Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0859/04.2BEPRT |
Data do Acordão: | 12/11/2019 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | NEVES LEITÃO |
Descritores: | ACTO TRIBUTÁRIO FUNDAMENTAÇÃO |
Sumário: | A fundamentação do acto tributário deve ser contextual e contemporânea da sua prática, não sendo permitida a invocação superveniente de fundamentos que, embora objectivamente existentes, não constam da motivação expressa do acto. |
Nº Convencional: | JSTA000P25285 |
Nº do Documento: | SA2201912110859/04 |
Data de Entrada: | 09/30/2019 |
Recorrente: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Recorrido 1: | A... SA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | 1. RELATÓRIO 1.1. A Fazenda Pública interpôs recurso para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por A…………., SA, contra decisão de indeferimento de reclamação graciosa e, consequentemente, anulou a liquidação adicional de IRC (exercício de 1995), no montante de € 39 347,31 (7 888 428$00) 1.2. O recorrente apresentou alegações que sintetizou com a formulação das seguintes conclusões: A. Em causa está a correcção ao resultado tributável do exercício de 1995 para efeitos de IRC, que resultou num acréscimo de 14233 688$00 (€ 70 997,34) referente a reintegrações e amortizações não aceites como custo fiscal. B. Toda a questão se reconduz ao período de utilidade esperada de tais obras, e dado que não se encontrando fixadas para as mesmas, taxas de reintegração e amortização nas tabelas anexas ao Decreto Regulamentar n.º 2/90, de 12/01, é este período determinante para aceitação como custo fiscal das amortizações e reintegrações resultantes da aplicação de uma taxa calculada em função dele, face à disciplina do art. 5.º do mesmo decreto. C. A douta sentença entendeu que não se tratando de obras efectuadas em edifício alheio e não estando tais obras contempladas nas tabelas de codificação e classificação dos bens para efeitos de amortização anexas ao D. Reg. 2/90, de 12/01, não estava a impugnante obrigada a efectuar as referidas reintegrações nos termos do n.º 2 do art. 5.º do referido diploma. D. Relativamente às referidas obras na via pública (obras de alargamento da faixa de rodagem e construção de um separador central, para melhoramento do acesso às instalações que ocupa como arrendatária), a impugnante estimou um período de utilidade esperada de 3 anos, o que conduz à aplicação de uma taxa de amortização e reintegração anual de 33,33%, tendo a AT considerado tal período excessivamente reduzido face ao período de 10 anos que se deduz como previsto para o mesmo tipo de imobilizações, nomeadamente da taxa anual de 10% constante da Tabela II, código 2195 - instalações não especificadas, anexa ao D. Regulamentar supra citado, efectuando a correcção das respectivas amortizações com base neste último período. E. Não se encontrando fixadas taxas de reintegração e amortização para os respectivos elementos imobilizados, o cálculo das quotas de reintegração e amortização aceites como custo fiscal nos termos da alínea g) do n.º 1 do art. 23.º do CIRC, está sujeito ao critério de razoabilidade da Autoridade Tributária e Aduaneira, como decorre do disposto no n.º 2 do art. 29º, actual n.º 3 do art. 31.º do CIRC, e n.ºs 2 e 3 do art. 5.º do Dec. Regulamentar n.º 2/90, de 12/01. F. O regime das amortizações e reintegrações prende-se com o deperecimento dos bens imobilizados, pois apenas estes podem ser objecto de amortização ou reintegração, nos termos do n.º 1 do referido Dec. Regulamentar, resultando este deperecimento do período de tempo durante o qual se espera que os bens possam ser utilizados em condições de funcionamento económico, a chamada vida útil ou vida económica. G. Independentemente de se qualificarem ou não como obras em edifício alheio (neste caso abrangidas as respectivas amortizações pelo n.º 2 do art. 5.º do D.R. 2/90), nada consta dos autos no sentido de concluir que a duração económica ou, no caso concreto, o período de utilidade esperada das obras de infraestruturas em causa seja apenas de 3 anos, como considerou a impugnante, sem contudo apresentar causas justificativas para um deperecimento tão rápido. H. Desta forma, contrariamente ao doutamente decidido, não estando as obras em referência contempladas nas tabelas de codificação e classificação dos bens para efeitos de amortização anexas ao D. Regulamentar n.º 2/90, de 12/01, deverá manter-se a correcção da Administração Tributária relativa às reintegrações e amortizações não aceites como custo fiscal, porquanto tal correcção assentou num critério de razoabilidade legalmente admitido, como decorre do disposto nos n.