Requerente, depois de contactada pelo cliente que, nessa fase, já escolheu o tipo de veículo que pretende adquirir, as suas características e preço, adquire o veículo ao fornecedor indicado pelo próprio cliente, e, de seguida, procede à sua entrega ao cliente, assumindo este a qualidade de locatário. D. Durante o período estipulado no contrato, o locatário restitui o financiamento em prestações mensais, na forma de rendas, tendo o direito, no final do contrato, de adquirir o veículo, mediante o pagamento de um valor residual, acrescido de despesas e IVA. E. A Requerente celebrou contratos de aluguer de longa duração ou de locação financeira para os veículos indicados em F), tendo os locatários, no final desses contratos e nos respetivos termos, adquirido os veículos; F. Com referência àqueles veículos, foram emitidas as liquidações de IUC relativas aos anos de 2020, 2021 e 2022, identificadas no quadro que se segue: [IMAGEM] G. À data do facto gerador daquelas liquidações, a Requerente já tinha transmitido a propriedade dos veículos automóveis em causa nos presentes autos. H. À data daquele facto gerador, todos os veículos automóveis se encontravam ainda registados no nome da Requerente. I. A Requerente apresentou pedido de revisão oficiosa daquelas liquidações de imposto a 27 de fevereiro de 2023. J. A Requerente pagou os montantes de imposto liquidados. K. A Requerente apresentou o presente pedido arbitral em 10 de Agosto de 2023.
Não foram julgados não provados quaisquer factos relevantes para a decisão da causa.
Relativamente à matéria de facto, o tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe sim o dever de selecionar os factos que importa, para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. artº 123º, nº 2 do CPPT e artigo 607º, nº 3, aplicáveis ex vi artigo 29°, n° 1, alíneas a) e e) do RJAT. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis da(s) questão(ões) de Direito (cfr. artigo 596º do CPC, aplicável ex vi artigo 29º, nº 1, alínea e) do RJAT). Assim, tendo em consideração as posições assumidas pelas partes à luz do artigo 110º, nº 7 do CPPT, bem como o processo administrativo e a prova documental junta aos autos, consideram-se provados, com relevo para a decisão, os factos supra elencados. 2.2. A decisão arbitral fundamento, proferida no Processo n.º 148/2022-T (CAAD), de 17.11.2022, considerou provados os seguintes factos com relevo para a decisão: b. A Requerente foi notificada das seguintes liquidações de IUC: [IMAGEM] c. Num total de quarenta e duas, relativas ao ano de 2020, conforme consta dos quadros do ponto anterior. d. A Requerente emitiu faturas de venda relativamente a todas as viaturas automóveis a que respeitam as liquidações objeto do presente processo, antes da data a que as mesmas respeitam. e. Na data da notificação das liquidações objeto do presente processo, a Requerente constava, no registo da Conservatória do Registo Automóvel, como proprietária dos veículos automóveis identificados no ponto b. f. A Requerente procedeu ao pagamento do imposto a que respeitam os presentes autos. g. A Requerente interpôs, no dia 25.08.2021, Recurso Hierárquico contra o despacho de indeferimento proferido em 30.07.2021 pelo Chefe de Divisão da Divisão de Justiça Tributária da Unidade dos Grandes Contribuintes (UGC) na reclamação graciosa n.º ...2021..., quanto ao pedido de anulação das quarenta e duas liquidações de IUC identificadas no ponto b. acima. h. O Recurso Hierárquico foi indeferido com despacho datado de 09.12.2021. i. A Requerente apresentou o PPA no dia 08.03.2023.
14. Não há factos relevantes para esta Decisão Arbitral que não se tenham provado.
15. Relativamente à matéria de facto, o Tribunal não tem de se pronunciar sobre tudo o que foi alegado pelas partes, cabendo-lhe, sim, o dever de selecionar os factos que importam para a decisão e discriminar a matéria provada da não provada (cfr. art.º 123.º, n.º 2, do CPPT e artigo 607.º, n.º 3 do CPC, aplicáveis ex vi artigo 29.º, n.º 1, alíneas a) e e), do RJAT). 16. Deste modo, os factos pertinentes para o julgamento da causa são escolhidos e recortados em função da sua relevância jurídica, a qual é estabelecida em atenção às várias soluções plausíveis das questões de Direito (cfr. anterior artigo 511.º, n.º 1, do CPC, correspondente ao atual artigo 596.º, aplicável ex vi artigo 29.º, n.º 1, alínea e), do RJAT). 17. Tendo em consideração as posições assumidas pelas partes, à luz do artigo 110.º/7 do CPPT, a prova documental e o processo administrativo juntos aos autos, consideraram se provados, com relevo para a decisão, os factos acima elencados, com base nos elementos documentais aí indicados.
