Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0478/09.7BECBR 0191/18 |
Data do Acordão: | 05/08/2024 |
Tribunal: | 2 SECÇÃO |
Relator: | ARAGÃO SEIA |
Sumário: | |
Nº Convencional: | JSTA000P32220 |
Nº do Documento: | SA2202405080478/09 |
Recorrente: | A..., LDA. |
Recorrido 1: | AT – AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
Aditamento: | |
Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: A..., LDA., já identificada, não se podendo conformar com a sentença proferida nos autos, de improcedência do pedido de anulação dos actos de liquidação impugnados, vem interpor recurso em matéria de direito para o Supremo Tribunal Administrativo, Secção de Contencioso Tributário. Alegou, tendo concluído: a) A sentença recorrida constitui paradigma de uma jurisprudência simplesmente formal e formalista que a recorrente pensava – também erradamente! – que estaria erradicada da nossa prática judicial, mesmo da 1.ª instância, que despreza totalmente a indagação da ratio axiológica dos preceitos legais; b) Ao contrário do considerado na sentença recorrida, a lei admite a substituição dos peritos indicados pelos contribuintes no pedido de revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos, na segunda reunião marcada por falta justificada do perito do contribuinte à primeira reunião, desde que não implique o adiamento dessa segunda reunião e nem o Director Distrital de Finanças nem o perito da administração que conduz o procedimento do debate contraditório têm competência para autorizar ou dar por provado o impedimento do perito do contribuinte às reuniões designadas; c) Na verdade, a indicação do perito do contribuinte, e enquanto seu representante voluntário, baseia-se no direito fundamental da autonomia jurídica dos particulares, sejam eles cidadãos ou pessoas colectivas por estes direitos serem compatíveis com a natureza destas pessoas, consagrada nos art.ºs 12.º e 26.º, n.º 1 da CRP, e nos art.ºs 15.º e 16.º, n.º 1 da LGT; d) Sendo um corolário necessário desse direito fundamental, não precisa a lei de prever a possibilidade de substituição do representante-perito do contribuinte à primeira ou segunda reuniões da comissão de revisão: ela decorre da expansividade e máxima eficácia do direito fundamental da personalidade e capacidade jurídicas e tributárias; e) Ao contrário, para o Director Distrital de Finanças ou o perito por ele indicado como representante da administração na comissão de revisão terem competência para autorizarem a substituição do perito indicado pelo contribuinte ou considerarem verificado o justo impedimento era necessária a existência de lei expressa atributiva desse poder administrativo e ela não existe; f) A presença, na segunda reunião da comissão de revisão, de um perito-representante indicado pelo contribuinte diferente daquele que foi indicado no requerimento do pedido de revisão e que faltou justificadamente à primeira reunião da comissão, que se faz acompanhar de atestado médico justificativo da falta do primeiro perito à primeira reunião, e de um requerimento dirigido ao Director Distrital de Finanças a dar conta da substituição do perito do contribuinte, traduz uma situação de revogação do mandato voluntário do primeiro perito, nos termos nos termos do art.º 1171.º do Código Civil e 16.º n.º 1 da LGT; g) Essa substituição do perito do contribuinte opera imediatamente no acto da segunda reunião da comissão de revisão que não pode ser adiada com base na falta do perito do contribuinte; h) A não realização da segunda reunião dos peritos, por a administração, não ter autorizado a substituição imediata do perito da contribuinte na segunda reunião, consubstancia uma preterição ilegal de formalidade legal (art.º 91.º, n.º 6 da LGT) e inquina a decisão administrativa que considerou verificada a desistência do pedido de revisão por banda do contribuinte de ilegalidade; i) Deste jeito, a sentença que considerou verificar-se a falta de cumprimento da condição ou pressuposto especial de recorribilidade a que aludem os art.ºs 86.º, n.º 5 da LGT e 117.º, n.º 1 do CPPT, de prévia reclamação da decisão que determinou a matéria tributável por métodos indirectos com base em tal decisão administrativa, enferma de erro de julgamento; j) E na mesma linha, também, de erro de não julgar procedente a alegação do vício de preterição de formalidade legal invocada como fundamento da anulação dos actos tributários impugnados; k) A interpretação do art.º 91.º, n.º 6 da LGT, no sentido perfilhado pela sentença recorrida é manifestamente inconstitucional, violando o princípio da proporcionalidade, nas suas dimensões de necessidade, adequação e justa medida, ínsito no princípio material do Estado de direito consagrado no art.