Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:027/20.6BCLSB
Data do Acordão:01/14/2021
Tribunal:1 SECÇÃO
Relator:CARLOS CARVALHO
Descritores:RECURSO DE REVISTA EXCEPCIONAL
APRECIAÇÃO PRELIMINAR
TRIBUNAL ARBITRAL
FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL
NÃO ADMISSÃO DO RECURSO
Sumário:Não é de admitir a revista do acórdão que confirmou o juízo firmado pelo TAD que havia mantido o sancionamento de sociedade desportiva se o juízo firmado se mostra assente em fundamentação jurídica consonante com a jurisprudência deste Supremo Tribunal produzida sobre as quaestiones juris objeto de discussão e estas se mostram desprovidas de uma especial relevância social.
Nº Convencional:JSTA000P27014
Nº do Documento:SA120210114027/20
Data de Entrada:12/21/2020
Recorrente:SPORT LISBOA E BENFICA - FUTEBOL SAD
Recorrido 1:FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL [FPF]
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acordam, em apreciação preliminar, na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

1. SPORT LISBOA E BENFICA - FUTEBOL, SAD [SLB …, SAD], invocando o disposto no art. 150.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos [CPTA], peticiona a admissão do recurso de revista por si interposto do acórdão de 29.10.2020 do Tribunal Central Administrativo Sul [doravante TCA/S] [cfr. fls. 317/356 - paginação «SITAF» tal como as ulteriores referências à mesma, salvo expressa indicação em contrário], que indeferiu a reclamação apresentada e confirmou a decisão sumária do relator que havia negado provimento ao recurso interposto da impugnação dirigida contra FEDERAÇÃO PORTUGUESA DE FUTEBOL [FPF], mantendo a decisão arbitral do TAD [proferida no processo n.º 56/2018 e datada de 31.01.2020] que havia considerado parcialmente procedente a impugnação do Acórdão da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da Federação Portuguesa de Futebol, de 03.07.2018, e que aplicou à «SLB…, SAD» a pena disciplinar de multa que fixou em 1.020,00 € pela violação do disposto no art. 187.º, n.º 1, al. a), do RDLPFP/2017.

2. Motiva a admissão do recurso de revista [cfr. fls. 365/408] na relevância social e jurídica das questões/objeto de litígio [respeitantes à responsabilidade disciplinar das sociedades anónimas desportivas, em especial quanto ao elemento do tipo relativo à culpa e ao operar da presunção de verdade inserta no art. 13.º, al. f), do Regulamento Disciplinar da LPFP, ante a discrepância existente entre, por um lado, os relatórios elaborados pelo árbitro e pelos delegados ao jogo e, por outro, o relatório de ocorrências elaborado pela autoridade policial presente] e, bem assim, para uma «melhor aplicação do direito», fundada na errada interpretação e aplicação, mormente dos arts, 13.º, al. f), 17.º, 118.º do Regulamento Disciplinar da LPFP, 13.º e 32.º da Constituição da República Portuguesa [CRP].

3. A FPF produziu contra-alegações em sede de recurso de revista [cfr. fls. 418/465], tendo nas mesmas pugnado, desde logo, pela não admissão do mesmo.
Apreciando:

4. Dispõe-se no n.º 1 do art. 150.º do CPTA que «[d]as decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessária para uma melhor aplicação do direito».

5. Do referido preceito extrai-se, assim, que as decisões proferidas pelos TCA’s no uso dos poderes conferidos pelo art. 149.º do CPTA, conhecendo em segundo grau de jurisdição, não são, em regra, suscetíveis de recurso ordinário, dado a sua admissibilidade apenas poder ter lugar quando: i) esteja em causa apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, revista de importância fundamental; ou, ii) o recurso revelar ser claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.

6. O TAD havia julgado parcialmente procedente a impugnação que a «SLB…, SAD» havia dirigido ao acórdão do Pleno da Secção Profissional do Conselho de Disciplina da FPF, alterando o sancionamento que o mesmo tinha imposto [cfr. fls. 03/51].

7. O TCA/S, por maioria, manteve a decisão arbitral, fundando o seu juízo no entendimento de que os «relatórios e declarações a que alude o artigo 13.º, al f) do RD, estabelecem, caso dos mesmos isso expressamente decorra, a base fáctica que pode eventualmente consubstanciar a prática da infração. … E estabelecida esta base fáctica, passa a caber ao eventual agente da infração colocar fundadamente em causa o que dali consta. … Competindo ao julgador analisar os elementos que forem carreados para os autos pelo eventual agente da infração, decidindo se colocam em causa, em dúvida, a prova já existente, ilidindo a presunção de veracidade daqueles elementos. … Sucede que, no caso, ocorreram os comportamentos dos adeptos, tipificados como ilícitos disciplinares pelos arts. 127.º, n.º 1 do RDLPFP2017 – inobservância de outros deveres – 187.º, n.º 1, al a) do RDLPFP2017 – comportamento incorreto do público. … E a recorrente não logrou abalar a convicção gerada pelo relatório do árbitro e pelo relatório do jogo elaborado pelo delegado da Liga, com a alegação de factos que contradigam os constantes daquele documento que tem força probatória especial. … Mesmo a alegação e prova das medidas implementadas pela recorrente – 5.1.7 e 5.1.8 - não se mostrou suficiente, adequada, apta a evitar o arremesso de objeto para o relvado. … Os espectadores que lançaram a moeda encontravam-se nas bancadas destinadas aos adeptos da recorrente; presume-se, pois, que eram seus adeptos de facto, conforme atestado no relatório de jogo, o qual não foi impugnado. … Competia então à recorrente infirmar tal factualidade, criando a dúvida no julgador, o que não fez. … Pelo que, não tendo evitado o cometimento destes factos, omitiu o cumprimento dos deveres que lhe estão legalmente impostos, incorreu na prática da infração por que vem condenada. … Dito de outro modo, por dedução lógica dos factos objetivos descritos no relatório do delegado e demais prova produzida no processo disciplinar, chegou-se à verificação da culpa da recorrente, pelo não cumprimento dos deveres legais e regulamentares a que estava obrigada, nomeadamente, como menciona a decisão recorrida, “no que à formação compreensiva dos seus adeptos diz respeito. A demandante não fez ou não está ainda a fazer o suficiente e necessário para evitar esses comportamentos dos seus adeptos e simpatizantes, embora o colégio arbitral reconheça e tenha valorizado os esforços que tem vindo a fazer, conforme, nomeadamente, as declarações das testemunhas por si arroladas”. … O que observa o princípio do direito disciplinar desportivo, de presunção de veracidade dos factos inscritos em relatório oficial, e não viola o princípio da culpa, da presunção de inocência, do in dubio pro reo, dado a recorrente ter tido a possibilidade de abalar os fundamentos da presunção, mediante a mera contraprova dos factos presumidos. … Pelo que, tudo visto, a ora recorrente incorreu na prática da infração disciplinar, p. e p. pelos art. 187.º, n.º 1, al a) do RDLPFP, como decidiu o tribunal recorrido».

8. A «SLB…, SAD», aqui ora recorrente, para além da relevância social e jurídica do litígio, sustenta a necessidade de melhor aplicação do direito, insurgindo-se contra o que entende ser a errada interpretação e aplicação feita no acórdão recorrido do quadro normativo supra enunciado.

9. A alegação expendida pela mesma não se mostra persuasiva, tudo apontando, ao menos primo conspectu e presentes os contornos do caso sub specie, no sentido de que as várias considerações que o acórdão recorrido teceu, aliás confirmativa da posição do TAD, parecem exatas, tanto mais que o juízo firmado não aparenta padecer de erros lógicos ou jurídicos manifestos, na certeza de que mostra-se assente em grande medida em fundamentação jurídica consonante com a jurisprudência deste Supremo Tribunal que foi produzida [cfr., entre outros e nomeadamente, os Acs. de 21.02.2019 - Proc. n.º 033/18.0BCLSB, de 26.09.2019 - Proc. n.º 076/18.4BCLSB, de 12.12.2019 - Proc. n.º 048/19.1BCLSB, de 07.05.2020 - Procs. n.ºs 0144/17.0BCLSB e 074/19.0BCLSB, de 18.06.2020 - Proc. n.º 042/19.2BCLSB, de 05.11.2020 - Proc. n.º 043/19.0BCLSB, de 19.11.2020 - Procs. n.ºs 082/18.9BCLSB e 0102/19.0BCLSB, de 03.12.2020 - Proc. n.º 0147/19.0BCLSB], o que vale por dizer que a admissão do recurso não é necessária para uma melhor aplicação do direito.

10. Para além disso temos que as questões constitucionalidade não são um objeto próprio dos recursos de revista, pois podem ser separadamente colocadas junto do TC, sendo que não se vislumbra também no caso uma especial relevância social ou indício de interesse comunitário significativo.

11. Assim, tudo conflui para a conclusão de que a presente revista mostra-se inviável, não se justificando submetê-la à análise deste Supremo, impondo-se in casu a valia da regra da excecionalidade supra enunciada.


DECISÃO
Nestes termos e de harmonia com o disposto no art. 150.º do CPTA, acordam os juízes da formação de apreciação preliminar da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal em não admitir a revista.
Sem custas.
D.N..

Lisboa, 14 de janeiro de 2021
[O relator consigna e atesta, que nos termos do disposto no art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13.03, aditado pelo art. 03.º do DL n.º 20/2020, de 01.05, têm voto de conformidade com o presente Acórdão os restantes integrantes da formação de julgamento, o Conselheiro Jorge Artur Madeira dos Santos e a Conselheira Teresa Maria Sena Ferreira de Sousa]
Carlos Luís Medeiros de Carvalho