Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 029/16.7BEMDL 0814/18 |
Data do Acordão: | 10/14/2020 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | NUNO BASTOS |
Descritores: | IMPOSTO MUNICIPAL SOBRE IMÓVEIS VALOR PUBLICAÇÃO INEFICÁCIA |
Sumário: | I - A deliberação da Assembleia Municipal que fixa a taxa de IMI a aplicar em cada ano, dentro dos intervalos previstos no n.º 1 do artigo 112.º do Código respetivo deve ser publicada em boletim da autarquia – artigo 91.º da Lei das Autarquias Locais, na redação dada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de janeiro; II - Mas a falta de publicação dessa deliberação em boletim da autarquia não importa a invalidade da liquidação que aplicou a taxa do imposto correspondente. |
Nº Convencional: | JSTA000P26458 |
Nº do Documento: | SA220201014029/16 |
Data de Entrada: | 09/12/2018 |
Recorrente: | AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A......, S.A. |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: 1. Relatório 1.1. O REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA recorre da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou procedente a impugnação judicial do ato de liquidação do Imposto Municipal sobre Imóveis (IMI) de 2011, relativo aos imóveis inscritos sob os artigos 356, 357, 358 e 359 de …......., 289, 290, 291, 292 e 293 de …...... e 1837 e 1838 de …......, no valor de € 13.972,20. Impugnação que havia sido interposta por A............, S.A., contribuinte fiscal n.º …......, com sede na Rua …......, 5870-........., em Ribeira de Pena. O recurso foi admitido, com subida imediata, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo. Notificada da sua admissão, a Recorrente apresentou alegações, que rematou com as conclusões que a seguir transcrevemos: «(...) 1.a.i.1. Por via do douto aresto recorrido, o Mmo. Juiz a quo decidiu anular a liquidação de Imposto Municipal sobre Imóveis, relativa ao ano de 2011, por considerar ineficaz a deliberação municipal que fixou a taxa de imposto concretamente aplicada no acto impugnado; 2. Vício que, no entendimento do Tribunal recorrido, se estribou na falta de publicação da referida deliberação em boletim municipal e no sítio de internet do município de Vila Pouca de Aguiar, tal configurando uma violação ao disposto no n.º 2 do artigo 119.º da CRP; 3. Ora, no entendimento da aqui Recorrente, a eficácia da citada deliberação não está dependente da sua tripla publicação em edital, em boletim municipal e nos jornais regionais editados na área do respectivo município; 4. A deliberação aqui controvertida foi publicada em edital e publicitada em jornal local editado na área do município de Vila Pouca de Aguiar (cf. Ponto 1 do probatório); 5. Assim se cumprindo o cerne da exigência legal de publicação – um plus em relação à notificação – dos actos emanados dos órgãos das autarquias locais destinados a ter eficácia externa; 6. A publicação obrigatória não tem, necessariamente, de ser considerada um requisito de eficácia; efectivamente, a lei pode impor a publicação mas não associar à sua falta a cominação da ineficácia jurídica; 7. Inexiste razão substantiva que imponha a interpretação segundo a qual a publicação tripla é condição de eficácia jurídica da deliberação em causa nos presentes autos; 8. Antes se impondo a conclusão oposta, isto é, a publicação daquela deliberação em boletim da autarquia e no sítio de internet do município não constituiu um requisito da respectiva eficácia jurídica; 9. Seria uma solução claramente desproporcionada que a eficácia dos actos e decisões dos órgãos das autarquias locais ficasse dependente da publicação em documento oficial (o edital) e “ainda” em boletim da autarquia “e” no sítio de internet do município; 10. A exigência de publicação sob as duas formas acima referidas (boletim municipal sítio de internet) assume a natureza de condicional, só existindo se e quando se verifiquem certos