º 2.º da CRP; l) A fundamentação da liquidação de tributos por métodos indirectos de determinação da matéria tributável carece, por razões constitucionais (art.º 268.º, n.º 3 da CRP) e infra-constitucionais (art.º 77.º, n.º 4 da LGT), de ser discriminada, detalhada, pormenorizada, minuciosa, embora sucinta, ou, seja, o destinatário do acto, e por via de impugnação por si deduzida os tribunais, tem de ficar a saber, em face do texto verbal do discurso, todas, mas absolutamente todas, as razões factuais e jurídicas pelas quais a administração sustenta que certos factos tributários existiram e têm a expressão quântica que aponta no relatório, bem como os fundamentos factuais e jurídicos em cuja existência justifica o exercício dos seus poderes de autoridade. m) A sentença recorrida incorre em petição de princípio ao entender que se o contribuinte impugnou judicialmente as liquidações foi porque entendeu o discurso administrativo e ele era suficiente, pois para que o tribunal recorrido pudesse assim concluir carecia de ter demonstrado que a fundamentação, objectivamente analisada por um contribuinte medianamente competente e avisado (o bonus pater famílias contribuinte), permitia que ele pudesse alegar e demonstrar (a fundamentação também tem de externar os meios de prova em que a administração se baseou), em juízo ou perante a administração, todos os vícios de que os actos impugnados de liquidação eram passíveis face à fundamentação externada. n) A propósito da conta CAIXA aponta-se na fundamentação que se “encontra movimentada por registos que não devem constar da mesma, por exemplo cheques pré-datados recebidos, emissão de recibos cujo meio de pagamento foi por cheque, bem como outros registos efectuados por compensação e levantamentos efectuados em terminais do Multibanco, por reforços de caixa (irreais) relativamente a movimentos (levantamentos) de cheques para os quais não existem documentos de suporte”: perante este discurso fica sem saber-se a que outros registos da Conta Caixa se refere a administração (por compensação, levantamentos e reforços), até porque os concretizados não traduzem factos que indiciem, por sua natureza, ocultação de rendimentos porque estes constam de documentos, apenas justificando a correcção da contabilidade; o) O mesmo discurso de fundamentação refere que “existem ainda outros movimentos da Conta Caixa que, apesar dos movimentos a débito já referidos (…) fazem com que a mesma apresente saldo credor (o que não pode acontecer)….”, não dando a saber que outros movimentos da Caixa a administração se refere; p) Na mesma fundamentação, diz-se que “o sector de actividade em que se insere [a actividade do sujeito passivo, aqui recorrente] não gera, a não ser a existência de custos extraordinários, resultados negativos uma vez que a necessidade de custos fixos é muito reduzida”, não dando a conhecer em que fundamentos económicos ou outros se apoia a administração para fazer essa afirmação ou juízo administrativo. q) Nestes termos, ao contrário do julgado as liquidações encontram-se inquinadas de ilegalidade consubstanciada em insuficiência de fundamentação. Deste modo, deve dar-se provimento ao recurso, revogar-se a sentença recorrida e ser a impugnação julgada procedente, por provada, com base nas ilegalidades de preterição da referida formalidade legal e por falta de fundamentação. Não foram produzidas contra-alegações e o Ministério Público emitiu parecer no sentido do provimento do recurso. Cumpre decidir. Na sentença recorrida levou-se ao probatório a seguinte matéria de facto: A) Em 13-08-2008, os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Leiria elaboraram relatório final de procedimento de inspeção efetuado à ora Impugnante relativo ao exercício de 2005, onde consta, designadamente, o seguinte: “(…)II.2 – MOTIVO, ÂMBITO E INCIDÊNCIA TEMPORAL A presente inspeção enquadra-se no PNAIT com o código 221.34, em virtude do SP apresentar no exercício de 2005 um prejuízo fiscal de € 10.499,66 e um volume de negócios (prestação de serviços) de € 251.501,63, o que representa uma rendibilidade fiscal negativa de 4,17%, valor este muito inferior à média nacional que se cifrou em 1,73% (positiva). (…) II.3.2 – CARATERIZAÇÃO DA ATIVIDADE A atividade desenvolvida consiste na contratação e cedência de trabalhadores ao abrigo da regulamentação do trabalho temporário (…) II.3.3.1 – ANÁLISE DAS PRINCIPAIS RUBRICAS Com o intuito de aferir da regularidade dos resultados contabilísticos e fiscais, nomeadamente o prejuízo declarado para o exercício