3. Fundamentação de Direito
Importa, agora, perante o Pleno da Secção que se avalie e julgue, de modo definitivo, os pressupostos de admissibilidade e, consequentemente, a continuidade do recurso para uniformização de jurisprudência interposto. A este recurso, de acordo com o preceituado no n.º 3, do artigo 25.º do RJAT, aplica-se, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do CPTA. Decorrem do artigo 152.º, n.º 1 e n.º 3, do CPTA, três condições essenciais para que possa ser admitido o recurso: (i) uma contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento; (ii) verificada relativamente à mesma questão fundamental de direito e (iii) que a orientação perfilhada no acórdão impugnado não esteja de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo. A propósito da concretização do imperativo de que haja uma contradição entre os dois acórdãos relativamente a uma mesma questão fundamental de direito (condição 1 e 2), a jurisprudência deste Supremo Tribunal tem sido, desde longa data, constante na afirmação da imprescindibilidade da verificação cumulativa dos seguintes requisitos: - Identidade substancial da norma jurídica aplicável e da situação de facto a ela subsumível; - Que não tenha havido alteração substancial da regulamentação jurídica aplicável; - Que se tenha perfilhado, nos dois arestos, solução oposta; - Que a oposição decorra de decisões expressas, não bastando a pronúncia implícita ou a mera consideração colateral, avançada no âmbito da apreciação de questão distinta. O mesmo será dizer que para que se considere verificada a contradição entre as duas decisões relativamente a uma mesma questão fundamental de direito impõe-se a verificação simultânea dos requisitos acabados de apontar. Bastando que um deles não se cumpra para que fique comprometida a admissão do recurso para uniformização de jurisprudência. O carácter excecional do recurso para uniformização e o propósito de assegurar que situações de facto substancialmente idênticas têm o mesmo tratamento justificam a limitação da sua admissibilidade unicamente nas situações substancialmente iguais. O objetivo do recurso não é, portanto, avaliar o mérito de uma decisão por si, mas fazer esta avaliação do mérito no confronto com uma outra que verse sobre as mesmas normas jurídicas aplicadas a uma factualidade em tudo idêntica para, assim, assegurar a verificação mais plena do princípio da segurança jurídica. Da aplicação dos requisitos enunciados ao caso sob decisão resulta a conclusão de que todos se verificam. Vejamos: Existe uma identidade substancial da norma jurídica aplicável, concretamente o artigo 3.º, n.º 1 do CIUC, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto, não havendo a este respeito desacordo entre as partes. Com efeito, a questão essencial a resolver nas duas decisões arbitrais é precisamente a mesma. Na decisão recorrida a questão essencial a resolver é a de saber se «[a] norma de incidência subjetiva constante do artigo 3.º, n.º 1 do CIUC, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto, consubstancia uma ficção, insuscetível de demonstração em contrário, ou continua a ser suscetível de uma interpretação presuntiva»; na decisão fundamento, exatamente na mesma linha, a questão a resolver é determinar «se o artigo 3.º n.º 1 do IUC contém uma presunção ilidível para atos de liquidação de IUC de 2020»; o que em substância é exatamente o mesmo. Verifica-se, igualmente, uma identidade substancial da situação de facto a ela subsumível, como resulta do probatório de ambras as decisões, com destaque para o facto comprovado em cada um dos excertos, das duas decisões, que de seguida se transcrevem.
«A. A Requerente é uma instituição de crédito, assumindo especial relevância, na sua atividade comercial, o financiamento ao sector automóvel, designadamente através da celebração de contratos de locação financeira e de aluguer de longa duração. B. Uma parte substancial da sua atividade reconduz-se à celebração de contratos de locação financeira ou de aluguer de longa duração, destinados à aquisição, por empresas e particulares, de veículos automóveis». Processo n.º 148/2022-T (decisão fundamento) «a. A Requerente é uma instituição de crédito, assumindo especial relevância, na sua atividade comercial, o financiamento ao sector automóvel, designadamente através da celebração de contratos de locação financeira e de aluguer de longa duração.»
Foi, ainda, perfilhada nas duas decisões uma solução oposta, veiculada de forma expressa no âmbito da questão central a decidir, como atestam os sumários de cada uma das decisões e que refletem o sentido de cada uma das decisões, abaixo reproduzidos.
Decisão recorrida “1.A norma de incidência subjetiva constante do artigo 3.º, n.º 1 do CIUC, na redação dada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto, tem de ser lida à luz das finalidades e regras do registo automóvel e constitui mera presunção juris tantum de propriedade. 2.As faturas e os contratos de locação permitem no final dos mesmos (dos contratos), concluir pela transmissão dos veículos, sendo meios idóneos para ilidir a presunção; 3.Sendo julgado procedente um pedido de pronúncia arbitral, e estando o imposto pago, são devidos juros indemnizatórios, mas apenas a partir da data em que se perfizer 1 (um) ano sobre a data da apresentação do pedido de revisão oficiosa”.
“1. Com a nova redação da norma aprovada pelo art. 3.º do Decreto-Lei n.º (DL) 41/2016, de 1 de agosto, o IUC não é um imposto que incida sobre a propriedade ou posse do veículo, mas sobre a pessoa em nome de quem está registado um veículo automóvel. 2.O sujeito passivo é a pessoa em nome de quem está registada a propriedade do veículo, independentemente de ser ou não o seu proprietário e/ou possuidor. 3.A incidência subjetiva basta-se com o mero registo do direito de propriedade em nome do sujeito passivo, sendo suficiente o nome da pessoa em que se encontra registada a propriedade do veículo, independentemente de ela ser ou não a proprietária e possuidora efetiva do veículo no ano a que respeita o IUC, designadamente no caso das situações de venda do veículo sem atualização do registo de propriedade”. Por fim, verifica-se que a orientação perfilhada no acórdão impugnado não está de acordo com a jurisprudência mais recentemente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo. Decorre da exposição que acabámos de fazer que se confirma o preenchimento dos requisitos para admissão do recurso para uniformização de jurisprudência. A questão sob apreciação não é, todavia, nova, tendo já sido decidida por este Supremo Tribunal no acórdão que se proferiu no processo n.º 159/23.9BALSB, de 26-06-2024, www.dgsi.pt. Nesse acórdão, com efeito, a decisão arbitral fundamento era precisamente a mesma e a decisão recorrida sobreponível, no essencial, à de que se recorre no presente processo. Neste enquadramento, e tendo em conta que no âmbito do presente recurso não surgem questões que obriguem a uma reflexão ou ponderação distintas das já efetuadas no processo n.º 159/23.9BALSB, adotamos a solução que dele consta e que foi aprovada por maioria:
“… Nesta matéria, cumpre notar que com a entrada em vigor do Decreto-Lei nº 41/2016, de 01-08, o nº 1 do artigo 3º do CIUC, passou a ter a seguinte redacção: “Artigo 3.º Incidência Subjetiva 1 - São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos.”.
Em momento anterior, a jurisprudência e a doutrina maioritárias tinham por adquirido que o art. 3º nº 1 do CIUC consagrava uma presunção registral susceptível de prova em contrário (cfr. neste sentido Acórdãos deste Supremo Tribunal de 18-04-2018, Proc. nº 0206/17 e de 03-06-2020, Proc. nº 0467/14.0BEMDL, ambos disponíveis em www.dgsi.pt e na doutrina, João Ochôa, “Breve reflexão sobre a incidência subjectiva do imposto único de circulação”, Cadernos de Justiça Tributária, Out/Dez 2014, pág. 3 e seguintes).