ºs 2 e 3 do art. 5.° do mesmo decreto, e ainda do disposto na alínea g) do n.º 1 do art. 23.° e art. 29.°, n.º 2 do CIRC, vigente ao tempo, não tendo a impugnante apresentado causas justificativas da depreciação anormal, por excessivamente rápida, correspondente ao período de utilidade esperada de tais obras por si estimado. I. Destarte, decidindo da forma como decidiu e ao não decidir da forma exposta, a douta sentença recorrida violou as disposições legais supra citadas. Termos em que, Deve ser concedido provimento ao presente recurso jurisdicional e, em consequência, ser revogada a douta sentença recorrida, com as legais consequências. 1.3. A recorrida não apresentou contra-alegações 1.4. O Ministério Público emitiu parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso (processo electrónico fls. 363) 1.4. Após os vistos dos juízes conselheiros adjuntos cumpre apreciar e decidir em conferência 2. FUNDAMENTAÇÃO 2.1. DE FACTO A sentença recorrida julgou provados os seguintes factos: 1. A sociedade Impugnante, A…………, S. A., com o CAE 51110, com actividade de comércio armazenista de produtos alimentares, foi sujeita a um exame à escrita, com extensão aos anos de 1995 e 1996, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, Imposto sobre o Valor Acrescentado e Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares, no âmbito da credencial n.º 1032.98 de 3 de Fevereiro - cf. Relatório constante de fls. 19 e seguintes do apenso referente a Reclamação Graciosa; 2. As áreas sobre as quais incidiu a acção inspectiva, em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas, foram as amortizações e reintegrações, os custos financeiros, outros fornecimentos e serviços de terceiros e custos operacionais - cf. relatório de inspecção constante de fls. 19 e seguintes do apenso referente a Reclamação Graciosa; 3. Em sede de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas de 1995, a Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária, em 31.03.1998, elaborou relatório fundamentando a liquidação emitida, do qual se destaca: "3.1 Exercício de 1995 3.1.1. I.R.C. 3. 1. 1. 1. Amortizações e Reintegrações Analisados os mapas das reintegrações e amortizações, verificámos que o Sujeito Passivo quantificou reintegrações no montante de 20334 712$00, expressas a pág. 6 dos referidos mapas, como respeitando a imobilizações corpóreas identificadas com o “código 2195 - Não especificadas - obras em propriedade alheia", as quais se revelam excessivas como de seguida explicamos: I As benfeitorias em apreciação, foram realizadas nos acessos viários às instalações ocupadas pela A…………, no Lugar do ………. - Maia, conforme documento que constitui o anexo I rendo para efeitos de manifestação contabilística sido consideradas obras em propriedade de alheia, por na verdade respeitarem a beneficiações em instalações que são propriedade de terceiros (Empresa do grupo ……..), que a A…….. ocupa na qualidade de arrendatária, e pelo uso das quais, na condição de locatária, paga respectiva renda.O tratamento dado pelo Sujeito Passivo As reintegrações em causa, quantificam aquilo que o Sujeito Passivo reputou de deperecimento do bem, e foram calculadas com base na taxa de 33.33% correspondente a um período de utilidade esperada que o Sujeito Passivo hipotisou, escassamente, por três anos. O valor que assim considerou como custo para efeitos fiscais, no exercício de 1993, foi de 20 334 712$00 conforme mapa mod. 32.1 que constitui o anexo II. II O enquadramento destes factos no plano tributário Até aqui, nenhuma anomalia no plano tributário teríamos constatado, não fosse o facto de se mostrar excessivamente reduzido o número de anos de utilidade esperada estimado para efeitos do cômputo das reintegrações. Efectivamente, sendo as instalações arrendadas, e não dispondo o respectivo contrato de arrendamento sobre condições limitativas do prazo de utilização das mesmas por parte do Sujeito Passivo A………, considera-se por isso que o período estimado se revela excessivamente reduzido, se comparado com o número de anos que se deduz como previsto para o deperecimento do mesmo tipo de imobilizações, em função da taxa de 10% constante da “Tabela I - Grupo II - Código 2195 - Instalações não especificadas”, anexa ao Decreto Regulamentar 2.90 de 12.01. Neste contexto, consideramos que a actuação do Sujeito Passivo não é justificada nem por razões de ordem económica, nem por imperativos de natureza contratual. Por conseguinte, ter-se-ia como aceitável que as reintegrações tivessem sido calculadas com base num período de utilidade esperada de 10 anos, idêntico ao previsto para as imobilizações fisicamente semelhantes, previsto nas tabelas anexas ao Decreto Regulamentar 2.90 de 12.01. Deste modo, com o fundamento de facto já apresentado, e no uso do quadro jurídico criado pelo número 2 e art. 5° do referido diploma, consideramos que o contribuinte praticou reintegrações excessivas no montante de 14 233 668$00 (...) como se expressa no seguinte quadro:
O facto de o Sujeito Passivo ter incluído esta parcela de custo no cômputo do resultado que declarou para efeitos fiscais, no exercício de 1995, evidencia um comportamento tributariamente anómalo, atento o quadro jurídico previsto no normativo do art. 32º do CIRC. 4. Conclusões 4.1. Exercício de 1995 4.1.1. Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Colectivas Conforme detalhe desenvolvido no ponto 3.1.1.1 do presente relatório, o Sujeito Passivo considerou indevidamente como custo para efeitos fiscais, no exercício de 1995, o valor de 14 233 688$00 (...) proveniente de reintegrações praticadas sobre obras em propriedade alheia. Em face da disciplina criada pela disposição do n.º 2 do art. 5° do Decreto-regulamentar 2.90 de 12.01, a anomalia tributária aqui evidenciada, resulta do facto de o Sujeito Passivo ter efectuado o cálculo das reintegrações praticadas com base num período de utilidade esperada de 3 anos, o que julgamos ser excessivamente reduzido quando comparado com o período de deperecimento previsto para o mesmo tipo de imobilizações (10 anos), conforme consta da "Tabela II - Código 2195 - Instalações não especificadas" anexa ao citado diploma. 5. Propostas 5.1. De rectificação ao Lucro Tributável declarado pelo Sujeito Passivo 5.1.1. IRC - Exercício de 1995: 14 233 688$00 Nesta conformidade, propomos que o lucro tributável declarado no exercício de 1995 pelo montante de 28 742 867$00 seja elevado para o valor de 42 976 555$00" - cf. relatório de inspecção tributária constante de fls. 19 e seguintes do apenso de Reclamação Graciosa; 4. Pelo ofício n.º 000780 de 04.03.1999 foi a sociedade Impugnante notificada para o exercício do direito de audição "sobre o projecto de conclusões do relatório de inspecção que se anexa, nos termos previstos no art. 60° da Lei Geral Tributária e art. 60° do Regime Complementar do Procedimento de Inspecção Tributária" - cf. ofício constante do Processo Administrativo apenso aos autos; 5. Por requerimento de 11.03.1999 a Impugnante dirigiu à Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária, solicitando a notificação dos fundamentos integrais das correcções efectuadas, por não dispor de elemento que reputa essencial ao exercício do direito de audição - cf. requerimento constante do Processo Administrativo apenso aos autos, para o qual se remete e cujo teor se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais; 6. Pelo ofício n.º 001500 de 09.04.1999 a Direcção de Serviços de Prevenção e Inspecção Tributária, respondeu enviando as conclusões do relatório à escrita dos exercícios de 1995 e 1996, concluído em 31.03.1999, onde, relativamente às amortizações e reintegrações do exercício de 1995, consta: "Considerou indevidamente como custo para efeitos fiscais do exercício de 1995, o montante de 14 233 688$00 respeitante a reintegrações praticadas sobre as obras eu efectuou em edifícios alheios. As referidas reintegrações foram quantificadas a uma taxa de 33.33% que calculou com base no período de utilidade esperada de três anos, o que, atenta a disciplina criada pela disposição do n.º 2 do art. 5° do Decreto Regulamentar 2.90 de 12.01, se revela excessivamente reduzido quando comparado com o período de deperecimento previsto para o mesmo tipo de imobilizações (10 anos) conforme consta da Tabela II - Código 2195 - Instalações não especificadas, anexa ao diploma. No quadro a seguir, explicita-se o cômputo das reintegrações excessivas:
- cf. ofício e informação anexa, constantes de fls. 18 a 20 dos autos, numeração referente ao processo físico; 7. Em 22.04.1999 a Impugnante exerceu o seu direito de audição, sobre o projecto de conclusões do relatório de inspecção referente aos exercícios de 1995 e 1996, nos termos do requerimento constante do Processo Administrativo, para cujo teor se remete e o qual se dá por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais; 8. Em 30.04.1999 foi aditado ao Relatório identificado em 3., o ponto 6., referente ao direito de audição, do qual consta: 2.2. DE DIREITO |