de 2005, procedeu-se à análise das principais rúbricas de custos, nomeadamente os custos com pessoal (conta 64) e de fornecimentos e serviços externos (conta 62), no total representam 101% do volume de negócios (VN), isto é, os custos são superiores aos proveitos. Relativamente aos custos com pessoal no valor de € 226.703,05 (representa 90% do VN), constatou-se que o SP, não efetuou pagamentos ao pessoal de ajudas de custo, sendo declarados todos os montantes pagos para efeitos de tributação em IRS, exceto o subsídio de refeição, pago pelo valor máximo não sujeito a IRS (€ 5,75 dia) (…) Como já referido, os custos com pessoal representam 90% do VN, o que representa um valor excessivamente elevado quando comparado com a média nacional que foi de 84% e até mesmo quando comparado com os próprios valores apresentados pelo próprio SP nos exercícios de 2003 e 2004, que representavam 62% e 74% respetivamente, de salientar que é esta relação (custos com pessoal/volume de negócios) que origina o resultado negativo apresentado pelas contas do SP no exercício de 2005, isto é o rácio apresenta um valor mais elevado. (…) De facto as rubricas de custos analisadas não justificam a apresentação de um resultado líquido negativo por parte do SP, já que o setor de atividade em que se insere não gera, a não ser a existência de custos extraordinários, resultados negativos uma vez que a necessidade de custos fixos é muito reduzida (…) II.3.4.2 – AJUDAS DE CUSTO Em virtude de o sócio gerente ter auferido, a título de abono de ajudas de custo por dias sucessivos (100%), todos os dias úteis da semana, todas as semanas do ano, o valor de € 10.591,00, efetuou-se uma análise pormenorizada aos documentos de suporte que justificam a atribuição deste abono. (…) o SP apenas apresenta um mapa no qual identifica a suposta hora de saída no início da semana, o local onde esteve deslocado e a hora de regresso no final da semana (regressa sempre na manhã do dia útil seguinte), não apresentando qualquer justificação, nem qual o objetivo prosseguido com a deslocação e estadia por dias sucessivos. Questionado o sócio gerente, sobre qual a necessidade de tais deslocações o mesmo referiu que tem de se deslocar aos vários locais onde tem trabalhadores para que tudo corra bem, pois frequentemente tem de substituir trabalhadores, ir levar ou trazê-los das diversas obras, deu a titulo de exemplo aquele próprio dia em que já tinha ido levar um trabalhador (a ...) às 6 horas da manhã e já estava de regresso (eram 11 horas), no entanto não apresentou qualquer justificação para a atribuição de ajudas de custo por dias sucessivos. Ora se, como referiu o sócio gerente, diariamente tem de se deslocar às diversas obras para controlar os trabalhadores, os mapas que apresenta não representam a realidade, já que em regra se referem a apenas uma deslocação, para uma obra em concreto, durante toda a semana. O facto de se deslocar às diferentes obras (em viatura da empresa), que em 2005 eram em: ... (cliente B...); ... e … (cliente C...); ..., ... (cliente D...); ... , … (cliente E...), não justifica por si só a atribuição de ajudas de custo, até porque todas elas se encontra, num raio de cerca de 50 quilómetros da sede da empresa, em que a deslocação diária entre elas é perfeitamente viável e economicamente mais racional. Mas partindo do pressuposto que de facto o SP ficava toda a semana em cada uma das obras (ia à segunda feita e regressava na sexta feira) tal significaria que a viatura que utiliza realizaria cerca de 100 Kms por semana, o que em termos anuais representaria cerca de 5.200 Kms, ora entre 03-01-2005 e 28-12-2005 a viatura ..-..-JD, usada pelo sócio gerente, fez 65.287 Kms, tendo em conta os quilómetros indicados nos talões de combustível. (…) Do exposto conclui-se que o sócio gerente utiliza de forma abusiva as normas fiscais para reduzir a sua tributação em sede de IRS (…) IV – MOTIVOS E EXPOSIÇÃO DOS FACTOS QUE IMPLICAM O RECURSO A MÉTODOS INDIRETOS Na sequência dos factos resultante da análise à contabilidade do sujeito passivo, verificaram-se erros, inexatidões e omissões no registo de operações, que não só constituem indícios fundados da existência da omissão de registos, bem como ainda demonstram claramente não ser possível determinar a exata situação patrimonial e o resultado efetivamente obtido no ano de 2005. De facto constatou-se que a conta caixa (111-Caixa), não oferece qualquer credibilidade já que se encontra movimentada por registos que não devem constar da mesma, por exemplo cheques pré datados recebidos, emissão de recibos cujo meio de pagamento foi por cheque, bem como outros