Texto Integral: | Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo
I Relatório
O Município de Porto, no âmbito da Ação de Contencioso Pré-Contratual intentada pela A..., S.A., tendente, em síntese, à anulação da deliberação da Câmara Municipal do Porto de 12 de Fevereiro de 2024 referente à adjudicação dos lotes ..., ..., ... e ... do concurso público ...23... e à sua readmissão no referido concurso, inconformado com o Acórdão do TCAN de 13 de setembro de 2024 que negou provimento ao Recurso e manteve a decisão de 1ª Instância que julgou totalmente procedente a ação, veio Recorrer para este STA, concluindo, no que aqui releva:
“A) O presente recurso de revista é interposto contra o acórdão de 13 de setembro de 2024 do Tribunal Central Administrativo Norte, que negou provimento ao recurso interposto e manteve todo o dispositivo da sentença de 19 de maio de 2024 do Tribunal Administrativo de Círculo, que, por sua vez, julgou totalmente procedente a ação de contencioso pré-contratual, intentada pela A..., S.A., aqui Recorrida, e em consequência:
(i) anulou a deliberação da Câmara Municipal do Porto de 12 de fevereiro de 2024 referente à adjudicação dos lotes ..., ..., ... e ... do concurso público ...23...;
(ii) condenou o Réu Município do Porto, aqui Recorrente, a readmitir a proposta da Autora A..., S.A., aqui Recorrida, quanto aos lotes ..., ..., ... e ... do mesmo concurso público; e
(iii) condenou o Réu Município do Porto, aqui Recorrente, a adjudicar a proposta apresentada pela Autora A..., S.A., aqui Recorrida, quanto aos já identificados lotes ..., ..., ... e ....
B) Nos termos do disposto no artigo 150.°, n.ºs 1 e 2, do CPTA, a lei faz depender a admissão da revista da verificação de dois pressupostos não cumulativos. Ora, no caso sub judice, podemos começar por argumentar que a admissão do recurso de revista é “claramente necessária para uma melhor aplicação do direito” (cfr. artigo 150.°, n.° 1, do CPTA).
C) Conforme cabalmente se demonstrou, o acórdão recorrido, salvo o devido respeito, representa uma decisão judicial que padece de um erro de direito grave e flagrante, cuja sua consolidação, na ordem jurídica, provocaria enormes danos e incertezas no domínio do direito da contratação pública.
D) O identificado acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte admite como lícito que, no campo da contratação pública, a indicação de um preço a prestar por um serviço seja inferior ao mínimo admissível pelo Código do Trabalho, entendendo, assim, que um determinado prestador de serviços pode garantir preços inferiores aos de custo e que isso não implica que o mesmo irá pagar menos aos seus trabalhadores, encontrando-se, desta forma, vedado às entidades adjudicantes fiscalizar o cumprimento das obrigações laborais.
E) Tal raciocínio, presente no acórdão recorrido, é absolutamente contrário às normas competentes plasmadas no Código dos Contratos Públicos e, igualmente, na Diretiva 2014/24/UE, porquanto, de acordo com o artigo 1.°-A, n.° 2, do CCP, as entidades adjudicantes têm o dever legal de assegurar, quer na formação, quer na execução dos contratos que os operadores económicos respeitem as normas aplicáveis em vigor, designadamente em matéria laboral.
F) Ademais, o artigo 1.°-A, n.° 2, do CCP resulta da transposição para o ordenamento jurídico português do disposto no artigo 18.°, n.° 2, da Diretiva 2014/24/UE, cujo objetivo é precisamente o de garantir que, no universo da contratação pública, não sejam adjudicadas propostas que coloquem em causa disposições de direito laboral. Em igual sentido, o considerando 37 da Diretiva 2014/24/UE, cujo valor interpretativo é inegável, obriga as entidades adjudicantes, em especial no âmbito dos contratos de prestação de serviços, a garantir o cumprimento das obrigações decorrentes de direito laboral, através de qualquer meio que a entidade adjudicante julgue como necessário.
G) Complementarmente, o artigo 70.°, n.° 2, al. f), do CCP obriga à exclusão das propostas que violem disposições legais ou regulamentares, conforme bem sucedeu no caso em recurso. É, portanto, precisamente a correta interpretação do princípio da legalidade, num sentido de precedência de lei, que dispõe que as entidades adjudicantes se encontram vinculadas a abster-se de celebrar qualquer contrato que ofenda o bloco de juridicidade, isto é, não escolhendo soluções que não sejam compatíveis com a lei.
H) Tal desiderato não significa que as entidades adjudicantes estejam a extravasar as suas competências ou atribuições, uma vez que existe uma norma - a saber, a al. f) do n.° 2 do artigo 70.° do CCP - a atribuir competência à entidade adjudicante para, na fase de análise das propostas, verificar se da adjudicação resultará a celebração de um contrato que implicará a violação da lei ou dos regulamentos aplicáveis, nomeadamente um contrato violador das normas de direito laboral.
I) Desta feita, com o presente recurso de revista pretende-se garantir que o erro gritante de direito, presente no acórdão recorrido, não comprometa a realização de interesses comunitários de grande relevo, a saber: a boa aplicação direito, ou seja, que se reconheça às entidades adjudicantes o dever de, através de qualquer meio que julguem como necessário e idóneo (inclusive critérios aritméticos), fiscalizar o cumprimento das propostas com a legislação relevante
J) A natureza jurídica do dever ínsito no artigo 1.°-A, n.° 2, do CCP, conjugado com a obrigatoriedade de exclusão das propostas, nos termos do artigo 70.°, n.° 2, al. f), do mesmo Código, dita como imperativo que as entidades adjudicantes, no exercício do seu poder de análise das propostas, possam e devam fiscalizar o cumprimento das mesmas com a legislação laboral.
K) O princípio da proporcionalidade, ao contrário do que é defendido no acórdão recorrido, nunca poderia ser invocado no caso em litígio, uma vez que estamos perante normas jurídicas - a saber, os artigos 1.°-A, n.° 2, e 70°, n.° 2, al. f), do CCP -, cuja natureza imperativa implica que o seu cumprimento só poderá ser totalmente respeitado ou totalmente desobedecido, sem que haja um meio termo ou possibilidade de aplicação parcial, não podendo, deste modo, ser aplicado pelo julgador um principio (in casu, o princípio da proporcionalidade) para desaplicar a escolha efetuada pelos legisladores nacional e europeu com a redação das referidas normas jurídicas.
L) Acresce que a fundamentação, presente na página 28 do acórdão recorrido, é, salvo o devido respeito, também ela atentatória do princípio da concorrência, na sua dimensão objetiva, nos termos do qual se obriga a que concorrência procedimental seja efetiva, não permitindo sequer propostas anormalmente baixas, conferindo inclusivamente o poder às entidades adjudicantes de promover a exclusão de propostas anormalmente baixas, nomeadamente pelo o seu preço ou custo se relevar insuficiente para garantir o cumprimento das normas laborais (cfr. artigo 71.° do CCP).
M) Ora, no caso concreto, conforme se deixou demonstrado, a aqui Recorrida nunca foi capaz de explicar, pese embora o Recorrente a tenha questionado na fase procedimental, como é que seria capaz de garantir o cumprimento da remuneração mínima legalmente exigível com aquele atributo da sua proposta, independentemente da conveniente confusão de calendário gregoriano.