requisitos, a constatar casuisticamente, e tendo em conta juízos de praticabilidade ou possibilidade de concretização da aludida publicação; 11. A publicação em boletim da autarquia ou no sítio de internet não pode, pois, ser considerada condição ou requisito da eficácia dos actos autárquicos, mais concretamente, da deliberação controvertida nos presentes autos; 12. A douta sentença que, com fundamento na ineficácia da referida deliberação, em razão de esta não ter sido publicada em boletim municipal e no sítio de internet do município, decidiu anular a 12. liquidação impugnada, não se pode manter na ordem jurídica, porquanto violou a mesma o disposto no n.º 2 do artigo 119.º da CRP e no artigo 56.º do RJAL; 13. Nestes termos, e nos demais de direito que serão por Vossas Excelências doutamente supridos, deverá ao presente recurso ser concedido integral provimento, com a consequente revogação da sentença recorrida e a sua substituição por outra que, na reafirmação da legalidade do acto tributário impugnado, declare a presente impugnação totalmente improcedente, na promoção da sempre sã e já acostumada Justiça.. A Recorrida apresentou contra-alegações, que resumiu nas seguintes conclusões: «(...) 13.a.i.1. A sentença recorrida não merece qualquer reparo ao ter considerado que “A deliberação que ficou a taxa de IMI constante das liquidações impugnadas apenas foram publicadas em editais e jornal regional. Portanto, é ineficaz porque a deliberação da Assembleia Municipal de Vila Pouca de Aguiar não foi publicada no boletim municipal ou sítio da Internet da respectiva autarquia. Cfr. art.º 119.º, n.º 2 da CRP.” 13.a.i.2. Porém, vem a Recorrente defender a tese segundo a qual a eficácia das deliberações não está dependente da sua tripla publicação: por edital, em boletim municipal e nos jornais regionais editados na área do respetivo município. 13.a.i.3. Nos presentes autos, e em face do quadro legal que regem esta matéria, a deliberação da assembleia municipal que fixa o valor da taxa de IMI a cobrar em cada ano, como qualquer deliberação da assembleia municipal, está sujeita a publicação obrigatória nos termos dos art. 119.º, n.º 2 da CRP e 56.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais sob pena de ineficácia. 13.a.i.4. Na verdade, estabelece o artigo 119.º, n.º 2 da Constituição que “a falta de publicidade (...) de qualquer ato de conteúdo genérico (...) do poder local, implica a sua ineficácia jurídica” 13.a.i.5. Mais concretamente, o artigo 56.º, n.º 1 do Regime Jurídico das Autarquias Locais determina: “Para além da publicação em Diário da República quando a lei expressamente o determine, as deliberações dos órgãos das autarquias locais, bem como as decisões dos respetivos titulares destinadas a ter eficácia externa, devem ser publicadas em edital afixado nos lugares de estilo durante cinco dos 10 dias subsequentes à tomada da deliberação ou decisão, sem prejuízo do disposto em legislação especial”. 13.a.i.6. Assim sendo, de acordo com o disposto nos citados diplomas legais, o conteúdo da deliberação final que aprova a taxa de IMI a aplicar no anos de 2011 encontra-se, sem exceções, sujeita às seguintes formalidades: (a) publicação integral no sítio da internet; (b) a publicação integral no Boletim da autarquia local; (c) a publicação integral em edital a afixar nos lugares de estilo; (d) a publicação integral em jornal regional editado na área do município (caso exista um jornal regional que cumpra os supra enunciados requisitos). 13.a.i.7. Motivo pelo qual a deliberação da Assembleia Municipal que determinou a taxa de IMI a aplicar em 2011 é ineficaz por falta de publicação, nos termos do artigo 119.º, n.º 2 da CRP, não podendo nenhuma liquidação de IMI ser imputada à Impugnante. 13.a.i.8. Em face do exposto, o presente recurso deve ser julgado totalmente improcedente mantendo-se a sentença recorrida que não merece qualquer censura nesta conclusão.».