registos efetuados por compensação e levantamentos efetuados em terminais de Multibanco, por reforços de caixa (irreais) relativamente a movimentos (levantamentos) de cheques para os quais não existem documentos de suporte (…). Existem ainda outros movimentos da conta caixa que, apesar dos movimentos a débito já referidos (…) fazem com que a mesma apresente saldo credor (o que não pode acontecer), para retificar esta situação foi efetuado um registo (relativo a operação inexistente) movimento a débito da conta no valor de € 12.000,00 (…) por contra partida da conta do sócio gerente (conta ...91), de facto este registo não corresponde a qualquer entrada de dinheiro em caixa, conforme se apurou junto ao sócio gerente e do responsável pela contabilidade, tendo servido apenas para camuflar irregularidades que originaram o saldo credor que a conta caixa apresentava à data. (…) existem fortes indícios de omissão de proveitos, quer seja por sub faturação de serviços prestados, seja por omissão total de proveitos relativos a cedência de pessoal, já que o SP apesar de ser uma empresa de trabalho temporário, a quase totalidade da cedência de pessoal é feita para o setor da construção civil e obras públicas, setor este bem conhecido pela forte omissão de custos com a mão de obra (…) Pelo que tudo indica que a empresa de trabalho temporário e no caso concreto o SP receberá para além do valor hora de trabalho faturado, uma importância não faturada que rondará as várias dezenas de cêntimos hora/trabalhador, valor esse omitido assim aos proveitos da empresa de trabalho temporário, sendo estes valores sempre movimentados a dinheiro. (…) Assim, perante estes elementos não é credível que o sócio gerente sabendo exatamente qual o valor de margem que tem de ter sobre o custo hora, tenha acordado prestar serviços (ceder trabalhadores), que não lhe permitem fazer face aos custos em que incorre. Isto é, não é credível que uma entidade cujos custos são em cerca de 98% variáveis (apenas as amortizações o não são) este tipo de atividade não exige estrutura nem o SP no ano em causa a possuía (era o sócio gerente que realizava todas as tarefas) esteja a prestar serviços abaixo do preço de custo, isto é, a diminuir a situação patrimonial da empresa, em última análise a retirar dos seus lucros (sócio) para pagar aos trabalhadores. Muito pelo contrário, a razão para as contas do SP apresentar resultados negativos é de facto a existência de uma margem muito reduzida entre os custos com o pessoal e o volume de negócios, mas porque este não é o real. Esta margem apurada com base na contabilidade não é a realmente obtida por omissão de proveitos, pois por tudo o que já se expôs se concluiu que na elaboração das contas existem graves irregularidades, sendo exponente máximo o caso dos mapas de ajudas de custo que se apurou não refletirem a realidade, o saldo credor da conta caixa e a falta de coerência dos rácios contabilísticos do SP quando comparados com as médias nacionais, esta claramente provocada pela omissão de proveitos. Perante as circunstâncias, torna-se inexequível a determinação da matéria coletável através de avaliação direta (…) até porque esta inviabilidade resulta da insuficiência de elementos necessários à averiguação e determinação da globalidade de algumas rubricas, designadamente o valor real dos serviços prestados. (…) V.1.2 – CORREÇÕES EM SEDE DE IVA - 2005 Relativamente ao IVA em falta, resultante da correção efetuada às prestações de serviços, considerou-se que a omissão ocorreu ao longo de todo o exercício de 2005 e como tal a base tributável foi repartida em partes iguais pelos doze períodos (fazendo-se o acerto no último), tendo-se aplicado a taxa de IVA em vigor em cada um dos períodos (….).”. – (cfr. fls. 27 a 47 do processo administrativo apenso). B) Em 18-09-2008 os Serviços de Inspeção Tributária da Direção de Finanças de Coimbra elaboraram relatório final de procedimento de inspeção ao sócio gerente da ora Impugnante AA, no qual concluíram, além do mais, que os rendimentos por este declarados em sede de categoria F (rendimentos prediais) de IRS, para o ano de 2005, correspondiam à realidade. – (cf. doc. de fls. 129 a 133 dos autos). C) Em data não determinada a Impugnante formulou junto da Direção de Finanças de Leiria pedido de revisão da matéria coletável apurada no relatório de inspeção mencionado na alínea A) indicando como seu perito BB. – (cf. fls. 10 a 25 do processo administrativo apenso). D) O Diretor de Finanças de Leiria designou por despacho o dia 07-10-2008 para o início do procedimento de revisão mencionado na alínea anterior. – (cf. fls. 6 