Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 02861/18.8BEBRG |
Data do Acordão: | 06/05/2024 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | NUNO BASTOS |
Descritores: | OPOSIÇÃO À EXECUÇÃO FISCAL ILEGALIDADE INSTAURAÇÃO DA EXECUÇÃO FISCAL RECLAMAÇÃO GRACIOSA GARANTIA PROCESSO ESPECIAL DE REVITALIZAÇÃO |
Sumário: | I - O processo especial de revitalização instituído pelos artigos 17.º-A a 17.º-I, aditados ao CIRE pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, não autoriza a AT a conceder qualquer moratória na cobrança das dívidas tributárias para além das já previstas na lei; II - A dedução de reclamação graciosa e consequente impugnação judicial, com prestação de garantia, antes do decurso do prazo de pagamento voluntário do tributo, não obsta à instauração de execução fiscal, mas nada mais pode ser feito e, sendo a execução instaurada pode o interessado deduzir oposição judicial com fundamento na inexigibilidade da dívida, nos termos do artigo 204º/1/ i) do CPPT, tendo em vista a suspensão da execução, com a anulação de todas as diligências e atos processuais que indevidamente foram praticados. III - Padece de ilegalidade a citação efetuada na execução fiscal na pendência de reclamação graciosa com pedido de fixação da garantia a prestar para suspender a execução, designadamente porque a citação do executado tem efeitos interruptivos duradouros sobre a contagem do prazo de prescrição. |
Nº Convencional: | JSTA000P32351 |
Nº do Documento: | SA22024060502861/18 |
Recorrente: | A..., S.A. |
Recorrido 1: | AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A..., S.A., com o número de identificação fiscal ...70 e com sede na Rua .... ..., ... ..., interpôs recurso da sentença proferida pelo Mm.º Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, que julgou improcedente a oposição à execução fiscal n.º ...40, instaurada no Serviço de Finanças de Felgueiras para cobrança coerciva de dívida proveniente de imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas (IRC) do exercício de 2017, titulada pela certidão n.º ...82, no valor de € 54.072,78. Com a interposição do recurso, foram apresentadas alegações e formuladas as seguintes conclusões: «(…)
I. A sentença em mérito, julgou improcedente a oposição deduzida pela Recorrente contra a instauração do processo de execução fiscal n.º ...40, instaurado por dívida proveniente do IRC de 2017. II. A douta sentença em mérito, estribando-se no acórdão do STA de 27.10.2021, no Proc. nº 2906/18.1BEBRG – julgou a oposição improcedente, tendo feito consignar que: I - A oposição à execução fiscal pode visar a suspensão da execução fiscal (e não, como em regra, a sua extinção, parcial ou total) nos casos em que a exigibilidade da dívida esteja afectada por motivo não definitivo, como, v.g., quando a execução fiscal foi instaurada quando já estava pendente uma reclamação graciosa ou uma impugnação judicial com garantia já prestada ou requerida a sua prestação e ainda não decidida. II - A dedução de Reclamação Graciosa e consequente Impugnação Judicial, com prestação de garantia, antes do decurso do prazo de pagamento voluntário do tributo, não obsta à instauração de execução fiscal, mas nada mais pode ser feito e, sendo a execução instaurada pode o interessado deduzir oposição judicial com fundamento na inexigibilidade da dívida, nos termos do artigo 204º/1/ i) do CPPT, tendo em vista a suspensão da execução, com a anulação de todas as diligências e actos processuais que indevidamente foram praticados. Ora, III. Entendimento com o qual, a Recorrente não se pode conformara, desde logo, e além do mais, por discordar das consequências extraídas da instauração do processo de execução fiscal na pendência de uma reclamação graciosa em que é colocado em causa o próprio ato de liquidação. Se não vejamos, IV. Os presentes autos emergem da falta de entrega dentro do prazo de pagamento voluntário do imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas do ano de 2017. V. Fazendo um enquadramento cronológico, impõe-se referir que no dia 28/06/2018 a Recorrente submeteu uma declaração de rendimentos Modelo 22, de IRC, referente ao exercício de 2017. VI. Discordando com o quantum de imposto liquidado, em 03/07/2018 a Recorrente apresentou uma reclamação graciosa, à qual foi atribuído o n.