Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01935/19.2BELRS
Data do Acordão:02/05/2025
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:JOAQUIM CONDESSO
Descritores:NULIDADE DE SENTENÇA
CONDENAÇÃO EM OBJECTO DIVERSO DO PEDIDO
AMBIGUIDADE
FUNDOS DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO
ARRENDAMENTO
BENEFÍCIOS FISCAIS
Sumário:I - Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.e), do C.P.Civil, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário, é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, assim infringindo o brocardo latino "ne eat iudex ultra petita partium". Esta nulidade da sentença resulta da violação da regra consagrada no artº.609, nº.1, do mesmo diploma, sendo relativa aos limites da condenação, tudo tendo por pano de fundo o pedido formulado pelas partes e que circunscreve o "thema decidendum" (cfr.artº.3, nº.1, do C.P.Civil).
II - A petição inicial, à semelhança de outros articulados, reveste a natureza de acto jurídico, sendo interpretada, por força do disposto no artº.295, do C.Civil, em conformidade com as regras atinentes à interpretação da declaração negocial, para tanto devendo chamar-se à colação o regime de interpretação do negócio jurídico previsto no artº.236 e seg. do citado diploma. O nomeado artº.236, do C.Civil, consagra a teoria da interpretação do negócio jurídico vigente na nossa ordem jurídica, a qual parte de uma base objectivista, levando em consideração a declaração negocial e o sentido que da mesma tem um declaratário normal. Já no que diz respeito a negócios formais, o artº.238, do C.Civil, elege, em princípio, uma perspectiva interpretativa da declaração negocial que deve ter um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento (cfr.artº.9, nº.2, do C.Civil, quanto à interpretação da lei), ainda que imperfeitamente expresso, assim consagrando uma teoria com um cunho mais objectivista no que se refere à interpretação das declarações negociais formais, normalmente apelidada pela doutrina como teoria da manifestação.
III - A sentença é, também, nula quando ocorra alguma ambiguidade que torne a decisão ininteligível, nos termos do artº.615, nº.1, al.c), do C.P.Civil, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário. Como se sabe, é "ambíguo", etimologicamente, aquilo que tem mais do que um sentido, que tem sentido duvidoso. Padece a decisão judicial desta pecha quando contém alguma passagem que se preste a interpretações diferentes. No entanto, não é qualquer "ambiguidade" que é sancionada com a nulidade do acórdão, mas apenas aquela que "torne a decisão ininteligível". Por outras palavras, no regime actual, a ambiguidade, limitada à parte decisória do aresto em causa, só releva quando gera ininteligibilidade, isto é, quando um declaratário normal, nos termos do artº.236, nº.1, e 238, nº.1, do C. Civil, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à respectiva fundamentação para concluir a tarefa interpretativa.
IV - Através dos artºs.102 a 104, da Lei 64-A/2008, de 31/12 (OE 2009), foi aprovado o regime especial aplicável aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional (FIIAH) e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH).
V - No artº.8, do Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH estabeleceu-se o Regime Tributário dos FIIAH, na sua redacção original, derivada da citada Lei 64-A/2008, de 31/12, as isenções fiscais dos nºs.6 (I.M.I.), 7 (I.M.T.) e 8 (I.Selo) do identificado preceito, devem ser interpretadas no sentido de que estão sujeitas à condição resolutiva de efectiva destinação do imóvel a arrendamento para habitação permanente, ficando aqueles benefícios fiscais sem efeito se o imóvel vier a ser alienado sem ter sido arrendado ou sem que o Ministro das Finanças autorize a sua alienação.
VI - Já quanto ao regime tributário dos FIIAH, na redacção resultante dos artºs.235, e 236, nº.1, da Lei 83-C/2013, de 31/12, aplicável a partir de 1 de Janeiro de 2014, a isenção de IMT e I. Selo, consagrada nos nºs.7 e 8, do artº.8, do dito regime tributário, está sujeita aos requisitos previstos nos nºs.14 a 16, aditados pelo artº.235, da Lei 83-C/2013, de 31/12, nomeadamente, o prazo de caducidade de três anos.
(sumário da exclusiva responsabilidade do relator)
Nº Convencional:JSTA000P33230
Nº do Documento:SA22025020501935/19
Recorrente:CA ARRENDAMENTO HABITACIONAL - FIIAH
Recorrido 1:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
ACÓRDÃO
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RELATÓRIO
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"CA ARRENDAMENTO HABITACIONAL - FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO FECHADO PARA ARRENDAMENTO HABITACIONAL", com os demais sinais dos autos, deduziu recurso dirigido a este Tribunal tendo por objecto sentença proferida pelo Mº. Juiz do Tribunal Tributário de Lisboa, constante a fls.410 a 444 do processo (numeração do Sitaf), a qual, além do mais, julgou improcedente a presente impugnação intentada pela sociedade recorrente visando actos de liquidação adicional de I.M.T. e Imposto de Selo e no valor total a pagar de € 57.663,37.
