Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:01058/16.6BEAVR
Data do Acordão:11/06/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ISABEL MARQUES DA SILVA
Descritores:EXECUÇÃO FISCAL
CITAÇÃO
MASSA INSOLVENTE
CAIXA POSTAL ELECTRÓNICA
Sumário:I - Carece de ser legalmente notificada ao administrador da insolvência dívida da sociedade insolvente posterior à declaração de insolvência, não bastando para que a dívida seja exigível remeter a respectiva liquidação para a caixa postal electrónica da sociedade insolvente.
II - Num Estado de direito não há deveres legais que não resultem da lei.
Nº Convencional:JSTA00071886
Nº do Documento:SA22024110601058/16
Recorrente:AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Recorrido 1:MASSA INSOLVENTE DA A... SA
Votação:UNANIMIDADE
Recusa Aplicação:CPPT ART41 N3
Aditamento:
Texto Integral: Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. Relatório
1. A Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) interpôs recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, de 27 de setembro de 2019 que julgou procedente a oposição à execução fiscal e, em consequência, absolveu a oponente do pedido executivo, com fundamento na inexigibilidade da dívida exequenda, porque a notificação da liquidação não foi efetuada na pessoa do Administrador de Insolvência conforme disposto no artigo 41.º, n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), mas feita através da caixa postal eletrónica da sociedade devedora insolvente “A..., S.A.”, incumprindo a recorrente as formalidades estabelecidas na lei para a notificação de sociedades em situação de insolvência.
Alegou, concluindo da seguinte forma:
1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença datada de 27/09/2019, que julgou procedente a oposição à execução fiscal e, em consequência, absolveu a Oponente do pedido executivo, com fundamento na inexigibilidade da dívida exequenda, porque a notificação da liquidação não foi efectuada na pessoa do Administrador de Insolvência conforme disposto no n.º 3 do artigo 41.º do CPPT, mas feita através da caixa postal electrónica da sociedade devedora insolvente, incumprindo a AT as formalidades estabelecidas na lei para a notificação de sociedades em situação de insolvência.
2. Salvo o devido respeito, não pode a Fazenda Pública concordar com a sentença recorrida, porque, não obstante, a sociedade executada se encontrar insolvente, a notificação da liquidação que subjaz à divida exequenda não tinha que ser feita na pessoa do administrador de insolvência por força do disposto no n.º 3 do artigo 41.º do CPPT, porque foi realizada através da caixa postal electrónica da sociedade insolvente.
3. O artigo 41.º do CPPT dispunha na redação vigente à data dos factos, sob a epígrafe “Notificação ou citação das Pessoas Colectivas ou Sociedades”, o seguinte:
“1 - As pessoas colectivas e sociedades são citadas ou notificadas na sua caixa postal electrónica ou na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem
2 - Não podendo efectuar-se na pessoa do representante por este não ser encontrado pelo funcionário, a citação ou notificação realiza-se na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa colectiva ou sociedade.
3 - O disposto no número anterior não se aplica se a pessoa colectiva ou sociedade se encontrar em fase de liquidação ou falência, caso em que a diligência será efectuada na pessoa do liquidatário.”
4. O n.º 1 do deste artigo diz que a notificação ou citação das pessoas colectivas e sociedades é feita na sua caixa postal electrónica ou na pessoa de um dos seus administradores ou gerentes, na sua sede, na residência destes ou em qualquer lugar onde se encontrem.
5. E, o seu n.º 2 que: “Não podendo efectuar-se na pessoa do representante por este não ser encontrado pelo funcionário, a citação ou notificação realiza-se na pessoa de qualquer empregado, capaz de transmitir os termos do acto, que se encontre no local onde normalmente funcione a administração da pessoa colectiva ou sociedade.”.
6. O n.º 1 parte final e o n.º 2 do artigo 41.º do CPPT determinam quais as pessoas físicas em quem pode ser feita a notificação em nome da própria sociedade, tanto no caso da notificação por via postal registada ou por via postal registada com aviso de recepção como no caso da citação pessoal.
7. O n.º 3 do artigo 41.º do CPPT estabelece que a notificação ou citação da pessoa colectiva e sociedade na pessoa dos seus gerentes ou quando estes não forem encontrados na pessoa de qualquer funcionário, não é de aplicar quando a sociedade se encontrar insolvente, caso em que deve sê-lo na pessoa do Administrador de Insolvência.
8. Este n.º 3 estatui que não é de aplicar às sociedades insolventes apenas o n.º 2 do artigo 41.º do CPPT, nada dizendo quanto ao que se determina no n.º 1, 1.ª parte do artigo 41.º do CPPT, isto é, quando a notificação ou citação da sociedade é feita através da sua caixa postal electrónica (ViaCTT).
9. Quando a notificação é expedida para a caixa postal electrónica da sociedade, não tem de ser concretizada em determinadas pessoas físicas à semelhança do que sucede com a notificação por via postal registada, por via postal registada com aviso de recepção ou citação pessoal.
10. O legislador no que diz respeito à notificação ou citação da sociedade na sua caixa postal electrónica, não excepciona à semelhança do que sucede quando a notificação tem de ser realizada em determinadas pessoas físicas, a notificação é feita à entidade a notificar, não sabemos quem acede à caixa postal electrónica da sociedade.
11. Assim, salvo o devido respeito por opinião contrária, após a declaração de insolvência as notificações das sociedades não são obrigatoriamente feitas na pessoa do Administrador de Insolvência por força do disposto no artigo 41.º, n.º 3 do CPPT.
12. Por outro lado, o domicílio fiscal integra a caixa postal electrónica nos termos previstos no serviço público de caixa postal electrónica por força do disposto no n.º 2 do artigo 19.º da LGT na redação dada pela lei n.º 64-B/2011 de 30/12.
13. O meio de citação ou notificação das pessoas colectivas e sociedades através da caixa postal electrónica, foi introduzido no ordenamento jurídico, em 01/01/2012 com a entrada em vigor da referenciada Lei n.º 64-B/2011.
14. Sendo obrigatório para os sujeitos passivos do IRC com sede ou direcção efectiva em território português e os estabelecimentos estáveis de sociedades e outras entidades não residentes, bem como os sujeitos passivos residentes enquadrados no regime normal do IVA, que tiveram de completar os procedimentos de activação da caixa postal electrónica (plataforma informática conhecida pelo serviço ViaCTT) e posterior comunicação à AT até ao dia 30/03/2012 ou até 30/04/2012 – cfr. n.º 9 do artigo 19.º da LGT na redação que lhe foi dada pela supradita Lei n.º 64-B/2011 e artigo 151.º desta lei.
15. À obrigatoriedade de adesão à caixa posta electrónica, imposta aos supramencionados sujeitos passivos tem necessariamente de corresponder, salvo se a lei dispuser o contrário, a obrigatoriedade da sua utilização como canal exclusivo para promover as notificações fiscais, conferindo, às partes envolvidas, segurança e previsibilidade na sua recepção.
16. A obrigatoriedade da notificação ou citação das pessoas colectivas e sociedades através da sua caixa postal electrónica está expressamente prevista no n.º 1, 1.ª parte do artigo 41.º do CPPT, não comportando a norma em causa excepções no caso de sociedades em situação de insolvência.
17. Não se poderá olvidar que nos termos do n.º 4 do artigo 81.º do CIRE o Administrador de Insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de caracter patrimonial que interessem à insolvência.
18. Sendo a administração e gestão da massa insolvente transferida para o Administrador de Insolvência, incumbe-lhe o cumprimento de determinadas obrigações fiscais, designadamente, declarativas [submeter a declaração periódica de rendimentos prevista na alínea b) do n.º 1 do artigo 117.º e 120.º do CIRC e a declaração anual de informação contabilística e fiscal – alínea c) do n.º 1 do artigo 117.º e 121.º do CIRC] e outras, tais como a liquidação e pagamento do imposto subsequentes à declaração de insolvência [cfr. artigo 65.º, n.º 4 do CIRE e Circular n.º 10/2015 de 9/09/2015].
19. Não podendo desconhecer que a sociedade insolvente tem activa uma caixa postal electrónica, para a qual lhe são enviadas notificações efectuadas pela AT, havendo uma presunção de notificação, com prazos determinados na lei, independentemente de aceder ou não à respectiva caixa postal electrónica.
20. E, assim sendo, devia ter solicitado, à semelhança do pedido de senha de acesso para poder enviar as declarações por transmissão electrónica, a senha de acesso (password) à caixa postal electrónica a fim de poder consultar as mesmas.
21. Com o devido respeito, e salvo melhor entendimento, ao contrário do defendido pelo Tribunal “a quo”, a notificação da liquidação que subjaz à divida exequenda não tinha que ser feita na pessoa do Administrador de Insolvência porque foi feita por transmissão electrónica de dados para a caixa postal electrónica da sociedade insolvente nos termos do n.º 1, 1.ª parte do artigo 41.º do CPPT.
22. Destarte, a notificação da liquidação feita através da caixa postal electrónica da sociedade devedora insolvente, encontrando-se aquela activa após a sua declaração de insolvência, pois não foi cancelada a sua subscrição e feita a comunicação desse cancelamento à AT, deve considerar-se devidamente concretizada e, consequentemente, a dívida exigível, contrariamente ao decido pelo Tribunal “a quo”.
23. O Tribunal “a quo” incorreu em errado julgamento em matéria de direito no que toca à correcta interpretação e aplicação ao caso concreto do disposto no artigo 41.º n.ºs 1, 2 e 3 do CPPT, conjugado com o artigo 81.º n.º 4 do CIRE.
24. Termos em que, deverá a sentença de que ora se recorre, ser revogada, e substituída por outra que julgue improcedente a oposição, mantendo-se a execução fiscal n.º ...85 contra a Oponente.


2. A recorrida contra-alegou, concluindo do seguinte modo:
1. A oposição intentada pelo Recorrido foi julgada totalmente improcedente.
2. O Digno Tribunal a quo julgou em conformidade com a prova produzida, essencialmente documental.
3. Ora o Tribunal a quo analisou e concluiu e bem que a dívida exequenda é inexigível.
4. Decorre também dos factos provados que a administração tributária dirigiu a comunicação da liquidação à própria sociedade, remetendo-a para a respectiva caixa postal eletrónica, e que a mesma não chegou sequer a ser acedida.
5. “A notificação válida da liquidação é requisito de eficácia desta (cfr. o n.º 6 do artigo 77.º da Lei Geral Tributária) sendo a sua falta geradora da inexigibilidade da dívida exequenda, fundamento de oposição subsumível na alínea i) do n.º 1 do art 204.º do CPPT”.
6 – Esquece a própria Fazenda Pública do que é a insolvência em si, a sentença de declaração de insolvência de uma empresa tem como consequência a dissolução da sociedade (sociedade unipessoal por quotas, sociedade por quotas ou sociedade anónima (S.A.). Após a sentença de insolvência segue-se a liquidação do património da empresa e depois é encerrado o processo. O encerramento do processo de insolvência tem como consequência a extinção definitiva da sociedade.
7 – Pelas razões expostas e independentemente do aduzido antes :
1. As conclusões das alegações de recurso da Recorrente têm necessariamente de improceder, uma vez que foi corretamente julgada a factualidade constante do processo.
2. Não merece, pois, nenhuma censura ou reparo a sentença ora posta em crise.
3. A douta sentença em crise não está assim feridade nenhuma nulidade e fez uma exacta e correcta aplicação do direito, não violando qualquer disposição legal.

3. O Exmo Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal Administrativo emitiu parecer no sentido do não provimento do recurso, estribando-se na seguinte argumentação:
«Sustenta a recorrente que a notificação emitida, em 30/07/2015, da liquidação efetuada para a CPE da sociedade insolvente está correta, porquanto o n.º 3 do artigo 41.º do CPPT apenas exceciona o n.º 2 e não o seu n.º 1.
Mas não é assim, a nosso ver e ressalvado melhor juízo.
Nos termos do disposto no artigo 38.º/9 do CPPT as notificações a que esse artigo se reporta podem ser feitas por transmissão eletrónica de dados, que equivale, conforme os casos, à remessa por via postal registada ou por via postal registada com aviso de receção.
A notificação considera-se efetuada no momento em que o destinatário aceda à caixa postal eletrónica-CPE (artigo 39.º/9 do CPPT, na redação vigente em 2015, ano da notificação).
Caso o destinatário não aceda à CPE antes a notificação considera-se feita no 25.º dia posterior ao seu envio, salvo nos casos em que se comprove que o contribuinte comunicou a alteração daquela nos termos do artigo 43.º ou que este demonstre ter sido impossível essa comunicação (artigo 39.º/11 do CPPT),
A LOE 2012, Lei 64-B/2011, de 30/12 já havia introduzido diversas alterações à LGT, nomeadamente o n.º 2 do artigo 19.º, que estatuiu que o domicílio fiscal do contribuinte integra a CPE, nos termos previstos no serviço público de caixa postal eletrónica, e alterou o artigo 41.º/1 do CPPT, regulando a nova forma das notificações e citações de pessoas coletivas com recurso à CPE.
O mesmo diploma introduziu o n.º 9 do artigo 19.º da LGT (atual n.º 12), nos termos do qual os sujeitos passivos como a executada ficam obrigados a possuir CPE e a comunicá-lo à administração fiscal no prazo de 30 dias a contar da data do início da atividade ou do início do enquadramento no regime normal de IVA, quando o mesmo ocorra por alteração.
A dívida exequenda é uma dívida cujo vencimento ocorreu posteriormente à declaração de insolvência, pelo que o PEP poderá prosseguir, nos termos do estatuído no artigo 180.º/6 do CPPT desde que não sejam penhorados bens apreendidos nos processos de insolvência (CPPT, anotado e comentado, 6.ª edição, 2011, III volume, página 324, Jorge Lopes de Sousa),
Como resulta do probatório a oponente foi declarada insolvente, por sentença de 12/12/2014, sendo nomeado administrador da insolvência AA e ficando determinado que a administração da massa insolvente seria assegurada pela sociedade devedora, sendo certo que, em 07/04/ 2015, cessou a administração da massa insolvente pela sociedade devedora, sendo a mesma entregue ao administrador, com endereço na Rua ...-sala ..., ... ....
A liquidação exequenda foi emitida em 09/07/2015, em nome da sociedade executada, sendo que a notificação da liquidação foi emitida em 30/07/2015 e dirigida à executada para a sua caixa postal eletrónica, através do sistema Via CTT.
Pelo menos até 27/02/2018 tal comunicação não foi acedida.
Ora, sem prejuízo do disposto no título X do CIRE, a declaração de insolvência priva imediatamente o insolvente, por si, ou pelos seus administradores, dos poderes de administração e de disposição dos bens integrantes da massa insolvente, os quais passam a competir ao administrador da insolvência (artigo 81.º/1 do CIRE).
No caso em análise, como já se referiu, em 07/04/2015 cessou a administração da massa insolvente pela sociedade devedora.
O administrador da insolvência assume a representação do devedor para todos os efeitos de caráter patrimonial que interessem à insolvência, nos termos do estatuído no artigo 81.º/4 do CIRE.
Daí que a notificação das pessoas coletivas ou sociedades em estado de insolvência se faça na pessoa do administrador da insolvência, nos termos do disposto no artigo 41.º/3 do CPPT (autor e obra citados, I volume, página 402).
Por isso, ressalvado melhor juízo, em caso de situação de insolvência, a notificação não pode fazer-se em qualquer empregado capaz de transmitir os termos do ato, procedimento que só tem aplicação quando a notificação deva ser feita na CPE ou na pessoa de qualquer dos seus administradores/gerentes, quando estes não sejam encontrados.
Ora, como resulta do probatório, a AT procedeu à notificação da liquidação exequenda, por comunicação emitida em 30/07/2015, dirigida à sociedade A..., S.A. através do sistema Via CTT, onde foi entregue na CPE desta, sendo certo que, pelo menos até 27/02/2018 não foi acedida.
Esta notificação, salvo melhor juízo, não tem relevo jurídico, porquanto a mesma deveria ter sido dirigida e efetivada ao administrador da insolvência (Neste sentido parece ir o acórdão do STA, de 11/04/2018-P. 0124/18, citado na sentença recorrida e disponível em www.dgsi.pt).
Assim sendo, a dívida exequenda é inexigível, o que constitui fundamento de oposição, nos termos do estatuído no artigo 204.º/1/ i) do CPPT.»


Observado o disposto no artigo 92.º, n.º 2 do CPTA, cumpre decidir.
- Fundamentação –
4. Questão a decidir
É a de saber se a sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao ter julgado procedente a oposição deduzida, por inexigibilidade da dívida exequenda, em virtude na falta de notificação da liquidação ao administrador da insolvência, tendo a liquidação sido remetida para a caixa postal eletrónica da sociedade declarada insolvente.

5. Matéria de facto
É do seguinte teor o probatório fixado na sentença recorrida
1. Por sentença proferida em 12.12.2014, foi declarada a insolvência da sociedade A..., S.A., sendo nomeado administrador da insolvência AA e ficando determinado que a administração da massa insolvente seria assegurada pela sociedade devedora – cfr. documento a fls. 13/14 do sitaf;
2. Em 07.04.2015, cessou a administração da massa insolvente pela sociedade devedora, sendo a mesma entregue ao administrador da insolvência, com endereço na Rua ... – sala ..., ... ... – cfr. documento a fls. 15 do sitaf;
3. Em 09.07.2015, foi emitida em nome da sociedade A..., S.A. a liquidação n.º ...07, referente a IRC e respetivos juros de mora do exercício de 2014, no montante total de € 12.394,80 – cfr. documento a fls. 24 do sitaf;
4. Para notificação da liquidação referida no ponto anterior, a administração tributária emitiu, em 30.07.2015, uma comunicação dirigida à sociedade A..., S.A. e remetida para a caixa postal eletrónica da mesma, através do sistema ViaCTT – cfr. documento a fls. 25 do sitaf;
5. Pelo menos até 27.02.2018, a comunicação referida no ponto anterior não foi acedida – cfr. documento a fls. 63 do sitaf;
6. Em 12.10.2015, foi instaurado em nome da sociedade A..., S.A. o processo de execução fiscal n.º ...85, para cobrança da dívida referida no ponto 3 – cfr. documentos de fls. 27 a 29 do sitaf;
7. Para citação no âmbito do processo referido no ponto anterior, foi, por correio registado em 20.10.2015, dirigido um ofício a “A..., S.A., na pessoa do Administrador Insolvência Dr. AA […]” – cfr. documentos a fls. 88 e 89 do sitaf;
8. Em 11.04.2016, mediante correio eletrónico, a Oponente remeteu ao serviço de finanças da Feira 2 a petição inicial da presente oposição – cfr. comprovativo a fls. 8 do sitaf.

6. Do alegado erro de julgamento da sentença recorrida
A sentença recorrida julgou procedente a oposição deduzida por MASSA INSOLVENTE DE A..., S.A à execução fiscal n.º ...85, instaurado pelo serviço de finanças de Feira 2 para cobrança coerciva de dívida relativa a IRC do exercício de 2014, por falta de notificação da liquidação na pessoa do administrador da insolvência, não obstante ter sido enviada para a caixa postal eletrónica da sociedade insolvente.
Entendeu a sentença recorrida que não se pode considerar validamente realizada uma notificação dirigida à sociedade, posteriormente à declaração de insolvência, ao invés de ser dirigida ao Administrador da Insolvência nomeado, pelo que será forçoso concluir que a dívida exequenda é inexigível. Isto porque, como consta da sentença, em 07.04.2015 cessou a administração da massa insolvente pela sociedade devedora, sendo a mesma entregue ao administrador da insolvência.//Portanto, em 09.07.2015, data em que foi emitida a liquidação da dívida exequenda, não só já havia sido proferida declaração de insolvência da sociedade e nomeado o respetivo administrador da insolvência, como já haviam cessado os poderes de administração da massa insolvente pela própria sociedade devedora, os quais foram entregues ao administrador da insolvência.// Sublinhe-se que, à data em que foi emitida a liquidação, já havia ocorrida a transferência de poderes de administração e disposição a que se refere o artigo 81.º do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas, pelo que a representação da massa insolvente competia já ao administrador da insolvência, razão pela qual tem também plena aplicação o disposto no artigo 41.º n.º 3 do Código de Procedimento e de Processo Tributário, segundo o qual a diligência de notificação deve efetuar-se na pessoa do administrador da insolvência. Ora, decorre também dos factos provados que a administração tributária dirigiu a comunicação da liquidação à própria sociedade, remetendo-a para a respetiva caixa postal eletrónica, e que a mesma não chegou sequer a ser acedida. Assim sendo, ao não proceder à comunicação da liquidação na pessoa do administrador da insolvência, a administração tributária incumpriu as formalidades estabelecidas na lei para a notificação de sociedades em situação de insolvência, sendo irrelevante para o caso que a comunicação tenha sido remetida para a caixa postal eletrónica da sociedade, na medida que daí não se pode retirar que o teor da comunicação tenha chegado ao conhecimento do administrador da insolvência, para mais porque, como resultou igualmente provado, a caixa postal eletrónica nem sequer foi acedida. No sentido do que se vem expondo, pode ler-se o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, proferido em 11.04.2018 no processo n.º 0124/18: “[…] Após a declaração de insolvência, todas as notificações, em matéria patrimonial e tributária têm que ser efectuadas, obrigatoriamente, na pessoa do administrador da insolvência por força do disposto nos artigos 81.º, n.º 4 do CIRE e 41.º, n.º 3 do Código de Processo e Procedimento Tributário seja de liquidação de impostos, taxas, seja de decisões administrativas que condenam em coimas.” Conclui-se, em suma, que, por ter sido remetida para a caixa postal eletrónica da sociedade devedora, a notificação da liquidação não chegou a concretizar-se, por falta de cumprimento dos requisitos formalmente exigidos. Nesta medida, a dívida em execução não foi validamente notificada à massa insolvente, representada pelo respetivo Administrador da Insolvência, e, consequentemente, é inexigível (cfr. sentença, fls. 10 a 12 da respectiva numeração autónoma).
A AT não se conforma com o decidido, alegando, em síntese, que no caso de adesão à caixa postal eletrónica se tora desnecessária a notificação dos actos tributários ao liquidatário, sendo este, ao invés, que tem de solicitar o acesso à caixa postal eletrónica da sociedade. Invoca, em abono da sua alegação, a letra do n.º 3 do artigo 41.º do CPPT, que aos olhos do Fisco estatui que não é de aplicar às sociedades insolventes apenas o n.º 2 do artigo 41.º do CPPT, nada dizendo quanto ao que se determina no n.º 1, 1.ª parte do artigo 41.º do CPPT, isto é, quando a notificação ou citação da sociedade é feita através da sua caixa postal electrónica (ViaCTT), pelo que entende que após a declaração de insolvência as notificações das sociedades não são obrigatoriamente feitas na pessoa do Administrador de Insolvência por força do disposto no artigo 41.º, n.º 3 do CPPT, pugnando por que se entenda que a notificação da liquidação feita através da caixa postal electrónica da sociedade devedora insolvente, encontrando-se aquela activa após a sua declaração de insolvência, pois não foi cancelada a sua subscrição e feita a comunicação desse cancelamento à AT, deve considerar-se devidamente concretizada e, consequentemente, a dívida exigível, contrariamente ao decido pelo Tribunal “a quo”.
A sentença recorrida não merece, porém, a censura que a AT lhe dirige, pois bem julgou.
A AT quer valer-se da imprecisão da letra da lei – especificamente do n.º 3 do artigo 41.º do CPPT, preceito este objecto, como tantos, de um autêntico “patchwork” legislativo desde a sua versão originária –, para por em causa um princípio fundamental, bem como criar para o administrador de insolvência um dever que a lei não pôs a seu cargo, e que por isso inexiste na sua esfera jurídica.
É que a notificação dos actos em matéria tributária é uma garantia dos contribuintes, não um mero formalismo destituído de fundamento a que a lei obriga a AT para poder cobrar impostos. E é uma garantia dos contribuintes porquanto da notificação dos actos em matérias tributária depende o conhecimento dos por estes dos deveres a que estão vinculados perante a AT, permitindo-lhes cumpri-los atempadamente ou contra eles reagir, em caso de discordância com a sua existência ou conteúdo. Daí que seja manifestamente irrazoável pretender ter como notificada a sociedade insolvente da liquidação posterior à declaração de insolvência com base na mera remessa da notificação para a caixa postal eletrónica da sociedade, havendo, aliás, prova de que esta não foi acedida até 2018 (cf. os números 4 e 5 do probatório), sendo que o administradores da sociedade estava desde 7 de abril de 2014 legalmente privado de a ela aceder (cf. o .º 2 do probatório bem como o n.º 4 do artigo 81.º do CIRE) e o administrador da insolvência a ela não tinha acesso sem senha, ao que parece.
E não tinha acesso nem tinha que ter, porquanto não vislumbramos a fonte legal do dever que a AT põe a cargo do administrador de insolvência de solicitar o acesso â caixa postal eletrónica da sociedade insolvente. E num estado de Direito não há deveres legais que não resultem da lei, o que, sendo uma redundância, no caso dos autos não parece despiciendo consignar.
Bem decidiu, pois, o TAF de Aveiro ao julgar procedente a oposição, em razão da inexigibilidade da dívida exequenda.

CONCLUINDO:
I - Carece de ser legalmente notificada ao administrador da insolvência dívida da sociedade insolvente posterior à declaração de insolvência, não bastando para que a dívida seja exigível remeter a respectiva liquidação para a caixa postal electrónica da sociedade insolvente.
II – Num Estado de direito não há deveres legais que não resultem da lei.

O recurso não merece provimento.
- Decisão -
7. Termos em que, face ao exposto, se nega provimento ao recurso.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 6 de novembro de 2024. – Isabel Cristina Mota Marques da Silva (relatora) – Anabela Ferreira Alves e Russo – José Gomes Correia.