N) Uma vez mais, e salvo o devido de respeito, estamos diante de um erro ostensivo de direito, a saber: a suposta conformidade, por parte das entidades adjudicantes, com propostas cujo preço seja abaixo de custo, não podendo estas entidades proceder a uma qualquer fiscalização sobre o cumprimento de disposições laborais.
O) Não podemos, todavia, deixar de destacar que a situação dos autos é também de grande relevância jurídica e social, de acordo com o artigo 150°, n.° 1, do CPTA, pois trata-se de uma questão de grande utilidade prática de orientação da jurisprudência, ou seja, a de saber qual a intensidade normativa dos artigos 1.°-A, n.° 2, e 70.°, n.° 2, al. f), do CCP quanto à fiscalização do cumprimento das normas laborais.
P) Neste sentido, tudo visto e ponderado, deve o presente recurso de revista ser admitido nos termos do disposto no artigo 150.°, n.ºs 1 e 2, do CPTA, porquanto, por um lado, encontra-se em causa a boa aplicação direito, isto é, de se reconhecer às entidades adjudicantes o dever de, através de qualquer meio que julguem como necessário e idóneo (inclusive critérios aritméticos), fiscalizar o cumprimento das propostas com a legislação relevante, tendo por referência os artigos 1.°-A, n.° 2, e 70.°, n.° 2, al. f), do CCP, e, por outro lado, o caso dos autos reveste-se de grande relevância jurídica e social, uma vez que se trata de uma questão de grande utilidade prática de orientação da jurisprudência, ou seja, saber qual a intensidade normativa dos artigos 1.°-A, n.° 2, e 70.°, n.° 2, al. f), do CCP quanto à fiscalização do cumprimento das normas laborais.
Q) No que concerne ao manifesto erro de julgamento, não pode o aqui Recorrente concordar com a motivação de direito enunciada no acórdão recorrido, uma vez que esta labora em manifesto erro.
R) Com efeito, como foi cabalmente demonstrado e reconhecido pelo acórdão recorrido, o valor por hora trabalhada, na metodologia de análise das 732 horas por mês (aplicável aos 366 dias por ano), que a aqui Recorrida pretendia erradamente fazer valer, não altera o valor mínimo legal, na medida em que o aumento do número de horas por mês obrigaria necessariamente a aumentar o rácio de trabalhadores, sob pena de se incorrer numa violação do número máximo de horas de trabalho por dia e por trabalhador.
S) E nada alteraria, porque o valor mínimo legal por cada hora trabalhada decorre do Código do Trabalho e do acordo coletivo de trabalho aplicável e não dos parâmetros usados para os exercícios matemáticos. Em síntese, o valor por hora trabalhada ficaria inalterado e, portanto, a proposta da aqui Recorrida, manter-se-ia sempre inferior ao mínimo legal aplicável.
T) Deste modo, tudo visto e ponderado, o acórdão recorrido incorreu em manifesto erro de julgamento, pois a proposta da aqui Recorrida, encontrava-se enfermada de uma causa material de exclusão, em face da sua desconformidade perante o disposto nos artigos 258.° e 492.°, n.ºs 1, al. f), e 2, al. e), do Código do Trabalho, e nos Anexos II a VII do acordo coletivo de trabalho aplicável (Contrato coletivo entre a AES - Associação de Empresas de Segurança e o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades Diversas - STAD e outro - Alteração salarial e outras e texto consolidado, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.° 4, 29.01.2023). Como tal, figura como um erro não julgar que tal proposta deveria ser objeto de uma decisão de exclusão, de acordo com o disposto nos artigos 70.°, n.° 2, al. f), e 146.°, n.° 2, al. o), do CCP.
U) Para além do mais, tudo visto e ponderado, nunca poderia a proposta da aqui Recorrida, ser objeto de qualquer retificação oficiosa ou suprimento, nos termos do disposto no artigo 72.°, n.ºs 3 e 4, do CCP, porquanto se encontrava tal proposta viciada com uma insanável causa material de exclusão.
V) Finalmente, conforme tivemos já oportunidade de explicitar, o acórdão recorrido labora num raciocínio jurídico que se encontra em total desacordo com as disposições relevantes do Código dos Contratos Públicos, bem como com a Diretiva 2014/24/UE, configurando, também nessa medida, um manifesto erro de julgamento.
W) O Tribunal Central Administrativo Norte, no seu acórdão aqui posto em crise, ignorou que, de acordo com o artigo 1.°-A, n.° 2, do CCP, que transpôs, para o ordenamento jurídico português, a disciplina jurídica do artigo 18.°, n.° 2, da Diretiva 2014/24/UE, as entidades adjudicantes têm a obrigação legal de garantir, tanto na fase de formação, quanto na execução dos contratos, que os operadores económicos cumpram as normas aplicáveis, especialmente no âmbito laboral. A que acresce que o artigo 70.°, n.° 2, al. f), do CCP impõe a exclusão de propostas que contrariem disposições legais ou regulamentares, como ocorreu corretamente no caso dos presentes autos.
X) Ora, a natureza jurídica do dever estabelecido no artigo 1.°-A, n.° 2, do CCP, em conjugação com a obrigatoriedade de exclusão das propostas previstas no artigo 70°, n.° 2, al. f), do mesmo Código, impõe que as entidades adjudicantes, no exercício da sua função de análise das propostas, tenham o dever e a competência para fiscalizar o cumprimento da legislação laboral, resultando desta conclusão uma interpretação adequada do princípio da legalidade, num sentido de precedência de lei.
Y) Efetivamente, o pagamento de valores inferiores ao salário mínimo por hora trabalhada, reconhecido explicitamente na página 29 do acórdão recorrido, não o torna conforme ao enquadramento legal, mesmo que se invoque o princípio da proporcionalidade, visto estarmos perante normas jurídicas imperativas - nomeadamente os artigos 1.°-A, n.° 2, e 70.°, n.° 2, al. f), do CCP - cujo cumprimento deve ser integral, sem espaço para soluções intermédias ou de aplicação parcial. Diferente solução poderia resultar inclusive na violação do princípio da separação de poderes, consagrado nos artigos 2.° e 111° da CRP, uma vez que se estaria a desconsiderar escolhas democraticamente feitas pelos legisladores nacional e europeu na redação das normas.
Z) A tudo isto dever-se-á ainda somar que a fundamentação desenvolvida no acórdão recorrido é, salvo o devido respeito, igualmente atentatória do princípio da concorrência na sua dimensão objetiva, na qual se exige que a concorrência nos procedimentos seja efetiva, não se admitindo sequer propostas anormalmente baixas, atribuindo inclusive às entidades adjudicantes o poder de excluir tais propostas, especialmente quando o preço ou custo apresentado seja insuficiente para assegurar o cumprimento das normas laborais (cf. artigo 71.° do CCP).
AA) In casu, relembramos que a Recorrida nunca conseguiu explicar, apesar de ter sido questionada pelo Recorrente durante a fase procedimental, de que forma garantiria o cumprimento das obrigações laborais com as condições de preço apresentadas na sua proposta. Ficou claramente demonstrado que, independentemente da confusão alegada em relação ao calendário gregoriano, a Recorrida não teria como cumprir o pagamento da remuneração mínima exigida por lei.
