Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 04439/23.5BELSB |
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Data do Acordão: | 10/17/2024 |
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Tribunal: | 1 SECÇÃO |
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Relator: | PEDRO MARCHÃO MARQUES |
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Descritores: | RECURSO DE REVISTA PER SALTUM CONTENCIOSO PRÉ-CONTRATUAL FIXAÇÃO ESPECIFICAÇÕES TÉCNICAS |
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Sumário: | I - Quando esteja em causa a aquisição de bens que envolva a fixação de especificações técnicas, a entidade adjudicante, ao lançar o concurso, pode socorrer-se de uma de três modalidades: i) utilizar termos de desempenho ou de requisitos funcionais; ii) definir especificações técnicas; ou iii) remeter para normação técnica. II - As formulações de acordo com a alínea a) ou de acordo com a alínea b) do n.º 7 do artigo 49.º do CCP, constituem possibilidades ao alcance das entidades adjudicantes, sem prioridade entre si. III - E a redação do artigo 42.º, n.º 3, da Diretiva 2014/24 do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos (e que revoga a Diretiva 2004/18/CE) não estabelece uma hierarquia entre os métodos de definição de especificações técnicas, nem concede qualquer preferência a um desses métodos. IV - Em sede de recurso de revista per saltum está vedado ao Supremo Tribunal Administrativo pronunciar-se sobre a matéria de facto (art. 151.º, n.º 1, do CPTA). V - Existindo deficit instrutório que impossibilita o conhecimento da ampliação do objeto do recurso, o princípio da tutela jurisdicional efetiva e o direito constitucional a um processo equitativo (art. 20.º, n.º 4, da CRP), impõem a baixa dos autos ao TCA Sul para efeitos da pertinente instrução e prova nesse âmbito, em ordem ao conhecimento do mérito da apelação. VI - O princípio pro actione é um corolário normativo ou uma concretização do princípio constitucional do acesso efetivo à Justiça, que aponta para uma interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, designadamente por excesso de formalismo. |
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Nº Convencional: | JSTA00071877 |
Nº do Documento: | SA12024101704439/23 |
Recorrente: | INSTITUTO DE INFORMÁTICA, I.P. |
Recorrido 1: | A..., S. A. |
Votação: | UNANIMIDADE |
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Meio Processual: | REC JURISDICIONAL |
Objecto: | AC TCAS |
Decisão: | PROVIDO |
Área Temática 1: | DIR ADM GER |
Legislação Nacional: | CCP ART 4, N 7 A) e B) |
Legislação Comunitária: | DIRECTIVA 77/62/CEE de 21 de Dezembro de 1976 DIRECTIVA 88/295/CEE do Conselho de 22 de Março de 1988 DIRECTIVA 93/36/CEE do Conselho de 14 de Junho de 1993 DIRECTIVA 2004/18/CE do Parlamento e do Conselho de 31 de Março de 2004 DIRECTIVA 2014/24/CE do Parlamento e do Conselho de 26 de Fevereiro de 2014 |
Jurisprudência Nacional: | Ac STA de 21 de Janeiro de 2014, Proc 1233/13; Ac STA de 29 de Setembro de 2022, Proc 950/21.0BEPRT |
Jurisprudência Internacional: | Ac TJUE de 25 de Outubro de 2018, Proc C-413/17 Ac TJUE de 7 de Setembro de 2021, Proc C-927/19 |
Referência a Doutrina: | Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos, Direito Administrativo Geral, I, 2.ª edição, pág. 184 Gonçalo Guerra Tavares, Comentário ao Código dos Contratos Públicos, 2.ª edição, 2022, págs. 228-229 Pedro da Costa Gonçalves, Direito dos Contratos Públicos. 2.ª edição, I, pág. 552 Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, Procedimentos de Contratação Pública, 2011, pág 364 |
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Aditamento: | ![]() |
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Texto Integral: | Recursos de revista per saltum
Acordam na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I. Do objecto do recurso 1. A..., S.A. intentou no Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa a presente ação administrativa de contencioso pré-contratual contra o INSTITUTO DE INFORMÁTICA, IP., e, na qualidade de Contrainteressada, B..., LDA., no âmbito do concurso público n.º ...69 para o fornecimento de postos de trabalho para transformação e modernização do parque informático do MTSSS, em dois lotes (Lote A e Lote B), pedindo que fosse anulado o caderno de encargos na parte em que estabeleceu como especificações técnicas a “Certificação, normas e legislação Eficiência energética: TCO e EPEAT Gold (em qualquer país da união europeia)” ou equivalente e para os écrans externos, as seguintes especificações técnicas “Certificações Energy Star 7.0 e TCO Certified Displays 8” ou equivalente”. Mais peticionou que fosse anulado o ato de exclusão da proposta da Autora para a celebração do contrato de fornecimento dos bens a que respeita o Lote A, assim como o subsequente ato de adjudicação à Contrainteressada do contrato de fornecimento dos bens a que respeita o referido Lote. Pediu, ainda, que fosse a ENTIDADE DEMANDADA condenada a praticar os atos devidos adequados à admissão e ordenação da proposta da Autora para decisão da adjudicação da celebração do contrato para o fornecimento dos bens a que respeita o Lote A e graduação a final, conforme o critério de adjudicação. 2. Em 8.03.2024, o TAC de Lisboa proferiu saneador-sentença onde julgou: “a ação totalmente procedente, por provada, a presente ação e, em consequência, anulo o artigo 19.º, do Caderno de Encargos, na parte em que define para o lote A, as especificações técnicas relativas à “Certificação, normas e legislação” de eficiência energética, e de “certificações” dos ecrãs externos, e em consequência o respetivo ato de adjudicação e o ato de exclusão da proposta da Autora”. 3. Dessa decisão interpôs a ENTIDADE DEMANDADA, INSTITUTO DE INFORMÁTICA, IP, recurso de apelação para o TCA Sul, o qual, por decisão sumária da Relatora de 29.07.2024, declarou aquele tribunal hierarquicamente incompetente para conhecer do presente recurso, declarando competente para o efeito este Supremo Tribunal Administrativo. 4. Por despacho de 6.09.2024 do (então) Conselheiro Relator, o recurso foi admitido neste STA, como recurso de revista per saltum, nos termos do disposto no artigo 151.º do CPTA (o recurso versar apenas sobre matéria de direito de uma decisão proferida por um tribunal de primeira instância e o valor da causa ser superior a EUR 500.000,00). 5. As respetivas alegações recursórias terminam com as seguintes conclusões: 1ª As Diretivas 88/295/CEE e 93/36/CEE consagraram a preferência da formulação das especificações técnicas com utilização de normas comunitárias, nacionais, ou de proveniência de organismos próprios; 2ª As Diretivas 2004/18/CE e 2014/24/CE, esta última vigente, de forma inovadora consagram a discricionariedade de escolha entre as alíneas a) e b) do nº 3 do artigo 42º, prescindindo de qualquer fundamentação específica; 3ª Do mesmo modo, o nº 7 do artigo 49º do CCP, que transpôs a norma precedentemente referida prescinde de qualquer fundamentação específica em relação às mesmas alíneas; 4ª O artigo 19º do caderno de encargos na parte relacionada com as especificações técnicas sobre “Certificação, normas e legislação” de eficiência energética, e “certificações” dos ecrãs externos, cumpre com a alínea b) do nº 7 do artigo 49º do CCP ao abrigo da discricionariedade de escolha concedida pela norma; 5ª O saneador-sentença deve ser revogado, por violação do corpo do nº 3 do artigo 42º da 2014/24/CE e do corpo do nº 7 do artigo 49º do CCP, declarando-se a legalidade da formulação do artigo 19º do caderno de encargos referente ao Lote A da contratação “sub judice”, mantendo-se o ato de adjudicação e o ato de exclusão da proposta da Autora. 6. A ora RECORRIDA, A..., S.A., apresentou contra-alegações, com ampliação do âmbito do recurso. Concluiu como segue: i) A douta sentença está devidamente fundamentada na decisão de anulação da cláusula 19ª do Caderno de Encargos e, consequentemente, do acto de adjudicação e do acto de exclusão da proposta apresentada pela recorrida; ii) Tal douto aresto interpretou e aplicou correctamente as normas dos arts. 42º, nº 1, 49º, nº 1 nº 7 do CCP e, por nestas se ter incorporado a transposição da Directiva nº 2014/24/UE do Parlamento Europeu e o Conselho, também deu aplicação correcta a este normativo europeu, Pelo que devem improceder as conclusões do recurso. Sem conceder, em ampliação do objecto do recurso, iii) A modalidade para definição das especificações prevista na norma do art. 49º, nº 7, al. b) do CCP sujeita a entidade adjudicante à escolha, por ordem de preferência, por referência a normas nacionais que transponham normas europeias, a homologações técnicas europeias, a especificações técnicas comuns, a normas internacionais e outros sistemas técnicos de referência estabelecidos pelos organismos europeus de normalização, ou quando estes não existam, a normas nacionais, a homologações técnicas nacionais ou a especificações técnicas nacionais; iv) A Cláusula 19ª do Caderno de Encargos foi fixada pelo recorrente pela modalidade prevista no art. 49º, nº 7, al. b) do CCP, mediante a remissão para os certificados EPEAT Gold, TCO, Energy Star 7.0, TCO displays ou equivalente; v) Tal forma não evidencia quais as características e requisitos funcionais que os equipamentos a fornecer devem observar e, nomeadamente, se resultam ou têm origem em norma ou organismo europeu, ou se seguem a ordem de preferência legalmente imposta pela norma do art. 49º, nº 7, al. a) do CCP, dada a total ausência de fundamentação nesta parte pela entidade adjudicante (atenta a matéria de facto julgada como provada); vi) Ocorrendo a sujeição da entidade adjudicante à obrigação de seguir ordem de preferência na definição das especificações técnicas, o recorrente tinha o dever de seguir tal ordem de preferência e, necessariamente, de a indicar e fundamentar na decisão de contratar ou na aprovação do caderno de encargos, o que não fez; vii) Tal viola a norma do art. 152º, nº 1, al. a) do Código do Procedimento Administrativo (na medida em que a escolha e definição das especificações técnicas, em especial sujeitas a critério legal de preferência, afecta direito ou interesse legalmente protegido da recorrida, nomeadamente, no direito a que o caderno de encargos a que a sua proposta se deva conformar esteja elaborado de forma clara e transparente, nomeadamente evidenciando e cumprindo o critério e a ordem de preferência legalmente imposta na fixação daquelas especificações uma vez que o recorrido tenha optado, como optou, por seguir a modalidade prevista no art. 49º, nº 7, al. b) do CCP na conformação do caderno de encargos), viii) Bem como a norma do art. 49º, nº 1 e nº 7, al. b) do mesmo diploma legal (na medida em que sendo aqui fixado critério legal de preferência para escolha da forma de conformação da especificação técnica por remissão para normas nacionais que transponham normas europeias, homologações técnicas europeias, especificações técnicas comuns, normas internacionais, e outros sistemas técnicos de referência estabelecidos pelos organismos europeus de normalização, ou quando estes não existam, normas nacionais, a homologações técnicas nacionais ou a especificações técnicas nacionais, a entidade adjudicante tem de fundamentar a escolha que faça, de molde a permitir a percepção e sindicância dessa decisão face àquele critério legal de preferência), o que o recorrente não cumpriu, ix) O que comporta a verificação do vício de violação da lei e a anulabilidade da Cláusula 19ª do Caderno de Encargos e, consequentemente, do acto de adjudicação e do acto de exclusão da proposta da recorrida, como decidiu a douta sentença em crise. Termos em que deve ser julgado improcedente o recurso interposto pelo recorrente, confirmando-se douta sentença impugnada. 7. O RECORRENTE, INSTITUTO DE INFORMÁTICA, IP, apresentou resposta à ampliação do objeto do recurso, apresentando as seguintes conclusões: 1ª Os rótulos Energy Star, TCO e EPEAT são adequados ao Lote A e foram estabelecidos no caderno de encargos de forma transparente possibilitando, a quem não os possuísse, o exercício das alternativas previstas no artigo 43º da Diretiva 2014/24/CE; 2ª A Recorrente usou corretamente a habilitação legal concedida pelo artigo 43º da Diretiva 2014/24/CE, pelo artigo 49º A do CCP e pela Portaria nº 72/2018, de 9 de março; 3ª A sentença não merece reparo ao não ter acolhido a fundamentação da Recorrida objeto da ampliação do recurso. 8. O MINISTÉRIO PÚBLICO, notificado nos termos e para os efeitos do disposto no n.º 1 do artigo 146.º e do n.º 2 do artigo 147.º do CPTA, emitiu pronúncia no sentido da procedência do recurso interposto pelo Recorrente e improcedente a ampliação de recurso da RECORRIDA. • 9. Sem vistos, por não serem legalmente exigidos, cumpre apreciar e decidir. • II. QUESTÕES A APRECIAR E DECIDIR: 10. As questões suscitadas pelo RECORRENTE, bem como pela RECORRIDA que, ao abrigo do disposto no n.º 1 do artigo 636.º do CPC, requereu a ampliação do objeto do recurso, em ambos os casos delimitadas pelas alegações e contra-alegações de recurso e respetivas conclusões, traduzem-se em apreciar: i) Do recurso interposto pelo INSTITUTO DE INFORMÁTICA, IP.: - Se a decisão recorrida errou ao anular a cláusula 19 do caderno de encargos, na parte em que define as especificações técnicas do Lote A, fazendo errada interpretação e aplicação dos artigos 1.º-A, 49.º, n.ºs 1 e 7, 49.º-A e Anexo VII, todos do CCP, bem como do artigo 1.º, n.º 1, da Portaria n.º 72/2018, de 9 de março, ao entender que existe uma preferência da alínea a) sobre a alínea b) daquele n.º 7 do art. 49.º, que obrigaria a que a aplicação desta última norma apenas pudesse ser feita se a entidade adjudicante demonstrasse a impossibilidade de formulação das especificações técnicas de acordo com a primeira alínea. ii) Da ampliação do objeto do recurso requerido pela A..., S.A.: - Se a decisão recorrida errou ao não julgar que a cláusula 19.º do caderno de encargos (também) padece do vício de violação de lei por a entidade adjudicante ter fixado, na modalidade prevista no art. 49.º, n.º 7, al. b) do CCP, a remissão para os certificados “EPEAT Gold, TCO, Energy Star 7.0, TCO displays ou equivalente”, o que não evidencia quais as características e requisitos funcionais que os equipamentos a fornecer devem observar e, nomeadamente, se resultam ou têm origem em norma ou organismo europeu, dada a total ausência de fundamentação nesta parte. • III. FUNDAMENTAÇÃO III.i. DE FACTO 11. Nos termos do n.º 6 do artigo 663.º do CPC, dá-se aqui por reproduzida a matéria de facto considerada provada na sentença recorrida. • III.ii. DE DIREITO III.ii.i. DO RECURSO PRINCIPAL 12. O saneador-sentença recorrido julgou procedente a ação intentada pela concorrente A..., S.A., anulando o artigo 19º do caderno de encargos referente ao Lote A da contratação sub judice, na parte relacionada com as especificações técnicas sobre a “Certificação, normas e legislação” de eficiência energética e “certificações” dos ecrãs externos, bem como a anulação do ato de adjudicação e o ato de exclusão da proposta da Autora. 13. A decisão recorrida assenta na interpretação do n.º 7 do artigo 49.º do Código dos Contratos Públicos, tendo entendido o tribunal a quo que existe uma preferência da alínea a) sobre a alínea b), que obriga a que a aplicação desta última norma apenas possa ser feita se a entidade adjudicante demonstrar a impossibilidade de formulação das especificações técnicas de acordo com a primeira alínea. 14. No Caderno de Encargos previa-se, como especificação técnica no seu artigo 19.º “que os bens a adquirir possuam uma série de caraterísticas mínimas, entre as quais, para os computadores portáteis e para os computadores portáteis avançados, “certificação, normas e legislação” de eficiência energética, os certificados TCO e EPEAT Gold (em qualquer país da União Europeia), ou equivalente; e quanto aos respetivos ecrãs externos LCD, as certificações Energy Star 7.0 e TCO Certified Displays 8 ou equivalentes”, 15. E, na interpretação feita pelo tribunal a quo, “resulta do enquadramento exposto, que as especificações técnicas constam do caderno de encargos, e devem ser formuladas, em conformidade com o previsto no n.º 7, do artigo 49.º, do CCP, artigo este que estabelece como preferencial a formulação das especificações técnicas em termos de desempenho ou de requisitos funcionais (alínea a)) e quando se opte por ir além da definição de meros objetivos, na alínea b), prevê-se que sejam formuladas “por referência a especificações técnicas definidas e, por ordem de preferência, a normas nacionais que transponham normas europeias, a homologações técnicas europeias, a especificações técnicas comuns, a normas internacionais e a outros sistemas técnicos de referência estabelecidos pelos organismos europeus de normalização ou, quando estes não existam, a normas nacionais, a homologações técnicas nacionais ou a especificações técnicas nacionais em matéria de conceção, cálculo e execução das obras e de utilização dos fornecimentos, devendo cada referência ser acompanhada da menção «ou equivalente»”. Sendo que “não resulta da decisão de contratar qualquer justificação quanto à exigência daqueles certificados, em concreto”. 16. A questão nuclear a decidir redunda, portanto, na interpretação do n.º 7 do artigo 49.º do CCP (colocado em crise em ambos os recursos). Como se viu, entendeu o tribunal a quo que existe uma preferência da alínea a) sobre a alínea b), que obriga a que a aplicação desta última norma apenas possa ser feita se a entidade adjudicante demonstrar a impossibilidade de formulação das especificações técnicas de acordo com a primeira alínea. 17. E de acordo com o entendimento do TAC de Lisboa, não tendo a entidade adjudicante demonstrado a impossibilidade de formulação das especificações técnicas, não se podia socorrer da al. b), do n.º 2 do art. 49.º CCP, razão pela qual anulou o art. 19.º do Caderno de Encargos. 18. O RECORRENTE, INSTITUTO DE INFORMÁTICA, I.P., sustenta que “uma preferência pela alínea a) em relação à alínea b) é desmentida pela evolução dos preceitos constantes das sucessivas Diretivas que afastaram a formulação em termos de desempenho e exigências funcionais até à Diretiva 2004/18/CE” e que “o n.º 7 do artigo 49.º do CCP, que transpôs a norma precedentemente referida, prescinde de qualquer fundamentação específica em relação às mesmas alíneas”. 19. A isto contrapõe a RECORRIDA, A..., S.A, alegando que “o caderno de encargos deve ser o mais preciso e claro possível na definição das características e requisitos dos bens a fornecer, designadamente de forma que quem pretenda apresentar proposta possa conhecer de forma objectiva e com a maior certeza possível as características de desempenho e requisitos funcionais que o bem a propor deva observar, designadamente, as especificações técnicas que a sua proposta terá de observar para poder ser aceite, analisada e adequada a adjudicação, o que se alcança de forma mais evidente pela adopção da modalidade prevista na alínea a) do nº 7 do art. 49º do CCP na definição das especificações técnicas no caderno de encargos // Apenas se afigurando legítimo e legal que a entidade adjudicante recorra às demais modalidades previstas nas alíneas b), c) e d) da mesma norma para a definição das especificações técnicas a observar mediante fundamentação donde se extraia a compreensão da impossibilidade ou desadequação a que tivesse recorrido àqueloutra modalidade fixada na alínea a) do nº 7 do art. 49º do CCP”. 20. Na tese da RECORRIDA, acolhida na decisão da TAC de Lisboa, no procedimento do concurso não pode a entidade adjudicante adotar meio mais complexo ou que acarrete maior incerteza na definição das especificações técnicas, quando disponha da possibilidade de adotar modalidade que permita a fixação das características técnicas do bem a fornecer de forma mais clara, objectiva e precisa. Salvo se houver justificação, devidamente fundamentada, para seguir tal opção. No que resulta uma prioridade na escolha pela entidade adjudicante de entre as modalidades previstas no citado art. 49.º, n.º 7, do CCP. 21. O parecer do Ministério Público baliza a questão, também, na vertente da interpretação literal e histórica do preceito, transcrevendo-se aqui a sua pronúncia no tido por relevante: “O Recorrente nas suas curtas, mas incisivas, alegações, começou, por invocar, e a nosso ver bem, que não resulta do elemento literal da lei qualquer precedência da al. a) nº 2 do art.49º CCP, sobre a al. b) da citada disposição legal. E, demonstrou através do elemento histórico, a evolução da legislação europeia, sobre a matéria em análise, de onde se retira que o legislador comunitário não estabeleceu uma ordem de preferência entre a alínea a) e a alínea b) do mencionado nº 3 do artigo 23º no âmbito da Diretiva 2004/18/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 31 de março de 2004. E prosseguiu demonstrando que a Diretiva 2014/24/CE Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de fevereiro de 2014, no nº 3 do artigo 42º veio, agora expressamente, consagrar a alternatividade entre as diversas alíneas (alíneas a) a d)) na parte em que prescreve a obrigatoriedade da formulação segundo uma das respetivas modalidades. E, se assim é, não se vê qualquer razão lógica para que apenas se possa lançar mão da al. b), depois de justificar porque motivo não é possível aplicar a al. a), não havendo razão para divergir de tal interpretação nas normas equivalentes à alínea d) nº 2 e ao nº 3 do artigo 49º do CCP na redação inicial (cfr. alíneas c) e d) do nº 7 do artigo 49º do CCP na redação atual. Acresce que não se vê qualquer necessidade de fundamentação sobre a impossibilidade de descrição suficiente precisa e inteligível do objecto do contrato, sem recurso à remissão para os certificados”. 22. Como se decidiu, no acórdão de 24.04.24 deste STA, no âmbito do processo n.º 950/21.0BEPRT, no que às especificações técnicas diz respeito: “Em primeiro lugar, quando está em causa a aquisição de bens que envolve a fixação de especificações técnicas, a entidade adjudicante, ao lançar o concurso, pode, de acordo com o disposto no artigo 42.º, n.º 3 da Directiva 2014/24/UE, socorrer-se de uma de três modalidades: i) utilizar termos de desempenho ou de requisitos funcionais; ii) definir especificações técnicas; ou iii) remeter para normação técnica (§§ 26, acórdão Roche Lietuva). Em segundo lugar, é reconhecido à entidade adjudicante uma ampla margem de apreciação na formulação das especificações técnicas num contrato (§§ 29, acórdão Roche Lietuva). Quer isto dizer que a entidade adjudicante não só pode escolher livremente uma daquelas modalidades de fixação dos requisitos técnicos do material a adquirir, como ainda pode dentro de cada um deles formular livremente as especificações técnicas que hão-de constar do Caderno de Encargos. Em terceiro lugar, o TJUE também já deixou claro que aquela margem de livre formulação das especificações técnicas não pode ser utilizada de forma que afecte a igualdade de tratamento e a igualdade de oportunidades entre os operadores económicos (§§34, acórdão Roche Lietuva e outra jurisprudência aí mencionada). E, por maioria de razão, é ilícita a sua convocação como instrumento de favorecimento de certos operadores económicos (§§35, acórdão Roche Lietuva). Em quarto lugar, o TJUE também alerta para o facto de quanto mais pormenorizadas são as especificações técnicas do Caderno de Encargos, maior é o risco de os produtos de um dado fabricante serem privilegiados. Como forma de “minorar” este risco e, simultaneamente, assegurar a acuidade necessária na formulação das características do bem cuja aquisição de pretende com o procedimento concursal em áreas sensíveis, como é, por exemplo, a dos dispositivos médicos, o legislador europeu admite que excepcionalmente e em casos justificados, se possa fazer referência a um produto muito específico, salvaguardando a concorrência através da aposição da formação “ou equivalente” (§§38 e 39, acórdão Roche Lietuva). Em quinto lugar, o TJUE também alerta para a necessidade de fazer um controlo de proporcionalidade da pormenorização com que se formulam as especificações técnicas, designadamente quanto à respectiva adequação e necessidade face aos objectivos a prosseguir, salvaguardando a presunção de que na área da saúde essa pormenorização goza de uma presunção de adequação aos objectivos de protecção da saúde e da vida (§§41 e 42, acórdão Roche Lietuva e demais jurisprudência aí mencionada)”. 23. A Diretiva n.º 77/62/CEE, de 21 de dezembro de 1976 estabelecia, no artigo 7.º e no Anexo II, as regras sobre especificações técnicas, vindo a Diretiva n.º 88/295/CEE do Conselho de 22 de março de 1988, a estabelecê-las no mesmo artigo 7º e no Anexo II. Da sua conjugação, intuía-se uma prevalência das regras técnicas nacionais obrigatórias compatíveis com o direito comunitário, e, seguidamente, a definição por referência a normas nacionais que reproduzissem normas europeias ou por referência a especificações técnicas comuns. 24. A Diretiva n.º 93/36/CEE do Conselho de 14 de junho de 1993 manteve, nos nºs 2 e 3 do artigo 8.º, a redação do artigo 7º da anterior Diretiva, aditando, no n.º 5, na alínea a), a precedência das especificações técnicas nacionais reconhecidas como sendo conformes com diretivas comunitárias relativas à harmonização técnica. 25. Ou seja, como reconhecido pelo Recorrente, deste contexto normativo das Diretivas, anteriores ao Código dos Contratos Públicos, poder-se-á concluir que a preferência do legislador comunitário se dirigia à utilização de normas comunitárias, nacionais, ou de proveniência de organismos próprios. E só subsidiariamente a entidade adjudicante poderia formular especificações técnicas sem utilizar normas. 26. Porém, com a Diretiva 2004/18/CE do Parlamento e do Conselho, de 31 de março de 2004, relativa à coordenação dos processos de adjudicação dos contratos de empreitada de obras públicas, dos contratos públicos de fornecimento e dos contratos públicos de serviços, resulta do n.º 3 do seu artigo 23º ( Dispõe o preceito: 3. Sem prejuízo das regras técnicas nacionais vinculativas, desde que compatíveis com o direito comunitário, as especificações técnicas devem ser formuladas: a) Seja por referência a especificações técnicas definidas no anexo VI e, por ordem de preferência, a normas nacionais que transponham normas europeias, a homologações técnicas europeias, a especificações técnicas comuns, a normas internacionais, a qualquer outro referencial técnico elaborado pelos organismos europeus de normalização ou, caso aquele não exista, a normas nacionais, a homologações técnicas nacionais ou a especificações técnicas nacionais em matéria de concepção, cálculo e execução de obras, bem como de utilização de materiais. Cada referência será acompanhada da menção «ou equivalente»; 27. Isto é, o legislador comunitário não estabeleceu uma ordem de preferência entre a alínea a) e a alínea b) desse artigo 23º, n.º 3. Isso mesmo afirmam Marcelo Rebelo de Sousa e André Salgado de Matos que, conjugando o texto da norma e o considerando 29 da Diretiva (Consta do considerando que “(…) as especificações técnicas devem poder ser estabelecidas em termos de desempenho e de exigências funcionais (…) // Poderão, não sendo embora obrigadas a fazê-lo, utilizar as especificações adequadas definidas em rótulos ecológicos, como o rótulo ecológico europeu, os rótulos ecológicos (pluri) nacionais ou quaisquer outros rótulos ecológicos (…).”), pelo contexto, concluem pela outorga de um poder discricionário de escolha (cfr. Direito Administrativo Geral, I, 2.ª ed., p. 184). 28. Por fim, a Diretiva 2014/24/CE do Parlamento e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, relativa aos contratos públicos e que revoga a Diretiva 2004/18/CE, veio, no n.º 3 do seu artigo 42.º (Dispõe o art. 42.º, n.º 3 da Diretiva: 3. Sem prejuízo das regras técnicas nacionais vinculativas, na medida em que sejam compatíveis com o direito da União, as especificações técnicas devem ser formuladas segundo uma das seguintes modalidades: “Sem prejuízo das regras técnicas nacionais vinculativas, na medida em que sejam compatíveis com o direito da União, as especificações técnicas devem ser formuladas segundo uma das seguintes modalidades: 29. Com particular relevo neste âmbito, o TJUE já teve oportunidade de se pronunciar, em sede de reenvio prejudicial, sobre esta mesma questão. No acórdão do Tribunal de Justiça (Nona Secção), de 25 de outubro de 2018, proc. C-413/17 («Roche Lietuva» UAB), escreveu-se que: “25. Quanto ao mérito, em conformidade com o artigo 42.º, n.º 1, primeiro parágrafo, da Diretiva 2014/24, as especificações técnicas definidas no ponto 1 do anexo VII da mesma diretiva figuram nos documentos do concurso e definem as características exigidas para as obras, serviços ou fornecimentos. 26. Por força do artigo 42.º, n.º 3, dessa diretiva, as especificações técnicas podem ser formuladas de acordo com várias modalidades; quer em termos de desempenho ou de requisitos funcionais, quer, por referência a especificações técnicas e, por ordem de preferência, a normas nacionais que transponham normas europeias, a homologações técnicas europeias, a especificações técnicas comuns, a normas internacionais, a outros sistemas técnicos de referência estabelecidos pelos organismos europeus de normalização ou — quando estes não existam — a normas nacionais, a homologações técnicas nacionais ou a especificações técnicas nacionais em matéria de conceção, cálculo e execução das obras e de utilização dos fornecimentos, quer por uma combinação destas duas modalidades. (…) 28. Além disso, há que observar, por um lado, que a redação do artigo 42.º, n.º 3, da Diretiva 2014/24 não estabelece uma hierarquia entre os métodos de definição de especificações técnicas nem concede qualquer preferência a um desses métodos. [sublinhados nossos].” 30. Mais recentemente, também no acórdão do Tribunal de Justiça (Grande Secção) de 7 de setembro de 2021, proc. n.º C- 927/19 (proc. «Klaipėdos regiono atliekų tvarkymo centras» UAB), concluiu-se: “Quanto às «especificações técnicas», na aceção do artigo 42.º da Diretiva 2014/24, resulta do n.º 3 desse artigo que essas especificações definem as «características exigidas» dos serviços abrangidos por um contrato e são formuladas em termos de desempenho ou de requisitos funcionais, nomeadamente ambientais, ou por referência a normas técnicas [sublinhado nosso]”. 31. De acordo com a Jurisprudência do Tribunal de Justiça, há, pois, que concluir que a entidade adjudicante, nos termos do disposto do artigo 42.º, n.º 3, da Diretiva 2014/24/UE, pode socorrer-se de uma de três modalidades: i) utilizar termos de desempenho ou de requisitos funcionais; ii) definir especificações técnicas; ou iii) remeter para normação técnica. 32. Na legislação nacional, o artigo 49.º do Código dos Contratos Públicos apresenta a seguinte redação: Artigo 49.º Especificações técnicas 1 - As especificações técnicas, tal como definidas no anexo vii ao presente Código, do qual faz parte integrante, devem constar no caderno de encargos e devem definir as características exigidas para as obras, bens móveis e serviços. 2- (…) 3- (…) 4 - (…) 5 - (…) 6 - (…) 7 - Sem prejuízo das regras técnicas nacionais vinculativas, na medida em que sejam compatíveis com o direito da União Europeia, as especificações técnicas devem ser formuladas segundo uma das seguintes modalidades: a) Em termos de desempenho ou de requisitos funcionais, que podem incluir critérios ambientais, desde que os parâmetros sejam suficientemente precisos para permitir que os concorrentes determinem o objeto do contrato e que a entidade adjudicante proceda à respetiva adjudicação; b) Por referência a especificações técnicas definidas e, por ordem de preferência, a normas nacionais que transponham normas europeias, a homologações técnicas europeias, a especificações técnicas comuns, a normas internacionais e a outros sistemas técnicos de referência estabelecidos pelos organismos europeus de normalização ou, quando estes não existam, a normas nacionais, a homologações técnicas nacionais ou a especificações técnicas nacionais em matéria de conceção, cálculo e execução das obras e de utilização dos fornecimentos, devendo cada referência ser acompanhada da menção «ou equivalente»; c) Em termos do desempenho ou dos requisitos funcionais a que se refere a alínea a), com referência às especificações técnicas a que se refere a alínea b) como meio de presunção de conformidade com esse desempenho ou com esses requisitos funcionais; d) Por referência às especificações técnicas a que se refere a alínea b), para determinadas características, e por referência ao desempenho ou aos requisitos funcionais a que se refere a alínea a), para outras. 8 - (…) 33. Como se verifica, o corpo do número 7 prevê que “as especificações técnicas devem ser formuladas segundo uma das seguintes modalidades” previstas nas alíneas subsequentes, sem que se consagre, ainda que indiretamente, qualquer ordem de prioridade entre estas. 34. Leitura normativa que este STA já subscreveu no acórdão de 29.09.2022, proc. n.º 950/21.0BEPRT e onde, depois de deixar estabelecido que “[a[ margem de livre apreciação que se reconhece à entidade adjudicante para formular as especificações técnicas, em particular quanto ao método a adotar (por referência a requisitos funcionais ou a especificações técnicas concretas) esgota-se com a respetiva formulação e consagração no caderno de encargos”, concluiu que: “[q]uando esteja em causa a aquisição de bens que envolva a fixação de especificações técnicas, a entidade adjudicante, ao lançar o concurso, pode socorrer-se de uma de três modalidades: i) utilizar termos de desempenho ou de requisitos funcionais; ii) definir especificações técnicas; ou iii) remeter para normação técnica. [sublinhado nosso]”. 35. Na Doutrina, Gonçalo Guerra Tavares indica que as entidades adjudicantes podem usar quer a modalidade da alínea a) quer a modalidade da alínea b), do n.º 7 do artigo 49.º do CCP (in Comentário ao Código dos Contratos Públicos, 2.ª Ed., 2022, pp. 228-229). E Pedro da Costa Gonçalves refere, de modo inequívoco, que as formulações de acordo com a alínea a) ou de acordo com a alínea b) do nº 7 do artigo 49.º do CCP, constituem possibilidades ao alcance das entidades adjudicantes (cfr. Direito dos Contratos Públicos. 2.ª edição, I, p. 552). 36. No domínio da Diretiva 2004/18/CE, ensinava Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves de Oliveira, referindo-se à redação inicial do nº 2 do artigo 49.º do CCP, que as especificações técnicas podiam ser descritas por referência ao desempenho ou exigências funcionais e de modo alternativo (cfr. Procedimentos de Contratação Pública, 2011, p. 364). 37. Assim, quer o recurso aos elementos interpretativos literal e histórico, quer a Jurisprudência do Tribunal de Justiça, a Jurisprudência deste Supremo Tribunal e, também, os ensinamentos doutrinários neste domínio, todos eles confluem numa única conclusão (com relação ao caso sub judice): não existe qualquer preferência da alínea a) sobre a alínea b), que obrigue a que a aplicação desta última norma apenas possa ser feita se a entidade adjudicante demonstrar a impossibilidade de formulação das especificações técnicas de acordo com a primeira alínea. 38. Daqui decorre, como também notado pelo Ministério Público, que a entidade adjudicante não está vinculada a fundamentar a sua opção de escolha de uma determinada modalidade, uma vez que lhe é concedida uma ampla margem de apreciação na formulação das especificações técnicas do contrato a celebrar. 39. Em suma, a cláusula n.º 19 do CE (O Caderno de Encargos, no seu art. 19º, estabeleceu como aspetos de execução do contrato não submetidos à concorrência, as seguintes especificações técnicas ou equivalentes: “Certificação, normas e legislação Eficiência energética: TCO e EPEAT Gold (em qualquer país da união europeia)”. E para os écrans externos, as seguintes especificações técnicas ou equivalentes: “Certificações Energy Star 7.0 e TCO Certified Displays 8”.), não padece de vício de violação de lei que lhe foi assacado, pelo que não deve ser anulada, mantendo-se a mesma na ordem jurídica. E assim sendo, deve o recurso interposto proceder, com a revogação da decisão recorrida. III.ii.ii. DA AMPLIAÇÃO DO OBJETO DO RECURSO 40. A ampliação do âmbito do recurso a requerimento do recorrido, prevista no art. 636.º do CPC, visa, como a jurisprudência deste STA deixou consignado em vários acórdãos, permitir ao recorrido a reabertura da discussão sobre determinados pontos – fundamentos - que foram por si invocados na ação (e julgados improcedentes), mas só e apenas se o recurso interposto, sem essa apreciação, for de procedência (cfr. o ac. do STA de 9.06.2021, proc. n.º 85/18.6BECBR, e jurisprudência aí citada). Portanto, a possibilidade de apreciar o pedido de ampliação do objeto do recurso está dependente de uma outra possibilidade: a de o recurso interposto pelo recorrente proceder. 41. No caso, na procedência do recurso interposto pelo RECORRENTE, INSTITUTO DE INFORMÁTICA, I.P., importa conhecer da ampliação do objeto do recurso. 42. Alega agora o INSTITUTO DE INFORMÁTICA IP., que a norma n.º 19 do caderno de encargos, padece igualmente do vício de violação de lei, por a entidade adjudicante não ter cumprido a obrigação de seguir a ordem de preferência legalmente imposta pela norma do art. 49.º, n.º 7, al. a), do CCP, dada a total ausência de fundamentação nesta parte pela entidade adjudicante (atenta a matéria de facto julgada como provada). 43. Já vimos que esta alegação está votada ao insucesso. 44. Mas se bem se percebe o alcance da ampliação do objeto do recurso, verdadeiramente o que vem questionado não é tanto a ausência de fundamentação, mas a remissão que é feita para os certificados “EPEAT Gold, TCO, Energy Star 7.0, TCO displays ou equivalente”, o que, no seu entender, não permite evidenciar quais as características e requisitos funcionais que os equipamentos a fornecer devem observar e, nomeadamente, se resultam ou têm origem em norma ou organismo europeu. 45. Sustenta, a este propósito, em sede de ampliação de recurso: “Aliás, nem sequer se extrai da matéria de facto julgada como provada se os requisitos inerentes à obtenção de tais certificados têm origem em normativo ou organismo europeu, Ou se revestem alguma daquelas formas, ou se, revestindo, seguem ou não a ordem de preferência que é legal e claramente imposta pela norma do art. 49º, nº 7, al. b) do CCP. E, não seguindo aquela ordem de preferência, apenas poderiam ser admitidos depois de a entidade adjudicante ter fundamentado e explicado a razão lógica não se socorreu na definição das especificações técnicas no caderno de encargos por ordem de preferência de normas nacionais que transponham normas europeias, de homologações técnicas europeias, de especificações técnicas comuns, de normas internacionais, de outros sistemas técnicos de referência estabelecidos pelos organismos europeus de normalização, ou quando estes não existam, de normas nacionais, a homologações técnicas nacionais ou a especificações técnicas nacionais”. 46. E continua: “Com o que também aqui se verifica o vício de violação da lei, por não se permitir perceber na sua cláusula 19ª do Caderno de Encargos se na exigência das certificações ali elencadas se se remete ou não para alguma das formas de fixação das especificações técnicas previstas no art. 49º, nº 7, al. b) e Anexo VII, do CCP, qual a sua origem (designadamente, se de origem europeia) ou qual a ordem de preferência seguida, dada a total ausência de fundamentação”. 47. Pois bem, dir-se-ia que para o recurso poder ser procedente neste ponto teria a aqui RECORRENTE de ter interposto recurso subordinado sobre a matéria de facto, o que não fez. 48. Na verdade, não foi dado como provado ou não provado que na decisão de contratar ou na elaboração do caderno de encargos não foi justificada a razão pelas quais foram incluídas tais normas e não outras. Nem foi dado como provado, ou não provado, que os equipamentos apresentados eram compatíveis com essas normas. Mas vejamos com maior detalhe esta questão. 49. No iter processual destes autos, temos que após o saneador-sentença foi interposto recurso de apelação para o TCA Sul e no âmbito da resposta da RECORRIDA, foi requerida a ampliação do objeto do recurso. E foi oficiosamente no TCA Sul que se caraterizou a apelação como recurso per saltum para este STA. Recurso este a processar como de revista, de acordo com o disposto no art. 151.º, n.º 3, do CPTA (aplicando-se a este recurso os n.ºs 2 a 4 do art. 150.º do CPTA, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não podem ser objeto de revista). 50. Nessa sequência, foi proferido despacho pelo (então) relator que se limitou a afirmar: “admito o recurso (art. 151.º, n.º 5, do CPTA)”. Ou seja, a expressão “admito o recurso” (singular e não plural), desde logo parece indiciar que o recurso admitido foi apenas o principal, nada se dizendo em particular sobre o recurso ampliado. 51. Por outro lado, é notório – como, aliás, decorre da própria alegação recursória nesta parte - que existe um deficit na matéria de facto assente, a qual impossibilita o conhecimento do mérito neste capítulo. 52. Com efeito, não tendo a factualidade relacionada com a aventada “obtenção de tais certificados têm [com] origem em normativo ou organismo europeu” e sua adequação, sido matéria julgada em 1.ª instância, nem tendo sido dados como provados – ou não provados - os inerentes factos pertinentes, não pode este STA em recurso de revista per saltum pronunciar-se sobre a matéria de facto, de acordo com o art. 151.º, n.º 1, do CPTA. 53. O STA não está em condições, face à matéria de facto que vem provada, para responder, designadamente à seguinte questão: os rótulos “Energy Star, TCO e EPEAT” são adequados ao Lote A? E isso impossibilita o conhecimento da ampliação do objeto do recurso. 54. Resposta que, de resto, carecerá eventualmente de produção de prova pericial, face à tecnicidade que envolve. 55. A não ser assim entendido, o presente recurso ampliado teria de ser julgado, sem mais, improcedente, sem que a RECORRIDA, A..., S.A., pudesse, afinal, produzir a prova dos factos que nele alega (e contraditá-los o RECORRENTE). 56. Também por aplicação do princípio pro actione se terá que aceitar a solução tendente à produção dessa prova, em detrimento de aplicação de regra processual que, por razões de natureza estritamente formal, com contornos de alguma indefinição face ao ritualismo processual seguido – com desvirtuamento do regime-regra da apelação - impede o conhecimento do mérito do recurso. Atentas as circunstâncias do caso, no que se destaca a actuação da Exma. Juíza relatora do processo no TCA Sul, o que se verifica é que a posição processual da RECORRIDA – recorrente no recurso ampliado - ficou afetada. Do mesmo passo, já vimos que o despacho que admite “o recurso” nenhuma referência faz ao recurso ampliado. 57. Ora, sabemos que o princípio pro actione é um corolário normativo ou uma concretização do princípio constitucional do acesso efetivo à Justiça, que aponta para uma interpretação e aplicação das normas processuais no sentido de favorecer o acesso ao tribunal ou de evitar as situações de denegação de justiça, designadamente por excesso de formalismo (cfr. o ac. deste STA de 21.01.2014, proc. n.º 1233/13). 58. Em síntese conclusiva, nada obsta a que o apontado deficit instrutório não seja colmatado; antes pelo contrário, o princípio da tutela jurisdicional efetiva e o direito constitucional a um processo equitativo (art. 20.º, n.º 4, da CRP) o impõem. 59. Razões que determinam a baixa dos autos ao TCA Sul, para efeitos da pertinente instrução e prova, no que respeita à ampliação do âmbito do recurso, em ordem a dele conhecer como apelação. • 60. Anexa-se sumário, elaborado de acordo com o disposto no n.º 7 do artigo 663.º do CPC. • Pelo exposto, acordam em conferência os Juízes da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo em conceder provimento ao recurso interposto pelo RECORRENTE INSTITUTO DE INFORMÁTICA, IP, revogar a decisão recorrida e ordenar a baixa ao TCA Sul para aí ser ampliada a matéria de facto, nos termos supra descritos, em ordem ao conhecimento do mérito da ampliação do objeto do recurso requerida pela RECORRIDA, A..., S.A.. São devidas custas nesta instância pela RECORRIDA no recurso principal, não sendo devidas custas no âmbito do recurso ampliado. Notifique. Lisboa, 17 de outubro de 2024. - Pedro José Marchão Marques (relator) – Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva. |