No preâmbulo do citado D.L. nº 41/2016, de 01-08 que introduziu a nova redação ao artigo 3º do CIUC, o legislador deixou expresso que “Finalmente, o artigo 169º da Lei do Orçamento do Estado para 2016 autoriza que se efetuem, também, alterações ao Código do Imposto Único de Circulação. Sendo estas, igualmente, conexas com a necessidade de ultrapassar dificuldades interpretativas que surgiram com redações anteriores deste Código, importa clarificar-se quem é o sujeito passivo do imposto”.
Neste ponto, deve dizer-se que, apesar do enunciado poder prestar-se a outras interpretações, é hoje pacífico que, como dá nota, o já referido Acórdão deste Supremo Tribunal de 03-06-2020, Proc. nº 0467/14.0BEMDL, www.dgsi.pt, “… o Governo não atribuiu, no Decreto-Lei n.º 41/2016, natureza interpretativa à alteração que introduziu no dispositivo em causa. Pela simples razão de que atribuiu no mesmo diploma natureza interpretativa a diversas outras disposições e não deixou de o anunciar expressamente no preâmbulo e o consignar expressamente no texto legislativo. O que não fez quanto à norma em causa. Em segundo lugar, sendo embora verdade que a natureza interpretativa da norma pode ser revelada no facto de recair sobre matéria em que existam fortes divergências, documentadas na jurisprudência e/ou na doutrina, já assim não é se o sentido da lei nova vem ao arrepio da jurisprudência uniformizada ou consolidada sobre o âmbito interpretativo da lei antiga. Como refere J. BAPTISTA MACHADO (in «Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador», Almedina 1990, págs. 246/247), «se entretanto se formou uma corrente jurisprudencial uniforme que tornou praticamente certo o sentido da norma antiga, então a LN que venha a consagrar uma interpretação diferente da mesma norma já não pode ser considerada realmente interpretativa». Ora, embora tenha existido, inicialmente, alguma controvérsia doutrinária e na jurisprudência arbitral (devidamente descrita no douto parecer do Ex.mo Sr. Procurador Geral Adjunto e para o qual ora remetemos), a jurisprudência dos tribunais superiores tem respondido de forma uniforme a esta questão e deve considerar-se consolidada no sentido que aqui se toma. …”
Assim, neste domínio, o legislador, porventura em função do entendimento defendido pela AT no sentido de que, razões de eficácia na cobrança e arrecadação do IUC, impunham assentar o procedimento de liquidação do imposto nos dados do registo automóvel, elegendo como sujeito passivo a pessoa que nele figure como titular do direito de propriedade da viatura. E, na verdade, se a redacção anterior partia de uma presunção da titularidade da viatura em função do respectivo registo, - “considerando-se como tais as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados” -, possibilitando que o titular inscrito no registo infirmasse essa titularidade e nessa medida afastasse a responsabilidade pelo pagamento do imposto, a redacção actual e aplicável no caso concreto dos autos deixou deliberadamente - atentos os propósitos do legislador manifestados no preâmbulo do D.L. nº 41/2016, de 01-08 - de consagrar essa presunção. Logo, atendendo ao elemento histórico e sistemático, resulta claro que o legislador elegeu como sujeito passivo do imposto não o proprietário do veículo, mas a pessoa como tal inscrita no registo automóvel, o que significa que, para efeitos de incidência subjectiva do imposto, o legislador elegeu “as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos”, independentemente de as mesmas serem ou não as proprietárias do veículo à data da verificação do facto tributário.
Diga-se ainda que a configuração do elemento subjectivo do facto tributário no sentido de abranger as pessoas em nome de quem se encontra registada a propriedade do veículo, é tão-só uma questão de incidência simples, na medida em que é determinado directamente o sujeito passivo, não assentando a técnica legislativa numa presunção legal, tal como ocorria na versão anterior da lei, ou seja, o artigo na versão actual não configura qualquer presunção em si, pode, quando muito, conceber-se que existe uma presunção no fundamento da norma, numa fase pré-jurídica, como processo intelectual que induziu o legislador a estabelecer a norma com a configuração actual. Isso, porém, não tem relevo para a interpretação de uma norma em que a definição de quem é o sujeito passivo, entre outras situações de incidência subjectiva, que decorrem do mesmo artigo, e que com ela não se apresentam como incompatíveis, sem que aí esteja presente uma presunção com os seus elementos constitutivos (afirmação base ou indício, afirmação resultado ou afirmação presumida e pelo nexo lógico que existe entre ambas). Nesta medida, deparamo-nos com uma opção legítima do legislador, no que diz respeito à alteração da incidência subjectiva do IUC, não havendo, em termos imediatos, impedimento a que o faça, realidade que tem de ser harmonizada com os princípios jurídico-constitucionais, situação que se mostra manifestamente assegurada.
Na verdade, no que se refere ao princípio da proporcionalidade e proibição do excesso não se vislumbra a existência de especiais dificuldades. Desde logo, porque a actualização do registo não é um ónus tão pesado que não possa e deva ser cumprido por quem deixa ou adquira a condição de proprietário. Especialmente num contexto em que o legislador instituiu mecanismos simples de actualização do registo automóvel, designadamente através do D.L. nº 177/2014, de 15-12, que criou “o procedimento especial para o registo de propriedade de veículos adquirida por contrato verbal de compra e venda, tendo em vista a regularização da propriedade …”. Além do mais, o que é normal é que o titular do registo seja suficientemente diligente para manter o registo actualizado e mesmo que, por incúria, não o tenha feito, as consequências que daí advêm não serão desproporcionadas, até porque o imposto é devido apenas até ao cancelamento da matrícula ou registo. É ainda de relevar que quem é titular do registo é porque alguma vez foi proprietário e que, por falta de diligência, não fez a actualização, sendo estas situações patológicas uma excepção. Eventualmente mais frequente será, correspondendo à normalidade, que quem por qualquer motivo adquire ou vende uma viatura, faça a actualização do registo, nomeadamente, quando estão em causa sociedades financeiras de locação, como é o caso dos autos, em que face ao carácter profissional da actividade desenvolvida, dificilmente se compreende a manifesta falta de diligência e consequentemente justificação da tutela reclamada nos autos. Diga-se ainda que não é inédito que os impostos tenham uma função extrafiscal, o que neste caso poderia muito bem ter em vista assegurar que o registo dos automóveis esteja actualizado, não só para assegurar a praticabilidade da aplicação do IUC (que, seguramente, com a questão da ilisão das presunções, levantaria problemas não só para aplicação do imposto, como adensaria ainda mais o congestionamento nos tribunais tributários), mas também facilitar a aplicação do direito das contraordenações (por excesso de velocidade, por exemplo) ou disposições de outros ramos de direito que tenham como sujeitos os titulares do registo, constituindo um estímulo para que este esteja devidamente actualizado. Nesta medida, e no domínio em análise, tem de concluir-se que, atendendo ao princípio da praticabilidade e da eficácia tributária, pode invocar-se que a oneração do titular do registo automóvel com o ónus da sua actualização, sob pena de responder pelo pagamento do imposto, não viola o princípio da proporcionalidade. Por outro lado, cabe indagar se o disposto no artigo 3º nº 1 do CIUC é susceptível de colocar em crise o princípio da equivalência, muito presente nos impostos de tipo ambiental como o de que cuidamos, e acolhido expressamente no artigo 1º do CIUC, que sob a epígrafe “princípio da equivalência”, estabelece que “O imposto único de circulação obedece ao princípio da equivalência, procurando onerar os contribuintes na medida do custo ambiental e viário que estes provocam, em concretização de uma regra geral de igualdade tributária”. Antes de dar resposta a essa questão impõe-se que se diga que a verificação da equivalência tem aqui de ser considerada, não no plano da efectividade, como no domínio das taxas, mas no domínio da eventualidade dado estarmos no domínio dos impostos. Ora, decorre desta precisão que não há diferenças consideráveis, no que respeita à articulação com a ideia de equivalência, entre a condição de proprietário e de titular do registo, pois, tanto num caso como noutro, os eventuais danos ambientais são uma mera eventualidade, não se exigindo, como nas taxas, a sua verificação efectiva. Tal equivale a dizer que a condição de proprietário ou de titular do registo, não apresenta diferenças em termos da relação que cada um tem com os eventuais danos ambientais, pois o veículo pode ou não ser usado pelo proprietário; o mesmo se passando em relação ao titular do registo. Tanto numa situação como noutra, por vezes, o uso com potencial para gerar danos ambientais é feito por um terceiro, ou até não tem de existir, podendo o veículo nem sequer ser utilizado, não interferindo isso com a condição de sujeito passivo, ou seja, qualquer ilação que se queira retirar, a nível da observância do princípio da equivalência, do facto de o sujeito passivo não ser eventualmente o proprietário, mas unicamente o titular do registo, surge como falaciosa. Por outras palavras, a existir uma violação do princípio da equivalência esta tanto surgiria quando o sujeito passivo é proprietário como quando é mero titular do registo. Importa acrescentar, neste âmbito, que se o titular inscrito no registo automóvel não é o proprietário do veículo automóvel, isso é indiferente no que respeita à determinação da existência ou não de qualquer custo ambiental ou viário, pois estes danos têm a ver com a detenção do veículo e não propriamente com o seu uso, sendo, para além do mais, realce-se, danos meramente eventuais. Mesmo num plano especulativo, não é sequer concebível que entre titular do registo e proprietário (nos casos, pouco frequentes, dir-se-ia, em que estas condições não se encontram cumulativamente preenchidas) exista uma relação de substituição tributária e uma daí decorrente responsabilidade tributária, uma vez que não está assegurado à pessoa inscrita no registo um mecanismo legal de reaver do efectivo proprietário do veículo o imposto que venha a suportar. Sendo, portanto, indiferente que a pessoa inscrita no registo faça prova da transmissão do veículo em data anterior à verificação do facto tributário, pois é a pessoa inscrita nesta data que está vinculada ao cumprimento da obrigação tributária. Na sequência do que fica exposto, temos que dizer que, de acordo com o princípio subjacente à tributação automóvel (designadamente o IUC) a oneração dos contribuintes é feita na medida do potencial dano para o ambiente e infraestruturas viárias que decorre do veículo, sendo neste que é precisamente colocada a tónica, não fosse o IUC um imposto claramente ad rem, e não tanto no contributo pessoal dos sujeitos passivos para a verificação desses danos. A dinâmica do imposto, pela sua natureza, eminentemente real, e características intrínsecas, basta-se em fazer recair esse imposto sobre quem tem uma conexão mais estreita com o veículo e que supostamente o possa utilizar, ou tenha um título legal para condicionar a utilização de onde decorrerão os potenciais danos. Assim, cumpre plenamente as exigências da estruturação da incidência subjectiva do imposto, pela forte conexão que têm com o veículo, tanto o proprietário como o titular do registo que, em situações normais, não patológicas, portanto, até acumulará a dupla condição (só tal não acontecendo em situações excepcionais), o que significa que deparamos com uma opção legítima do legislador. No que concerne à matéria da igualdade, não se vê como a mesma é posta em causa, dado que a configuração do preceito é geral e abstracta, abrangendo todos os sujeitos que estejam nas mesmas circunstâncias, o mesmo se podendo dizer da capacidade contributiva que no nosso sistema é sobretudo um critério para determinar de modo geral e uniforme a medida do imposto que deve recair sobre cada sujeito. Mesmo num contexto em que se considerasse a capacidade contributiva como um princípio autónomo, dada a natureza real (ad rem) deste imposto, e a típica desconsideração que nos impostos deste tipo se faz da situação pessoal concreta do sujeito passivo, a acomodação do princípio não seria, ainda assim, inviável. Não podemos, todavia, esquecer que estamos no domínio dos impostos ambientais onde o critério da capacidade contributiva tem de se articular com o princípio da equivalência, o que implica, naturalmente, que os seus sujeitos não sejam aqueles que em termos clássicos têm a maior capacidade contributiva aferida com base no conceito de rendimento em sentido lato (envolvendo também a detenção de património e uso do rendimento no consumo), mas os que pela actuação ou conexão com actividades/bens susceptíveis de gerarem externalidades negativas, serão onerados na medida do potencial dano que daí decorra. Isto para dizer que, num contexto em que impostos como o IUC regressam a uma lógica comutativa, que implica uma ligação entre o eventual dano e medida do imposto, a capacidade contributiva clássica não pode ser aplicada de forma estrita, devendo ser temperada pelo princípio da equivalência que, em muitas situações, implica que quem tem menos capacidade contributiva, por exemplo, por consumir produtos menos ecológicos e mais baratos, por insuficiência de meios, seja mais onerado. Seria, portanto, complexo sustentar a violação da capacidade contributiva, especialmente num imposto com uma forte componente ambiental como o que está em causa. Mesmo que o fizéssemos, os eventuais fundamentos também se aplicariam se o sujeito passivo fosse o proprietário do veículo, pois o imposto seria determinado não, estritamente, com base na capacidade contributiva, que até seria muito baixa se o veículo fosse muito antigo, mas no potencial dano que dele poderia decorrer, o que redundaria muitas vezes, como já ficou enunciado, em situações em que quem é proprietário de veículos antigos e altamente poluentes e tem capacidade contributiva supostamente baixa, é mais fortemente onerado pela tributação ambiental. Deste modo, invocar a violação da capacidade contributiva quando o sujeito passivo é o titular do registo contenderia com questões muito semelhantes às que surgiriam se o sujeito passivo fosse o proprietário o que implica que tal matéria exibe um certo artificialismo e exacerba desproporcionadamente a importância da condição de quem é unicamente titular do registo, pois o normal é que quem é titular do registo seja também proprietário, sendo as situações em que isso não acontece residuais e excepcionais e, por muito legítima que seja a tutela dessas situações, a via não será, certamente, fazer uma interpretação correctiva de um preceito que é claro e corresponde a uma opção legislativa legítima, não existindo espaço para uma autêntica contrarreforma legislativa por via de uma interpretação sem o mínimo apoio na letra da lei, ameaçando o princípio da separação de poderes. …”. Com a fundamentação citada e de que nos apropriamos, também concluímos que para efeitos do disposto no artigo 3º nº 1 do CIUC, na redação introduzida pelo D.L. nº 41/2016, de 01-08, responde pelo pagamento do imposto a pessoa em nome da qual está registado o veículo à data da verificação do facto tributário, independentemente de nessa data já ter ocorrido transmissão da propriedade para outra pessoa.
Declaração de voto do Senhor Conselheiro Nuno Bastos: Não acompanho a posição firmada no acórdão, na parte em que atesta que a conformidade das regras de incidência subjetiva do IUC com os princípios jurídico constitucionais «se mostra manifestamente assegurada». Começo por referir que, embora o artigo 17.º-A do Código do IUC atribua efeitos fiscais à regularização do registo da propriedade, não institui nenhum dever tributário neste âmbito nem associa à falta de diligência o incumprimento de obrigações tributárias. Aliás, esta norma coexistiu com o artigo 19.º do mesmo Código (antes da sua revogação pela Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março) que atribuía aos locadores a obrigação - especificamente tributária - de fornecer à Direção-Geral de Impostos os dados relativos aos utilizadores dos veículos locados. Que, de resto, não beneficiam dos mecanismos de regularização do registo da propriedade a que alude o Decreto-Lei n.º 177/2014, de 15 de dezembro e que se encontram referidos na fundamentação do acórdão (não só por não estarem em causa contratos verbais de compra e venda, mas também por serem entidades que procedem com regularidade à transmissão da propriedade dos veículos em virtude da sua atividade). Assim, não encontro fundamento legal para configurar o dever de registo como um ónus jurídico no plano tributário nem para justificar o regime de tributação com o incumprimento deste dever ou, mais genericamente, com uma falta de diligênciado titular do registo, mesmo que se pudesse considerar invocada e demonstrada no procedimento ou no processo. Ao invés considero que o legislador instituiu um regime de tributação que utiliza uma base de dados de cuja gestão se alheia para que eventuais problemas no registo não lhe possam ser opostos, mesmo que não tenham nada a ver com nenhuma falta de diligência dos contribuintes. E que isso sucede porque se pretendeu assegurar, acima de tudo, a eficiência dos mecanismos de tributação, maximizando a receita e minimizando os custos de gestão. E não vejo como se pode considerar, à partida, assegurada a conformidade com os princípios constitucionais de um sistema de tributação que sobrepõe a eficiência à justiça fiscal (no pressuposto de que se possa considerar eficiente até um sistema que não assegure a justiça na tributação). Nem que se possam considerar proporcionadas as soluções legislativas que se traduzam em atender aos dados do registo mesmo quando não sejam adequados a manifestar a riqueza que justifique a tributação nem necessários para identificar o seu titular. Como sucede quando a administração sabe (por se encontrar documentado), não só que o proprietário registado não é o verdadeiro proprietário, mas também quem é o verdadeiro proprietário. E é aqui que, a meu ver, está o problema fundamental do caso: os impostos assentam essencialmente na capacidade contributiva do sujeito (é, de resto, o que resulta do artigo 4.º, n.º 1, da Lei Geral Tributária). Mesmo que o princípio da equivalência seja convocado para a determinação da medida da tributação (nomeadamente para atender a finalidades extrafiscais), parece que não pode prescindir-se da capacidade contributiva como pressuposto da tributação. Ora, ao considerar como sujeito passivo o titular do registo o legislador permite que prevaleçam os dados do registo sobre a realidade tributária do sujeito (não só em situações limite, em que seja desconhecido o verdadeiro proprietário, mas também naquelas em que se sabe quem é o verdadeiro proprietário e, por isso, o titular da riqueza). E um imposto que remeta para uma base de dados do registo sem atender ao seu significado e sem se importar com o facto de não traduzir nenhuma manifestação de riqueza não é, a meu ver, compatível com tal princípio, até porque não está muito longe de um imposto de capitação. Por isso, concluiria pela inconstitucionalidade do artigo 3.º, n.º 1, do CIUC, na parte em que considera sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos e que não sejam os verdadeiros proprietários dos mesmos. Nuno Bastos Declaração de voto do Senhor Conselheiro Gustavo Lopes Courinha: Voto vencido o presente acórdão, nos seguintes termos: I. Pronunciaram-se as decisões ora em confronto em sentidos claramente opostos, assim se verificando os pressupostos para o conhecimento do mérito do recurso, tudo como defende o projecto que fez vencimento. Em leitura a que aderimos, entendeu-se na decisão arbitral recorrida que os sujeitos passivos continuam a ser os proprietários das viaturas, atenta a proibição de presunções ilidíveis em sede de normas incidência de imposto. Por oposição, pronunciou-se a decisão arbitral fundamento no sentido de que, na versão pós-2016, os sujeitos passivos de IUC não são já os proprietários dos veículos, mas, antes, os entes que como tal figurem no cadastro do registo automóvel. Foi esta interpretação que logrou vencimento no presente acórdão II. Comecemos por contrapor as redacções do artigo 3.º do Código do IUC, nas versões anterior e posterior às alterações promovidas pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto. Dispunha a versão pré-2016 do artigo 3.º do Código do IUC, sob a epígrafe “Incidência Subjetiva”, que: “1 - São sujeitos passivos do imposto os proprietários dos veículos, considerando-se como tais as pessoas singulares ou colectivas, de direito público ou privado, em nome das quais os mesmos se encontrem registados. 2 - São equiparados a proprietários os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação. 3 - É ainda equiparada a sujeito passivo a herança indivisa, representada pelo cabeça de casal.” Após as mencionadas alterações, passou a dispor aquela mesma norma - versão pós-2016 - e mantendo a mesma epígrafe, que: “1 - São sujeitos passivos do imposto as pessoas singulares ou coletivas, de direito público ou privado, em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos. 2 - São equiparados a sujeitos passivos os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação. 3 - É ainda equiparada a sujeito passivo a herança indivisa, representada pelo cabeça de casal.” III. Perante esta redacção pós-2016, defrontam-se duas posições. Na sequência da primeira posição, acolhida na decisão arbitral recorrida, entendemos, sem prejuízo da alteração legislativa promovida em 2016, que o legislador continua a consagrar, pese embora por outros termos, o princípio da tributação do verdadeiro proprietário, com prejuízo do que emane do registo automóvel. Na verdade, tal decisão foi proferida na sequência do pedido de pronúncia arbitral para declaração de ilegalidade das liquidações de 15 actos de liquidação de Imposto Único de Circulação (IUC), efetuados pela Autoridade Tributária e Aduaneira, no valor global de € 1,964,31, porquanto, nas datas a que se reportam os factos tributários que originaram as liquidações de IUC a ali Requerente já não era proprietária dos veículos, ainda que, naqueles períodos, a transmissão dos aludidos veículos automóveis não estivesse registada junto da Conservatório do Registo Automóvel, sendo que o fundamento invocado pela ali Requerida de que a propriedade dos veículos ainda estava registada em nome da Requerente determina que os IUC lhe sejam assacados está ferido de ilegalidade porque o registo (ou a sua falta) não pode ser elemento decisivo da responsabilidade tributária e, debruçando-se sobre a questão do sujeito passivo deste imposto, considerou que a norma de incidência subjectiva constante do artigo 3.º, n.º 1 do CIUC, na redacção dada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto, consubstancia uma mera presunção juris tantum, susceptível de demonstração em contrário, de propriedade do veículo. Ou seja, a decisão arbitral recorrida considerou que “… O legislador fiscal - atentas as finalidades do registo, a mera presunção que ele gera e os prazos para ele estabelecidos - não podia desconhecer que, pese embora a expressão “considerando-se” que resolver utilizar, que a informação que obtinha do registo quanto ao proprietário do veículo automóvel constituía mera presunção, que o visado podia ilidir, mediante prova cabal do contrário. O legislador converteu a base de dados dos registos de propriedade automóvel numa base de dados fiscal constituída por sujeitos passivos, abstraindo-se da formação da sua constituição e da respectiva natureza declarativa, pretendendo assim com esta mudança que as questões que se suscitavam com a titularidade da propriedade formal versus propriedade efectiva não levantassem dificuldades à liquidação e cobrança do imposto. Não pretendeu, porém, com isso subverter as finalidades do registo e criar uma presunção inilidível de propriedade, mas apenas facilitar a cobrança do imposto, transferindo para o sujeito passivo o ónus da prova, dotando a Administração Tributária de um mecanismo de fácil identificação dos sujeitos passivos deste imposto e socorrendo-se de uma presunção, ilidível, baseada nas regras e funções do registo automóvel. Outra solução violaria o princípio da proporcionalidade e, bem assim, em bom rigor, o da capacidade contributiva, como bem sustenta a Requerente. …”. IV. Por contraposição, a decisão arbitral fundamento foi proferida na sequência do pedido de pronúncia arbitral para declaração de ilegalidade de diversos actos de liquidação de IUC respeitantes a 2020, sendo que a questão em causa consistia em (i) saber se o artigo 3.º n.º 1 do IUC contém uma presunção ilidível para atos de liquidação de IUC de 2020; (ii) saber se, contendo uma presunção ilidível, como alega a AT, a interpretação da Requerente não atende aos elementos sistemático e teleológico de interpretação da lei; (iii) saber se, concluindo-se, que não existe presunção ilidível, tal interpretação padece de inconstitucionalidade por desconforme com o princípio da equivalência, ínsito no artigo 13.º da CRP. Nesta sequência, concluiu que: “… (i) ao contrário do que afirma a Requerente, todo o contexto sistemático e legislativo que rodeia a alteração ao Código do IUC aqui em discussão, aponta no sentido de que o legislador quis expressamente, a partir de 2 de agosto de 2016, romper com a “hermenêutica” e interpretação anterior, no sentido de retirar, do artigo 3.º n.º 1 do Código do IUC, qualquer presunção legal quanto a quem pode ser considerado proprietário de um veículo, para passar a determinar, expressamente, que o sujeito passivo é a pessoa que se encontra inscrita no registo automóvel como proprietária dos veículos; (ii) esta regra de incidência não depende da pessoa inscrita como proprietária ser possuidor e/ou proprietário efetivo do veículo, mas sim de ser a pessoa - mal ou bem – em nome da qual está registada a propriedade do mesmo. Podem ser tecidas várias considerações sobre a inconveniência/impacto negativo deste critério de incidência de imposto em situações de atraso no registo da propriedade, mas não restam grandes dúvidas de que o legislador, devidamente habilitado, retirou a presunção que anteriormente constava do artigo 3.º n.º 1 do Código do IUC, e a substituiu por uma regra de tributação expressa sobre a pessoa que se encontra inscrita no registo como proprietária do veículo; (iii) neste sentido, não colhem os argumentos da Requerente de que estamos perante uma proposta hermenêutica que não se coaduna com as regras gerais de interpretação, nos termos dos artigos 11.º da LGT e 9.º do CC e que o artigo 3.º n.º 1 do Código do IUC contém uma presunção ilidível, nos termos do artigo 73.º da LGT – pois que a proposta hermenêutica foi alterada pelo legislador e ainda que as faturas apresentadas nos autos sejam consideradas como títulos da transmissão de propriedade em momento anterior às liquidações, tal facto é irrelevante para efeitos de apuramento da incidência subjetiva no caso concreto; (iv) o artigo 6.º do IUC - ao contrário do que alega a Requerente - parece reforçar este entendimento quando dispõe que o facto gerador do imposto é constituído pela propriedade do veículo tal como atestada pelo (…) registo em território nacional, i.e. o registo de propriedade de um veículo automóvel em território nacional gera sujeição a IUC, sendo o sujeito passivo a pessoa inscrita como proprietária no respetivo registo automóvel; (v) neste sentido aponta ainda o artigo 17.º-A do Código do IUC invocado pela Requerente - quando este artigo releva para efeitos de IUC, desde a data de transmissão, a alteração da titularidade do direito de propriedade efetuada ao abrigo do procedimento especial para registo de propriedade, está a indicar que a tributação em IUC segue a titularidade de propriedade constante do registo automóvel; (vi) por fim, quanto ao argumento de que ainda que entenda que a redação do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC, alterada pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de agosto, não contém uma presunção ilidível, aplicar essa interpretação à situação vertente seria inconstitucional por atentar contra o princípio da equivalência, ínsito no artigo 13.º da CRP, o mesmo argumento não colhe: o em primeiro lugar porque o princípio da equivalência, antes de se traduzir numa específica formulação do princípio da igualdade, significa que o tributo que nele se baseia deve procurar onerar o sujeito passivo na medida do benefício que este aufere ou do custo que este causa. É assim, em primeiro lugar, um critério para determinação do quantum do tributo; o ainda que se aceite que o imposto é baseado no princípio da equivalência, dele nunca se poderia extrair, como pretende a Requerente, que o mesmo apenas visa titular o proprietário efetivo - pelo contrário, o princípio da equivalência, levado ao limite, levaria a que o imposto devesse recair sobre os utilizadores efetivos - pois são estes que têm os benefícios ou causam custos a partir da utilização dos veículos - e em nenhum momento, nestes autos, nem na lei, existe indicação sobre os elementos que permitem aferir quem, a cada momento, utiliza o veículo e retira dele benefícios ou provoca custos na sociedade (até porque tal seria impraticável). …”. V. Cabe, por um lado, começar por reconhecer que a posição da incidência registal (adotada na decisão arbitral fundamento e que ora recebe acolhimento vencedor) parece ter, na aparência, um muito maior apego à letra da lei. É assim que a expressão “proprietário dos veículos” é substituída por “pessoa em nome das quais se encontre registada a propriedade dos veículos”, inculcando a ideia de que, para efeitos fiscais, a propriedade real cede perante a propriedade aparente emanada do averbamento registal. Ora, este elemento interpretativo literal não deixa (rectius, não pode deixar) de ser um argumento forte no sentido da mencionada leitura que vê a redacção do artigo 3.º do Código do IUC como consagrando uma incidência registal. Teríamos, deste modo, consagrada uma opção de política fiscal inovadora, com a desconsideração definitiva do proprietário enquanto sujeito passivo do imposto. VI. Todavia, entendemos que esta clareza é meramente aparente, atentos três elementos não menos importantes e que, a final, nos parecem verdadeiramente decisivos na fixação do sentido interpretativo a extrair deste inciso na versão pós-2016. Por um lado, ao atentarmos no n.º 2 do mesmo dispositivo, constatamos que são aí tratados como sujeitos passivos “os locatários financeiros, os adquirentes com reserva de propriedade, bem como outros titulares de direitos de opção de compra por força do contrato de locação”. Ora, todos estes sujeitos acabados de referir são apresentados como sujeitos passivos do imposto, independentemente do registo das respectivas qualidades, o que faz supor que a mesma solução – a titularidade real e não registal – se encontra ínsita no n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC. Quer dizer, ao não fazer depender a exigibilidade do imposto a estes sujeitos da sua inscrição registal enquanto tal – inscrição esta que é possível, atenta a abrangência dos atos registáveis, nos termos do Regime do Registo Automóvel, previsto no Decreto-Lei n.º 54/75, de 12 de Fevereiro (republicado em anexo ao Decreto-Lei n.º 111/2019, de 16 de Agosto, que o alterou) – mal se compreende que tal solução surgisse consagrada no respectivo n.º 1 apenas por se tratar da situação mais frequente (o proprietário). Em suma, é dificilmente compreensível que o legislador tenha reservado a incidência registal subjectiva exclusivamente para o direito de propriedade no n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC, excluindo tal especial incidência subjectiva para os demais direitos registáveis constantes do n.º 2 do mesmo dispositivo, onde, alegadamente, permaneceria em vigor a incidência real. Ainda nesta sede, pontuam igualmente no mesmo sentido da incidência real os n.º 2 do artigo 2.º e n.º 2 do artigo 6.º, ambos do Código do IUC, ao sujeitarem a imposto “a permanência em território nacional por período superior a 183 dias, seguidos ou interpolados, em cada ano civil, de veículos não sujeitos a matrícula em Portugal e que não sejam veículos de mercadorias de peso bruto igual ou superior a 12 toneladas”. VII. Por outro lado, ao aceitar-se a teoria da incidência registal, logo seríamos condenados a concluir que o Código do IUC se houvera convertido num imposto sobre o (próprio) registo automóvel (e, ainda assim, com os limites acabados de evidenciar), o que contrasta de sobremaneira com a sua incidência objectiva e a respetiva base tributável. Com efeito, tal base tributável pressupõe uma correlação, mais ou menos direta, entre a titularidade real da viatura e o pagamento do imposto, atentos os fundamentos jurídico-económicos deste específico tributo. Para assim concluir, basta atentar nas bases de incidência associadas às Categorias A a D da incidência objectiva (artigo 2.º, n.º 1, alíneas a) a d) do Código do IUC) – aquelas mais relevantes no presente caso – para logo se denunciarem manifestos elementos de cálculo do quantum do imposto que pressupõem, forçosamente, a titularidade material real dos veículos sujeitos ao mesmo. É nesta linha de coerência que se estabelecem como elementos daquela base tributável a “cilindrada, a voltagem, a antiguidade da matrícula e o combustível” – Categoria A; a “cilindrada e o nível de emissão de dióxido de carbono (CO2) relativo ao ciclo combinado de ensaios resultante dos testes realizados ao abrigo do 'Novo Ciclo de Condução Europeu Normalizado' (New European Driving Cycle - NEDC) ou ao abrigo do 'Procedimento Global de Testes Harmonizados de Veículos Ligeiros' (Worldwide Harmonized Light Vehicle Test Procedure - WLTP), consoante o sistema de testes a que o veículo foi sujeito para efeitos da sua homologação técnica, ou, quando este elemento não integre o certificado de conformidade, as emissões que resultam de medição efetiva realizada em centro técnico legalmente autorizado nos termos previstos para o cálculo do imposto sobre veículos” – Categoria B; ou o “peso bruto, o número de eixos, o tipo de suspensão dos eixos motores e antiguidade da primeira matrícula do veículo motor” – Categorias C e D – cfr. artigo 7.º, n.º 1, alíneas a) a c) do Código do IUC. VIII. Ora, nenhum destes elementos é compatível com uma incidência subjectiva de natureza registal. Ao invés, só se podem aferir critérios como os de “emissões poluentes” ou de “antiguidade da primeira matrícula” para fixação do valor de um tributo por referência ao responsável efectivo pela produção desses efeitos, numa lógica de proprietário real responsável pelos mesmos e, por isso, na condição de efectivo (e não presumido) poluidor-pagador. Tal incoerência entre incidências – subjectiva e objectiva – que deriva da opção pela incidência registal torna-se especialmente evidente nos casos, como os dos autos, em que o sujeito passivo do imposto já não teria qualquer espécie de relação material com o veículo e o grau de poluição associado ao mesmo e anualmente tributável (cfr. artigo 4.º, n.ºs 1 e 2 do Código do IUC), nem sequer está em condições de repercutir o imposto ao real proprietário, uma vez que se encontrava já extinta a relação jurídica subjacente. IX. Por último, e este é o terceiro ponto, quer parecer-nos que a alteração promovida em 2016 mais não traduziu do que uma resposta apressada e mal conseguida a uma situação patológica reiterada – o que, pelas regras da Legística, nunca é aconselhável. O legislador fiscal, diante das (justificadas, aliás) queixas da AT, sobre reiteradas falhas na correta identificação dos sujeitos passivos do IUC (e consequentes anulações das respectivas liquidações, seguidas das dificuldades de indagação dos novos titulares), terá optado por tentar solucionar o problema por um golpe de caneta, fazendo recair sobre o titular registal do direito de propriedade da viatura a responsabilidade originária pelo pagamento do Imposto Único de Circulação. Contudo, não só tal solução é logo posta em causa pela estrutura do imposto – atenta a incoerência sistemática face ao n.º 2 do artigo 3.º do Código e, bem assim, à incidência objectiva e base tributável do imposto, a que acima já fizemos referência – como implicaria a aceitação de uma incidência desligada da realidade subjacente e, por conseguinte, do princípio constitucional da equivalência, emanado do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa, em que se estriba este especial imposto. Por tudo o exposto, não pode aquela ser a interpretação mais correta do artigo 3.º, n.º 1 do Código do IUC à luz da Constituição. X. Em suma, por respeito às exigências de devida conformidade com os princípios que estruturam o imposto, a interpretação do n.º 1 do artigo 3.º do Código do IUC enquanto determinando a incidência subjectiva do imposto por referência ao proprietário real é de preferir, sem prejuízo da menos feliz redacção ali adotada. Trata-se de uma consequência direta do princípio da equivalência que o sujeito do passivo do imposto seja o real proprietário do veículo e não o proprietário registado, porquanto é o primeiro (e não o segundo) que é responsável pelos custos ambientais e viários que este imposto comutativo forçosamente visa compensar. E, em coerência com aquele princípio ordenador, só ao proprietário real cabe internalizar as externalidades negativas produzidas pelo seu comportamento, seja ao nível da poluição, seja ao nível do desgaste das vias rodoviárias. A exclusão de tributação do real proprietário como sujeito passivo do imposto faria, com efeito, surgir uma oneração fiscal na esfera de um sujeito não causador, sequer remotamente, dos danos viários e ambientais com o veículo em questão e que nem sequer susceptibilidade de repercussão do valor de imposto pago teria, atenta a extinção da relação jurídica subjacente. Assim sendo, a referência feita no artigo 3.º, n.º 1 do Código do IUC à incidência subjectiva registal da propriedade só pode ter uma natureza meramente presuntiva e, por isso, forçosamente susceptível de ilisão por mandato constitucional, vertido no artigo 73.º da Lei Geral Tributária. XI. Por todo o exposto, tenderia a negar provimento ao recurso e a uniformizar jurisprudência no sentido de que “o artigo 3.º, n.º 1 do Código do IUC, na redacção decorrente da alteração introduzida pelo Decreto-Lei n.º 41/2016, de 1 de Agosto, consagra uma incidência subjectiva real, apesar de assente numa presunção de propriedade decorrente do averbamento constante do registo automóvel e que é ilidível, podendo o titular inscrito no registo automóvel inverter a prova no sentido de que o efectivo proprietário é outrem” e, em consequência, manter a decisão arbitral recorrida e as liquidações de IUC ali contestadas. Gustavo Lopes Courinha |