dos autos). E) Com data de 06-10-2008 foi emitido atestado médico em como BB se encontrava doente e impossibilitado de sair do seu domicílio a partir deste data e por um período de três dias. – (cf. doc. de fls. 14 dos autos). F) Em data não concretamente determinada, a impugnante elaborou documento endereçado ao Diretor de Finanças de Leiria a proceder à substituição do perito indicado pelo Dr. CC. – (cf. doc. de fls. 15 dos autos). G) Com data de 13-10-2008, no âmbito da reunião da Comissão de Revisão, foi prestada informação sobre a substituição do perito do contribuinte onde consta, designadamente, o seguinte: “Foi designado por despacho do Sr. Diretor de Finanças de Leiria o dia 07/10/2008 para o início do procedimento de revisão da matéria coletável da sociedade A... (…). No dia marcado para a reunião o Perito do contribuinte não compareceu, tendo sido novamente notificado (…) para comparecer a uma nova reunião no dia 13/10/08 (…) tendo sido informado que deveria justificar a falta à 1.ª reunião (…) sob pena de se considerar desistência da reclamação (…). No dia 13/10/08 o Perito indicado na reclamação apresentada (…) não compareceu, apresentando-se em substituição o Sr. CC (…) fazendo-se acompanhar para o efeito de uma comunicação dirigida ao Sr. Diretor de Finanças de Leiria (Anexo 1). Justificou ainda a falta à 1.ª reunião do perito do contribuinte BB através de atestado médico (…). Contudo (…) seriam condições necessárias, a apresentação da justificação do impedimento do 1.º perito e de requerimento dirigido ao Sr. Diretor de Finanças de Leiria solicitando a substituição do perito, este último, a apresentar antes da data marcada para a reunião. Nenhuma das condições foi cumprida já que a justificação da falta de comparência do perito do contribuinte só justifica o impedimento por 3 dias a terminar em 09/10/08, pelo que o 2.º dia marcado para a reunião (13/10/08), não havia impedimento justificado por parte daquele. Por outro lado, não foi apresentado o requerimento atrás referido mas tão só e apenas uma comunicação de substituição de perito. (…).”. – (cf. fls. 18 e 19 dos autos). H) Com data de 27-10-2008, o Diretor de Finanças de Leiria proferiu despacho de concordância com informação, cujo teor se dá por reproduzido, onde consta, designadamente, a seguinte conclusão: (…) 21. Nos termos do disposto nos números 5 e 6 do artigo 91.º da LGT apenas poderá ser adiada a reunião de peritos uma única vez, caso a falta seja devidamente justificada, cabendo à não comparência à segunda reunião, justificada ou não, a sanção equivalente a desistência do pedido. 22. O justo impedimento comprovado na falta à primeira reunião, conjugado com o princípio constitucional de acesso à justiça, permitiria a ponderação da substituição do perito do contribuinte, se estivessem reunidas duas condições: requerimento dirigido ao Diretor de Finanças, até à data da reunião, e comprovativo de justo impedimento do perito do contribuinte, nas reuniões agendadas. 23. Nenhuma das duas condições se verificou, pelo que se considera a desistência do pedido por parte do contribuinte. (…).”. – (cf. fls. 1 a 3 do processo administrativo apenso). I) Na mesma data, a Direção de Finanças de Leiria, endereçou ao mandatário da Impugnante o ofício n.º ...31, de notificação do despacho do Diretor de Finanças de 15-10-2008 de indeferimento do pedido de revisão. – (cf. fls. 16 dos autos). J) Com data limite de pagamento de 28-02-2009 a Autoridade Tributária e Aduaneira emitiu em nome da ora Impugnante as liquidações mensais de IVA e respetivos juros compensatórios relativas ao ano de 2005, no valor total de € 3.857,35. – (cf docs. de fls. 20 a 43 dos autos). Encontra-se ainda provado que: K) Os mapas de trabalho elaborados pelos clientes da Impugnante serviam de base para o processamento dos salários e da faturação. – (cf. depoimento da testemunha DD). L) Em 13-04-2010, foi proferida sentença no processo de impugnação judicial n.º 388/09.8BECBR, transitada em julgado em 18-11-2010, respeitante ao IRC do ano de 2005, a julgar procedente a exceção deduzida pela Fazenda Pública de inadmissibilidade de deduzir impugnação por falta de pedido de revisão da matéria tributável e absolveu a Fazenda Pública da instância. – (facto do conhecimento do Tribunal por virtude do exercício das suas funções – art.º 412.º, n.º 2 do CPC). Nada mais se levou ao probatório. Há agora que apreciar o recurso que nos vem dirigido. Duas questões são colocadas no presente recurso: -Saber se o contribuinte pode substituir o perito por si indicado no procedimento de revisão da matéria coletável na segunda data designada para a realização da reunião a que alude o artigo 91º, n.