Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 01269/21.2BELRA |
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Data do Acordão: | 02/05/2025 |
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Tribunal: | 2 SECÇÃO |
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Relator: | NUNO BASTOS |
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Descritores: | IVA ISENÇÃO IMÓVEL DEDUÇÃO ADQUIRENTE TRANSMISSÃO |
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Sumário: | I - Se a sentença julgou improcedente a pretensão do impugnante com fundamentos distintos e que constituem suportes autónomos do decidido, o recurso só terá utilidade se o recorrente atacar todos esses fundamentos. II - Se o recorrente não atacar todos os fundamentos da sentença, o tribunal ad quem não deve tomar conhecimento do recurso, porque aos tribunais está vedada a prática de atos inúteis (cfr. artigo 130.º do CPC). |
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Nº Convencional: | JSTA000P33226 |
Nº do Documento: | SA22025020501269/21 |
Recorrente: | A... UNIPESSOAL, LDA. |
Recorrido 1: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Texto Integral: | Acordam em conferência na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:
1. A... UNIPESSOAL, LDA., NIPC ...51, com sede na Rua ..., ... ..., tendo sido notificada da douta sentença que julgou improcedente a impugnação judicial do despacho de indeferimento do recurso hierárquico da decisão de indeferimento da reclamação graciosa n.º ...08, deduzida contra os atos de liquidação de imposto sobre o valor acrescentado (IVA) e dos respetivos juros compensatórios (JC) dos períodos de 2018/09T, 2018/12T, 2019/03T, 2019/09T e 2019/12T, a que foram atribuídos os números ...11, ...28, ...60, ...66, ...68, e contra as respetivas demonstrações de acerto de contas, das quais resultaram os montantes a pagar de € 58.629,79, € 3.051,96, € 15.840,34, € 942,14, € 6.532,74, € 311,69, € 27.304,17, € 620,57, € 16.977,51, € 180,32, dela interpôs o presente recurso. Com a interposição do recurso, foram apresentadas alegações e formuladas as seguintes conclusões: «(…) A) O douto Tribunal “a quo” julgou improcedente a impugnação em virtude de ter considerado que a recorrente efetuou indevidamente a dedução do IVA liquidado em fatura, dada como facto provado no ponto 4) do probatório, contrariando o disposto no artigo 8º do D.L n.º 21/2007, tendo a douta sentença entendido que a recorrente só poderia ter deduzido o IVA, desde que a empresa transmitente tivesse renunciado à isenção do IVA, tal como assim resulta da conjugação do nº 30 do artigo 9º com os nº 5 e 6 do artigo 12º do CIVA e da aplicação do DL 21/2007. B) Ou seja, o Tribunal “a quo” avaliou a legalidade / ilegalidade do direi to à dedução tendo em conta o regime legal que devia ter sido adotado pelo transmitente do bem. C) Avaliação da legalidade / ilegalidade do direito à dedução na ótica do enquadramento do transmitente do bem que, no entanto, constitui uma violação dos artigos 167º, alínea a) do artigo 168º e alínea a) do artigo 178º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro de 2006. D) Contudo e de acordo com as normas transcritas da Diretiva 2006/112/CE, o direito à dedução do IVA tem de ser analisado na perspetiva do titular do direito e não na perspetiva do transmitente do bem. E) Análise do direito à dedução do IVA na perspetiva do titular do direito e não na perspetiva do transmitente do bem que constitui o instrumento fundamental para a realização da neutralidade do IVA, que carateriza a essência deste imposto, entendimento este que tem sido constantemente afirmado e proclamado na jurisprudência do Tribunal de Justiça da União Europeia e do qual se citam os seguintes exemplos: processo C-277/14, com acórdão proferido em 22/10/2015, processo C-80/11 e C-142/11 com acórdão proferido em 21/06/2012 e processo C-400/98 com acórdão proferido em 8/06/2000. F) Efetivamente, da jurisprudência do TJUE extrai-se o entendimento de que a recusa do direito à dedução do IVA, apenas é possível desde que a Autoridade Tributária prove que o titular do direito à dedução agiu em conluio e ou fraude e ou com ausência de boa-fé com o transmitente dos bens e ou dos serviços. G) A operação de liquidação de IVA, titulada pela fatura ...7 de 07/08/2018, respeita a imóvel adquirido pela recorrente para aí exercer a sua atividade (conforme pontos 15) a 17) do probatório), atividade essa no âmbito da qual são praticadas operações exclusivamente sujeitas a IVA. H) Assim é a lógica do funcionamento do mecanismo do IVA, na medida em que tendo sido liquidado IVA a montante, segue-se a liquidação de IVA nas operações a jusante aquando da venda dos bens produzidos, circunstância esta que é a forma de repor a neutralidade fiscal nas operações subjacentes. I) Donde, a dedução de IVA na operação de aquisição do bem imóvel indispensável à realização de operações tributáveis não compromete, e obedece, ao mecanismo do IVA, em que independentemente das várias cadeias, o imposto é repercutido, a final, ao consumidor final. J) Embora a lei defina genericamente que a transmissão de imóveis está isenta de IVA, o facto de os operadores terem liquidado IVA sem operar o mecanismo de renuncia à isenção previsto no D.L. 21/2007, não é fundamento para a anulação da dedução do IVA liquidado, face ao princípio estruturante da neutralidade do IVA. L) Donde a douta sentença recorrida fez errónea aplicação do regime da renúncia à isenção previsto no D.L. 21/2007 quando interpretado à luz dos princípios estruturantes do IVA, em especial o artigo 167º, a alínea a) do artigo 168º e a alínea a) do artigo 178º da Diretiva 2006/112/CE do Conselho e do princípio da neutralidade do IVA e da substância sobre a forma. M) Pelo que, a douta sentença recorrida não poderá manter-se na ordem jurídica. N) Tendo em conta o supra alegado, e em particular quanto ao exercício do direito à dedução do IVA suportado em imóvel essencial ao desenvolvimento da atividade da recorrente, afigura-se fulcral a interpretação do Direito Comunitário sobre a matéria. O) Razão esta que leva a recorrente a solicitar a este Tribunal que seja suspensa a presente instância, por forma a recorrer-se ao mecanismo do reenvio prejudicial, previsto no atual artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia. P) Com efeito, afigura-se à recorrente que se justifica o recurso ao TJUE por se suscitar dúvidas sobre questões pertinentes de interpretação do Direito Comunitário, em concreto da Diretiva 2006/112/CE do Conselho de 28 de novembro, relativa ao sistema comum do IVA, e a conformidade das normas do CIVA (e da interpretação que destas é feita) com a referida Diretiva. Q) Em face do exposto, a recorrente requer a este Tribunal proceda ao reenvio prejudicial para o TJUE das questões prejudiciais explicitadas no pedido infra.». Rematou as suas conclusões pedindo fosse dado provimento ao recurso e fosse anulada a decisão judicial recorrida, bem como as liquidações impugnadas. Subsidiariamente, pediu fosse ordenada a suspensão da instância e se procedesse ao reenvio prejudicial para o Tribunal de Justiça da União Europeia [doravante “TJUE”] para responder às seguintes questões prejudiciais: «(…) 1.ª) Os artigos 167º, 168º, al. a) e 178º al. a) da Diretiva 2006/112/CE devem ser interpretados no sentido em que se opõem a uma prática da autoridade fiscal nacional que recusa o direito à dedução do IVA suportado com a aquisição de imóvel titulada por fatura, sem prévia renúncia à isenção do IVA por parte do transmitente? 2.ª) Devem os artigos 167º, 168º, al. a) e 178º al. a) da Diretiva 2006/112/CE ser interpretados no sentido em que a administração nacional não pode exigir ao sujeito passivo, que exerceu o direito à dedução do IVA, que verifique e reúna documentos que atestem que o emitente da fatura (referente a prédio urbano adquirido e sobre o qual deduziu o IVA suportado) aplicou e cumpriu o regime de renúncia ao IVA regulado no Dl 21/2007?». A Recorrida não apresentou contra-alegações. A Mm.ª Juiz lavrou douto despacho de admissão do recurso, atribuindo-lhe subida imediata dos autos e fixando-lhe efeito meramente devolutivo. Recebido o processo neste tribunal e cumpridas as formalidades subsequentes, foram os autos com vista o M.º P.º. O Ex.mo Senhor Procurador-Geral Adjunto lavrou douto parecer no sentido de ser negado provimento ao recurso. Com dispensa dos vistos legais, cumpre decidir. *** 2. Ao abrigo do disposto no artigo 663.º, n.º 6 do Código de Processo Civil, aplicável ex vi artigo 679.º do mesmo Código, dão-se aqui por reproduzidos os factos dados como provados em primeira instância. *** 3. A questão que vem colocada pela Recorrente é a de saber se o IVA liquidado na transmissão do imóvel pode ser deduzido pelo adquirente apesar da sociedade transmitente não ter renunciado à isenção do IVA nos termos dos artigos 9.