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O recorrente termina as alegações do recurso (cfr.fls.453 a 480 do processo - numeração do Sitaf) formulando as seguintes Conclusões:
A-O Recorrente circunscreve o objeto do recurso a saber se:
(a) Existe nulidade de sentença por condenação em objeto do pedido, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. e) do CPC, ao não ter sido apreciada a legalidade das liquidações à luz da norma ínsita no artigo 236.º, n.º 2, da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12;
(b) Existe uma divergência na interpretação da jurisprudência constitucional professada pelo STA no seu Acórdão Uniformizador, em 24.11.2021, no âmbito do processo n.º 023/21.6ALSB, ao determinar que as isenções fiscais previstas no artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH, na sua redação original, derivada da Lei 64-A/2008, de 31/12 (LOE 2009), devem ser interpretadas no sentido de que estavam sujeitas à condição resolutiva de efetiva destinação do imóvel a arrendamento para habitação permanente, ficando aqueles benefícios fiscais sem efeito se o imóvel vier a ser alienado sem ter sido arrendado ou sem que o Ministro das Finanças autorize a sua alienação, ao abrigo do artigo 14.º, n.º 2 e 3 do Estatuto dos Benefícios Fiscais, em clara violação do Principio da Não Retroatividade da Lei Fiscal e do Principio da Tutela da Confiança, previstos no artigo 103.º e 2.º da CRP;
(c) Subsidiariamente, em resultado da resposta a que se chegue na alínea anterior, saber se há violação da Tutela Jurisdicional Efetiva, previsto no artigo 20.º da CRP, no que se refere às liquidações de IS, configurando-se, assim, a demanda trazida aos autos meramente jurídica, assente em duas questões fundamentais de direito.
B-Quanto à nulidade de sentença por condenação em objeto diverso do pedido, é jurisprudência firmada que «(…) o objeto do processo deve ser considerado bilateralmente, nele participando a causa de pedir, não só para delimitar a matéria de facto a considerar pelo juiz, mas também para possibilitar a correspondência da individualização do objeto do processo com a fundamentação do objeto da sentença.» (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 09.10.2018, no âmbito do processo n.º 34503/15.8T8LSB.L1-7).
C-«A causa de pedir consiste, assim, no facto jurídico concreto ou no complexo de factos jurídicos concretos, realmente ocorridos, participantes, portanto, da relação material controvertida invocada pelo autor na petição inicial, dos quais procede o efeito jurídico pretendido (…); De outra forma dizendo, encontrando-se a configuração do pedido na exclusiva disponibilidade do autor, é imperativamente a partir deste que aquela causa tem de ser delineada.» (Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, proferido em 09.10.2018, no âmbito do processo n.º 34503/15.8T8LSB.L1-7).
D-O pedido formulado pelo Impugnante na sua petição foi a anulação das liquidações de IMT e IS, por padecerem de ilegalidade abstrata (pedido), por não ter dúvidas que as mesmas foram efetuadas ao abrigo do artigo 235.º, n.º 16, da Lei n.º 83-C/2013 de 31 de Dezembro (aplicável ex-vi artigo 236.º, n.º 2 da mesma Lei [causa de pedir]), norma cuja inconstitucionalidade foi arguida pelo próprio.
E-Sucede que, o tribunal a quo, aderindo de forma integral ao Acórdão Uniformizador do STA, acaba por analisar a questão controvertida à luz do regime tributário aplicável aos FIIAH, na redação originária dada pela Lei n.º 64-A/2008, de 31/12, distanciando-se da causa de pedir que era o pedido de apreciação da legalidade das liquidações à luz do artigo 235.º, n.º 16, da Lei n.º 83-C/2013 de 31/12 (aplicável ex-vi artigo 236.º, n.º 2 da mesma Lei), quando aplicado a imóveis adquiridos antes de 01.01.2014;
F-Ante o exposto, tendo o tribunal a quo se debruçado sobre um fundamento diferente daquele que presidiu à emissão do ato tributário – que naturalmente o precede e que pertence à esfera de competência da AT -, o tribunal decidiu e condenou em objeto diverso do pedido em que se funda a pretensão da Impugnante.
G-Além disso, ao circunscrever a vexata quaestio a saber se os atos tributários impugnados devem ser anulados por terem sido praticados ao abrigo do artigo 236.º , n.º 2, da Lei n.º 83-C/2013, de 31/12 (OE para 2014) e depois vir apreciar a questão jurídica pelo prisma de saber se é ou não correta a interpretação formulada pela AT de que dos n.ºs 6, 7 e 8 do artigo 8.º do regime jurídico do FIIAH, na sua redação original, já resulta a caducidade dos benefícios fiscais aí previstos (isenção de IMT, IMI e IS), caso os imóveis adquiridos ao abrigo daquele regime jurídico viessem a ser alienados sem nunca terem sido arrendados, acaba por tornar a decisão ambígua.
H-Com efeito, ao reconfigurar a apreciação jurídica da causa, extravasando a causa de pedir, o tribunal a quo acaba por fundamentar sua decisão num Acórdão diametralmente oposto no que toca à questão decidenda, ficando assim sem se perceber, com clareza, para quais as situações concretas valerá a solução jurídica elegida; isto é, se para imóveis destinados ao arrendamento e alienados (destino diverso) antes de 01.01.2014, sem que nunca tenham sido arrendados ou para imóveis adquiridos e destinados ao arrendamento antes de 01.01.2014 e alienados (destino diverso), sem que nunca tenham sido arrendados, depois dessa data.
I-Ademais, após uma leitura minuciosa quer do Acórdão Uniformizador do STA, proferido no âmbito do Processo n.º 023/21.6ALSB, quer do Acórdão do TC, proferido no âmbito do processo n.º 175/2018, o Recorrente não tem dúvidas que a questão controvertida que leva à decisão tomada na sentença recorrida reside no facto de haver uma divergência na interpretação da jurisprudência constitucional feita pelo STA no seu Acórdão Uniformizador.