º ...69, na qual solicitou a (i) a anulação do ato de autoliquidação de IRC, de 2017, e (ii) a suspensão da cobrança coerciva do tributo, acompanhado da manifestação do propósito de constituir garantia. VII. Ignorando todo o procedimento entretanto encetado, o serviço de finanças procedeu no dia 10/09/2018 à instauração do processo de execução fiscal subjacente aos presentes autos isto, ainda na pendência da reclamação graciosa apresentada no dia 03/07/2018. VIII. Porque entendia e entende que tal instauração viola diretamente a letra da lei, no dia 11/10/2018 a Recorrente deduziu oposição no processo de execução fiscal n.º ...40, pugnando pela extinção do processo de execução fiscal – decorrente da indevida e ilegal instauração do processo de execução fiscal. IX. Pelo cuidado com que a matéria dos presentes autos é tratada, não podemos deixar de convocar os fundamentos expendidos no Ac. do STA de 08/02/2017, proferido no Proc. nº 0177/15 os quais, com a devida vénia, subscrevemos na sua íntegra, conforme infra se deixa transcrito: [segue transcrição parcial do acórdão, no original] X. Da jurisprudência transcrita resulta que o efeito suspensivo da reclamação graciosa tem sempre lugar, logo que no requerimento de reclamação graciosa seja manifestado o propósito de constituir garantia. XI. O efeito suspensivo manter-se-á até que haja pronúncia por parte da Administração Fiscal relativamente ao pedido de constituição de garantia e/ou logo que haja decisão definitiva relativa à reclamação graciosa apresentada. XII. Até lá, sufragando o acórdão transcrito, a Administração Fiscal deveria abster se da prática de quaisquer diligências tendentes ao desenvolvimento do procedimento de cobrança incluindo a instauração de execução fiscal. XIII. Do exposto resulta que a Administração Fiscal, previamente à instauração do processo de execução fiscal deveria, por imperativo legal, ter tomado posição relativamente à manifestação por parte da Recorrente da prestação de garantia – isto, em obediência ao princípio da decisão. XIV. Do que se deixou dito, poder-se-á concluir que no caso dos presentes autos, não poderia a Administração Fiscal ter procedido à instauração do processo execução fiscal, sem que previamente houvesse um despacho autónomo incidente sobre o requerimento de prestação de garantia apresentado na petição de reclamação graciosa, pois que tal o consentia o disposto no artigo 69.º, alínea f) do CPPT e assim o impunha o artigo 56.º, nº 1, da LGT. XV. Daí que entenda, sem quebra do elevadíssimo respeito devido que, a decisão em mérito laborou em ostensivo erro de julgamento, mais concretamente, na interpretação extraída do artigo 69.º, alínea f) do CPPT e do efeito suspensivo inerente à mencionada norma. XVI. Pois, face à factualidade assente, forçoso é concluir que se impunha à Administração Tributária uma decisão sobre o que lhe foi expressamente peticionado, de deferimento ou não da garantia prestada, porquanto é a entidade competente para aferir da idoneidade da mesma e autorizar a prestação de garantia. XVII. Perante uma omissão de resposta, afigura-se indevida e inoportuna a instauração do processo de execução fiscal, na data e termos em que teve lugar. XVIII. Sendo, por conseguinte, ilegal a instauração do processo de execução fiscal e, bem assim, todos os atos subsequentes a esta. XIX. E, como tal, deveria o processo de execução fiscal ser extinto, com a subsequente anulação de todos os atos praticados pelo OEF incluindo a própria instauração do processo de execução fiscal, como aliás, resulta da letra da lei, e da nossa melhor jurisprudência do STA. XX. Decidindo de modo diverso, a douta decisão sob escrutínio violou o elenco normativo constituído pelas disposições do artigo 266.