1.1. Remetidos os autos a este tribunal, foi ordenada a abertura de vista ao Ministério Público. A Ex.ma Sr.ª Procuradora-Geral Adjunta lavrou douto parecer, onde concluiu que «carece de suporte legal a imputada infração ao disposto nos artigos 119.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa e 56.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais, disposição que nem sequer é aplicável, no caso sub judice». E que, por isso, «deverá ser negado provimento ao presente recurso jurisdicional, confirmando-se inteiramente a sentença recorrida». Colhidos os vistos legais, cumpre decidir. ◇ 2. Dos fundamentos de facto O tribunal de primeira instância julgou provados os seguintes factos: «(...) 2.1.1.1.1. A deliberação da Assembleia Municipal de Vila Pouca de Aguiar, tomada em sessão ordinária realizada no dia 24/09/2010 que fixou em 0,30% a taxa de IMI a vigorar para 2011, foi afixada em edital e foi publicada em jornal local (cf. Fls. 188 e 189 dos autos); 2.1.1.1.2. A deliberação identificada não foi publicada em boletim municipal – cfr, a contrário, fls. 188 e 189 dos autos e, também como se depreende, a contrário, do art.º 9.º da contestação. 2.1.1.1.3. A freguesia de …...., a freguesia de …..., a Freguesia de …..., pertencem, ou pertenceram, ao Concelho de Vila Pouca de Aguiar; Cfr. site do concelho. 2.1.1.1.4. A B............, EIM, LDA., que foi incorporada na Impugnante (sociedade incorporante), conforme doc. n.º 2 da PI, era titular do direito de exploração de terrenos baldios da freguesia de …..., …... e …... (cf. doc. n.º 3). 2.1.1.1.5. Nesses terrenos, a B............ instalou aerogeradores da marca ENERCON, modelo E-66 e E-70, pertencentes ao Parque do …... (cf.doc. n.º 4). 2.1.1.1.6. Esses aerogeradores foram inscritos oficiosamente pelas finanças como prédios urbanos do tipo “Outros” e avaliados nos termos do CIMI. 2.1.1.1.7. Os aerogeradores instalados na freguesia de …... foram inscritos na matriz desta freguesia sob os artigos 1837 e 1838. 2.1.1.1.8. Os aerogeradores instalados na freguesia de …... foram inscritos na matriz desta freguesia sob os artigos 356, 357, 358 e 359 e, na sequência, da reorganização das freguesias passaram a estar inscritos na freguesia do …... sob os artigos 838, 839, 840, 841. 2.1.1.1.9. Os aerogeradores instalados na freguesia de …... foram inscritos na matriz desta freguesia sob os artigos 289, 290, 291, 292 e 293 e, na sequência da reorganização das freguesias, passaram a estar inscritos na freguesia do …... sob os artigos 842, 843, 844, 845 e 846. 2.1.1.1.10. Sobre estes artigos das freguesias de …..., …... / …... e …... / …... foi liquidado IMI com referência aos anos de 2011 (cfr. doc. n.º 1 da PI). 2.1.1.1.11. A liquidação de IMI de 2011 resultou da aplicação ao VPT destes artigos da taxa de 0,30%. 2.1.1.1.12. A Impugnante paga ao município de Vila Pouca de Aguiar uma renda de 2,5% sobre a facturação mensal à entidade receptora da energia eléctrica produzida, em cada instalação, nos termos do n.º 33 do anexo II do Decreto-Lei n.º 189/88, de 27 de maio, na versão introduzida pelos diversos diplomas que o alteraram, sendo que no ano de 2014 o montante pago a título de renda foi de €10.967,60 (doc. n.º 5). 2.1.1.1.13. Os referidos equipamentos ENERCON são equipamento de conversão da energia cinética em energia eléctrica (cfr. doc. n.º 6). 2.1.1.1.14. Estes equipamentos são compostos por 4 grandes grupos de componentes: as pás, o rotor, a nacelle e a torre (cfr. doc. n.º 6). 2.1.1.1.15. O rotor corresponde ao mecanismo capaz de permitir que o disco varrido pelas pás esteja sempre em posição perpendicular ao vento, sendo constituído por 3 pás e por um eixo, unidos através de um rolamento, conforme melhor visível no detalhe da figura apresentada no art.º 15.º da PI e que aqui se dá por reproduzida (cfr. doc. n.