º 3 da LGT, porque não se realizou na primeira data designada por falta do seu perito, devidamente justificada; -Saber se a fundamentação da liquidação do tributo por métodos indirectos de determinação da matéria tributável está devidamente fundamentada. Quanto à primeira questão. Dispunha à data o artigo 91º da LGT, sob a epígrafe “Pedido de revisão da matéria colectável”: 1 - O sujeito passivo pode, salvo nos casos de aplicação do regime simplificado de tributação em que não sejam efectuadas correcções com base noutro método indirecto, solicitar a revisão da matéria tributável fixada por métodos indirectos em requerimento fundamentado dirigido ao órgão da administração tributária da área do seu domicílio fiscal, a apresentar no prazo de 30 dias contados a partir da data da notificação da decisão e contendo a indicação do perito que o representa. 2 - O pedido referido no número anterior tem efeito suspensivo da liquidação do tributo. 3 - Recebido o pedido de revisão e se estiverem reunidos os requisitos legais da sua admissão, o órgão da administração tributária referido no n.º 1 designará no prazo de 8 dias um perito da administração tributária que preferencialmente não deve ter tido qualquer intervenção anterior no processo e marcará uma reunião entre este e o perito indicado pelo contribuinte a realizar no prazo máximo de 15 dias. 4 - No requerimento referido no n.º 1, pode o sujeito passivo requerer a nomeação de perito independente, igual faculdade cabendo ao órgão da administração tributária até à marcação da reunião referida no n.º 3. 5 - A convocação é efectuada com antecedência não inferior a oito dias por carta registada e vale como desistência do pedido a não comparência injustificada do perito designado pelo contribuinte. 6 - Em caso de falta do perito do contribuinte, o órgão da administração tributária marcará nova reunião para o 5.º dia subsequente, advertindo simultaneamente o perito do contribuinte que deverá justificar a falta à primeira reunião e que a não justificação da falta ou a não comparência à segunda reunião valem como desistência da reclamação. 7 - A falta do perito independente não obsta à realização das reuniões sem prejuízo de este poder apresentar por escrito as suas observações no prazo de cinco dias a seguir à reunião em que devia ter comparecido. 8 - O sujeito passivo que apresente pedido de revisão da matéria tributável não está sujeito a qualquer encargo em caso de indeferimento do pedido, sem prejuízo do disposto no número seguinte. 9 - Poderá ser aplicado ao sujeito passivo um agravamento até 5% da colecta reclamada quando se verificarem cumulativamente as seguintes circunstâncias: a) Provar-se que lhe é imputável a aplicação de métodos indirectos; b) A reclamação ser destituída de qualquer fundamento; c) Tendo sido deduzida impugnação judicial, esta ser considerada improcedente. 10 - O agravamento referido no número anterior será aplicado pelo órgão da administração tributária referido no n.º 1 e exigido adicionalmente ao tributo a título de custas. 11 - Os peritos da Fazenda Pública constarão da lista de âmbito distrital a aprovar anualmente pelo Ministro das Finanças até 31 de Março. 12 - As listas poderão estar organizadas, por sectores de actividade económica, de acordo com a qualificação dos peritos. 13 - Os processos de revisão serão distribuídos pelos peritos de acordo com a data de entrada e a ordem das listas referidas no n.º 11, salvo impedimento ou outra circunstância devidamente fundamentada pela entidade referida no n.º 1. 14 - As correcções meramente aritméticas da matéria tributável resultantes de imposição legal e as questões de direito, salvo quando referidas aos pressupostos da determinação indirecta da matéria colectável, não estão abrangidas pelo disposto neste artigo. 15 - É autuado um único procedimento de revisão em caso de reclamação de matéria tributável apurada na mesma acção de inspecção, ainda que respeitante a mais de um exercício ou tributo. Este preceito legal estabelece o modo pelo qual deve ser tramitado o pedido de revisão da matéria tributável quanto tenha havido recurso a métodos indirectos: - inicia-se por requerimento expresso do contribuinte interessado, devidamente fundamentado e em que indica um perito, cfr. n.º 1; - seguidamente, caso seja recebido o requerimento, o órgão da administração tributária indica também ele um perito e designa uma reunião entre ambos os peritos, cfr. n.º 3; - no dia agendado para a referida reunião se não comparecer o perito do contribuinte, é de imediato designado novo dia para a realização da reunião com as comunicações ao perito faltoso a que alude o n.