J-No que toca ao IMT, a AT alega não ser obrigatório que os imóveis tenham de se manter propriedade dos FIIAH durante um período mínimo de 3 anos, mas exige que os mesmos tenham de ser efetivamente arrendados sob pena de ver a isenção caducada.
K-Deste modo, para os imóveis adquiridos antes de 01.01.2014, os quais foram afetos ao regime especial dos FIIAH, não releva o facto de terem ou não sido alienados, apenas releva se lhes foi dado o destino de efetivo arrendamento, mas se o imóvel vier a ser alienado sem nunca ter sido arrendado isso é considerado como destino diverso.
L-Se tal não resultasse já do RIT e das liquidações, perante este argumentário, é inequívoco as liquidações foram emitidas com base na aplicação do artigo 236.º, n.º 2 da mesma Lei n.º 83-C/2013 de 31/12, porquanto é o único artigo que permite aplicar o n.º 15 do artigo 8.º (Regime tributário) a imóveis adquiridos antes de 01.01.2014.
M-Esta falácia argumentativa a que o tribunal a quo, erroneamente, também adere, leva à desaplicação do artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013 de 31/12 (ex-vi artigo 236.º, n.º 2 da mesma Lei), e faz centrar a questão jurídica na apreciação dos pressupostos normativos do benefício fiscal previsto no artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH, na sua redação original.
N-Sucede que, o TC ao apreciar a questão da inconstitucionalidade do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013 de 13/12, conjugada com os n.ºs 14, 15 e 16 do artigo 8.º do regime tributário dos FIIAH, partiu da análise do regime tributário dos FIIAH, na redação originária, para fundamentar a inconstitucionalidade da norma ínsita no artigo 236.º conjugada com os n.ºs 14, 15 e 16 do artigo 8.º do regime tributário dos FIIAH.
O-E é indiscutível que a posição do TC nesta matéria é a de que não se encontra no âmbito do artigo 8.º do regime do jurídico dos FIIAH, na sua redação originária, a exigência da efetivação do contrato de arrendamento habitacional que determine, caso não se realize, a caducidade do benefício. Esta exigência passou apenas a vigorar com a entrada da Lei n.º 83-C/2013 de 13/12.
P-Com efeito, diz o TC que «ao adicionar ao pressuposto originariamente previsto para a isenção - destinação do imóvel adquirido exclusivamente a arrendamento para habitação permanente - os novos pressupostos resultantes do aditamento ao artigo 8.º do Regime jurídico aplicável aos FIIAH dos seus atuais n.ºs 14 a 16 - a exigência de celebração efetiva de contrato de arrendamento para habitação e de não alienação do mesmo dentro de certo prazo -, a norma do n.º 2 do artigo 236.º da Lei n.º 83-C/2013 alcança e agrava a condição resolutiva aposta ao benefício.
Q-Vindo a concluir no seu douto aresto, que os benefícios fiscais previstos no regime tributário dos FIIAH, na redação originária, tinham como pressuposto a condição de destinar o imóvel ao arrendamento, sendo que esta destinação se projetava para além da declaração da mera intenção, devendo o “destinar” ser entendido como todos os atos materialmente praticados pelo Fundo para cumprir o propósito do efetivo arrendamento, mas sem que faça depender do arrendamento efetivo a caducidade ou não caducidade dos benefícios.
R-Pelo que, o Recorrente não tem dúvidas que a interpretação que o STA faz dos pressupostos de que depende os benefícios fiscais relativos ao IMT e IS, constantes do regime tributário dos FIIAH, na redação originária, é inconstitucional, por violação do Princípio da Não Retroatividade da Lei Fiscal e da Tutela da Confiança previstos, respetivamente, nos artigos 103.º e 2.º da CRP.
S-Sem prejuízo, caso a tese do tribunal a quo proceda, o que o Recorrente apenas considera por dever de patrocínio, verdade é que o tribunal não extraiu todas as conclusões da mesma.
T-Com efeito, quando o tribunal a quo, erroneamente, decide desaplicar o artigo 235.º da Lei n.º 83-C/2013 de 31/12 (ex-vi artigo 236.º, n.º 2 da mesma Lei), focando a decisão numa causa de pedir diferente daquela que foi apresentada pelo Recorrente - apreciação dos pressupostos normativos do beneficio fiscal previsto no artigo 8.º do regime jurídico dos FIIAH, na sua redação original – deveria ter cuidado de apreciar o regime legal em bloco potencialmente aplicável, nomeadamente a caducidade e a prescrição, visto que o Impugnante, ora Recorrente, já não tinha processualmente nenhum momento para o fazer. Com o devido respeito, tal atuação configura, salvo melhor entendimento, uma situação de violação da tutela jurisdicional efetiva.
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Não foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância de recurso.
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O Digno Magistrado do M. P. junto deste Tribunal emitiu douto parecer no qual termina pugnando pelo não provimento do recurso (cfr.fls.528 a 532 do processo - numeração do Sitaf).
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Com dispensa de vistos legais (cfr.artº.657, nº.4, do C.P.Civil, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário), vêm os autos à conferência para deliberação.