BB) Tudo visto e ponderado e salvo o devido respeito, aqui reiteramos que o acórdão recorrido incorreu em manifesto erro de julgamento, uma vez que a proposta da Autora, aqui Recorrida, se encontrava enfermada de uma causa material de exclusão, em face da sua desconformidade perante o disposto nos artigos 258.° e 492.°, n.ºs 1, al. f), e 2, al. e), do Código do Trabalho, e nos Anexos II a VII do acordo coletivo de trabalho aplicável (Contrato coletivo entre a AES - Associação de Empresas de Segurança e o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades Diversas - STAD e outro - Alteração salarial e outras e texto consolidado, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.° 4, 29.01.2023). Como tal, figura como um erro não julgar que tal proposta deveria ser objeto de uma decisão de exclusão, de acordo com o disposto nos artigos 70.°, n.° 2, al. f), e 146.°, n.° 2, al. o), do CCP.
Nestes termos e nos demais de Direito aplicáveis, que Vossas Excelências doutamente suprirão, deve ser concedido provimento ao presente recurso de revista, porquanto o acórdão recorrido incorreu em manifesto erro de julgamento, devendo, assim, ser revogado com as devidas e legais consequências.”
A Recorrida A..., S.A., veio apresentar as suas Contra-alegações de Recurso em 29 de outubro de 2024, aí concluindo, no que aqui releva:
“a) A Recorrente interpôs Recurso de Revista Excecional quanto à decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo do Norte, pugnando pela admissão do mesmo, porquanto, por um lado, se encontra em causa a boa aplicação do direito, isto é, de se reconhecer às entidades adjudicantes o dever de, através de qualquer meio que a entidade adjudicante julgue como necessário, fiscalizar o cumprimento das propostas com a legislação relevante e, por outro lado, o caso dos autos reveste-se de grande relevância jurídica e social, uma vez que se trata de uma questão de grande utilidade prática de orientação da jurisprudência, ou seja, saber qual a intensidade normativa dos artigos 1°- A, n° 2, e 70.°, n° 2, al. f), do CCP, quanto à fiscalização das normas laborais.
(…)
2 - Do Mérito do Recurso
n) O Recorrente apresenta, em sede de motivação do Recurso, dois argumentos que visam demonstrar que o tribunal a quo incorreu num manifesto erro de julgamento, a saber:
Por um lado, o Recorrente alega, numa repetição quase integral dos argumentos que já tinham sido apresentados no Recurso de Apelação, que a proposta da Recorrida deveria ser excluída, por violação do disposto nos artigos 70º, n.° 2, alínea f), e 146.°, n.° 2, alínea o), do CCP uma vez que a sua proposta se encontrava enformada de uma causa material de exclusão, em face da sua desconformidade com o disposto nos artigos 258.° e 492.°, n.ºs 1. Al. f), e 2, al. e), do Código do Trabalho, e nos Anexos II e VII do acordo coletivo de trabalho aplicável.
Por outro lado, o Recorrente ainda alega que o Acórdão Recorrido considerou legítimo que fosse indicado um preço para a prestação de um serviço abaixo do mínimo legal permitido pelo Código de Trabalho, e que, ao o fazer, incorreu em manifesto erro de julgamento, uma vez que a proposta da Autora - aqui Recorrida - se encontrava enfermada de causa material de exclusão, não tendo a Recorrida cumprido a remuneração mínima exigida pela legislação laboral.
o) Como ponto prévio, a proposta da Recorrida não foi excluída pelo facto do preço de venda por si apresentado (o seu preço contratual) não ser, no entendimento do Júri e do Recorrente, suficiente para fazer face a todos os custos legais e regulamentares obrigatórios aplicáveis.
p) Foi antes excluída porque, no entendimento daqueles, os valores base que estão na origem do cálculo do preço contratual da Recorrida (os valores hora), não respeitavam os requisitos legais e regulamentares aplicáveis calculados pelo Júri do procedimento.
q) O Júri do procedimento e o Recorrente entenderam que, apesar do preço total proposto para cada Lote pela Recorrida ser mais do que suficiente par acomodar todos os custos legais e regulamentares obrigatórios e permitir ainda uma margem de lucro, a proposta deveria ser excluída por, alegadamente, os valores unitários por hora não respeitarem os requisitos legais e regulamentares aplicáveis.
r) Assim, ainda que os valores unitários fossem inferiores ao legalmente exigidos - que não são - o preço contratual seria suficiente para garantir o seu cumprimento, o que nunca foi contestado pelo Recorrente.
s) Todavia, o certo é que a discussão não foi deslocada para uma questão de preço anormalmente baixo, mas sim para o incumprimento das imposições legais salariais após a decomposição do preço apresentado pela Recorrida para os valores unitários por hora, pelo que importa, igualmente, contestar essa ideia.
t) Cumpre então deixar claro, novamente, que a conclusão do Júri e do Recorrente segundo a qual os valores unitários hora apresentados pela Recorrida não respeitavam os requisitos legais e regulamentares aplicáveis parte de uma premissa errada, como já foi demonstrado pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, não tendo o TCA Norte afastado esse entendimento.
u) Resulta de diferenças nesses valores base na ordem dos cêntimos de euro, diferenças essas que são mera consequência da metodologia de cálculo das horas anuais e mensais.
v) Foi apenas e só o facto de o júri e o Recorrente terem efetuados os cálculos tendo por base as 730 horas e a Recorrida as 732 horas que gerou o entendimento - errado - de que a proposta da Recorrida violava as suas obrigações legais e regulamentares aplicáveis.
w) Sendo que, sobre a questão de saber quem considerou o número correto de horas, não pode haver dúvidas: foi a Recorrida, uma vez que esta foi meticulosa no cálculo das horas a considerar enquanto que o Júri se limitou a proceder a uma média e considerou 30 dias por mês sem atender ao prazo contratual concreto.
x) O júri percebeu no relatório final que a Recorrida tinha considerado 732 horas e mesmo assim não procedeu a uma correção oficiosa nesta matéria de forma a tornar as propostas apresentadas comparáveis.
y) Não o fez e comparou propostas com preços unitários que resultam da divisão de preços globais por 730 horas (como as propostas dos outros concorrentes admitidos) e a proposta da Recorrida cujos preços unitários resultaram da divisão dos preços globais por 732 horas.
z) Ora, por quanto mais horas se dividir um preço global, menor fica o preço hora, como é evidente!
aa) Até à divisão pelas 730 horas de trabalho o preço indicado pela proposta da Recorrida como “custo base de trabalho” era de € 7.038,41, ou seja, superior ao preço calculado pelo Júri como mínimo (€ 7.020,98), conforme explicado na Petição Inicial.
bb) Se a proposta da Recorrida tivesse sido avaliada com base nas 730 horas, os preços hora seriam sempre superiores aos que o júri entendeu serem os mínimos para dar cumprimento às obrigações legais e regulamentares em matéria laboral.
cc) “Cai por terra” o fundamento de exclusão da proposta da Recorrida, uma vez que os seus preços unitários, quando comparados nos mesmos pressupostos (730 dias), são superiores aos preços unitários considerados pelo Júri como mínimos.
dd) Por outro lado, também resulta claro que, perante toda a factualidade exposta, nunca poderia ter aplicação o disposto na alínea f) do n.° 2 do artigo 70.° do CCP, uma vez que, em caso algum, estaria o Recorrente em condições de, com segurança e elevado grau de certeza, garantir que a proposta da Recorrida não cobria todos os custos legais e regulamentares exigidos.
ee) Principalmente, quando percebeu, ainda antes da tomada de decisão de adjudicação, que a proposta da Recorrida tinha considerado 732 horas e que, com isso, a sua proposta tinha sido prejudicada, ilicitamente, na sua avaliação.
ff) Improcedendo assim tudo quanto foi alegado pelo Recorrente no recurso que interpôs.