º 6. Releva-se o facto de a lei nada dispor quanto ao modo e tempo no que respeita à substituição do perito primeiramente indicado. Tendo-se seguido no caso concreto a tramitação anteriormente indicada, na segunda data agendada compareceu à reunião uma pessoa diferente daquela que tinha sido indicada como perito no requerimento inicial, munido da justificação da falta do perito indicado no requerimento inicial na primeira data e de um requerimento do contribuinte em que solicitava a substituição do perito pela pessoa que ali se apresentou. Pelo órgão da administração tributária competente não foi aceite tal substituição com os seguintes fundamentos: Nos termos do disposto nos números 5 e 6 do artigo 91.º da LGT apenas poderá ser adiada a reunião de peritos uma única vez, caso a falta seja devidamente justificada, cabendo à não comparência à segunda reunião, justificada ou não, a sanção equivalente a desistência do pedido. O justo impedimento comprovado na falta à primeira reunião, conjugado com o princípio constitucional de acesso à justiça, permitiria a ponderação da substituição do perito do contribuinte, se estivessem reunidas duas condições: requerimento dirigido ao Diretor de Finanças, até à data da reunião, e comprovativo de justo impedimento do perito do contribuinte, nas reuniões agendadas. Nenhuma das duas condições se verificou, pelo que se considera a desistência do pedido por parte do contribuinte. Lido atentamente o teor do despacho da entidade competente, surpreende-se que não foi aceite a substituição do perito do contribuinte com os seguintes fundamentos: - não ter sido requerida a substituição até à data da reunião; - não ter sido junto comprovativo de justo impedimento do perito do contribuinte (presume-se na segunda data agendada para a reunião, uma vez que relativamente à primeira foi apresentado atestado médico). Relativamente ao primeiro fundamento existe uma contradição intrínseca com a factualidade que se tem por assente, ou seja, se foi apresentado o pedido de substituição do perito pelo contribuinte no momento inicial em que se encontrava aprazada a reunião tem que se concluir que o foi “até à” data da reunião, isto é, foi-o até ao momento em que se deveria iniciar a reunião. Na verdade, mediando apenas 5 dias, nos termos da lei, entre a primeira data aprazada e a segunda (no caso mediaram 6 dias porque o 5º dia era domingo) e constando dos documentos juntos aos autos que o primeiro perito indicado esteve impossibilitado de exercer actividade profissional entre o dia anterior à primeira data agendada para a reunião e o dia seguinte, portanto 3 dias, apenas restaram 2 dias úteis para que pudesse ser requerida a referida substituição, espaço de tempo demasiado curto para que o perito comunicasse com o contribuinte e este, por sua vez, comunicasse com a administração tributária. Mas mesmo que não fosse assim, não há dúvida que, face aos termos do despacho que indeferiu a substituição, a verdade é que o pedido de substituição foi feito até à segunda data agendada para a realização da reunião. Ou seja, foi cumprida a exigência temporal feita pela AT para a apresentação do pedido de substituição. Assim, não poderia ter sido recusada a substituição do perito com este fundamento. Quanto ao segundo fundamento, apenas cumpre dizer que não cabe à AT exigir que o contribuinte especifique as razões pelas quais pretende substituir o seu perito, uma vez que também não pode sindicar as razões pelas quais o contribuinte inicialmente indica determinada pessoa como perito. Como bem se refere no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 772/2023, com a aprovação da Lei Geral Tributária, foram eliminadas aquelas exigências de «imparcialidade e independência técnica» e clarificou-se que o perito, designado pelo sujeito passivo para integrar a «comissão de revisão», age em sua representação (cf. o n.º 1 do artigo 91.