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FUNDAMENTAÇÃO
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DE FACTO
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A sentença recorrida julgou provada a seguinte matéria de facto (cfr.fls.424 a 431 do processo - numeração do Sitaf):
A-O Impugnante é um fundo de investimento imobiliário para arrendamento habitacional, cuja sociedade gestora é a A..., S.A. – [facto não controvertido];
B-O Impugnante foi objeto de ação inspetiva, credenciada pela ..., de 08.04.2016, ...26, de 11.09.2017 e ...95/6/7/8/9 de 10.05.2018, com despachos para inspeção datados de 13.04.2016, 13.09.2017 e 11.05.2018, respetivamente, para os anos de 2011 a 2017, em sede de IMT e IS, tendo como finalidade o controlo da suspensão da tributação de IMT e para controlo de benefícios fiscais, nos prédios em carteira, nos adquiridos e nos alienados – [cf. relatório de inspeção tributária (RIT), junto sob o documento nº 3, a fls. 90/172 dos autos];
C-Em 20.11.2018, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Lisboa, Departamento C, Divisão V, Equipa 53 elaborou o relatório de inspeção tributária, donde se extrai o seguinte:

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(…)” – [cf. relatório de inspeção tributária (RIT), junto sob o documento nº 3, a fls. 90/172 dos autos];
D-Na sequência das correções efetuadas pela Inspeção Tributária, foram emitidas e pagas as liquidações de IMT e IS, a seguir identificadas:

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– [cf. documentos nºs 4 e 5, juntos com a petição inicial, a fls. 90/172 e 215/222 dos autos];
E-Relativamente às liquidações, supra mencionadas, foram emitidas as seguintes notas de cobrança:

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A sentença recorrida considerou como factualidade não provada a seguinte: "… Inexistem quaisquer factos com relevância para a decisão, atento o objeto do litígio, que devam julgar-se como não provados…".
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Por sua vez, a fundamentação da decisão da matéria de facto constante da sentença recorrida é a seguinte: "…Quanto aos factos dados como provados, a convicção do Tribunal alicerçou-se na análise crítica da prova documental junta aos autos e no processo administrativo apenso, tal como se foi fazendo referência a propósito de cada uma das alíneas do probatório, e do teor da posição expressa pelas partes nos respetivos articulados, conjuntamente com o princípio da livre apreciação da prova…".
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ENQUADRAMENTO JURÍDICO
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Em sede de aplicação do direito, a decisão recorrida, além do mais, julgou totalmente improcedente a presente impugnação, em consequência do que manteve na ordem jurídica os actos de liquidação objecto do presente processo [cfr.al.D) do probatório supra].
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Relembre-se que as conclusões das alegações do recurso definem, como é sabido, o respectivo objecto e consequente área de intervenção do Tribunal "ad quem", ressalvando-se as questões que, sendo de conhecimento oficioso, encontrem nos autos os elementos necessários à sua integração (cfr.artº.639, do C.P.Civil, na redacção da Lei 41/2013, de 26/6, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário).
O recorrente dissente do julgado alegando, em primeiro lugar e em síntese, que a sentença recorrida padece do vício de nulidade, conforme o disposto no artº.615, nº.1, al.e), do C.P.Civil, visto que o Tribunal "a quo" analisou um fundamento diferente daquele que presidiu à emissão do acto tributário, assim decidindo e condenando em objecto diverso do pedido em que se funda a pretensão da impugnante/recorrente. Concretizando, a sentença recorrida não apreciou a legalidade das liquidações impugnadas à luz da norma ínsita no artº.236, nº.2, da Lei 83-C/2013, de 31/12. Por outro lado, a sentença recorrida revela-se uma decisão ambígua. Materializando, ao reconfigurar a apreciação jurídica da causa, extravasando a causa de pedir, o Tribunal "a quo" acaba por fundamentar a sua decisão num acórdão do STA diametralmente oposto no que toca à questão decidenda, ficando assim sem se perceber, com clareza, para quais as situações concretas valerá a solução jurídica elegida; isto é, se para imóveis destinados ao arrendamento e alienados (destino diverso) antes de 01.01.2014, sem que nunca tenham sido arrendados ou para imóveis adquiridos e destinados ao arrendamento antes de 01.01.2014 e alienados (destino diverso), sem que nunca tenham sido arrendados, depois dessa data [cfr.conclusões B) a H) do recurso], com base em tal argumentação pretendendo concretizar nulidades da decisão recorrida, devido a condenação em objecto diverso do pedido e a ambiguidades que tornam a sentença ininteligível.
Analisemos se a decisão recorrida padece de tal pecha.
Nos termos do preceituado no citado artº.615, nº.1, al.e), do C.P.Civil, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário, é nula a sentença quando o juiz condene em quantidade superior ou em objecto diverso do pedido, assim infringindo o brocardo latino "ne eat iudex ultra petita partium". Esta nulidade da sentença resulta da violação da regra consagrada no artº.609, nº.1, do mesmo diploma, sendo relativa aos limites da condenação, tudo tendo por pano de fundo o pedido formulado pelas partes e que circunscreve o "thema decidendum" (cfr.artº.3, nº.1, do C.P.Civil; ac.S.T.A-2ª.Secção, 26/10/2022, rec.934/09.7BELRS; Antunes Varela e Outros, Manual de Processo Civil, 2ª. Edição, Coimbra Editora, 1985, pág.691; José Lebre de Freitas e Outro, Código de Processo Civil Anotado, II Vol., 4ª. Edição, Almedina, 2021, pág.735 e seg.; Fernando Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 9ª. Edição, Almedina, 2009, pág.58; Jorge Lopes de Sousa, C.P.P.Tributário anotado e comentado, II volume, Áreas Editora, 6ª. Edição, 2011, pág.367 e seg.).