º da CRP e ainda o artigo 69.º, alínea f) do CPPT e artigo 56.º, nº 1, da LGT, porquanto, a instauração do processo de execução fiscal na data e nas circunstâncias em que foi, revela se ilegal. SEM PRESCINDIR, XXI. A decisão em mérito considerou ainda não ser igualmente ilegal a instauração dos presentes autos de execução fiscal na pendência dum processo especial de revitalização. XXII. Para tal, a douta decisão considerou: “Acresce que, a instauração do processo executivo em menção, portanto, após a sentença de homologação do plano de recuperação, não padece de qualquer ilegalidade (cfr. Supremo Tribunal Administrativo, no acórdão de 29-04-2015, tirado no processo n.º 0320/15, disponível para consulta em www.dgi.pt)” XXIII. Contudo, parece-nos que relativamente a este fundamento, a douta decisão incorre num ostensivo erro de julgamento. XXIV. Porquanto, a Recorrente na oposição por si deduzida sustenta a ilegalidade da instauração do processo de execução fiscal – pelo facto de se encontrar pendente processo espacial de revitalização (Proc. nº 1255/18.0T8AMT) e a isso se opor o artigo 17.º-E, nº 1, alínea a) do CIRE. XXV. E não, como decorre da douta sentença, no facto de ter sido homologado plano de pagamentos no âmbito desse mesmo processo espacial de revitalização. XXVI. Aliás, atenta a data de apresentação do processo especial de revitalização e a data da instauração do processo de execução fiscal subjacente aos presentes autos, constatamos que seria impossível e legalmente inadmissível a homologação de um plano de pagamentos em tão breve prazo. XXVII. Daí que, ressalvando o respeito devido, entendemos a douta decisão neste concreto ponto, enferma do vício estabelecido no artigo 615.º, nº alínea d) do CPC. XXVIII. Aqui chegados, resta concluir que a instauração do processo de execução fiscal subjacente aos autos na pendência do processo especial de revitalização se demonstra ilegal por violação do artigo 17.º-E, nº 1, alínea a) do CIRE. XXIX. Ao decidir de modo diverso, a douta sentença além de nula, demonstra-se ilegal por violação do artigo 17.º-E, nº 1, alínea a) do CIRE. AINDA SEM PRESCINDIR, XXX. Deve a interpretação do segmento normativo integrado pelas disposições dos artigos 69.º, alínea f) do CPPT e artigo 56.º, nº 1, da LGT no sentido de a apresentação de reclamação graciosa onde é manifestado o propósito de constituição de garantia não determina a suspensão da cobrança coerciva do tributo, nem obsta à instauração do processo de execução fiscal, deve ser julgada materialmente inconstitucional por violação, entre outros, do artigo 266.º (princípios fundamentais da administração pública) da CRP. XXXI. Inconstitucionalidade essa que desde já se argui, nos termos e para os efeitos do artigo 70.º, nº 1, alínea b) da Lei n.º 28/82, de 15/11.». Pediu fosse concedido provimento ao recurso e fosse revogada a douta decisão em mérito. A Recorrida não apresentou contra-alegações. O Mm.º Juiz a quo lavrou douto despacho de admissão do recurso, a que atribuiu subida imediata nos próprios autos e fixou efeito devolutivo. Remetidos os autos ao Supremo Tribunal Administrativo, foram os mesmos com vista ao M.º P.º. O Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto lavrou douto parecer, tendo concluído nos seguintes termos: «(…) Conclusão Nesta conformidade, nos termos e com os fundamentos expostos, em nosso parecer, deverá ordenar-se a baixa dos autos à 1ª instância com vista à prolação, pelo Mmº Juiz do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, do despacho a que alude o artigo 617º, nº 1 do CPC e, sendo caso disso, à subsequente devolução dos autos a este Tribunal com vista ao posterior conhecimento do mérito do presente recurso jurisdicional.». Foram dispensados os vistos legais, pelo que cumpre decidir. *** 2. No seu douto parecer, o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto assinalou que o Mm.º Juiz a quo não se pronunciou quanto à nulidade suscitada na conclusão “XXVII” das doutas alegações de recurso. O que, no seu entendimento, implica «o não conhecimento imediato do objeto do recurso e a consequente baixa dos autos à 1ª instância» para prolação do despacho a que alude o artigo 617.º, n.º 1 do Código de Processo Civil. Analisadas as alegações de recurso e as respetivas conclusões, verificamos que, efetivamente, a Recorrente considera que a sentença enferma do vício estabelecido no artigo 615.º, n.º 1, alínea d), do Código de Processo Civil. Se bem interpretamos, por ter sido invocada a ilegalidade da instauração da execução fiscal na fase inicial do processo especial de revitalização (a que alude o artigo 17.º-C do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas – doravante “CIRE”) e o Mm.º Juiz a quo se ter pronunciado quanto à ilegalidade da instauração da execução fiscal após a homologação do plano de recuperação. Por outro lado, e como bem assinala o Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto, o Mm.º Juiz a quo não se pronunciou sobre a nulidade arguida pela Recorrente. Não o fez, designadamente, no despacho em que admitiu o recurso. Daí não decorre, todavia, que os autos devam baixar para que seja proferido o despacho correspondente. Porque, como decorre do n.º 5 do referido artigo 617.º, tal só deve suceder se o tribunal ad quem o entender indispensável. Ora, no caso, não se afigura indispensável que o Mm.º Juiz a quo se pronuncie sobre a referida nulidade. Por ser, desde já, manifesto que a sentença não padece de tal vício. Na verdade, o que foi ali decidido foi que o órgão de execução fiscal «só não poderia» instaurar a execução fiscal se a dívida em cobrança coerciva estivesse abrangida pelo plano de recuperação (conducente à revitalização do devedor) ou por um plano de pagamento em prestações. Assim, o tribunal a quo não deixou de se pronunciar sobre a questão colocada pela Recorrente. Fê-lo por exclusão de partes. Se só o facto de a dívida exequenda estar abrangida por um plano de revitalização obsta à instauração da execução fiscal é porque o processo especial de revitalização, na fase do seu início, não obsta à instauração da execução fiscal. E, como nos parece evidente, também não deriva daqui excesso de pronúncia, já que a referência à sentença de homologação do plano de recuperação e à jurisprudência que a releva serviu precisamente para excluir qualquer situação em que tal não se verifique, incluindo a situação dos autos. De todo o exposto deriva que não há que devolver os autos à primeira instância para que a nulidade seja ali apreciada. Mas também – e desde já – que o recurso nunca poderia merecer provimento por aí. *** 3. Ao abrigo do disposto no artigo 663.º, n.º 6 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 679.º do mesmo Código, dão-se aqui por reproduzidos os factos dados como provados em primeira instância. *** 4. Estando já decidido, no ponto 2 supra, que a sentença recorrida não padece da nulidade invocada na conclusão “XXVII” restam as seguintes questões a decidir: [1.ª] saber se o requerimento de prestação de garantia na reclamação graciosa da liquidação impede a Administração Tributária de dar execução ao ato de liquidação correspondente (conclusões “IV” a “XX”); [2.ª] saber se a pendência do processo especial de revitalização impede a instauração de processo de execução fiscal contra o requerente (conclusões “XXI” a “XXIX”); [3.ª] saber se a interpretação adotada na sentença das disposições legais aplicadas por remissão para o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 27 de outubro de 2021, tirado no processo n.º 02906/18.1BEBRG, é materialmente inconstitucional por violação dos princípios fundamentais mencionados no artigo 266.º da Constituição da República Portuguesa (conclusões “XXX” a “XXXI”).
5. O Supremo Tribunal Administrativo já respondeu à primeira questão e, ressalvando o acórdão que a Recorrente transcreve abundantemente na conclusão “IX” do recurso, sempre no sentido negativo. Ou seja, no sentido de que a dedução da reclamação graciosa da liquidação acompanhada de requerimento de prestação de garantia não obsta à instauração da execução fiscal para cobrança da dívida respetiva (ver, para além do acórdão citado na sentença recorrida, os acórdãos de 6 de outubro de 2012, de 28 de fevereiro de 2024 e de 6 de março de 2024, tirados nos processos 0185/18.0BELRA e 0172/19.0BELRS e 02860/18.0BEBRG, respetivamente). Trata-se do entendimento que aqui reafirmamos, pelas seguintes razões essenciais. O que está em causa nos autos é saber se o requerimento da prestação da garantia no requerimento inicial da reclamação graciosa tem efeito suspensivo provisório, isto é, suspende a execução do ato de que se reclama até à decisão do incidente respetivo. Ora, o artigo 69.º, alínea f), do Código de Procedimento e de Processo Tributário não responde a esta questão. Porque o que ali se encontra regulado é o efeito da própria prestação da garantia na reclamação graciosa. E o artigo 56.º da Lei Geral Tributária também não. Porque o que ali se encontra consagrado globalmente é o dever de decisão, pela Administração Tributária, das missivas que lhe sejam dirigidas (e não o dever de não executar as dívidas do impetrante até que elas sejam decididas). Por outro lado, do artigo 85.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário deriva que a Administração Tributária só pode deixar de dar execução aos atos de que derive o dever de pagamento de tributos nos casos especificados na lei. O que significa que não pode atribuir a um requerimento o tal efeito suspensivo provisório, se a lei não o estabelecer especialmente. É verdade, no entanto, que a Administração Tributária deve exercer as suas funções com respeito pelos princípios da proporcionalidade, da justiça e da boa-fé. Não só porque o impõe o artigo 266.º, n.º 2, da Constituição, mas também porque o estabelece, no plano infraconstitucional, o artigo 55.º da Lei Geral Tributária. Da aplicação destes princípios ao caso, deriva, na essência, que a Administração Tributária deve aplicar as normas fiscais tendo em vista a prossecução do interesse público e no respeito pelos direitos e interesses tuteláveis dos contribuintes. E que, por isso, mesmo quando exerça poderes vinculados, deve assegurar-se de que aplica a lei da forma que melhor reflita a prossecução desses objetivos. E como é que se conjugam estes princípios no caso? A melhor compatibilização entre o interesse público e a tutela dos interesses do devedor passa, no caso, por não serem praticados atos executivos que ofendam estes interesses até que seja decidido o referido incidente. Ora, dos atos de emissão da certidão de dívida e da subsequente instauração e autuação da execução fiscal para cobrança da dívida em causa não deriva, na circunstância, nenhuma ofensa dos direitos ou interesses tuteláveis do executado e nem a ora Recorrente alguma vez o alegou. E, assim sendo, também não há fundamento legal para, agora, concluir pela ilegalidade da sua realização. Aqui chegados uma outra questão se coloca: tem sido entendido, na jurisprudência mais recente deste Supremo Tribunal, que, sendo constatada a citação do executado na pendência da reclamação graciosa com pedido de fixação de garantia adequada, deve ser reconhecida a ilegalidade desse ato na própria oposição em que seja invocada a ilegalidade da instauração da execução (ver o acórdão de 6 de março último, tirado no processo 02860/18.0BEBRG). Trata-se de um entendimento que tem em vista a tutela dos direitos e interesses legítimos do executado, já que a sua citação tem efeitos interruptivos duradouros sobre a contagem do prazo da prescrição. Interesses cuja tutela este meio processual ainda poderá albergar, tendo em conta que a oposição à execução fiscal também pode servir para o executado se opor ao seu prosseguimento em face da existência de causa que afete, ainda que temporariamente, a exigibilidade da dívida (por todos, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 3 de abril de 2013, tirado no recurso n.º 01308/12). E que responde também à questão suscitada pela Recorrente nas conclusões “XXX” “XXXI”, visto que, estando assegurada, desta forma, a tutela dos direitos e interesses legítimos do citado, não se pode dizer que esta interpretação colida com os princípios fundamentais supramencionados, designadamente, no artigo 266.º da Constituição. Ora, a situação tratada nessa jurisprudência é integralmente transponível para o caso dos autos. Na essência, porque (à semelhança dos casos nela tratados) também aqui a citação da executada ocorreu antes de ser proferida qualquer decisão na reclamação graciosa (cfr. o ponto 5 dos factos provados). Aliás, aquelas decisões incidiram sobre recursos também interpostos pela ora Recorrente. Pelo que a replicação do entendimento ali firmado justifica-se até à luz do artigo 8.º, n.º 3, do Código Civil. Assim, à semelhança do que ali foi decidido, importa também aqui concluir, desde já, que a oposição merece provimento parcial. O que a final de decidirá.
6. Antes, porém, importa apreciar o restante fundamento do recurso, porque também com base nele a Recorrente sustenta a sua pretensão a um provimento integral do mesmo. Apreciemos, então, a segunda questão suscitada (a única sobre a qual ainda não nos pronunciamos). Que, como se disse no ponto 4 supra, consiste em saber se a pendência do processo especial de revitalização impede a instauração de processo de execução fiscal contra o requerente (conclusões “XXI” a “XXIX”). Ora, o Supremo Tribunal Administrativo também já respondeu a esta questão. E sempre no mesmo sentido, o de que o processo especial de revitalização instituído pelos artigos 17.º-A a 17.º-I, aditados ao Código de Insolvência e de Recuperação de Empresas pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, não autoriza a Administração Tributária a conceder qualquer moratória na cobrança das dívidas tributárias para além das já previstas na lei respetiva. Foi o que se decidiu nos acórdãos de 25 de março de 2015, de 29 de abril de 2015, de 14 de maio de 2015 e de 15 de abril de 2015, tirados nos recursos n.ºs 0278/15, 0320/15, 0493/15, 0494/15 e 0331/15, respetivamente). Sendo que a Recorrente também não apresenta nenhum argumento que justifique a revisão dessa jurisprudência. Pelo que importa, desde já, concluir que a sentença que nela se baseou não merece censura nesta parte. *** 7. Preparando a decisão, formulam-se as seguintes conclusões (que incluem, em itálico, a reprodução das conclusões do acórdão tirado no processo 02860/18.0BEBRG), que valerão também como sumário do acórdão: I. O processo especial de revitalização instituído pelos artigos 17.º-A a 17.º-I, aditados ao CIRE pela Lei n.º 16/2012, de 20 de Abril, não autoriza a AT a conceder qualquer moratória na cobrança das dívidas tributárias para além das já previstas na lei; II. A dedução de reclamação graciosa e consequente impugnação judicial, com prestação de garantia, antes do decurso do prazo de pagamento voluntário do tributo, não obsta à instauração de execução fiscal, mas nada mais pode ser feito e, sendo a execução instaurada pode o interessado deduzir oposição judicial com fundamento na inexigibilidade da dívida, nos termos do artigo 204º/1/ i) do CPPT, tendo em vista a suspensão da execução, com a anulação de todas as diligências e atos processuais que indevidamente foram praticados. III. Padece de ilegalidade a citação efetuada na execução fiscal na pendência de reclamação graciosa com pedido de fixação da garantia a prestar para suspender a execução, designadamente porque a citação do executado tem efeitos interruptivos duradouros sobre a contagem do prazo de prescrição.. *** 8. Decisão Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em conceder parcial provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida na parte em que abrange a citação do executado e julgar, nessa parte, procedente a oposição. No demais, nega-se provimento ao recurso. Custas por ambas as partes, na proporção do decaimento, que se fixa em 50%. Lisboa, 5 de junho de 2024. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva. |