º da LGT, in fine). Deste modo, como esclarece JOÃO PEDRO RODRIGUES, «A Lei Geral Tributária pretendeu instituir um instrumento novo que propiciasse uma reapreciação da situação tributária do sujeito passivo definida pela decisão objeto do pedido de revisão, através de um órgão independente, constituído para cada caso, e onde o contribuinte estivesse pessoalmente representado e não, como antes acontecia, com mera expressão territorial distrital impessoal e de natureza institucional.» (in O Acordo na determinação da matéria tributável dos impostos sobre o rendimento, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2020, acessível em http://hdl.handle.net/10316/94984 [consultado em julho de 2022], p. 528). A lei não densificou, porém, os termos a que deve obedecer a representação do contribuinte, não prevendo, v.g., que o representante exerça uma profissão regulada. Assim, embora a referência a «peritos» apele, como refere o mesmo Autor, a «uma suposta qualidade de técnicos com conhecimentos especializados sobre a questão tributária», «o juízo sobre a capacidade “técnica” da pessoa nomeada ou indicada como perito é deixada ao critério do contribuinte e da administração, não se encontrando elencados quaisquer requisitos específicos de idoneidade técnica ou científica» (ibidem, p. 533). De resto, nos termos gerais, e especialmente previstos no artigo 16.º, n.º 1, da LGT, «Os atos em matéria tributária praticados pelo representante em nome do representado produzem efeitos na esfera jurídica deste, nos limites dos poderes de representação que lhe forem conferidos por lei ou por mandato». A LGT também não subverteu a natureza eminentemente técnica do órgão de revisão, o que permite compreender que o procedimento a que se referem os artigo 91.º e 92.º dessa lei não se aplique a todos os casos de avaliação indireta (ficam excluídas, v.g., as hipóteses de simples aplicação do regime simplificado de tributação, de correções meramente aritméticas resultantes de imposição legal e de assinalável divergência entre os rendimentos declarados e as «manifestações de fortuna» - cf., respetivamente, o n.º 1 e o n.º 14 do artigo 91.º e o n.º 7 do artigo 89.º-A); nem possa ter por base qualquer questão de direito, cingindo-se à apreciação do erro na verificação dos pressupostos de aplicação de métodos indiretos «por a sua resolução assentar essencialmente numa decisão de facto, que envolve também uma apreciação de carácter técnico, que é a suficiência ou não dos elementos existentes para determinar com exactidão da matéria colectável (art. 88.º desta Lei).» (DIOGO LEITE CAMPOS, BENJAMIM SILVA RODRIGUES e JORGE LOPES DE SOUSA, Lei Geral Tributária Comentada e anotada, 4.ª Edição, Encontro da Escrita Editora, 2012, p. 801). Os peritos a indicar pelo contribuinte para este efeito não estão obrigados a especiais deveres deontológicos, nem têm que estar habilitados com formação especial. Daqui resulta assim, que não tendo o contribuinte que justificar porque razão indica determinada pessoa para seu perito, que aliás assume a qualidade de seu representante nas reuniões que venham a ser efectuadas, e sendo certo que terá sempre que haver uma relação de especial confiança entre o contribuinte e o perito que indica, uma vez que do acordo a que ele chega no âmbito deste procedimento resulta para si a obrigação de pagar o imposto que venha a ser liquidado, cfr. artigo 92º, n.º 3 da LGT, não se vislumbra porque razão terá que justificar perante a AT a substituição do perito por si inicialmente indicado que poderá ser motivada, até, por uma quebra dessa confiança. Independentemente das razões que imponham o pedido de substituição do perito por parte do contribuinte, não pode a AT contrapor a não aceitação do novo perito uma vez que não lhe cabe a si pronunciar-se sobre tais razões ou sequer sindicá-las, pelo que, também não se vê qualquer utilidade para que no requerimento de substituição seja indicado um qualquer fundamento que justifique tal pedido. Por estas razões também não poderia ter sido recusada a substituição do perito por não ter sido apresentado comprovativo de justo impedimento. E aqui chegados, sabendo-se que ocorre efectivamente uma ilegalidade procedimental prévia à liquidação impugnada, que afecta o direito do contribuinte à participação no procedimento de revisão da matéria tributável, essencial para que possa impugnar a referida liquidação, impõe-se a anulação do acto sindicado. Já quanto à ilegalidade que vinha assacada ao acto sindicado por falta de fundamentação também não se pode manter tal como decidido na sentença recorrida, uma vez que, não se sabendo qual poderia vir a ser o resultado da reunião dos peritos, se haveria acordo ou não, e caso houvesse se imporia legalmente nova fundamentação ao abrigo do disposto no artigo 92º, n.º 4 da LGT, também essa questão não pode agora ser conhecida. Pelo exposto, acordam os juízes que compõem a Secção do Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal em conceder provimento ao recurso, revogar a sentença recorrida e, em consequência, anular o acto tributário que vinha impugnado. Custas pela Administração Tributária. D.n. Lisboa, 8 de Maio de 2024. - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia (relator) - Fernanda de Fátima Esteves - José Gomes Correia. |