Por outro lado, deve relembrar-se que a petição inicial, à semelhança de outros articulados, reveste a natureza de acto jurídico, sendo interpretada, por força do disposto no artº.295, do C.Civil, em conformidade com as regras atinentes à interpretação da declaração negocial, para tanto devendo chamar-se à colação o regime de interpretação do negócio jurídico previsto no artº.236 e seg. do citado diploma. O nomeado artº.236, do C.Civil, consagra a teoria da interpretação do negócio jurídico vigente na nossa ordem jurídica, a qual parte de uma base objectivista, levando em consideração a declaração negocial e o sentido que da mesma tem um declaratário normal. Já no que diz respeito a negócios formais, o artº.238, do C.Civil, elege, em princípio, uma perspectiva interpretativa da declaração negocial que deve ter um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento (cfr.artº.9, nº.2, do C.Civil, quanto à interpretação da lei), ainda que imperfeitamente expresso, assim consagrando uma teoria com um cunho mais objectivista no que se refere à interpretação das declarações negociais formais, normalmente apelidada pela doutrina como teoria da manifestação (cfr.Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 3ª. Edição, Coimbra Editora, 1989, pág.444 e seg.; Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol.I, 3ª. Edição, Coimbra Editora, 1982, pág.222 e seg.; Luís A. Carvalho Fernandes, Teoria Geral do Direito Civil, Universidade Católica Editora, 2017, 5ª. Edição, II, pág.443 e seg.; ac.S.T.J., 20/02/2001, proc.01A048; ac.S.T.J., 25/03/2004, proc.04B107; ac.S.T.A-2ª.Secção, 13/10/2010, rec. 0241/10; ac.S.T.A-2ª.Secção, 9/12/2021, rec.1954/16.0BEPRT; ac.S.T.A-2ª.Secção, 22/06/2022, rec.364/20.0BELRS).
"In casu", no articulado inicial (cfr.p.i. junta a fls.4 a 38 do processo - numeração do Sitaf), a sociedade impugnante e ora recorrente identifica claramente como objecto do processo as liquidações de I.M.T. e I.Selo (cfr.artº.13 da p.i.), mais juntando, como documento nº.4, cópia dos identificados actos tributários (cfr.documentos juntos a fls.173 e seg. do processo - numeração do Sitaf). No final do articulado inicial a apelante deduz pedido de anulação dos identificados actos tributários, estruturados ao abrigo do artº.236, nº.2, da Lei 83-C/2013, de 31/12, visto padecerem do vício de ilegalidade abstracta.
Na contestação, a Fazenda Pública igualmente identifica como objecto do processo as liquidações de I.M.T. e I.Selo (cfr.artº.1 da contestação junta a fls.234 e seg. do processo - numeração do Sitaf).
Na sentença objecto do presente recurso o Tribunal "a quo", após identificar os citados actos tributários no relatório, faz constar os mesmos da matéria de facto [cfr.al.D) do probatório supra]. Já na fundamentação jurídica da sentença se reconhece claramente o esteio da impugnação como consubstanciando o vício de violação de lei de que, alegadamente, padecem os actos tributários impugnados, como sendo praticados ao abrigo de uma norma julgada inconstitucional, ou seja, do citado artº.236, nº.2, da Lei 83-C/2013, de 31/12 (norma transitória no âmbito do regime especial aplicável, além do mais, aos Fundos de Investimento Imobiliário para Arrendamento Habitacional - FIIAH). No dispositivo, além do mais, o Tribunal "a quo" julgou improcedente a presente impugnação, em consequência do que, manteve na ordem jurídica os actos de liquidação objecto do presente processo, tudo conforme já mencionado supra.
Em conclusão, não vislumbra este Tribunal no que a sentença recorrida padeça da alegada nulidade de condenação em objecto diverso do pedido, desde logo, porque não estrutura qualquer condenação no dispositivo, assim não podendo violar a identificada regra constante do artº.609, nº.1, do C.P.Civil.
Mais defende a sociedade apelante que a sentença recorrida se revela uma decisão ambígua, assim padecendo da nulidade prevista no artº.615, nº.1, al.c), do C.P.Civil.
A sentença é, também, nula quando ocorra alguma ambiguidade que torne a decisão ininteligível, nos termos do artº.615, nº.1, al.c), do C.P.Civil, "ex vi" do artº.281, do C.P.P.Tributário.
Como se sabe, é "ambíguo", etimologicamente, aquilo que tem mais do que um sentido, que tem sentido duvidoso. Padece a decisão judicial desta pecha quando contém alguma passagem que se preste a interpretações diferentes. No entanto, não é qualquer "ambiguidade" que é sancionada com a nulidade da sentença/acórdão, mas apenas aquela que "torne a decisão ininteligível". Por outras palavras, no regime actual, a ambiguidade, limitada à parte decisória do aresto em causa, só releva quando gera ininteligibilidade, isto é, quando um declaratário normal, nos termos do artº.236, nº.1, e 238, nº.1, do C. Civil, não possa retirar da decisão um sentido unívoco, mesmo depois de recorrer à respectiva fundamentação para concluir a tarefa interpretativa (cfr.ac.S.T.A.-2ª.Secção, 16/12/2021, rec. 04/16.1BEPRT; ac.S.T.A.-2ª.Secção, 27/11/2024, rec.924/17.6BEPRT; José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, C.P.Civil anotado, Volume 2º., 4ª. Edição, Almedina, 2021, pág.735; António Santos Abrantes Geraldes e Outros, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, Parte Geral e Processo de Declaração, Almedina, 2019, pág.738).