º 6); 2.1.1.1.16. As pás captam a energia do vento e o gerador contido na nacelle transforma a energia mecânica deste movimento de rotação em energia eléctrica para posterior injecção na rede eléctrica (cfr. doc. n.º 6); 2.1.1.1.17. A nacelle é o componente que abriga o gerador, o quadro controlo balizagem, o quadro de filtros do gerador, o quadro de comando da nacelle, o quadro ventiladores, o comando de excitação, os quadros motores de Yaw, os motores de Yaw e o rectificador (cfr. doc. n.º 6). 2.1.1.1.18. A torre conecta o sistema de coroa à nacelle, que permite a orientação do equipamento (cfr. doc. n.º 6). 2.1.1.1.19. A torre conecta o sistema de coroa à nacelle, que permite a orientação do equipamento. 2.1.1.1.20. A torre integra: (i) os sistemas de amortecimento de vibração do equipamento (sem o qual o equipamento não poderia funcionar), (ii) os sistemas de transporte de energia de corte e protecção (cabos, e disjuntores), (iii) e outros sistemas auxiliares de controlo e acesso (cfr. doc. n.º 6). 2.1.1.1.21. A torre é um equipamento que contém em si mesmo um conjunto de estruturas eléctricas que são indispensáveis à produção de energia eléctrica de fonte eólica. 2.1.1.1.22. O conjunto composto por pás, rotor, nacelle e torre, que compõe o aerogerador, é objecto de análise para efeitos de certificação em conformidade com as normas internacionais IEC da “Internacional Electrotechnical Comission” (IEC). 2.1.1.1.23. Os aerogeradores são analisados e rectificados em função das normas IEC – 61400; 2.1.1.1.24. As normas IEC destinam-se a verificar a conformidade de determinados equipamentos ou maquinaria com certos standards internacionais. 2.1.1.1.25. O conjunto composto por pás, rotor, nacelle e torre, que compõe os aerogeradores da Impugnante instalados foi submetido a esta certificação e foi considerado como estando em conformidade com as normas IEC – doc. 15 da PI. 2.1.1.1.26. Os aerogeradores instalados situam-se num local remoto. 2.1.1.1.27. Os aerogeradores não são servidos de qualquer rede pública de abastecimento de água, gás ou esgotos ou saneamento básico. 2.1.1.1.28. Os aerogeradores instalados não dispõem de rede pública de iluminação. (...).». ◇ 3. Dos fundamentos de Direito 3.1. Vem o presente recurso interposto da douta sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela que julgou procedente a impugnação de liquidação de IMI de 2011, por a deliberação da Assembleia Municipal que fixou a taxa do imposto aplicada não ter sido publicada no boletim municipal ou sítio da internet da respetiva autarquia. Com o assim decidido não se conforma a Recorrente Fazenda Pública por entender que a publicação em boletim da autarquia, ou no respetivo sítio da internet, não pode ser considerada condição ou requisito de eficácia dos atos autárquicos e da deliberação municipal controvertida em particular. Para melhor delimitação do objeto do recurso, importa observar que o objeto mediato da decisão recorrida não foi a deliberação municipal, mas a liquidação de IMI. A Recorrida não formulou a final da douta petição inicial nenhum pedido relativo a essa deliberação, constituindo a questão de saber se a mesma é eficaz, uma questão incidental de que faz depender a sua pretensão relativa à liquidação. Por outro lado, o pedido a final formulado pela Recorrida também não foi o de declaração de ineficácia da liquidação impugnada (com fundamento na ineficácia da deliberação municipal), mas o de anulação da mesma. O que significa que, quando o Mm.º Juiz a quo julgou procedente o pedido com este fundamento, julgou ilegal a liquidação por a deliberação ser ineficaz em relação à Impugnante. Por isso, quando a Recorrente contrapõe que a falta de publicação da referida deliberação não afeta a legalidade da liquidação está, no fundo, a colocar, não uma, mas duas questões ao tribunal de recurso: a de saber se a deliberação é ineficaz e a de saber se a ineficácia da deliberação afeta a legalidade da liquidação. Delas se conhecerá nos dois pontos seguintes.
3.2. À primeira questão respondemos afirmativamente. Isto é, a referida deliberação deveria ter sido publicada em boletim da autarquia. E a falta de publicação em boletim da autarquia importa a ineficácia dessa deliberação. Que a deliberação deveria ter sido publicada em boletim da autarquia resulta do artigo 91.º da Lei das Autarquias Locais – Lei n.º 169/99, de 18 de setembro, na redação introduzida pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de janeiro. Que a falta de publicação nos termos em que a lei impõe importa a ineficácia da deliberação resulta do artigo 130.º, n.º 2, do Código do Procedimento Administrativo (na redação então em vigor). Vamos por partes. A Recorrente não põe em causa que a lei imponha a publicação das deliberações das autarquias, destinadas a ter eficácia externa, em boletim da autarquia (e, já agora, também nos jornais regionais editados na área do respetivo município). O que a Recorrente pretende – se bem interpretamos – é que tal imposição legal pressupõe que a autarquia publique boletim e que existam na área do município jornais regionais que reúnam as condições previstas no n.º 2 daquele artigo 91.º. Ou seja, no entendimento da Recorrente, a lei deve ser interpretada no sentido de que é imposta a publicação naqueles lugares quando os lugares existam. Mas essa é uma hipótese que não importa aqui considerar. Porque em lugar algum se provou que o município em causa não publique boletim (nem, tampouco, que não existam jornais regionais com as referidas características). Ou seja, a Recorrente não demonstrou um facto de que, na sua própria alegação, dependia o afastamento de tal exigência legal: o de que fosse possível cumpri-la. Pelo que nem importa considerar o acerto da sua interpretação da lei. Porque o Tribunal de recurso só se pronuncia sobre questões concretas, que relevem para a decisão. Não se pronuncia sobre hipóteses abstratas, que não possam ser subsumidas ao caso. A Recorrente também não põe em causa que a lei comine com a ineficácia das deliberações a falta da sua publicação naqueles lugares. Aliás, não deixou de convocar para as alegações de recurso a norma constitucional e a infraconstitucional que, no seu próprio entendimento, o confirmam. O que a Recorrente pretende – se bem interpretamos – é que a ineficácia é a consequência jurídica da falta de publicação (e não da falta de publicação em todos aqueles lugares ou a utilização de todas as formas de publicitação). Ou seja, desde que seja cumprido o desiderato pretendido pelo legislador quando prescreveu a publicidade do ato (e que, no seu entendimento, é o da divulgação das decisões enquanto informação genérica acerca da “gestão de assuntos públicos”), o ato deve ser eficaz. E por isso é que, no seu entendimento, a sentença recorrida interpretou erradamente o artigo 119.º, n.º 2, da Constituição e o artigo 56.º do Regime Jurídico das Autarquias Locais (nova redação). Mas é um entendimento que não subscrevemos. A ineficácia do ato deriva da falta de publicidade nos termos exigidos por lei, o que significa que da publicidade que não observe os termos da lei não deriva a publicitação do ato. Aliás, se fosse conforme o entendimento da Recorrente, os termos da publicação obrigatória não dependeriam da lei, mas do critério que viesse a adotar o órgão que pratica o ato. E a lei não exige apenas que se publique, antes prescreve as formas de publicação. Questão diversa, mas que não podemos apreciar porque não veio colocada (nem existiriam elementos factuais que permitissem decidi-la), seria a de saber se a deliberação da Assembleia Municipal seria eficaz em relação ao sujeito que dela tivesse sido notificado, independentemente da publicitação ou da forma dela. No sentido de que omissão da publicação da deliberação da Assembleia Municipal que fixou a taxa de IMI a vigorar para o ano da liquidação constitui omissão de publicidade legalmente imposta e determina a ineficácia dessa deliberação já decidiu o Supremo Tribunal Administrativo no acórdão de 13 de março de 2019 (processo n.º 0425/15.7BEMDL). Pelo que o recurso não merece provimento por aqui.
