Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0844/04.4BELSB 0934/17
Data do Acordão:11/14/2018
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:FRANCISCO ROTHES
Descritores:CONVENÇÃO PARA EVITAR A DUPLA TRIBUTAÇÃO
RETENÇÃO NA FONTE
RESIDÊNCIA
PROVA
Sumário:I - Antes da entrada em vigor da redacção dada ao n.º 3 do art. 90.º do CIRC pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2003), a lei não impunha que a prova prévia da qualidade de não residente do beneficiário dos rendimentos requerida para accionar o disposto em CDT fosse efectuada por um qualquer modo específico.
II - Assim, não questionando a AT que a sociedade à qual a impugnante efectuou pagamento em 1999 tem a qualidade de não residente em Portugal e residente nos Estados Unidos da América e fundamentando-se a correcção efectuada pela AT (que não aceitou a retenção na fonte do IRC à taxa reduzida prevista na CDT celebrada entre ambos os estados) apenas na não observância das formalidades prescritas na Circular n.º 18/99, a liquidação efectuada com base nessa correcção enferma de vício de violação de lei.
Nº Convencional:JSTA000P23853
Nº do Documento:SA2201811140844/04
Data de Entrada:07/24/2017
Recorrente:FAZENDA PÚBLICA
Recorrido 1:A.......... PORTUGAL - ..............., LDA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 844/04.4BELSB

1. RELATÓRIO

1.1 O Representante da Fazenda Pública junto do Tribunal Tributário de Lisboa recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que aquele tribunal, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade acima identificada, anulou a liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) do exercício de 1999 que a AT efectuou, na sequência de uma acção de fiscalização, em ordem a exigir a diferença entre o imposto que foi retido na fonte por aquela sociedade aquando do pagamento de royalties a uma outra sociedade sediada nos Estados Unidos da América (EUA), à taxa de 10% prevista na Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT) celebrada entre a República Portuguesa e os EUA, e o imposto que considera que deveria ter sido retido, à taxa de 15% prevista no Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (CIRC), uma vez que à data desse pagamento a qualidade de não residente do beneficiário do pagamento não estava comprovada nos termos estabelecidos pela Circular n.º 18/99 da Direcção de Serviços de Benefícios Fiscais.

1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e o Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor:

«I. Visa o presente recurso reagir contra a decisão que julgou a impugnação judicial procedente, determinando em consequência a anulação do acto impugnado quanto a imposto e respectivos juros,

II. Para concluir pela procedência da acção entendeu o Tribunal a quo, em síntese, que “para que a sociedade deixasse de proceder à retenção do IRC na fonte era necessária a verificação de um requisito formal que não se encontrava verificado à data, qual seja um certificado de residência emitido pelo país do beneficiário dos rendimentos, poderia a AT sancioná-la em sede contra-ordenacional. O que nunca poderia era tal falta dar origem à liquidação do imposto que comprovadamente não se mostra devido.
Assim, acolhendo-se a doutrina supra e a citada jurisprudência, não poderia a administração tributária ter efectuado a liquidação controvertida nos termos e com os fundamentos em causa.
Tendo em conta o exposto, conclui-se pela ilegalidade da liquidação com vício em violação de lei...».

III. Ora, com tal entendimento não nos podemos conformar, e por assim ser imputamos à sentença recorrida vício de violação de lei.

IV. Desde logo porque, contrariamente ao decidido, é nosso entendimento que a possibilidade de ser efectuada retenção na fonte sobre um pagamento efectuado a prestadores de serviços não residentes em território nacional por taxa diversa da prevista no regime regra contido no direito interno, constitui uma situação excepcional face ao padrão legal em vigor, e logo, equiparável a benefício fiscal.

V. Assim nos afigura ser porquanto nos termos do n.º 2 do art. 2 dos Estatutos dos Benefícios Fiscais se define como tal “... as isenções, as reduções de taxas ... e outras medidas que obedeçam às características enunciadas no número anterior”.

VI. Desta forma, a redução de retenção na fonte que aqui se examina encontra-se enquadrada nas situações previstas no n.º 1 do art. 9.º do Dec. Lei 215/89 de 1 de Julho que aprova o Estatuto dos Benefícios Fiscais, isto é, nas situações em que se prevê a obrigação do beneficiário do regime excepcional comprovar, previamente à sua obtenção, os requisitos que a ele o habilitam.

VII. Atento ao presente argumento legal, encontrava-se o prestador obrigado à entrega de comprovativo de domicílio fiscal, e de igual forma, o sujeito passivo, aqui impugnante, obrigado a exigir tal documento antes do pagamento dos rendimentos, sem o qual não poderia deixar de efectuar a retenção na fonte à taxa prevista no regime regra.

VIII. Assim não tendo ocorrido, e tendo o tribunal a quo pugnado pela procedência da alegação da impugnante, pugna-se nesta sede por acórdão que revogue a sentença no que às retenções diz respeito.

IX. Mas caso assim não se entenda, é igualmente nosso entendimento que a sentença de que se recorre padece de novo vício porquanto não cuida de observar que resulta das próprias Convenções a possibilidade dos Estados signatários adoptarem as medidas necessárias à sua aplicação uma vez que tais convenções não dispõem sobre os seus mecanismos de aplicabilidade.

X. Ora, assim sendo, é nossa opinião, que forçosamente terá que ser ao Direito interno Português que caberá definir os formalismos necessários para que a Convenção possa ser aplicada.

XI. E é no cumprimento desse desiderato que a AT exigiu ao sujeito passivo o cumprimento da obrigação de retenção na fonte à taxa de 15% sobre os pagamentos efectuados ao não residente, uma vez que este não havia comprovado em momento anterior ao do pagamento, nem a aqui impugnante exigido, o domicílio em estado signatário de CDT com Portugal.

XII. Ademais tal como nós, também no Acórdão do TCA Norte datado de 28/06/2007, no âmbito do processo 00129/03, se refere, e defende, que “Não restam muitas dúvidas sobre a necessidade de “invocação” perante o “obrigado à retenção” e pelo titular dos rendimentos, do seu direito à não tributação ao abrigo da CDT. Isto porque, não havendo comprovativo dos pressupostos para aplicação da CDT, deve proceder-se a retenção. A al. b) do n.º 8 do artigo 7.º do CIRC refere que nos casos de retenção a título definitivo o facto gerador se considera verificado na data em que ocorra a obrigação de efectuar aquela. Esta é a regra geral de tributação dos referidos rendimentos. Só perante a invocação e prova de regra diversa pode a mesma ser afastada. E é perante a invocação da regra constante da CDT – que em sentido diverso e consagrando nessa medida uma excepção à regra – atribui competência tributária exclusiva a outro estado.
Até porque não é exigível a um país que adivinhe que a tributação de determinados rendimentos está por força de uma Convenção atribuída de forma exclusiva a outro país. Por outro, quem invoca um facto do qual decorre um direito, tem que provar esse facto. Em princípio, a empresa sujeita a reter na fonte, caso lhe seja solicitada ou pretenda não reter por força de CDT, deve precaver-se com prova relativamente aos pressupostos dessa aplicação. Ou seja, deve solicitar ao titular dos rendimentos documento oficial do Estado da residência deste, conforme referem as CDTs, onde se certifique a residência fiscal dos mesmos”.

XIII. Razões pelas quais, contrariamente ao que resulta do teor da sentença de que aqui se recorre, não se afigura lícito que o substituto tributário decida, sem observância de qualquer formalismo prévio, e logo, sem a necessária certeza que dele haveria de decorrer, aplicar ao prestador um regime diverso do geral em vigor.

XIV. Pelo que, por todo o exposto, e salvo o devido respeito por entendimento contrário, entende a AT que o tribunal a quo falhou no seu julgamento quando decidiu julgar a impugnação judicial procedente.

Termos em que, deve a decisão recorrida ser revogada por acórdão que, concedendo provimento ao presente recurso, declare a impugnação improcedente […]».

1.3 Não foram apresentadas contra-alegações.

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, foi dada vista ao Ministério Público e a Procuradora-Geral Adjunta emitiu parecer no sentido de que seja negado provimento ao recurso e confirmada a sentença recorrida, com a seguinte fundamentação:

«[…] o tribunal a quo defendeu e consagrou a posição doutrinal que tem arrimo na letra e, ao que cremos, no espírito da lei, valendo-se, para tanto, do quadro legal então vigente, mormente, dos artigos 75.º, n.º 3 e 69.º, ambos do CIRC, na redacção anterior à que lhe foi introduzida pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro e, outrossim da interpretação que dele foi feita nos doutos Acórdãos do Venerando Tribunal Central Administrativo Sul, de 30/11/2004 e de 05/07/2005, no âmbito dos Processos n.ºs 0015/04 e 05675/01, citados e parcialmente transcritos na sentença impugnada (cfr. fls. 124 e 125 do p.f.)
Assim sendo, carecendo, à data, de suporte legal que o legitimasse, o entendimento sufragado pela ora Recorrente funda-se, afinal, na orientação acolhida nas Circulares 1/71 18/99, da Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais (cfr. a informação constante de fls. 47 a 64 do PAT em apenso).
Todavia, sobre o valor doutrinal das Circulares, incidiu, v. g., o douto Acórdão desta 2.ª Secção do STA, de 20/10/2010, tirado no Processo n.º 01023/09 (disponível in www.dgsi.pt, tal como os demais que iremos citar, de futuro).
Sucede que, da fundamentação jurídica do citado douto Acórdão, resulta que “(...) as circulares não constituem regras de decisão para os tribunais e que a circunstância de a Administração Tributária ficar vinculada, em face do disposto no actual artigo 68.º-A, n.º 1, da Lei Geral Tributária, às orientações genéricas constante de circulares que estiverem em vigor no momento do facto tributário, não altera esta perspectiva, porque elas não têm força vinculativa nem para os particulares nem para os tribunais.
Como explica CASALTA NABAIS in “Direito Fiscal”, 5.ª edição, pág. 201, as circulares constituem «regulamentos internos que, por terem como destinatário apenas a administração tributária, só esta lhes deve obediência, sendo, pois, obrigatórios apenas para os órgãos situados hierarquicamente abaixo do órgão autor dos mesmos. Por isso não são vinculativos nem para os particulares nem para os tribunais. E isto quer sejam regulamentos organizatórios, que definem regras aplicáveis ao funcionamento interno da administração tributária, criando métodos de trabalho ou modos de actuação, quer sejam regulamentos interpretativos, que procedem à interpretação de preceitos legais (ou regulamentares).
É certo que eles densificam, explicitam ou desenvolvem os preceitos legais, definindo previamente o conteúdo dos actos a praticar pela administração tributária aquando da sua aplicação. Mas isso não os converte em padrão de validade dos actos que suportam. Na verdade, a aferição da legalidade dos actos da administração tributária deve ser efectuada através do confronto directo com a correspondente norma legal e não com o regulamento interno, que se interpôs entre a norma e o acto».
Neste contexto, não tendo as circulares valor normativo, não se impondo ao juiz senão pelo valor doutrinário que porventura possuam, era essencial que a questão colocada fosse analisada, antes de mais, à luz do quadro normativo vigente (...)”.
De resto, no mesmo sentido segue o recente douto aresto deste Tribunal, de 21/06/2017, tirado no Processo n.º 0364/14.
Por último, adita-se que, pese embora a Recorrente cite, em abono da sua posição, a doutrina que dimana do douto Acórdão do TCA Norte, de 28/06/2007, prolatado no âmbito do Processo n.º 00129/03 - BRAGA, seguro é que o mesmo, assumida e expressamente, vai na esteira da jurisprudência uniforme e constante do TCA Sul, já que aí se refere, a dado passo da respectiva fundamentação, que “(...) O momento da apresentação e a forma dos documentos a apresentar, intitulados “certificados de residência fiscal”, como se encontra já decidido por diversos acórdãos do TCAS [de 03/11/2004, no Rec. 00151/04; de 05/07/2005, no Rec. 05675/01; de 09/05/2006, no Rec. 00436/05; de 16/05/2006, no Rec. 00504/05; de 14/11/2006, no Rec. 01424/06; de 24/04/2007, no Rec. 01704/07 e de 09/05/2007, no Rec. 01041/06, todos consultáveis na íntegra em www.dgsi.pt], não encontra sustentação em qualquer norma ou Convenção para Evitar a Dupla Tributação (CDT), antes fazendo parte de Circulares e Ofícios Circulados, através das quais a Administração Fiscal criou um conjunto de regras (formulários – certificados de residência) com base nos quais se podia accionar o mecanismo das CDT’s, mas essas regras não são obrigatórias para os particulares, a menos que a sua doutrina seja vertida em Lei ou Decreto-Lei, como é actualmente o caso do artigo 90.º, n.º 3, do CIRC”.
A ser assim, contrariamente ao defendido pela Recorrente, o supramencionado aresto do TCA Norte não só não conforta a sua posição como, ademais, sufraga inteiramente a jurisprudência consolidada do TCA Sul, que cita e transcreve (consultável no mesmo sítio).
O que vale por dizer que terá de soçobrar in totum a argumentação aduzida pela Recorrente, em prol da sua tese doutrinal e, como decorrência, que não ocorreu qualquer erro no tratamento jurídico conferido ao caso em análise, pela douta sentença sob recurso, quando julgou procedente a presente impugnação».

1.5 Colheram-se os vistos dos Conselheiros adjuntos.

1.6 Cumpre apreciar e decidir, sendo a questão a dirimir a de saber se o Tribunal Tributário de Lisboa fez correcto julgamento quando anulou a liquidação adicional.


* * *

2. FUNDAMENTAÇÃO

2.1 DE FACTO

A Juíza do Tribunal Tributário de Lisboa deu como provados os seguintes factos:

«1. A Impugnante foi objecto de uma acção inspectiva, interna, no âmbito da ordem de serviço n.º 85 837 de 18/06/2003 processo n.º 603/2000 da Direcção de Benefícios Fiscais que solicitou a verificação das retenções na fonte imposto sobre o rendimento efectuados pelos sujeitos passivos reportados a royalties dos anos de 1998 pagos em 1999 (fl. 96 do apenso);

2. Analisados os elementos da contabilidade da Impugnante a Autoridade Tributária e Aduaneira verificou que a mesma efectuou pagamentos em sede de royalties à A………… Internacional Inc. com sede nos Estados Unidos da América conforme registo contabilístico 185 de 17/11/1999 no valor de (54.154.000$00) 270.119,00 €, que corresponde ao valor pago (48.738.600$00), 243.107,11 € – contrato valor 40% s/ prestação de serviços (fl. relatório da inspecção a fls. 30 do apenso);

3. A Impugnante aquando do pagamento do valor de (54.154.000$00) 270.119,00 € aplicou a taxa de 10% em 16/12/99 a título de retenção na fonte Mod. 130 de 04/05/00 (relatório da inspecção fl. 31 doc. 2 junto pela Impugnante que corresponde ao doc. n.º 429022006632 fl. 32 dos autos);

4. A Autoridade Tributária e Aduaneira defendeu que o formulário apresentado pela Impugnante não cumpria os requisitos da circular 18/99 para evitar a redução de taxa aplicada ao pagamento de royalties para evitar a CDT e que deveriam “ser entregues ao devedor dos rendimentos antes de este proceder à entrega do imposto nos cofres do Estado” (relatório da inspecção fls. 97);

5. Tendo em conta o facto referido no ponto anterior a Autoridade Tributária e Aduaneira ao valor bruto de 54.154.000$00 aplicou a diferença da taxa à de 10% considerada pela Impugnante e apurou o valor de 13.505,95 € (cf. documentos e relatório a folhas 31 e seguintes que aqui se dá por reproduzido e elementos constantes no processo administrativo e processo de reclamação graciosa apensos aos autos);

6. A Impugnante apresentou junto da Direcção de Serviços dos Benefícios Fiscais, referente ao exercício de 1999 o documento emitido pela entidades fiscais dos Estados Unidos da América certificando que a A………… International Inc. tinha aí sede para efeitos fiscais e juntou cópia do documento onde solicitava o benefício da redução de taxa ao pagamento do rendimento em sede de royalties previsto na CDT (fls. 32 a 37 dos autos);

7. Administração Tributária emitiu a nota de apuramento das retenções na fonte e juros a que se reporta a liquidação n.º 2003 6420003148 de 27/11/2003 com imposto no valor de 13.505,95 € e juros compensatórios no valor de 3.724,68 €, a que correspondeu o total de valor a pagar 17230,63 € (fls. 27)».


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2.2 DE DIREITO

2.2.1 A QUESTÃO A APRECIAR E DECIDIR

A AT considerou que a ora Recorrida, quando do pagamento de royalties a uma sociedade não residente, em 1999, tinha incorrido em ilegalidade ao proceder à retenção de IRC à taxa convencional de 10% ao invés de tê-lo feito à taxa de 15% prevista no CIRC. Isto porque considerou que, nessa data, a ora Recorrida ainda não estava munida do documento comprovativo de que aquela sociedade tinha sede fiscal nos EUA e era aí tributada em imposto sobre o rendimento, documento que considerou dever respeitar os termos prescritos pela Circular n.º 18/99 da Direcção de Serviços de Benefícios Fiscais (Disponível em
http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/legislacao/instrucoes_administrativas/Documents/circular_18_de_07-10-1999_direccao_de_servicos_dos_beneficios_fiscais.pdf.), motivo por que não podia ter retido o imposto à taxa prevista na CDT (Portugal celebrou diversas CDT, de acordo com o modelo OCDE, em ordem a obviar às consequências da falta de harmonização legislativa internacional: a fixação de residência em território nacional implica que a totalidade dos rendimentos auferidos pelos nacionais de países terceiros possa ficar sujeita a tributação neste país, originando uma dupla tributação. As CDT permitem que os rendimentos obtidos em Portugal por uma entidade estrangeira residente ou sediada num país com o qual Portugal tenha convenção beneficiem de taxas de retenção mais baixas.) celebrada entre a República Portuguesa e os EUA (A Convenção e o Protocolo entre a República Portuguesa e os Estados Unidos da América para Evitar a Dupla Tributação e Prevenir a Evasão Fiscal em Matéria de Impostos sobre o Rendimento, aprovada, para ratificação, pela Resolução da Assembleia da República n.º 39/95, de 21 de Junho de 1995, foi ratificada pelo Decreto do Presidente da República n.º 73/95, de 12 de Outubro, e pode ser consultada em
http://info.portaldasfinancas.gov.pt/pt/informacao_fiscal/convencoes_evitar_dupla_tributacao/convencoes_tabelas_doclib/Documents/estadosunidosdaAmerica.pdf.).
A ora Recorrida impugnou essa liquidação e a sentença deu-lhe razão e, em consequência, anulou esse acto tributário.
Considerou a sentença, em síntese: que as CDT são fonte de direito fiscal, que fazem parte do direito interno português, como resulta do art. 8.º, n.ºs 1 e 2, da Constituição da República Portuguesa (CRP); que, para aferir se há lugar à aplicação da CDT há que verificar qual o estado da residência do sujeito passivo beneficiário do pagamento; que, à data, o regime da retenção na fonte era regulado pelos arts. 75.º, n.º 3, e 69.º, do CIRC, os quais não faziam referência alguma a formalidades obrigatórias na comprovação desse requisito para a efectivação da retenção a taxas reduzidas; que só com as alterações introduzidas no CIRC pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2003), passou a constar dos n.ºs 3 e 4 do art. 90.º daquele Código a obrigatoriedade de os beneficiários de rendimentos comprovarem junto da entidade que se encontra obrigada a efectuar a retenção na fonte a verificação dos pressupostos legais de que depende que resultem de convenção destinada a eliminar a dupla tributação, mediante a apresentação de um formulário de modelo a aprovar por despacho do Ministro das Finanças certificado pelas autoridades competentes do respectivo Estado de residência; seja como for, demonstrados que ficaram os pressupostos para a aplicação da taxa de retenção convencional, não podia a AT exigir o imposto resultante da diferença para a taxa prevista no CIRC; ainda que fosse exigido o certificado de residência a que alude a AT, a falta desse requisito formal poderia dar origem a responsabilidade contra-ordenacional, mas nunca a uma liquidação cujos pressupostos de facto a AT sabia não se verificarem. Invocou jurisprudência no sentido das teses que sustentou (A sentença citou os seguintes acórdãos do Tribunal Central Administrativo Sul:
- de 3 de Novembro de 2004, proferido no processo n.º 151/04, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/452964fbc2bc430c80256f42005bbcef;
- de 5 de Julho de 2005, proferido no processo n.º 5675/01, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/d364b5727a7039c580257036004e601d.).
Em conformidade, a sentença concluiu pela ilegalidade do acto impugnado e decidiu pela anulação do mesmo.
A AT insurge-se contra a sentença e, se bem interpretamos as alegações de recurso e respectivas conclusões, entende que a possibilidade de efectuar a retenção à taxa mais reduzida prevista na CDT, depende da prévia comprovação – exigida à luz do disposto no n.º 1 do art. 9.º do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF) – de que os pagamentos foram efectuados a não residente; ou seja, entende que a redução da taxa de retenção na fonte por aplicação do disposto em CDT constitui uma situação equiparável a benefício fiscal – uma vez que, nos termos do disposto no n.º 2 do art. 2.º do EBF, são benefícios fiscais as isenções e reduções de taxas – e, por isso, nos termos do n.º 1 do art. 9.º daquele Estatuto, a obrigatoriedade de o beneficiário do regime excepcional comprovar, previamente à sua obtenção, os requisitos que a ele o habilitam, designadamente a entrega de comprovativo de domicílio fiscal pelo beneficiário do pagamento e a necessidade de o pagador exigir tal documento, sem o qual não poderia deixar de efectuar a retenção na fonte nos termos previstos no CIRC. Mais entende que o modo como essa comprovação deve ser efectuada fica na disponibilidade do direito interno português, uma vez que a CDT nada prevê a esse respeito. Assim, invocando um acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte (O Recorrente invocou o acórdão proferido em 28 de Junho de 2007 no processo n.º 129/03, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/f1869960462a70178025730e00639609. ), terminou pedindo a revogação da sentença e que a impugnação judicial seja julgada improcedente.
Assim, tendo presente que a AT aceitou que a sociedade a quem a ora Recorrida efectuou os pagamentos das royalties é não residente em Portugal e tem sede nos EUA e fundamentou a liquidação com a circular n.º 18/99, a única questão que cumpre apreciar e decidir é a de saber se, em ordem a poder efectuar a retenção do IRC à taxa prevista na CDT celebrada entre aqueles dois estados, a ora Recorrida tinha de ter em seu poder à data em que efectuou o pagamento um documento comprovativo de que a sociedade beneficiária do pagamento tinha sede nos EUA e aí era tributada em imposto sobre o rendimento que respeitasse a forma prescrita naquela circular.

2.2.2 DAS EXIGÊNCIAS DA PROVA PRÉVIA DA QUALIDADE DE NÃO RESIDENTE

Não é a primeira vez que a questão se coloca a este Supremo Tribunal.
Por isso, vamos remeter para um dos mais recentes acórdãos em que a questão foi tratada, qual seja o acórdão proferido em 5 de Julho de 2017 no processo n.º 567/17 (Disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/5317a0a5e7daf54b8025815b003ec6c3.), em que as conclusões de recurso são praticamente idênticas às do presente recurso. No entanto, dispensaremos o uso das aspas para agilizar o recurso, atentas as diferenças factuais entre a situação sub judice (redução na retenção e beneficiário residente nos EUA) e a situação que naquele processo estava sob escrutínio judicial (dispensa de retenção e beneficiários residentes em França).
Fundamentando-se a correcção apenas e só na não observância das formalidades prescritas na Circular 18/99 – quando ao tempo a lei não exigia prova prévia da qualidade de não residente por qualquer específica forma para accionar o disposto na CDT – e não sendo questionada pela AT a qualidade de não residente em Portugal e de residente nos EUA da sociedade beneficiária do pagamento efectuado pela ora Recorrida, a sentença nenhuma censura merece, pois que, como bem aí se referiu, a AT não podia fazer, como fez, depender essa prova de um único e específico meio de prova, estribando-se as correcções efectuadas num critério puramente formal e restritivo dos direitos legalmente concedidos aos sujeitos passivos da relação tributária, em violação do disposto na CDT celebrada entre Portugal e os EUA e dos princípios de direito constitucional.
A alegação da Recorrente, segundo a qual é de equiparar a redução da taxa de retenção em virtude de aplicação de CDT a benefício fiscal tem sido expressamente afastada pela jurisprudência deste Supremo Tribunal, em consonância com a melhor doutrina (Entre outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 7 de Novembro de 2012, proferido no processo n.º 626/12, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/4f685cfcc94b1ba980257ab8004db845;
- de 13 de Abril de 2016, proferido no processo n.º 1444/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/a5fd5a75bfddee7a80257f9a002fc78b.), improcede; como também improcede a alegação subsidiária que pretende extrair do facto de as CDT não estabelecerem normas próprias sobre o modo de comprovação da qualidade de residente nos Estados contratantes, de que seria lícito ao Estado Português estabelecer por via de “circular” pressupostos formais condicionantes da aplicação das regras da própria Convenção.
É neste sentido que tem vindo a decidir este Supremo Tribunal (Para além do já citado, e entre outros, os seguintes acórdãos da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
- de 22 de Junho de 2011, proferido no processo n.º 283/11, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/b89544e9bcee9b55802578c300567eb9;
- de 14 de Dezembro de 2016, proferido no processo n.º 141/14, disponível em
http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/27441ba9b721cc188025808e003d938c;
e o seguinte acórdão do Pleno da mesma Secção:
- de 20 de Janeiro de 2016, proferido no processo n.º 1479/13, disponível em
http://www.dgsi.pt/JSTA.NSF/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/ca8f27dbc996c27d80257f460051be4c.), sendo que a tese da Recorrente também não encontra apoio no acórdão que invocou em apoio da sua tese (O referido acórdão, citado na conclusão XII, de 28 de Junho de 2007, proferido no processo n.º 129/03, disponível em
http://www.dgsi.pt/jtcn.nsf/89d1c0288c2dd49c802575c8003279c7/f1869960462a70178025730e00639609
não dá apoio à tese da Recorrente, como resulta do seu texto, que ora nos dispensamos de reproduzir porque já o fez a Procuradora-Geral Adjunta no parecer que transcrevemos supra em 1.4. ).
A sentença não merece, pois, censura.

2.2.3 CONCLUSÕES

Preparando a decisão, formulamos as seguintes conclusões:
I - Antes da entrada em vigor da redacção dada ao n.º 3 do art. 90.º do CIRC pela Lei n.º 32-B/2002, de 30 de Dezembro (Lei do Orçamento do Estado para 2003), a lei não impunha que a prova prévia da qualidade de não residente do beneficiário dos rendimentos requerida para accionar o disposto em CDT fosse efectuada por um qualquer modo específico.
II - Assim, não questionando a AT que a sociedade à qual a impugnante efectuou pagamento em 1999 tem a qualidade de não residente em Portugal e residente nos Estados Unidos da América e fundamentando-se a correcção efectuada pela AT (que não aceitou a retenção na fonte do IRC à taxa reduzida prevista na CDT celebrada entre ambos os estados) apenas na não observância das formalidades prescritas na Circular n.º 18/99, a liquidação efectuada com base nessa correcção enferma de vício de violação de lei.


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3. DECISÃO

Em face do exposto, os juízes da Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, em conferência, acordam em negar provimento ao recurso.

Custas pela Recorrente.


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Lisboa, 14 de Novembro de 2018. – Francisco Rothes (relator) – Aragão Seia – Dulce Neto.