Revertendo ao caso dos autos, também aqui, não vislumbra o Tribunal que a sentença objecto do presente recurso padeça de qualquer falta de clareza que a torne ininteligível, visto que um declaratário normal sabe, ao certo, o que foi decidido, tudo conforme já supra se vincou.
Aduz, igualmente, em síntese e se bem percebemos, o recorrente que os actos tributários impugnados foram emitidos com base na aplicação do artº.236, nº.2, da Lei 83-C/2013, de 31/12, porquanto é a única norma que permite apor o artº.8, nº.15, do regime do jurídico dos FIIAH, a imóveis adquiridos antes de 01/01/2014. Que na sentença recorrida não se verifica a aplicação do artº.235, da Lei 83-C/2013, de 31/12, "ex vi" artº.236, nº.2, da mesma Lei, antes fazendo centrar a questão jurídica na apreciação dos pressupostos normativos do benefício fiscal previsto no artº.8, do regime jurídico dos FIIAH, na sua redacção original. Que a interpretação que o STA faz dos pressupostos de que dependem os benefícios fiscais relativos ao IMT e IS, constantes do regime tributário dos FIIAH, na redação originária, é inconstitucional, por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal e da tutela da confiança previstos, respectivamente, nos artºs.103, e 2, da C.R.Portuguesa. Que a sentença recorrida, quando erroneamente, decide desaplicar o citado artº.235, da Lei 83-C/2013, de 31/12, "ex vi" artº.236, nº.2, da mesma Lei, antes focando a decisão numa causa de pedir diferente daquela que foi apresentada pelo apelante - apreciação dos pressupostos normativos do benefício fiscal previsto no artº.8, do regime jurídico dos FIIAH, na sua redacção original - deveria ter cuidado de apreciar o regime legal em bloco potencialmente aplicável, nomeadamente a caducidade e a prescrição, visto que o recorrente, já não tinha processualmente nenhum momento para o fazer. Pelo que, a decisão do Tribunal "a quo" configura, também, uma situação de violação da tutela jurisdicional efectiva [cfr.conclusões I) a T) do recurso]. Com base em tal alegação pretendendo concretizar erros de julgamento de direito da decisão recorrida.
Examinemos se a decisão objecto do presente recurso comporta tal vício.
Resulta do ponto B) do probatório supra que a sociedade impugnante e ora recorrente foi objecto de acção inspectiva, abarcando os anos de 2011 a 2017, em sede de IMT e IS, tendo como finalidade o controlo da suspensão da tributação de IMT e para controlo de benefícios fiscais, nos prédios em carteira, nos adquiridos e nos alienados. Mais se retira da matéria de facto [cfr.al.C) do probatório] que estão em causa imóveis adquiridos antes e depois de 01/01/2014 e que vieram a ser alienados ao longo dos anos, designadamente, até 31/12/2017.
A sentença recorrida examinou e decidiu a questão (pedido estruturado no articulado inicial) de saber se os actos tributários impugnados deviam ser anulados, dado padecerem do vício de violação de lei, por terem sido praticados ao abrigo de uma norma julgada inconstitucional, ou seja, do artº.236, nº.2, da Lei 83-C/2013, de 31/12 (norma de direito transitório no âmbito do regime especial aplicável aos FIIAH). Para fundamentar o sentido da sua decisão de improcedência da impugnação, o Tribunal "a quo", além do mais, louvou-se na jurisprudência do acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário deste STA, datado de 24/11/2021, e lavrado no âmbito do processo nº.023/21.6BALSB, o qual uniformizou jurisprudência e a cuja fundamentação aderiu, ao abrigo do disposto no artº.8, nº.3, do Código Civil.
Avancemos.
Através dos artºs.102 a 104, da Lei 64-A/2008, de 31/12 (OE 2009), foi aprovado o regime especial aplicável aos FIIAH e às sociedades de investimento imobiliário para arrendamento habitacional (SIIAH).
No artº.8, do Regime Especial Aplicável aos FIIAH e SIIAH estabeleceu-se o Regime Tributário dos FIIAH, tendo-se estatuído o seguinte:
Artigo 8.º
Regime tributário
1 - Ficam isentos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas (IRC) os rendimentos de qualquer natureza obtidos por FIIAH constituídos entre 1 de Janeiro de 2009 e 31 de Dezembro de 2013, que operem de acordo com a legislação nacional e com observância das condições previstas nos artigos anteriores.
2 - Ficam isentos de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS) e de IRC os rendimentos respeitantes a unidades de participação nos fundos de investimento referidos no número anterior, pagos ou colocados à disposição dos respectivos titulares, quer seja por distribuição ou reembolso, excluindo o saldo positivo entre as mais-valias e as menos-valias resultantes da alienação das unidades de participação.