3.3. À segunda questão respondemos negativamente. Isto é, a ineficácia da deliberação não afeta a validade da liquidação. A lei comina com a anulabilidade os atos que ofendam os princípios que ou normas jurídicas que sejam aplicáveis a esses atos. Isto é, que padeçam de inaptidão intrínseca para a produção dos seus efeitos. Ora, no caso, não está em causa nenhuma inaptidão intrínseca do ato de liquidação (o ato impugnado). E nem sequer alguma inaptidão intrínseca da deliberação municipal: está em causa apenas a falta de um requisito externo deste último ato. Poderia contrapor-se que a falta de um requisito externo da deliberação municipal interfere com a legalidade da liquidação que nela se baseie porque se trata de um ato que dela depende absolutamente. Gerando, assim, um vício intrínseco neste último ato. Parece ser esta a posição da Recorrida quando alega que, se «a deliberação da Assembleia Municipal que fixou a taxa concreta é ineficaz, não existe nenhuma taxa concreta que seja aplicável no presente caso». Só que a liquidação do imposto não depende da deliberação da assembleia municipal. O que depende da deliberação da assembleia municipal é a fixação de uma taxa superior ao mínimo legal. É o que resulta do n.º 13 do artigo 112.º do Código do Imposto Municipal sobre Imóveis. Por outro lado, a fixação de uma taxa superior ao mínimo legal não depende da publicação da deliberação, mas da sua comunicação à Direção-Geral dos Impostos pelos canais próprios. A Administração Tributária não tem que aguardar pela publicação da deliberação para poder tributar de acordo com a taxa fixada pelas autarquias. Tem apenas que levar em conta a deliberação que lhe for comunicada até 30 de novembro do ano anterior, na determinação da taxa a vigorar para o ano seguinte. Pelo que, ao levar em conta o teor da deliberação que lhe foi devidamente comunicada pelos canais próprios, a Administração Tributária, não só não está a cometer nenhuma ilegalidade, como está a proceder à aplicação estrita da lei tributária. O que significa que a deliberação que é devidamente comunicada à Administração Tributária pelos canais próprios produz todos os efeitos a que tende (tributários) no quadro estrito das relações entre a Administração Tributária e a autarquia. A este respeito, alega ainda a Recorrida que os atos administrativos de fixação concreta da taxa de IMI são discricionários e que nunca o tribunal se poderia substituir à Assembleia Municipal para fixar essa taxa pelo mínimo legal, sob pena de usurpação de poderes. Salvo o devido respeito, a Recorrida labora aqui em vários equívocos: em primeiro lugar, o tribunal que aprecia a legalidade da taxa fixada administrativamente não fixa taxa nenhuma nem interfere com nenhum poder administrativo (exerce um poder jurisdicional); em segundo lugar, não há na liquidação fixada de acordo com a deliberação autárquica (o único ato que aqui se encontra em apreciação) nenhum exercício discricionário de poder (mas a estrita aplicação da lei); em terceiro lugar – e pelas razões sobreditas – nunca poderia derivar da ineficácia da deliberação administrativa que não existia nenhuma taxa aplicável em sede tributária; em quarto e último lugar – e também pelas razões sobreditas – a falta de publicação daquela deliberação não importa a invalidade da liquidação que aplicou a taxa fixada nessa deliberação. Assim, e em conclusão, a tripla publicação a que se refere a lei não constitui formalidade ad substantiam suscetível de conduzir à invalidade da liquidação de IMI, podendo somente conduzir à ineficácia da mesma. Em circunstâncias que, todavia, não importa aqui apurar, seja porque estas consequências não foram pedidas nem apreciadas na sentença recorrida, seja porque este meio processual nem seria o adequado para as apreciar (a impugnação judicial serve apenas para sindicar legalidade dos atos tributários que lhe servem de objeto). Do exposto deriva que a douta sentença recorrida não pode manter-se na parte recorrida (a que julgou procedente o pedido de anulação da liquidação de IMI de 2011 com fundamento na falta de publicação da deliberação da assembleia municipal que fixou o valor da taxa para esse ano). E da parte restante não importa conhecer, porque não foi, no caso, requerida a ampliação do âmbito do recurso por parte da Recorrida. Pelo que o recurso merece provimento. ◇ 4. Conclusões
4.1. A deliberação da Assembleia Municipal que fixa a taxa de IMI a aplicar em cada ano, dentro dos intervalos previstos no n.º 1 do artigo 112.º do Código respetivo deve ser publicada em boletim da autarquia – artigo 91.º da Lei das Autarquias Locais, na redação dada pela Lei n.º 5-A/2002, de 11 de janeiro; 4.2. Mas a falta de publicação dessa deliberação em boletim da autarquia não importa a invalidade da liquidação que aplicou a taxa do imposto correspondente. ◇ 5. Decisão Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção Tributária deste Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogar a decisão recorrida e julgar improcedente a impugnação. Custas pela Recorrida. D.n.
Lisboa, 14 de Outubro de 2020. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Gustavo André Simões Lopes Courinha – Anabela Ferreira Alves e Russo. |