Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:0404/23.0BEFUN
Data do Acordão:06/05/2024
Tribunal:2 SECÇÃO
Relator:ANÍBAL FERRAZ
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P32341
Nº do Documento:SA2202406050404/23
Recorrente:A..., LDA - ZONA FRANCA DA MADEIRA
Recorrido 1:AT-RAM
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral:
Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa;

1

A..., Lda., (Zona Franca da Madeira), …, recorre de sentença, proferida no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Funchal, em 11 de março de 2024, que, além do mais, julgou improcedente esta reclamação de ato do órgão da execução fiscal ( “n.º ...19, instaurado por dívida de IRC do exercício de 2013 no valor global de € 1 612 512,47”.).
A recorrente (rte) produziu alegação e concluiu: «


A. O presente recurso tem por objeto a Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal, que decidiu pela improcedência da reclamação judicial deduzida pela ora Recorrente, nos termos e para os efeitos do artigo 276.º e seguintes do CPPT, da decisão do órgão de execução fiscal, de não aplicação in totum das regras de natureza processual tributária aplicáveis no âmbito do processo de execução fiscal, em razão da natureza da dívida em causa no processo de execução fiscal n.º ...19, para cobrança coerciva de IRC, do período de tributação de 2013, no montante de € 1.607.078,29, acrescido de custas processuais e encargos no montante de € 5.434,18, totalizando a quantia de € 1.612.512,47, no âmbito do processo de recuperação dos auxílios de Estado concedidos a empresas da Zona Franca da Madeira,
B. e deve ter subida imediata nos próprios autos para a Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, por respeitar exclusivamente a matéria de direito (artigos 280.º, n.º 1 e 286.º, n.º 1 do CPPT) e com efeito suspensivo (artigos 278.º, n.º 3 e 6 e 286.º, n.º 2 do CPPT).
C. A Sentença recorrida padece de erro de julgamento quanto à identificação do objeto e das questões ou causas de pedir.
D. De facto, entendeu a Sentença recorrida que o objeto da reclamação judicial deduzida pela Recorrente é o teor do ato de citação para o processo de execução fiscal acima identificado, e os respetivos vícios que lhe são imputáveis.
E. Em função de tal perceção (errónea) do objeto da reclamação, concluiu pela improcedência da presente reclamação (ainda que não com fundamento na procedência da exceção do erro na forma do processo).
F. Contudo, salvo o devido respeito, que é muito, o ato de citação (e a violação das respetivas formalidades legais) não é o objeto da reclamação judicial aqui em causa.
G. O objeto da reclamação judicial em causa é a decisão administrativa em matéria fiscal – de aplicação apenas parcial das regras de processo tributário a um procedimento de recuperação de auxílios, em razão da alegada natureza da dívida exequenda – decisão que se encontra exteriorizada na citação para o referido processo de execução fiscal.
H. Com efeito, do conteúdo da citação é possível inferir que o órgão de execução fiscal tomou a decisão deliberada de aplicar o processo de execução fiscal à recuperação de auxílios de Estado (de resto, sem habilitação legal) de modo fragmentado, desaplicando, em concreto, as regras que prevêem a possibilidade de pagamento da dívida em prestações e suspensão do processo mediante a constituição de garantia idónea ou a sua dispensa –, alegando, sem concretizar, a natureza e as características da dívida.
I. A indicação de que a supressão de determinadas garantias decorre “da natureza e características da dívida” corresponde a uma fundamentação manifestamente insuficiente de um ato administrativo, como é defendido pelo Exmo. Representante do Ministério Público.
J. Não está, assim, em causa a sindicância do ato de citação enquanto ato eminentemente informativo, mas antes do ato administrativo prévio que determinou a elaboração dos atos de citação nos termos em que o foram.
K. No caso concreto, os vícios formais da citação mais não são do que a decorrência da execução da decisão administrativa que lhes serve de base: a não concessão de possibilidade de suspensão da execução não decorre de um lapso ou incorreção da citação, que, pela sua incompletude ponha em causa o direito à informação do contribuinte sobre os seus direitos e garantias processuais, mas sim o resultado da convicção da AT de que as regras do processo tributário são aplicáveis à recuperação do auxílio mas apenas na medida em que, na sua interpretação, não ponham em causa o principio da efetividade da decisão de recuperação do auxílio, revelando assim todo um esforço hermenêutico que necessita ser escrutinado.
L. Ao contrário do que entende o Tribunal a quo, no requerimento de arguição de nulidades da citação apenas podem ser invocados os vícios formais da citação, decorrentes da falta dos requisitos prescritos pela lei, mas não o mérito das decisões administrativas que lhe subjazem, sendo essa a razão que conduziu a Recorrente a apresentar a reclamação judicial em apreço.
M. No presente caso, dúvidas não subsistem que não está apenas em causa a violação das formalidades da citação, mas antes a execução de uma decisão da AT tomada em função da natureza e características da dívida, decisão essa que não pode deixar de ser escrutinada pelo Tribunal.
N. Na verdade, ou a AT considera que está a executar um imposto e tem de o fazer nos termos das normas de processo tributário aplicáveis in totum,
O. ou entende que a dívida em execução não tem a natureza de imposto e aplica as regras que se mostrem apropriadas a esse efeito e que legitimam a sua atuação, identificando-as para que o contribuinte possa exercer, de forma efetiva, os seus direitos.
P. O que a AT não pode fazer é aplicar parcialmente um regime processual, que foi concebido como um conjunto coerente de direitos e deveres, com base em critérios que não se conhecem e sem indicação de qualquer base legal.
Q. Deste modo, a Recorrente não pode concordar com tal decisão administrativa, pois – tal como mais bem explicitado na reclamação judicial deduzida–, a mesma padece de (i) vício de falta de fundamentação, não sendo inteligível qual a motivação e base legal para considerar derrogadas as disposições legais constantes dos artigos 163.º, 169.º, 189.º, 190.º, 196.º, 200.º do CPPT e artigo 52.º da LGT, e, ainda, de (ii) ilegalidade por violação de lei, em concreto, dos mencionados artigos.
R. Ora, esta decisão de desaplicação de parte da legislação processual tributária não se confunde com a citação, sendo antes a citação, nos termos em que foi efetuada, o mero ato informativo que atesta a existência de uma decisão administrativa previamente tomada e não notificada ou fundamentada.
S. Assim sendo, estamos perante uma decisão da AT, proferida no âmbito de um processo de execução fiscal, que é contestável por meio da reclamação judicial prevista no artigo 276.º e seguintes do CPPT.
T. Nos termos do artigo 276.º do CPPT, as decisões proferidas pelo órgão de execução fiscal que, no processo, afetem os direitos e interesses legítimos do executado ou de terceiro, são suscetíveis de reclamação para o Tribunal Tributário de primeira instância.
U. No presente caso, sendo o ato sob reclamação a decisão de aplicação das regras de processo tributário à recuperação de auxílios de Estado com recusa do direito a realizar pagamento em prestações da alegada dívida e, bem assim, de apresentar garantia idónea para suspensão do processo, dúvidas não subsistem de que a decisão em causa afeta legítimos direitos e interesses da Recorrente, circunstância que lhe confere legitimidade processual para reclamar da mesma.
V. No caso sub judice, o entendimento do Tribunal a quo de que as questões invocadas pela Recorrente na reclamação judicial aqui em causa não são questões próprias desse meio processual mas sim de um requerimento de arguição de nulidade e que só depois de ser proferida decisão quanto a este requerimento pode ser apresentada reclamação judicial, viola não só o disposto no artigo 276.º do CPPT, como o princípio da economia e da celeridade processual, decorrente do artigo 130.º do CPC e, como também o princípio da tutela jurisdicional efetiva, previsto no artigo 268.º, n.º 4 da CRP.
W. Em face de tudo quanto se vem expondo, deve o presente recurso ser julgado procedente, por provado e a decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que determine a procedência da reclamação.

Nestes termos e nos mais de Direito requer-se a V. Exa. se digne admitir o presente recurso e julgá-lo procedente, por provado, revogar a Sentença recorrida e substituí-la por outra que determine a procedência da reclamação. »

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Não houve lugar a contra-alegações.

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O Exmo. Procurador-geral-adjunto emitiu parecer, concluindo, que o recurso não merece provimento.

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2

Na sentença recorrida, consta: «


Em face da prova carreada para os autos, o Tribunal julga provados os seguintes factos e circunstâncias processuais:

1. Pelo Serviço de Finanças do Funchal - 2 foi instaurado contra A..., LDA., o processo de execução fiscal n.º ...19, por dívida de IRC do exercício de 2013 – recuperação de auxílios, no valor global de € 1 612 512,47 (cfr. processo de execução fiscal em suporte virtual);
2. Aquele Serviço de Finanças enviou então a citação do processo de execução fiscal à aqui Reclamante (cfr. processo de execução fiscal em suporte virtual e documento n.º 1 junto à p.i.);
3. Recebida a citação pela aqui Reclamante, veio a mesma apresentar a presente reclamação, formulando como pedido o de anulação do ato reclamado, e como causas de pedir que a citação é ilegal por impossibilidade de a Reclamante beneficiar da possibilidade de suspender a dívida em cobrança coerciva através da prestação de garantia idónea, da concessão da dispensa da sua prestação ou da possibilidade de realizar o pagamento em prestações da dívida, padecendo ainda de falta de fundamentação (cfr. teor da p.i. de reclamação e processo de execução fiscal em suporte virtual);
4. A aqui Reclamante apresentou também um requerimento de arguição de nulidade da citação, requerimento esse que ainda não se mostra decidido pelo Órgão de Execução Fiscal (cfr. teor da p.i. de reclamação e ofício enviado pelo Serviço de Finanças com a referência Ofício (...73) Ofício (...78) de 22/01/2024 14:50:39). »

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As questões suscitadas neste apelo, concretizadas na síntese das conclusões inicialmente reproduzidas, foram versadas ( Com conclusões (da alegação) decalcadas, estando em causa o mesmo tributo…), no acórdão, do STA, de 10 de abril de 2024, processo n.º 301/23.0BEFUN.

Em função deste antecedente, visto, depois, com força legiferante transversal, o estatuído no artigo (art.) 8.º n.° 3 do Código Civil (CC) e usando da faculdade concedida pela 2.ª parte do n.° 5 do art. 663.° do Código de Processo Civil (CPC), ex vi do art. 281.° do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), porque concordamos, na íntegra, com o que, ali, ficou decidido e respetiva motivação, remetemos para a fundamentação jurídica, adotada no aresto identificado, em apoio da decisão sequente.


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3

Face ao exposto, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo, acordamos não prover o recurso.


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Custas pela recorrente, com dispensa de pagamento do remanescente da taxa de justiça, na parte que excede € 275.000,00, considerado, sobretudo, o cariz remissivo desta decisão colegial.

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Não procedemos à junção de cópia do acórdão remetido, porque, além do mais, se encontra disponível no sítio www.dgsi.pt (com acesso livre).

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[texto redigido em meio informático e revisto]

Lisboa, 5 de junho de 2024. - Aníbal Augusto Ruivo Ferraz (relator) - Joaquim Manuel Charneca Condesso - Francisco António Pedrosa de Areal Rothes.