º, n.º 30, e 12.º, n.ºs 5 e 6, ambos do Código do IVA, e do Decreto-Lei n.º 21/2007, de 29 de janeiro [ver a conclusão “A)” do recurso]. Deve, porém, contrapor-se desde já que o tribunal recorrido não considerou indevida a dedução apenas por o transmitente não ter renunciado à isenção. Porque também considerou indevida a dedução ainda que o transmitente tivesse renunciado à isenção. É o que resulta do último parágrafo da pág. 31 da sentença (que, de resto, a Recorrente transcreve nas suas alegações de recurso) e, mais impressivamente, do primeiro parágrafo da página seguinte (32), onde se refere que «…a liquidação foi efetuada pela alienante, pelo que, mesmo que se tivesse verificado a renúncia à isenção, o imposto não seria dedutível». O tribunal recorrido acolheu, assim, a segunda razão invocada pela entidade administrativa impugnada para indeferir a pretensão da Recorrente: mesmo que estivessem reunidas as condições para a renúncia à isenção de IVA nos termos do Decreto-Lei n.º 21/2007 citado, caberia ao adquirente a liquidação do imposto e só poderia ser deduzido o imposto liquidado por força dessa obrigação, nos termos do n.º 8 do artigo 19.º do Código do IVA e do n.º 2 do artigo 6.º do referido Decreto-Lei (ver pontos 57 a 62 da proposta de indeferimento do recurso hierárquico, integralmente sancionada na decisão respetiva). Ora, nem nas doutas alegações de recurso nem nas respetivas conclusões, a Recorrente ataca esta parte da sentença recorrida. Em parte alguma se contesta que para exercer o direito à dedução, a Recorrida deveria ter autoliquidado o imposto e que só poderia deduzir o imposto que tivesse autoliquidado. E não se diga que a Recorrente o faz genericamente, ao referir que o Tribunal “a quo” avaliou a legalidade do direito à dedução «tendo em conta o regime legal que devia ter sido adotado pelo transmitente do bem» [conclusão “B)”] ou «na ótica do enquadramento do transmitente do bem» [conclusão “C)”]. É que, nesta parte, a sentença não alude a nenhuma obrigação legal que recaísse sobre o alienante em primeira mão: alude às regras que regem o exercício do direito à dedução do IVA e que determinam o cumprimento de formalidades pelo adquirente do bem. O pedido de reenvio prejudicial, a final formulado, atesta que a Recorrente não enquadra esta questão no âmbito do recurso. Porque as questões que ali coloca também não têm nenhuma relação com a de saber se o direito à dedução pode ser recusado quando os Estados-membros preveem um regime de autoliquidação para as situações a que alude o artigo 199.º, alínea c) da Diretiva 2006/112/CE do Conselho, de 28 de novembro de 2006 (a conjugar com a alínea f) do seu artigo 178.º), e o interessado não dá cumprimento às formalidades respetivas. Ora, tem-se entendido que, quando o recorrente não ataca um dos fundamentos da decisão, por si só suficiente para justificar o decidido, a apreciação do mérito dos restantes seria um ato inútil, e como tal proibido por lei (artigo 130.º do Código de Processo Civil), por ser inadequado para desencadear o efeito jurídico pretendido com o recurso: a revogação da sentença recorrida (ver, por todos, o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 14 de janeiro de 2015, tirado no processo n.º 0973/13). Segundo a jurisprudência acima indicada, na circunstância em que o efeito jurídico pretendido com o recurso não é juridicamente possível, o tribunal ad quem não deve tomar conhecimento do mesmo. O que a final se decidirá. *** 4. Conclusões: I. Se a sentença julgou improcedente a pretensão do impugnante com fundamentos distintos e que constituem suportes autónomos do decidido, o recurso só terá utilidade se o recorrente atacar todos esses fundamentos. II. Se o recorrente não atacar todos os fundamentos da sentença, o tribunal ad quem não deve tomar conhecimento do recurso, porque aos tribunais está vedada a prática de atos inúteis (cfr. artigo 130.º do CPC). *** 5. Decisão Nos termos e com os fundamentos expostos, acordam os juízes da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo em não tomar conhecimento do mérito do recurso. Custas pela Recorrente. Lisboa, 5 de fevereiro de 2025. - Nuno Filipe Morgado Teixeira Bastos (relator) – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Joaquim Manuel Charneca Condesso. |