POR TODO O EXPOSTO,
a) Não deve ser admitido o Recurso de Revista interposto;
Ainda que assim não se entenda, no que não se concede,
b) não deve ser dado provimento ao Recurso, antes deve ser mantida a decisão ora recorrida; Em qualquer caso;
c) Deve a Recorrente ser condenada no pagamento das custas.
Termos em que, com o mui douto suprimento de Vossas Excelências, deve ser confirmada a douta decisão recorrida, por improcederem inteiramente as doutas conclusões do Recorrente. Com o que se fará JUSTIÇA!!!”
Em 5 de novembro de 2024, foi proferido Despacho de Admissão do Recurso.
Este STA em Apreciação Preliminar, por Acórdão de 28 de novembro de 2024, decidiu admitir a Revista, tendo, no que aqui releva, discorrido nos seguintes termos:
“Como se viu as instâncias convergiram quanto à solução das questões submetidas à sua apreciação.
No entanto, as questões jurídicas respeitantes à aplicação das regras do Código do Trabalho em articulação com o acordo coletivo de trabalho, nomeadamente, de saber se é legítimo que, no contexto da contratação pública, seja indicado um preço para a prestação de um serviço (no caso, aquisição de serviços de vigilância e segurança humana, bom como serviços de ronda móvel) que esteja abaixo do mínimo legal permitido por aquele diploma assumem relevo jurídico e social, já que ultrapassam o interesse do caso concreto, tendo potencialidade para abranger muitos outros casos, na matéria complexa da contratação pública. Como igualmente não será isenta de dúvidas a desaplicação que, no caso, foi feita da causa de exclusão da proposta, da alínea f) do n° 2 do art. 70°.
Assim, pese embora a resposta convergente que as instâncias deram às questões suscitadas na ação e pelo Recorrente na revista, é aconselhável a intervenção deste STA, para conhecimento de tais questões, com afastamento da regra da excecionalidade das revistas.”
O Ministério Público junto deste Tribunal, devidamente notificado em 20 de dezembro de 2024, nada veio dizer, requerer ou Promover.
Atenta a natureza urgente dos autos, o processo vai, com dispensa de vistos prévios dos Juízes Conselheiros Adjuntos, à Conferência para julgamento (art. 36º n.º 2, do CPTA).
II - Questões a apreciar
Importa apreciar e decidir as questões colocadas pelo Recorrente, sendo que o objeto do Recurso se acha balizado pelas conclusões expressas nas respetivas alegações, nos termos dos Artº 5º, 608º, nº 2, 635º, nº 3 e 4, todos do CPC, ex vi Artº 140º CPTA, imputando à decisão recorrida “manifesto erro de julgamento, uma vez que a proposta da Autora, aqui Recorrida, se encontrava enfermada de uma causa material de exclusão, em face da sua desconformidade perante o disposto nos artigos 258.° e 492.°, n.ºs 1, al. f), e 2, al. e), do Código do Trabalho, e nos Anexos II a VII do acordo coletivo de trabalho aplicável (Contrato coletivo entre a AES - Associação de Empresas de Segurança e o Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Atividades Diversas - STAD e outro - Alteração salarial e outras e texto consolidado, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, n.° 4, 29.01.2023).”
III – Fundamentação de Facto
O Tribunal a quo, considerou a seguinte factualidade:
“«A) A 13/03/2023, a Câmara Municipal do Réu deliberou abrir um concurso público tendente à aquisição de serviços de vigilância e segurança humana e serviços de ronda móvel (cf. fls. 7 da pasta do PA designada “Decisão de Contratar”);
B) A deliberação identificada no ponto anterior foi publicada no Diário da República, 2ª Série, n° 65, de 31 de Março, pelo valor base de € 4.878.493,31, dividido por sete lotes, adotando como critério de adjudicação o do mais baixo preço, e tendo como prazo de execução o de 18 meses (cf. pasta designada “Processo” constante do PA);
C) A deliberação em causa foi também publicada no Jornal Oficial da União Europeia, de 31/03/2023, S65 (cf. idem);
D) Na deliberação identificada no ponto A) foi aprovado o Programa do Procedimento, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, e no qual se pode ler, designadamente, o seguinte:
“(...) 2. Objeto do procedimento. 1. Serviços de vigilância e segurança humana e serviços de ronda móvel (RM). 2. Serão adjudicadas propostas pelos seguintes lotes, melhor identificados no caderno de encargos: a. Lote ... - Serviços de vigilância e segurança humana Espaços relacionados com atividade cultural e protocolar; b. Lote ... - Serviços de vigilância e segurança humana - Parques Urbanos; c. Lote ... - Serviços de vigilância e segurança humana - Parques de estacionamento; d. Lote ... Serviços de vigilância e segurança humana - Cemitérios e centro de recolha oficial de animais e viveiros; e. Lote ... - Serviços de vigilância e segurança humana — Edifícios Administrativos; f Lote ... - Serviços de vigilância e segurança humana - Restantes espaços municipais ou afetos à atividade municipal e armazéns; g. Lote ... — Serviços de Ronda Móvel (RM). 3. A entidade adjudicante poderá, ao abrigo do disposto no n. ° 5, do artigo 46. °-A do Código dos Contratos Públicos (CCP), adjudicar uma proposta que combine a totalidade dos lotes ... a ... (doravante designada por Lote Combinado), celebrando um contrato para a totalidade dos lotes individualmente considerados. (...) 10. Preço base. 1. Os preços hora, por lote, que não incluem o imposto sobre o valor acrescentado (IVA), sendo os valores máximos que a entidade adjudicante aceita pagar e limita os preços hora contratuais, por lote, são os que constam do n.° 9 do Anexo I do caderno de encargos. 2. O preço base, por lote, que não inclui o imposto sobre o valor acrescentado (IVA), sendo o valor máximo que a entidade adjudicante aceita pagar e que limita o respetivo preço contratual é o seguinte: a. Lote ....064.908,51 €; b. Lote ...00.884.55 € c. c. Lote ...57.279,56 €; d. Lote ...56.226,29 €; e. Lote ...11 162,56 €; Lote ...99.368,56 €; g. Lote ...88.663,28 €; h. Lote Combinado - 4.878.493,31 €. (...) 12. Documentos que constituem a proposta. 1. Os concorrentes deverão fazer acompanhar as suas propostas dos seguintes documentos: a. O Documento Europeu Único de Contratação Pública (DEUCP); b. Declaração emitida conforme modelo constante do Anexo I ao presente programa do procedimento, com a indicação dos preços hora por tipologia de serviço, que não devem incluir o IVA, de acordo com o Acordo Coletivo de Trabalho a que está vinculado e em vigor à data de entrega da proposta, se aplicável; c. Acordo Coletivo de Trabalho a que está vinculado e em vigor à data de entrega da proposta, com a indicação expressa da(s) página(s) referente(s) à remuneração obrigatória, se aplicável; d. Demonstração do preço hora proposto, conforme modelo constante do Anexo II ao presente programa do procedimento; (...). 2. Os preços hora propostos no Anexo I referido na alínea b), do número anterior, prevalecerão, em caso de divergência, sobre os preços hora submetidos diretamente na plataforma eletrónica em uso nesta entidade. 3. Os concorrentes deverão apresentar preço hora para todas as tipologias de serviço do lote a que concorre, conforme consta no Anexo I do caderno de encargos, sob pena de exclusão das propostas. (...) 17. Critério de adjudicação. 1. A adjudicação, para cada lote incluindo o combinado, será feita segundo o critério da proposta economicamente mais vantajosa, determinada pela modalidade: Monofator, preço como único aspeto da execução do contrato a celebrar, sendo considerada mais vantajosa a proposta que apresentar o menor preço ponderado (PPi), nos termos da seguinte expressão matemática:
(...) Vide imagem original na sentença
Em que: Pui - Preço hora proposto para cada tipologia de serviço definida no n° 9 do Anexo I do caderno de encargos, da proposta em análise. QEi — Quantidade estimada para cada tipologia de serviço, constante da alínea H., do Anexo II do caderno de encargos (Quadro resumo com as quantidades estimadas por lote e por tipologia de serviço). Poi — Ponderador para cada tipologia de serviço, definido no n.° 9 do Anexo I do caderno de encargos. PLi - No caso de lotes individuais representa o peso do lote I (lote em análise) no total do procedimento. No caso do lote combinado, representa o peso do lote individual i no total do procedimento. O peso de cada lote individual é o seguinte:
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2. Regras de arredondamento: Os cálculos matemáticos implicados nas operações de avaliação das propostas serão efetuados sempre considerando quatro casas decimais, processando-se o arredondamento do preço ponderado até à terceira casa decimal. 3. Critério de desempate: Em caso de empate entre duas ou mais propostas, serão as mesmas classificadas por meio de sorteio aleatório presencial, com a presença de todos os representantes de todos os concorrentes empatados, que serão notificados para o ato público: (...). Anexo I - (Modelo de) Declaração. Lote(s) a que concorre (a): (...). (...), tendo tomado inteiro e perfeito conhecimento do caderno de encargos relativo à execução do contrato a celebrar na sequência do procedimento (...), declara, sob compromisso de honra, que a sua representada se obriga a executar o referido contrato em conformidade com o conteúdo do mencionado caderno de encargos, relativamente ao qual declara aceitar, sem reservas, todas as cláusulas, de acordo com os seguintes preços hora (s/IVA): (tabela aplicável para os Lotes ... a ...)
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(Modelo de) Demonstração. Lote(s) a que concorre: (...)
- Vide ainda imagem na página 14 da sentença.
(...) " (cf. fls. 38 e seguintes da “Decisão de contratar " do PA);
E) Ainda na deliberação identificado no ponto A), foi aprovado o respetivo caderno de encargos, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, podendo ler-se, designadamente, o seguinte:
“(...) 2.a Prazo do contrato.
1. O contrato mantém-se em vigor pelo prazo máximo de 18 (dezoito) meses ou até ser atingido, durante esse prazo, o preço contratual, sem prejuízo das obrigações acessórias que devam perdurar para além da cessação do contrato. (...)
7. O adjudicatário obriga-se a respeitar as normas aplicáveis em vigor em matéria social, laboral, ambiental, de igualdade de género e de prevenção e combate à corrupção, decorrentes do direito internacional, europeu, nacional ou regional. (...)
5.a Preço contratual. 1. Pela execução dos serviços objeto do contrato, bem como pelo cumprimento das demais obrigações constantes do presente caderno de encargos, a entidade adjudicante deve pagar ao adjudicatário os preços hora por tipologia de serviço, por lote, constantes da proposta adjudicada, acrescidos de IVA à taxa legal em vigor, se este for legalmente devido.
2. O somatório dos preços hora por tipologia de serviço multiplicados pelo número de horas efetivas decorrentes da execução do contrato não pode, em qualquer caso, ser superior aos seguintes valores máximos para cada um dos lotes, que constituem o respetivo preço contratual, no prazo máximo de vigência admitido (valores sem revisão de preços e sem IVA):
a. Lote ....064.908,51 €;
b. Lote ...00.884,55 €;
c. Lote ...57.279,56 €;
d. Lote ...56.226,29 €;
e. Lote ...11.162,56 €;
f. Lote ...99.368, 56 €;
g. Lote ...88.663,28 €;
h. Lote Combinado - 4.878.493,31 €.
3. Os preços hora máximos por tipologia de serviço não podem, em qualquer caso, ser superiores aos constantes do n.° 9 do Anexo I ao presente caderno de encargos. (...) Anexo I - Especificações Técnicas. (...)
9. Preços hora máximos por tipologia de serviços e respetivos ponderadores por lote.
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Legenda:
ND - serviço normal diurno (exclui feriados) I NN - serviço normal noturno (exclui feriados) / NFD - serviço normal diurno em dias Feriados I NFN - serviço normal noturna em dias feriados I ED - serviço extra diurno (exclui feriados) I EN - serviço extra noturno (exclui feriados) EFD - serviço extra diurno em dias feriados. EFN - serviço extra noturno em dias feriadas.
Nota:
Por período de trabalho noturno, considera-se o período que medeia entre as 21:00 horas de um dia e as 06:00 horas do dia seguinte. O período normal de trabalho consiste em serviço realizado todos os dias do ano, exceto em dias feriado. (...)” (cf. fls. 13 e seguintes da pasta do PA designada “Decisão de contratar”);
F) A 30/04/2023, a Autora apresentou a sua proposta, da qual constavam, designadamente, os seguintes elementos:
“(...) Tempo de execução do contrato:
549 dias. (...) Anexo I- (Modelo de Declaração). Lote(s) a que concorre (a): 1.
(...)
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Anexo II— (Modelo de) Demonstração. Lote(s) a que concorre (a): (...) - Vide, ainda, imagem na página 17 da sentença.
Anexo I- (...) Declaração. Lote(s) a que concorre (a): 4 (...)
Vide imagem na página original da sentença
Anexo I— (...) Declaração. Lote(s) a que concorre (a): 5. (...)
Vide ainda imagem na página 18 da sentença
Anexo I- (...) Declaração. Lote(s) a que concorre (a): 6. (...)
Vide ainda imagem na página 19 da sentença.
Anexo II- (...) Demonstração. Lote(s) a que concorre (a): 6
Vide ainda imagem de página 20 a 21 da sentença.
(cf. pasta do PA designada “Propostas);
G - A 02/05/2023 a CI “B... submeteu também a sua proposta, da qual consta designadamente o seguinte:
(...) - Vide imagem de páginas 21 a 26 da sentença.
(...) ” (cf. pasta do PA designada “Propostas”);
H) A 02/08/2023, o júri do procedimento concursal peticionou à Autora os seguintes esclarecimentos:
“(...) Lotes ... a ..., Lote ... e Lote combinado. (...) a. A v/ empresa está sujeita aos regimes jurídicos do fundo de compensação do trabalho (FCT), do mecanismo equivalente (ME) e do fundo de garantia de compensação do trabalho (FGCT)? b. Em caso negativo, solicita-se que fundamentem os respetivos motivos; c. Em caso afirmativo, tendo em conta a v/ demonstração do preço por hora, solicita-se que indiquem em que rúbrica os mesmos estão refletidos, apresentando para o efeito os cálculos realizados para o seu apuramento. (...)” (cf. pasta do PA designada “Relatório Preliminar”);
I) A 04/08/2023, a Autora prestou os seguintes esclarecimentos ao júri do concurso:
“(...) Lotes ... a ..., Lote ... e Lote combinado. Neste momento esta situação encontra-se suspensa por tempo indeterminado. Aquando do preenchimento do V/Anexo II e uma vez que o ponto 8. referia «Fundo de garantia», no singular, entendemos que pretendiam que as empresas concorrentes fizessem refletir apenas um fundo de garantia. Foi o que fizemos, indicando o FGCT nas percentagens legalmente definidas. Partimos do pressuposto que como só era exigível um fundo de garantia, pela interpretação direta do Anexo II, o Município do Porto partilhava o Parecer técnico da Ordem dos Contabilistas Certificados emitido em 21 de Abril de 2021, onde consideram que o FCT é um investimento financeiro e não um custo. https://www.occ.pt/pt-pt/noticias/contabilizacao-do-fct-e-fgct (...)” (cf. idem);
J) A 18/09/2023, o júri do procedimento elaborou o relatório preliminar, o qual se dá aqui por integralmente reproduzido, tendo determinado, entre o mais, a exclusão da proposta apresentada pela Autora, tendo por base os seguintes fundamentos:
“(...) De direito: Art. ° 70. °, n. ° 2, al. f) do CCP- Que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis; Art.° 146.°, n.°2, al. o) do CCP - Cuja análise revele alguma das situações previstas no n.° 2 do artigo 70. °. De facto: O custo base legal decorrente da legislação aplicável bem como do Acordo Coletivo de Trabalho a que o concorrente declarou, na sua proposta, estar vinculado são os seguintes: Lotes ... a ... e combinado.
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Contudo, da apreciação à demonstração do preço hora proposto pelo concorrente, em cada lote, constante do Anexo III ao presente relatório, verifica-se que o custo base para todas as tipologias de serviço é inferior ao que resulta da aplicação da legislação e do Acordo Coletivo Trabalho, conforme se demonstra: Lote ... a ... e Combinado.
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(.... Anexo III - análise do custo base das propostas.
(...) - Vide, a seguir, imagem de tabela na sentença, a páginas 28. Cf. idem
K) A 22/09/2023, a Autora exerceu o seu direito de audição prévia, pronúncia que se dá aqui por integralmente reproduzida, destacando-se, designadamente, o seguinte:
“(...) 29 - Ora, ficou demonstrado que o valor de partida para o cálculo dos valores hora ê rigorosamente o mesmo para o Júri e A...!
30 - Assim sendo, percebe-se que a diferença indicada pelo Júri face aos valores hora, só pode resultar do número de horas pelo qual cada parte divide o valor supra indicado.
31 - Reitere-se, pela relevância que assume em todo este processo, que a A... indica, na sua proposta, ter um custo mensal do vigilante acrescido de TSU rigorosamente igual àquele que o Júri entende ser o custo base legal decorrente da legislação aplicável bem como do Acordo Coletivo de Trabalho. (...)
39 - Vejamos algumas constatações rápidas e diretas possíveis de fazer pela leitura da tabela.
a. O Júri e a A... apresentam valores arredondados a cinco casas decimais;
b. A C... e B... apresentam valores arredondados a duas casas decimais;
c. O valor mensal do custo base do trabalho de onde resulta a distribuição pelas tipologias horárias é mais elevado na A... do que no Júri;
d. A C... apresenta o valor hora para a rubrica incremento de remuneração por trabalho noturno, inferior ao indicado pelo Júri como sendo o custo base legal decorrente da legislação aplicável bem como do Acordo Coletivo Trabalho (1,55 € vs. 1,80110 €);
e. O valor para o custo mensal do Vigilante acrescido da TSU da A... não é inferior ao calculado pelo Júri.
40 - Faça-se agora, uma análise ligeiramente mais avançada: a. Se os valores hora da A... forem arredondados a duas casas decimais, como aconteceu com a C... e a B... - e foi, e bem, aceite pelo Júri, ter-se-á:
(...) vide imagem afs.30 da sentença).
Vejamos agora a comparação dos valores hora arredondados da A... a duas casas decimais com os da B...:
(...) vide imagem a fs. 30 da sentença).
c. Somando os valores das duas propostas - em condições de serem comparadas, ou seja, com o mesmo nível de arredondamento - não encontramos qualquer divergência, por mais pequena que seja.
d. Claramente, os totais dos valores hora serão os mesmos para as duas concorrentes: i. 7,87 € + 0,84 € = 8,71 €; ii. 7,87 € + 1,80 € + 0,84 € = 10,51 €; Ui. 7,87 € + 6,18 € + 0,84 € = 14,89 €; iv. 7,87 € + 1,80 € + 6,18 € + 0,84 € = 16,69 €.
41 - E agora, depois de constatações simples, pode-se colocar algumas questões também elas relevantes:
a. Como pode o Júri comparar valores unitários da proposta da A... arredondados a cinco casas decimais com outras propostas com valores arredondados a duas casas decimais, sem converter tudo na base possível, ou seja, duas casas decimais?
b. Como pode a proposta da A... ser excluída, com base nestes preços hora, quando, conforme supra se demonstrou tem valores unitários arredondados a duas casas decimais rigorosamente iguais a outras propostas admitidas, e bem admitidas?
c. Como pode o Júri fundamentar uma decisão com base nestes preços unitários quando, por exemplo, a proposta da C... foi admitida, e bem, mas apresenta para a rubrica incremento de remuneração por trabalho noturno, valor inferior ao indicado pelo Júri como sendo o custo base legal decorrente da legislação aplicável bem como do Acordo Coletivo de Trabalho?
d. Sabendo-se que o valor para o custo mensal do Vigilante acrescido da TSU da A... não é inferior ao calculado pelo Júri, como pode o valor unitário da A... ser inferior?
i. Pela informação no RP o Júri terá dividido o valor mensal de 1 248,79 € X (horas) alcançando o resultado de 7,8705 €. Para calcular esse X, bastará dividir 1 248,79 € por 7,8705 €, o que dá 1434,566341 horas. Para poder comparar a proposta da A... porque não dividiu o valor mensal indicado pelas mesmas horas ajustadas ao mês?
ii. Seria fácil, 5756,90 € / 4,61 /1434,566341 = 7,8705 €!
iii. Poderia, e deveria, ter corrigido oficiosamente o valor, dividindo o valor mensal pela quantidade de horas que usou na sua metodologia - e está-se a falar de pequenos arredondamentos,
e. O que fez o Júri ao valor considerado pela A... para fundos de compensação? Este valor não foi contabilizado?
42 - Entende-se assim que ficou demonstrado que a exclusão da proposta da A... suportada rubrica a rubrica (SIC) das que integram o “Custo base de trabalho’’ - assim denominado pelo Júri - não tem qualquer suporte e que os valores unitários indicados pela A..., global e individualmente, respeitam cabalmente a base legal decorrente da legislação aplicável bem como do Acordo Coletivo de Trabalho. (...) ”
(cf. pasta do PA designada “Audiência Prévia”);
L) A 27/09/2023, o júri do procedimento proferiu o relatório final, mantendo a proposta de exclusão da Autora, tendo-se pronunciado nos seguintes termos:
“(...) O custo base legal foi apresentado com 4 casas decimais de forma a ser possível comprovar e demonstrar a análise realizada pelo júri. Os cálculos intermédios, pese embora estejam apresentados com 2 casas decimais, os mesmos estão feitos considerando todas as casas decimais decorrentes das respetivas operações matemáticas. Assim, não houve quaisquer arredondamentos nos cálculos intermédios precisamente para se evitar enviesamentos. Tal é demonstrado como sucede na rúbrica «Carga anual do vigilante (h) (173,33*10,98)», na medida em que o valor de 1.904,00, resulta da multiplicação de 173,333333 x 10,9846154. Ora, o valor não resulta da multiplicação apenas de 2 casas decimais, mas sim de todas as casas quantas decorrem das respetivas operações matemáticas. O concorrente labora em erro ao confundir o descritivo da fórmula matemática com o valor que, por seu turno, resulta de cada operação matemática. (...) Efetivamente a diferença resulta do número de horas que o concorrente considerou nos seus cálculos. No caso, o concorrente considerou 732 horas, quando deveria ter considerado 730 horas.
(...)
a. O júri apresenta valores arredondados a 4 casas decimais e não a 5, como, certamente por lapso, refere o concorrente,
b. Correto, as propostas de ambos os concorrentes apresentam 2 casas decimais, tendo o júri adicionado, por uma questão atinente à uniformização do modo de apresentação dos valores por todos os concorrentes mais 2 casas decimais de valor igual a zero que equivale exatamente ao mesmo valor. Dá-se nota que não era exigido pelas peças do procedimento a apresentação de várias casas decimais, c. Conforme v/ considerando n.° 28, n.° 1, o valor do «Custo mensal do vigilante acrescido de TSU» é «(...) precisamente igual ao do Júri» (negrito vosso), pelo que não se entende esta afirmação do considerando n. ° 39, alínea c.
d. A C... apresenta no ponto 7 da demonstração do preço, no trabalho noturno, o valor da hora com o incremento dos subsídios de férias e de Natal e férias e TSU.
e. Conforme v/ considerando n.° 28, n.° 1, o valor do «Custo mensal do vigilante acrescido de TSU» é «(...) precisamente igual ao do Júri» (...). (...) O júri não arredondou nenhum valor apresentado pelos concorrentes C... e B..., conforme consta do relatório preliminar, e que aqui se junta em anexo. (...) A todos os concorrentes foi aplicado o mesmo princípio de não arredondamento de valores de modo a fazer cumprir o princípio da intangibilidade das propostas. O Júri não podia nem devia proceder a tal arredondamento dos preços decompostos apresentados pelo concorrente, na medida em que o mesmo iria enviesar a análise das propostas. Acresce, ainda, realçar que não se alcança o hipotético arredondamento proposto pelo concorrente de 7,864626para 7,87€, na medida em que terceira casa decimal é inferior a 5. (...)
a. Tal como já foi referido, o júri apresenta valores arredondados a 4 casas decimais e não a 5, como, certamente por lapso, refere o concorrente. O custo base legal foi apresentado com 4 casas decimais de forma a ser possível de comprovar a análise realizada pelo júri. Os cálculos intermédios, pese embora estejam apresentados com 2 casas decimais, os mesmos estão feitos considerando todas as casas decimais decorrentes das respetivas operações matemáticas. Assim, não houve quaisquer arredondamentos nos cálculos intermédios precisamente para se evitar enviesamentos.
b. Conforme já referido, a todos os concorrentes foi aplicado o mesmo princípio de não arredondamento de valores de modo a fazer cumprir o princípio da intangibilidade das propostas. O Júri não podia nem devia proceder a tal arredondamento dos preços decompostos apresentados pelo concorrente, na medida em que o mesmo iria enviesar a análise das propostas. Acresce, ainda, realçar que não se alcança o hipotético arredondamento proposto pelo concorrente de 7,86462€ para 7,87€, na medida em que terceira casa decimal é inferior a 5. c. Conforme já referido, a C... apresenta no ponto 7 da demonstração do preço, no trabalho noturno, o valor da hora com o incremento dos subsídios de férias e de Natal e férias e TSU.
d. O valor unitário da A... é inferior, conforme resulta do v/ cálculo de imputação do custo mensal a cada preço hora constante da v/ demonstração de preços. (...)
Conforme já referido, a todos os concorrentes foi aplicado o mesmo princípio de não arredondamento de valores de modo a fazer cumprir o princípio da intangibilidade das propostas. (...) O custo total é composto por um conjunto de custos legalmente impostos e devidamente determinados (ex: Salário base mensal, subsídios de alimentação, de férias e de Natal, Taxa Social Única), por custos legalmente impostos, mas não determinados (ex: medicina no trabalho, formação, seguro de acidentes trabalho), e por outros custos resultantes da estrutura da empresa (ex: custo de coordenação, direção, controlo operacional) e por fim a margem de lucro. As empresas têm total discricionariedade no apuramento dos seus custos, exceto aqueles que resultam das disposições legais e regulamentares, que foi, como não poderia deixar de o ser, nos termos do artigo 1.°-A do CCP, descortinada pelo júri. Assim, da apreciação à demonstração do preço hora proposto pelo concorrente, em cada lote, verificou-se que o custo base para todas as tipologias de serviço é inferior ao que resulta da aplicação da legislação e do Acordo Coletivo Trabalho. (...) ” (cf. pasta do PA designada “Relatório Final”);
M) Mais propôs o júri do procedimento a adjudicação de cada um dos lotes, nos seguintes termos:
Lote ... - Cl D..., pelo valor de € 89.649,13;
Lote ... - Cl C...;
Lote ... - Cl C...;
Lote ... - Cl D..., pelo valor de € 23.140,67;
Lote ... - Cl D..., pelo valor de € 55.768,94;
Lote ... - Cl D... pelo valor de € 19.759,33;
Lote ... - Cl B... (cf. idem); (Facto alterado pelo Acórdão do TCAN)
N) A 09/10/2023, a Câmara Municipal do Réu aprovou a proposta do júri do procedimento, nos moldes descritos no ponto anterior (cf. pasta do PA designada “Decisão de adjudicação ”);
O) A Autora apresentou impugnação judicial da proposta identificada no ponto anterior, processo esse que corre termos sob o n° 2153/23.0BEPRT (cf. pasta do PA designada “Anulação Administrativa e Adjudicação” e consulta ao sistema SITAF);
P) A 12/02/2024, e mediante proposta exarada pelo Senhor Presidente, a Câmara Municipal do Réu deliberou anular administrativamente a decisão de adjudicação dos lotes nºs ..., ..., ... e ... à Cl D..., mais determinando a adjudicação destes à Cl B..., graduada em segundo lugar (cf. idem);
Q) A petição inicial foi apresentada neste Tribunal a 05/03/2024 (cf. fls. 1 e seguintes dos presentes autos).”
IV – Do Direito
Decidiu-se na decisão Recorrida:
“(…) negar provimento ao recurso e manter todo o dispositivo da sentença recorrida” que havia julgado “totalmente procedente a ação”.
Vejamos:
Importa atender a que não cabe à entidade adjudicante fiscalizar o cumprimento de normas que se destinam a regular as relações entre os concorrentes e os respetivos trabalhadores, sendo que a proposta violadora do disposto no artigo 70.º n.º 2, alínea f), do CCP, não é aquela cujos preços não refletem os custos salariais e sociais, mas antes a que contém condição ou elemento contrários aos normativos legais e regulamentares em vigor, conduzindo a que o contrato celebrado, por aceitar essa incompatibilidade, desrespeite tais normativos.
O que o Código de Contratos Públicos proíbe é que os concorrentes apresentem globalmente um preço anormalmente baixo, sob pena de exclusão (artigo 70º n.º 2 al. e) e artigo 71º do CCP), e não segmentadamente sejam apresentados os valores mínimos recomendados pela ACT.
Os valores dos preços finais insertos na recomendação da ACT são valores meramente indicativos, recomendados, não constituindo ou gozando de um qualquer valor impositivo obrigatório e absoluto como valor mínimo que importe ser estritamente observado sob pena de ilegalidade.
Como se aludiu no Acórdão deste STA nº 03/21.1BEBRG, de 21-04-2022, “(…) Para efeitos de ponderação de exclusão de proposta com fundamento na alínea f) do nº 2 do art. 70º do CCP (“cuja análise revele que o contrato a celebrar implicaria a violação de quaisquer vinculações legais ou regulamentares aplicáveis”) – tal como na alínea e) (“cuja análise revele um preço ou custo anormalmente baixo”) - não relevam preços parcelares relativos a partes de execução do contrato, em si mesmo considerados, sem prejuízo de estes poderem servir de elementos indiciários de tais violações ou da anomalia do preço global, designadamente quando corresponderem a partes com peso significativo na execução do contrato, afetando a sua coerência e a do preço global (cfr. Ac. TJUE de 28/1/2016, proc. T-570/13, “Agroconsulting”).
Aqui chegados, o Recorrente apresenta dois argumentos tendentes a demonstrar que o tribunal a quo incorreu num manifesto erro de julgamento.
Em bom rigor, o Recorrente/Município limita-se a retomar toda a argumentação que havia esgrimido já nas instâncias, invocando que a proposta da Recorrida deveria ter sido ser excluída, por violação do disposto nos artigos 70°, n.° 2, alínea f), e 146.°, n.° 2, alínea o), do CCP, atenta a circunstância de se mostrar em desconformidade com o disposto nos artigos 258.° e 492.°, n.ºs 1. al. f), e 2, al. e), do Código do Trabalho, e nos Anexos II e VII do acordo coletivo de trabalho aplicável.
Alegou ainda o Município que o Acórdão Recorrido considerou legítimo que fosse indicado um preço para a prestação de um serviço abaixo do mínimo legal permitido pelo Código de Trabalho, o que constituiria um manifesto erro de julgamento, pois não se mostraria cumprida a remuneração mínima exigida pela legislação laboral.
Em qualquer caso, como decorre do já precedentemente descrito, não se acompanha o entendimento recursivo.
Importa evidenciar que a proposta da Recorrida não foi excluída pelo facto de o preço de venda por si apresentado não ser suficiente para fazer face a todos os custos legais e regulamentares obrigatórios aplicáveis, mas antes em decorrência de alegadamente os valores base que estão na origem do cálculo do preço contratual não respeitarem os requisitos legais e regulamentares aplicáveis.
Efetivamente em sede concursal o Município não considerou que o preço contratual global apresentado pela Recorrida fosse insuficiente para cumprir com as obrigações legais remuneratórias ou que fosse, sequer, um preço anormalmente baixo.
Não tendo sido feita prova cabal de que a proposta aqui controvertida apresentasse um preço anormalmente baixo, à luz dos normativos aplicáveis, a saber, os artigos 1.°-A, n.° 2, 71.°, n.° 2, 70. °, n. ° 2, alínea e) e 146.°, n.° 2, alínea o) do CCP, não poderia a proposta ser excluída, pois que, mesmo que se entendesse que os valores remuneratórios unitários apresentados seriam baixos, essa circunstancia não deixaria de constituir um mero indicio da invocada violação, que não foi confirmado pelo conjunto da prova disponível. (cfr o já referenciado Ac. TJUE de 28/1/2016, proc. T-570/13, “Agroconsulting”).”
A solução aqui preconizada, encontra respaldo no decidido no Acórdão do STA n.° 3085/22.5BELSB, de 6 de julho de 2023, onde igualmente ficou por demonstrar que os valores globais propostos não se mostrariam suficientes para cumprir todas as exigências salariais, quer por imposição legal, quer por imposição regulamentar.
Em bom rigor, e em concreto, a discussão nunca foi feita em decorrência da apresentação por parte da Recorrida de preços globalmente anormalmente baixos, mas sim em função do alegado incumprimento das imposições legais salariais, quanto aos valores unitários por hora.
As instâncias limitaram-se a dar como provado que os valores unitários/hora apresentados pela Recorrida não desrespeitavam os requisitos legais e regulamentares aplicáveis.
Aqui chegados, está bem de ver que perante da factualidade dada como provada, resulta a inaplicabilidade do disposto na alínea f) do n.° 2 do artigo 70.° do CCP, uma vez que ficou por demonstrar que a proposta da Recorrida não estivesse em condições de garantir estarem cobertos os custos legais e regulamentares exigidos.
Em qualquer caso, sempre improcederia o presente Recurso, pois que a proposta apresentada pela aqui Recorrida não tem por objeto o pagamento de remunerações que o concorrente se proponha pagar aos seus colaboradores, mas sim o preço dos serviços a prestar, a cobrar à Entidade Adjudicante, de maneira que não se pode dizer que o candidato, ao propor, quer os preços totais quer os parcelares, emita qualquer declaração tácita ou expressa, sobre quanto vai pagar aos seus trabalhadores, sendo abusiva e descontextualizada qualquer conclusão que a esse respeito se faça.
Afirmar que o valor proposto pela Recorrida se mostraria insuficiente para satisfazer as obrigações laborais e sociais em que está constituída, determinaria que se estivesse perante uma proposta com um preço anormalmente baixo, o que não foi sequer alegado e menos ainda demonstrado.
Os preços unitários não se integram no preço global da proposta, sendo que o artigo 71.º, n.º 2 do CCP estabelece que «mesmo na ausência de definição no convite ou no programa do procedimento, o preço ou custo de uma proposta pode ser considerado anormalmente baixo, por decisão devidamente fundamentada do órgão competente para a decisão de contratar, designadamente, por se revelar insuficiente para o cumprimento de obrigações legais em matéria ambiental, social e laboral ou para cobrir os custos inerentes à execução do contrato».
O preço de uma proposta corresponde pois ao preço contratual proposto.
Deste modo, o n.º 2 do artigo 71.º do CCP aplica-se ao preço global da proposta, e não a cada um dos preços unitários propostos, sendo que a lei apenas releva os preços anormalmente baixos dentro dos parâmetros globalmente definidos.
Assim, entende-se que não foi feita prova cabal de que a proposta da Recorrida apresentasse um preço anormalmente baixo, à luz dos normativos aplicáveis, a saber, os artigos 1.º-A, n.º 2, 71.º, n.º 2, 70.º, n.º 2, alínea e) e 146.º, n.º 2, alínea o) do CCP, pois que, mesmo que se entendesse que os valores remuneratórios unitários recursivamente invocados, seriam baixos, essa circunstancia não deixaria de constituir um mero indicio da invocada violação, que não foi confirmado pelo conjunto da prova disponível.
Os preços parciais podem servir de elementos indiciários da anomalia do «preço global», não passando, no entanto, de meros indícios, o que não veio a ser confirmado em termos globais.
Como sumariado no já referenciado Acórdão do STA de 21-04-2022, proferido no Proc. n.° 03/21.1BEBRG, “(…) “Para efeitos de ponderação de exclusão de proposta com fundamento na alínea f) do n.° 2 do art. 71° do CP (...) tal como na alínea e) (...) não relevam preços parcelares relativos a partes de execução do contrato, em si mesmo considerados, sem prejuízo de estes poderem servir de elementos indiciários de tais violações ou da anomalia do preço global (...)".
* * * Deste modo, em conformidade com o precedentemente expendido, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal Administrativo, negar provimento ao Recurso, mais se confirmando o Acórdão Recorrido.
Custas pelo Recorrente
Lisboa, 23 de janeiro de 2025. – Frederico Manuel de Frias Macedo Branco (relator) - Cláudio Ramos Monteiro - Catarina de Moura Ferreira Ribeiro Gonçalves Jarmela. |