3 - Ficam isentas de IRS as mais-valias resultantes da transmissão de imóveis destinados à habitação própria a favor dos fundos de investimento referidos no n.º 1, que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento.
4 - As mais-valias referidas no número anterior passam a ser tributadas, nos termos gerais, caso o sujeito passivo cesse o contrato de arrendamento ou não exerça o direito de opção previsto no n.º 3 do artigo 5.º, suspendendo-se os prazos de caducidade e prescrição para efeitos de liquidação e cobrança do IRS, até final da relação contratual.
5 - São dedutíveis à colecta, nos termos e limites constantes da alínea c) do n.º 1 do artigo 85.º do Código do IRS, as importâncias suportadas pelos arrendatários dos imóveis dos fundos de investimento referidos no n.º 1 em resultado da conversão de um direito de propriedade de um imóvel num direito de arrendamento.
6 - Ficam isentos de IMI, enquanto se mantiverem na carteira do FIIAH, os prédios urbanos destinados ao arrendamento para habitação permanente que integrem o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.
7 - Ficam isentos do IMT:
a) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados exclusivamente a arrendamento para habitação permanente, pelos fundos de investimento referidos no n.º 1;
b) As aquisições de prédios urbanos ou de fracções autónomas de prédios urbanos destinados a habitação própria e permanente, em resultado do exercício da opção de compra a que se refere o n.º 3 do artigo 5.º pelos arrendatários dos imóveis que integram o património dos fundos de investimento referidos no n.º 1.
8 - Ficam isentos de imposto do selo todos os actos praticados, desde que conexos com a transmissão dos prédios urbanos destinados a habitação permanente que ocorra por força da conversão do direito de propriedade desses imóveis num direito de arrendamento sobre os mesmos, bem como com o exercício da opção de compra previsto no n.º 3 do artigo 5.º
[…]

O artº.235, da Lei 83-C/2013, de 31/12 (OE 2014) aditou ao identificado artº.8 (Regime tributário) os números 14 a 16, com o seguinte teor:
14 - Para efeitos do disposto nos n.ºs 6 a 8, considera-se que os prédios urbanos são destinados ao arrendamento para habitação permanente sempre que sejam objeto de contrato de arrendamento para habitação permanente no prazo de três anos contados do momento em que passaram a integrar o património do fundo, devendo o sujeito passivo comunicar e fazer prova junto da AT do respetivo arrendamento efetivo, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo.
15 - Quando os prédios não tenham sido objeto de contrato de arrendamento no prazo de três anos previsto no número anterior, as isenções previstas nos n.ºs 6 a 8 ficam sem efeito, devendo nesse caso o sujeito passivo solicitar à AT, nos 30 dias subsequentes ao termo do referido prazo, a liquidação do respetivo imposto.
16 - Caso os prédios sejam alienados, com exceção dos casos previstos no artigo 5.º, ou caso o FIIAH seja objeto de liquidação, antes de decorrido o prazo previsto no n.º 14, deve o sujeito passivo solicitar igualmente à AT, antes da alienação do prédio ou da liquidação do FIIAH, a liquidação do imposto devido nos termos do número anterior.

Por último, a identificada Lei 83-C/2013, de 31/12 (OE 2014) veio ainda consagrar no seu artº.236, o seguinte regime transitório:
1 - O disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH a partir de 1 de janeiro de 2014.
2 - Sem prejuízo do previsto no número anterior, o disposto nos n.ºs 14 a 16 do artigo 8.º do regime especial aplicável aos FIIAH e SIIAH, aprovado pelos artigos 102.º a 104.º da Lei n.º 64-A/2008, de 31 de dezembro, é igualmente aplicável aos prédios que tenham sido adquiridos por FIIAH antes de 1 de janeiro de 2014, contando-se, nesses casos, o prazo de três anos previsto no n.º 14 a partir de 1 de janeiro de 2014.

Antes de mais, se dirá que é hoje pacífico que as leis fiscais se interpretam como quaisquer outras, havendo que determinar o seu verdadeiro sentido de acordo com as técnicas e elementos interpretativos geralmente aceites pela doutrina (cfr.artº.9, do C. Civil; artº.11, da L.G.Tributária).
Na exegese do identificado regime tributário dos FIIAH, na sua redacção original, a derivada da Lei 64-A/2008, de 31/12, atento o disposto no artº.8, nº.3, do C.Civil, este Tribunal deve levar em consideração o identificado ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 24/11/2021, rec.023/21.6BALSB (cfr.ac.S.T.A-2ª.Secção, 9/12/2021, rec.0289/18.9BELLE;
ac.S.T.A-2ª.Secção, 10/05/2023, rec.01071/20.9BELRA).
De acordo com a citada corrente jurisprudencial, à qual aderimos, as isenções fiscais dos nºs.6 (I.M.I.), 7 (I.M.T.) e 8 (I.Selo) do artº.8, do regime jurídico dos FIIAH, na sua redacção original, derivada da Lei 64-A/2008, de 31/12 (LOE 2009), devem ser interpretadas no sentido de que estão sujeitas à condição resolutiva de efectiva destinação do imóvel a arrendamento para habitação permanente, ficando aqueles benefícios fiscais sem efeito se o imóvel vier a ser alienado sem ter sido arrendado ou sem que o Ministro das Finanças autorize a sua alienação.
Já quanto ao regime tributário dos FIIAH, na redacção resultante dos artºs.235, e 236, nº.1, da Lei 83-C/2013, de 31/12, aplicável a partir de 1 de Janeiro de 2014, a isenção de IMT e I. Selo, consagrada nos nºs.7 e 8, do artº.8, do dito regime tributário, está sujeita aos requisitos previstos nos nºs.14 a 16, aditados pelo artº.235, da Lei 83-C/2013, de 31/12 (nomeadamente, o prazo de caducidade de três anos), tudo conforme supra se expõe.
Mais se deve vincar que o ónus da prova dos pressupostos dos benefícios fiscais recai sobre o sujeito passivo beneficiário (cfr.artº.14, nº.2, do E.B.Fiscais; ac.S.T.A-2ª.Secção, 10/05/2023, rec.01071/20.9BELRA).
Revertendo ao caso dos autos, conforme se retira do ponto B) do probatório supra (teor do relatório de inspecção no qual se alicerçaram os actos tributários impugnados e que se encontra junto como documento nº.3 ao articulado inicial do processo) podemos dizer, em síntese, que as liquidações objecto do processo, as quais tiveram como pressuposto a caducidade das isenções de I. Selo e I.M.T., possuíram os seguintes vectores fundantes:
1-Em sede de I. Selo, o artº.22, do Código do I. Selo, e a verba 1.1, da Tabela Geral do I. Selo;
2-Em sede de I.M.T., os artºs.17 e 34, do C.I.M.T.;
3-A caducidade das isenções de ambos os tributos foi examinada fazendo a destrinça entre imóveis que foram adquiridos antes de 1/01/2014 e que até 31/12/2017 permaneceram em inventário sem que tenham sido arrendados para habitação permanente, neste vector se levando em apreciação o teor do ac. T.Constitucional, nº. 175/2018, de 5/04/2018, assim não levando em consideração o regime transitório previsto no artº.236, nº.2, da identificada Lei 83-C/2013, de 31/12 e supra exposto;
4-Tal como de imóveis, igualmente adquiridos antes de 1/01/2014 e que foram alienados sem que lhes tenha sido dado destino de arrendamento para habitação permanente, face aos quais ocorreu a caducidade da isenção aquando da respectiva alienação, nos termos do artº.8, nº.7, al.a), do supra identificado regime tributário dos FIIAH, na sua redacção original;
5-Já quanto aos imóveis adquiridos após 1/01/2014, e alienados em 2016 e 2017, a caducidade da isenção ocorreu no momento da alienação, antes de decorrido o prazo de três anos previsto no artº.8, nº.16, do supra identificado regime tributário dos FIIAH, na sua redacção derivada do artº.235, da Lei 83-C/2013, de 31/12 (OE 2014);
6-Por último, a caducidade da isenção igualmente ocorreu, face aos imóveis adquiridos após 1/01/2014, os quais não foram arrendados para habitação permanente no prazo legal de três anos, após a respectiva aquisição, nos termos do artº.8, nºs.14 e 15, do supra identificado regime tributário dos FIIAH, na sua redacção derivada do artº.235, da Lei 83-C/2013, de 31/12 (OE 2014).
Com base em todos os vectores acabados de vincar e retirados do probatório, deve concluir-se que os actos tributários impugnados, incidentes sobre imóveis adquiridos antes de 1/01/2014, não foram emitidos com base na aplicação do artº.236, nº.2, da Lei 83-C/2013, de 31/12, contrariamente ao que defende a sociedade recorrente.
Mais, a interpretação que este Tribunal e Secção (cfr.v.g.ac.S.T.A.-Pleno da 2ª.Secção, 24/11/2021, rec.023/21.6BALSB) faz dos pressupostos de que dependem os benefícios fiscais relativos ao I.M.T. e I.Selo, constantes do regime tributário dos FIIAH, na redacção originária, não é, manifestamente, inconstitucional, por violação do princípio da não retroactividade da lei fiscal e da tutela da confiança, também contrariamente ao que defende a sociedade apelante.
Em consequência, deve este Tribunal confirmar a sentença recorrida quando adere ao acórdão deste Tribunal e Secção, uniformizador de jurisprudência, ao abrigo do disposto no artº.8, nº.3, do Código Civil.
Por último, não vislumbra este Tribunal que a sentença recorrida viole o princípio constitucional da tutela jurisdicional efectiva (cfr.artº.20, da C. R. Portuguesa), o mesmo se podendo dizer do presente processo judicial de impugnação, face a cujo concreto processado a sociedade recorrente não imputa a existência de qualquer nulidade processual.
Rematando, sem necessidade de mais amplas considerações, nega-se provimento ao recurso, mais se confirmando a sentença recorrida, embora com a presente fundamentação, ao que se provirá na parte dispositiva deste acórdão.
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DISPOSITIVO
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Face ao exposto, ACORDAM, EM CONFERÊNCIA, OS JUÍZES DA SECÇÃO DE CONTENCIOSO TRIBUTÁRIO deste SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO EM NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO E CONFIRMAR A DECISÃO RECORRIDA, a qual, em consequência, se mantém na ordem jurídica.
X
Condena-se o recorrente em custas (cfr.artº.527, do C.P.Civil), porque vencido, no âmbito desta instância de recurso.
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Registe.
Notifique.
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Lisboa, 5 de Fevereiro de 2025. - Joaquim Manuel Charneca Condesso (relator) - Gustavo André Simões Lopes Courinha - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos.