Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:023/24.4BALSB
Data do Acordão:10/17/2024
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CT
Relator:GUSTAVO LOPES COURINHA
Descritores:REQUISITOS
RECORRIBILIDADE
Sumário:
Nº Convencional:JSTA000P32743
Nº do Documento:SAP20241017023/24
Recorrente:BANCO 1..., S.A.
Recorrido 1:AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo


I – RELATÓRIO

I.1 - Alegações
I. BANCO 1..., S.A., com os demais sinais dos autos, vem interpor recurso para uniformização de jurisprudência, para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário do STA, nos termos dos artigos 25º, nº2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT) e no artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (CPTA), da decisão arbitral proferida no processo nº 543/2023-T do CAAD (decisão recorrida) que julgou totalmente improcedente o pedido de anulação do acto de liquidação de IMT nº ...30, no valor € 9.912,48, por considerar que a referida decisão arbitral colide com o Acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Administrativo, no âmbito do processo n.º 01044/17, datado de 14/03/2018 (acórdão fundamento), já transitado em julgado.

II. A Recorrente veio apresentar alegações de recurso a fls. 4 a 14 do SITAF, no sentido de demonstrar a alegada oposição de julgados, formulando as seguintes conclusões:
1. O presente recurso vem interposto em virtude da evidente oposição entre a decisão recorrida, proferida pelo CAAD no âmbito do processo n.º 543/2023-T, e o acórdão fundamento proferido pelo STA, no âmbito do processo n.º 01044/17.
2. No que respeita à questão fundamental de direito, ambas as decisões são chamadas a pronunciar-se sobre a concessão da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, mais concretamente sobre a necessidade ou não do reconhecimento da isenção por parte da AT.
3. Não obstante a identidade da situação fáctico-jurídica vertida e apreciada nas decisões em causa, viriam os arestos em causa a decidir em sentido oposto.
4. No âmbito da decisão recorrida, considerou o Tribunal Arbitral que a Recorrente não cumpriu o ónus de requerer o reconhecimento da isenção previsto no n.º 1 do artigo 10.º do Código do IMT, pelo que a AT não estava obrigada a reconhecer a isenção.
5. Já no âmbito do acórdão de fundamento, decidiu o STA que a isenção do artigo 270.º do CIRE apesar de não estar expresso nesse normativo, é de reconhecimento automático, aplicando-se o disposto no artigo 10.º, n.º 8, alínea d) do Código do IMT, e, por isso, não depende de averiguação por parte da AT para a sua concessão.
6. Deste modo, é, pois, evidente a contradição entre as decisões em crise.
7. Neste sentido, importa notar que a concessão da isenção do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE depende apenas da verificação de um requisito, i.e., que estejamos perante transmissões de bens imóveis integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito a liquidação da massa insolvente.
8. A prova de que estas transações operaram num processo de insolvência é escrupulosamente verificada, na medida em que estas transações são escrutinadas no âmbito dos processos de insolvência.
9. Para além disso, resulta da alínea d) do n.º 8 do artigo 10.º do Código do IMT que são de reconhecimento automático as isenções constantes de legislação extravagante, pelo que outra não pode ser o entendimento de que a isenção do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE é de reconhecimento automático e que, neste sentido, o seu reconhecimento flui diretamente da lei, não havendo necessidade de decisão por parte da AT quanto ao seu concreto reconhecimento.
10. Por isso, estando-se perante um benefício fiscal que resulta direta e automaticamente da lei, não é possível deixar de concluir no sentido de que a concessão da isenção não fica dependente de qualquer apreciação ex ante pela AT, não sendo aplicável a este caso o disposto no n.º 1 do artigo 10.º do Código do IMT.
11. Nestes termos requer-se a este Tribunal que diligencie pela revogação da decisão recorrida, com fundamento em erro de direito assente em deficiente interpretação da lei, causadora de errada aplicação ao caso concreto.
12. Por tudo o quanto ficou exposto nunca poderá a decisão recorrida manter-se e, nessa medida, deixar de ser anulada.

III. Por despacho a fls. 411 do SITAF, o Ex. Relator junto deste Supremo Tribunal veio admitir o recurso, ordenou a notificação da recorrida para contra alegar e do Ministério Público para emitir Parecer.

I.2 – Contra-alegações
Foram produzidas contra-alegações no âmbito da instância pela Autoridade Tributária, que formulou as seguintes conclusões:
A. No presente recurso não vem demonstrada, justificada ou fundamentada a identidade da matéria de facto no acórdão fundamento e na decisão recorrida, pelo que, não se verificam os pressupostos que possibilitem a existência de oposição do julgado.
B. Apesar de estarmos perante a apreciação dos pressupostos de aplicação da isenção de IMT, no caso da decisão recorrida, existiu um procedimento gracioso prévio à liquidação, pois foi apresentado pedido de revisão oficiosa da liquidação de IMT, o que demonstra que os factos subjacentes às duas decisões em confronto tenham origens totalmente diferentes, como se passará a destacar.
C. Quanto ao Acórdão Fundamento, em suma está em causa a anulação de uma liquidação de IMT por ter sido considerado que a mesma era ilegal.
D. Por sua vez, na decisão arbitral visada estamos perante o indeferimento expresso do pedido de revisão oficiosa nos termos do artigo 78º da LGT, por o ora Recorrente não ter impugnado diretamente (atempadamente) a liquidação de IMT, donde, desde já se afirma que não há identidade factual entre os dois arestos.
E. Nas duas decisões em confronto, não se verifica a identidade de matéria de facto que possibilite a existência de oposição do julgado, pois em ambos os processos o acto visado que está na base da impugnação é diferente, sendo na decisão recorrida é o indeferimento expresso de uma revisão oficiosa e no Acórdão fundamento é impugnada a liquidação de IMT.
F. Mas, ocorre ainda outra diferença entre as duas decisões em confronto, na medida em que no Acórdão fundamento, a liquidação de IMT impugnada, foi liquidada no momento da aquisição do imóvel, não tendo sido atribuída ab initio, qualquer isenção.
G. E por sua vez, na situação factual da decisão recorrida, o ali Requerente adquiriu um imóvel no âmbito da sua actividade, tendo beneficiado da isenção de IMT, prevista no n.º 1 do artigo 8.º do CIMT, que, contudo, está condicionada à efetiva alienação dos imóveis no prazo de 5 anos, nos termos do n º 6 do artigo 11.º do CIMT.
H. Por essa razão, a questão da verificação ou não dos pressupostos da atribuição da isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, no caso da decisão recorrida apenas se coloca, por ter caducado uma isenção aplicada por verificação dos pressupostos do n.º 1 do artigo 8.º do CIMT, da qual o Requerente já havia beneficiado.
I. Ainda que se possa considerar alguma identidade da situação de facto, por ter sido analisada a necessidade ou não de apresentar declaração para beneficiar da isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, não existe essa identidade factual que tem que conduzir a uma aplicação das mesmas normas legais, e que não acontece totalmente no caso em apreço.
J. Pelo que, não estando verificada a identidade factual que determina a contradição alegada e a infração imputada à decisão arbitral recorrida nos termos previstos no n.º2 do artigo 152º do CPTA, deve o presente recurso ser rejeitado.
K. E salvo o devido respeito, por opinião contrária, também não existe identidade no direito aplicável em ambas as decisões, Recorrida e Fundamento, pois, a análise da questão seguiu caminhos distintos e aplicação de normas igualmente diversas, como se verá:
L. Na decisão fundamento, foi decidido que o único requisito para beneficiar das isenções previstas quer no artigo 269º quer do 270.º do CIRE é estarem previstos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente (actos) ou integrados (transmissões) em planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação, e decide determinando a anulação das liquidações. M. Portanto, no Acórdão fundamento apenas foi apreciada a aplicabilidade e os pressupostos da isenção constante dos artigos 269º e 270º do CIRE, para aferir da legalidade da liquidação de IMT.
N. Ora, na decisão recorrida foi apresentado pedido de revisão oficiosa da liquidação, nos termos do artigo 78º da LGT, onde a Requerente invocou “erro imputável aos serviços”, alegando que estes desconsideraram a norma contida no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, o que determinaria, em seu entender, a ilegalidade da liquidação de IMT.
O. Donde, a decisão arbitral recorrida para aferir da existência de “erro imputável aos serviços”, que era pressuposto do pedido de revisão oficiosa nos termos do artigo 78º da LGT, precisou de analisar a legalidade da liquidação de IMT.
P. Deste modo, apesar de ter sido verificada a legalidade ou não, da liquidação de IMT, tal questão foi apreciada para aferir da aplicabilidade ou não do artigo 78º da LGT, na medida em que não foi impugnada diretamente a liquidação.
Q. Podemos assim concluir que, em última análise, o sentido da decisão arbitral estaria sempre dependente da verificação dos pressupostos do artigo 78º da LGT, no caso, da existência de “erro imputável aos serviços”, por ter sido impugnada a decisão de indeferimento da Revisão oficiosa.
R. Pelo que, não bastava verificar da aplicabilidade da isenção constante do n.º2 do artigo 270º do CIRE, para concluir pela procedência ou improcedência do pedido de pronúncia arbitral.
S. Do que ficou referido, verificamos que não existe identidade na questão de direito entre os dois arestos, pois a aplicação de diferentes dispositivos legais conduziu a soluções antagónicas entre uma e outra decisão.
T. Daí que, ficou plenamente demonstrado que a divergência nas decisões ocorre por apreciação de diferentes normas legais, não se encontrando verificados os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada e a infração imputada à decisão recorrida nos termos previstos no n.º2 do artigo 152º do CPTA, devendo o presente recurso ser considerado improcedente.
U. Em face do exposto deve manter-se a decisão recorrida.

I.3 – Parecer do Ministério Público,
Foi junto parecer a fls. 430 a 432 do SITAF, com o seguinte teor:
“1.Objeto do recurso
A recorrente interpôs o presente recurso para uniformização de jurisprudência para o Pleno da Secção de Contencioso Tributário deste Supremo Tribunal Administrativo, ao abrigo do artigo 25.º n.º 2 do Regime Jurídico da Arbitragem em Matéria Tributária (RJAT), aprovado pelo Decreto-Lei n.º 10/2011, de 20 de Janeiro, em obediência ao regime do artigo 152.º do CPTA, pugnando pela revogação da decisão arbitral proferida nos autos n.º 543/2023-T do CAAD e pela correção da interpretação perfilhada no acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 14.03.2018, proferido no processo n.º 01044/17 (Disponível em www.dgsi.pt), convocado como acórdão fundamento, relativamente à questão de saber se, perante a aquisição de imóveis no âmbito de um processo de insolvência, estava a AT obrigada a aplicar à aquisição dos imóveis em causa a isenção de IMT prevista no artigo 270.º, n.º 2 do CIRE.
2. Requisitos recurso para uniformização de jurisprudência
2.1. O presente recurso foi interposto ao abrigo do estatuído no artigo 25.º do RJAT, na redação introduzida pelo artigo 17.º da Lei 119/2019, de 18.09. De facto, o citado artigo 25.º do RJAT, admite recurso para o STA, da decisão arbitral sobre o mérito da pretensão deduzida, quando esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de direito, com outra decisão arbitral ou com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo. Ao recurso é aplicável, com as necessárias adaptações, o regime do recurso para uniformização de jurisprudência regulado no artigo 152.º do CPTA, aplicável ex vi do artigo 25.º, n.º 3 do RJAT.
2.2. São requisitos do prosseguimento do presente recurso para uniformização de jurisprudência: - contradição entre um acórdão do TCA ou do STA e a decisão arbitral ou entre duas decisões arbitrais; - trânsito em julgado do acórdão (decisão) fundamento;
- existência de contradição sobre a mesma questão fundamental de direito;
- ser a orientação perfilhada no acórdão (decisão) impugnado desconforme com a jurisprudência mais recentemente consolidada do STA.
Por sua vez quanto à caraterização da questão fundamental de direito: - deve haver identidade da questão de direito sobre a qual incidiu o acórdão (decisão) em oposição, que tem pressuposta a identidade dos respetivos pressupostos de facto;
- a oposição deverá emergir de decisões expressas, e não apenas implícitas;
- não obsta ao reconhecimento da existência da contradição que os acórdãos (decisões) sejam proferidos na vigência de diplomas legais diversos se as normas aplicadas contiverem regulamentação essencialmente idêntica;
- as normas diversamente aplicadas podem ser substantivas ou processuais; - em oposição ao acórdão (decisão) recorrido podem ser invocados mais de um acórdão (decisão) fundamento, desde que as questões sobre as quais existam soluções antagónicas sejam distintas.
3. Fundamentação
3.1. Defende a recorrente que existe contradição entre a decisão arbitral proferida nos autos n.º 543/2023-T do CAAD e o acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, datado de 14.03.2018, proferido no processo n.º 01044/17. Assim, o acórdão fundamento decidiu que existem isenções que são de reconhecimento automático quando os requisitos para a concessão da isenção não dependem de averiguação por parte da AT do respetivo preenchimento, sendo que para se beneficiar da isenção do artigo 270.º do CIRE apenas é necessário que os atos estejam previstos ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente ou integrados em planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação. No que é contrário com a douta decisão recorrida que considerou que a recorrente não cumpriu o ónus de requer o reconhecimento da isenção prevista no n.º 1 do artigo 10.º do Código de IMT, constituindo ónus da requerente pedir o reconhecimento da isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE antes da liquidação e instruir esse pedido com os documentos que demonstrassem a verificação dos pressupostos da isenção.
3.2. A recorrida, por sua vez, propugna que, apesar de estarmos perante a apreciação dos pressupostos de aplicação da isenção de IMT, no caso da decisão recorrida, existiu um procedimento gracioso prévio, pois foi apresentado pedido de revisão oficiosa da liquidação de IMT, enquanto no acórdão fundamento está em causa a anulação de uma liquidação de IMT, por ter sido considerado que a mesma era ilegal, pelo que os factos subjacentes às duas decisões em confronto tenham origens totalmente diferentes. Por outro lado, na decisão recorrida a requerente adquiriu um imóvel no âmbito da sua atividade, tendo beneficiado da isenção de IMT, prevista no n.º 1 do artigo 8.º do CIMT, que, contudo, está condicionada à efetiva alienação dos imóveis no prazo de 5 anos (condição que não foi satisfeita pela recorrida), nos termos do n.º 6 do artigo 11.º do CIMT. Por essa razão, a questão da verificação ou não dos pressupostos da atribuição da isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, no caso da decisão recorrida apenas se coloca, por ter caducado uma isenção aplicada por verificação dos pressupostos do n.º 1 do artigo 8.º do CIMT, da qual a requerente já havia beneficiado.
3.3. Ora, salvo melhor juízo, a posição da recorrida é a correta, uma vez que a factualidade em que assentaram as duas decisões em confronto não é coincidente, sendo que a análise jurídica da questão assentou na aplicação de normas substancialmente diversas.
Na verdade, na decisão arbitral recorrida a questão da verificação ou não dos pressupostos da atribuição da isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE, apenas se colocou por ter caducado uma isenção aplicada por verificação dos pressupostos do n.º 1 do artigo 8.º do CIMT, da qual o contribuinte já havia beneficiado. Não se considerou provado que esta tenha requerido a isenção do artigo 270.º, n.º2 do CIRE, nem de ter substituído a declaração inicial (na qual invocou a aplicabilidade da isenção de IMT prevista no n.º 1 do artigo 8.º do CIMT) por uma nova declaração. Por tal razão, considerou não ter existido qualquer erro imputável aos serviços, suscetível de fundamentar o pedido de revisão oficiosa, nos termos do artigo 78.º, n.ºs 1 e 4 da LGT.
Por sua vez, no acórdão fundamento apenas foi apreciada a aplicabilidade e os pressupostos da isenção constante dos artigos 269.º e 270.º do CIRE, para aferir da legalidade da liquidação de IMT, bem como a necessidade, ou não, de apresentar declaração para beneficiar da referida isenção.
Pelo exposto, não sendo este o meio processual próprio para sindicar do mérito da decisão arbitral, resta concluir que o substrato fáctico em que assentaram as decisões é substancialmente diverso, razão pela qual a aplicação do direito também assentou em fundamentação e argumentos jurídicos distintos.
Conclui-se não existir identidade entre situação de facto em apreciação na decisão arbitral recorrida e no acórdão fundamento, não existindo contradição entre os mesmos, relativamente a questão fundamental de direito, pelo que se não justifica uma decisão deste Supremo Tribunal, em ordem a fixar orientação jurisprudencial.
4. Conclusão
Nestes termos, ressalvado o devido respeito por opinião contrária, não estão reunidos os requisitos para a admissão do presente recurso para uniformização de jurisprudência previsto no artigo 284.º do CPPT, pelo que somos do parecer que o mérito do mesmo não deve ser conhecido.”

I.4 – Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II – FUNDAMENTAÇÃO

II. 1 – De facto
A decisão arbitral sob recurso, considerou como provados os seguintes factos:
a. A Requerente é uma sociedade cujo objeto social é o exercício da atividade bancária, incluindo todas as operações compatíveis com essa atividade e permitidas por lei.;
b. Em 2015, a Requerente, no âmbito da sua atividade, adquiriu, pelo valor de €272.200,00, as frações autónomas designadas pelas letras “A” e “B” do artigo matricial urbano ..., inscrito na matriz predial da União das Freguesias de ..., ..., ... e ..., no concelho de Almada, no distrito de Setúbal;
c. Tal aquisição ocorreu no âmbito do processo de insolvência da sociedade “B.., S.A.” –, com o NIPC ...– Processo n.° .../13...TYLSB, que correu termos na 1.ª Secção do Comércio do Juízo 1 da Instância Central da Comarca de Lisboa;
d. A Requerente apresentou, em 10-11-2015, a declaração para liquidação do IMT, Modelo 1, a zeros, com a aplicação do artigo 8.º, n.º 1, do Código do IMT, previsto, especificamente, para as aquisições de imóveis por instituições de crédito;
e. A Requerente beneficiou da isenção de IMT, prevista no n.º 1 do artigo 8.º do CIMT, que, contudo, está condicionada à efetiva alienação dos imóveis no prazo de 5 anos, nos termos do n º 6 do artigo 11.º do CIMT;
f. Decorrido o prazo de 5 anos sem que se tenha verificado a alienação dos referidos imóveis, a Requerente solicitou, em 17-02-2021, a liquidação de IMT, apresentando para o efeito nova declaração Modelo 1 com o nº 2021/ ..., que gerou a liquidação de IMT n.º..., datada de 17-03-2021, no montante de €9.912,48, com o DUC n.º ..., contestada nos presentes autos;
g. O imposto foi integralmente pago pela Requerente em 17-03-2021;
h. Não se conformando, a Requerente apresentou no SF de PORTO-..., em 08-03-2023, contra o ato de liquidação do IMT em causa, um pedido de revisão oficiosa, que veio a ser instaurado com o n.º ...2023..., onde alega, em suma, que a operação de aquisição dos imóveis em questão se encontra abrangida pela isenção prevista no n.º 2 do artigo 270.º do CIRE e que, por conseguinte, não poderia ter sido liquidado IMT com referência à mesma, requerendo a sua anulação, por vício de violação de lei, nomeadamente pela não aplicação da isenção de caráter automático do n.º 2 do artigo 270.º do CIRE.;
i. No âmbito do pedido de revisão oficiosa, foi elaborado pela Unidade de Grandes Contribuintes (UGC) projeto de decisão de indeferimento, notificado à Requerente, por ofício, datado de 22-03-2023, daquela Unidade Orgânica, e ainda para, querendo, no prazo de 15 dias, exercer o seu direito de participação, na modalidade de audição prévia, sob a forma escrita, nos termos e efeitos do preceituado na alínea b) do n.º 1 e dos nºs 4 a 6 todos do artigo 60.º da LGT, conjugado com o preceituado no artigo 100.º do Código do Procedimento Administrativo (CPA);
j. Decorrido o prazo concedido para o exercício do direito de participação, a ora Requerente carreou para os autos elementos que, no seu entendimento, colocam em causa o projeto de decisão notificado;
k. Após o exercício do direito de audição apresentado, foi indeferido o referido pedido de revisão oficiosa, por despacho datado de 19-04-2023, do Chefe de Divisão da Justiça Tributária, junto da UGC, exarado na informação elaborada por aquele Serviço, que aqui se dá por integralmente reproduzida, nos termos e com os fundamentos seguintes:
«(…)
71. No caso concreto, não é permitida por Lei, a substituição/convolação da isenção prevista no art 8º nº 1 do CIMT, pela isenção prevista no artº 270º nº 1 do CIRE, por um prazo indefinido.
72. Não tendo sido exercido o direito à isenção pretendida (artº 270º do CIRE) nos prazos legais, não poderá ser exercida a todo o tempo, sem limite de prazo, pois tal implicaria uma violação do princípio da estabilidade e previsibilidade da relação jurídico tributária.
73. A consequência da atuação ineficiente do sujeito passivo, devido a não tendo sido exercido o direito à isenção pretendida (artº 270º do CIRE) nos prazos legais, implica a caducidade da isenção do IMT, conforme dispõe o artº 8º nº 1 e artº 11º nº 6 do CIMT, e a consequente liquidação do tributo devido.
74. A isenção prevista no artº 8º nº 1 do CIMT, foi atribuída com base a referida aquisição em 10-11-2015, através da modelo 1 com o registo n.º 2015/... verifica-se que o pedido subjudice ocorreu quase 8 anos após esta liquidação.
75. Em termos gerais, as condições para usufruição de uma isenção de IMT têm de ser aferidas como sabemos no momento em que ocorre o facto gerador de imposto que a isenção visa impedir, dado a obrigação tributária em sede de IMT constituir-se no momento em que ocorre a transmissão (cf. n.º 2 do artigo 5.º do Código do IMT).
76. Pelo que o direito subjetivo à isenção em questão tem, necessariamente, que estar constituído no momento do nascimento da obrigação tributária e o respetivo reconhecimento declarativo desse direito tem de ter sido requerido antes do ato ou contrato que origine a transmissão. (cf. art. º 10. º n. º 1 e art.º 19.º n.º 3 do CIMT).
7. Perante uma factualidade hipoteticamente enquadrável em ambas as previsões (artigo 8.º n.º 1 do CIMT/ artigo 270.º n.1 do CIRE), que não se afigura desde logo aceitável, dado que a usufruição de uma isenção no momento em que ocorre a obrigação tributária traduzir-se-ia na verificação de um facto impeditivo da tributação que invalida (por inutilidade) a aplicação de uma outra isenção.
78. Ao beneficiar da isenção do IMT nos termos do artigo 8.º n.º 1 do IMT, conforme declaração Modelo 1 de IMT apresentada à AT, tal beneficio torna-se eficaz no momento do nascimento da obrigação tributária, que, ao impedir a tributação, inviabilizaria a possibilidade -ainda que hipotética de funcionar, relativamente à mesma situação, a previsão contida na norma que estabelece uma outra isenção.
79. Somos a concluir pelo indeferimento da pretensão do Requerente, uma vez que atender tal pedido, implicaria uma violação do princípio da estabilidade e previsibilidade da relação jurídico tributária.
Nestes termos,
80. Considerando-se a permanência da validade dos pressupostos que, de facto e de direito, alicerçaram o nosso anterior "Projeto de Decisão", somos então a entender pela definitividade do mesmo, com todas as consequências legais.
81. Face a todo o exposto, entendemos que a liquidação de IMT subjudice, não padece de qualquer vício, devendo a mesma manter-se na sua plenitude (entendimento já sufragado no projeto de decisão nº ...-ISCPS1/2023), pelo que concluímos pela improcedência do pedido inserto nos presentes autos.»
l. A Requerente foi notificada do referido despacho de indeferimento em 24-04-2023, através de via postal registada (registo n.º RF...PT), da Unidade de Grandes Contribuintes;
m. Em 24-07-2023 a Requerente apresentou o pedido de constituição do tribunal arbitral que deu origem aos presentes autos.

O acórdão fundamento do STA, datado de 14/03/2018, lavrado no âmbito do processo nº 01044/17, deu como provado a seguinte factualidade:
1. No Tribunal de Comércio do Porto corre o processo especial de revitalização n.º 774/15.4T8STS, da sociedade comercial B……….., Lda. - fls. 10;
2. No âmbito desse plano de recuperação a Impugnante apresentou uma posposta de aquisição de um imóvel daquela sociedade, inscrito na matriz predial urbana de S. Cosme sob o artigo 7998 - fls. 12;
3. Em 17.11.2015 a Impugnante celebrou com a referida sociedade, uma escritura de compra e venda no cartório Notarial de Competência especializada de Matosinhos, pelo qual declarou comprar o referido imóvel - fls. 14 e ss.;
4. Na referida escritura refere-se que foi efectuada na mesma data a liquidação do IMT e IS, com pagamento imediato, no montante de €25.679,07 e €3.160,50 - fls. 14 e ss.;
5. O Impugnante efectuou o pagamento dos referidos impostos - fls. 8 e 9;
6. A declaração para liquidação de IMT foi apresentada em 17.11.2015 por C………. - fls. 4, do PA.

II.2 – De Direito
I. Comecemos por abordar a questão aqui colocada, recordando as condições de recorribilidade previstas no n.º 2 deste artigo 25.º do RJAT:
- que a decisão arbitral recorrida se tenha pronunciado sobre o mérito da pretensão deduzida e tenha posto termo ao processo arbitral;

- que a mesma esteja em oposição, quanto à mesma questão fundamental de Direito, com acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo ou pelo Supremo Tribunal Administrativo ou com outra decisão arbitral, nos termos do mesmo artigo;

- que o acórdão/decisão arbitral fundamento tenha transitado em julgado, nos termos do artigo 688.º, n.º 2 do CPC, aplicável ex vi artigo 140.º, n.º 3 do CPPT.

- que a orientação perfilhada na decisão arbitral não esteja de acordo com a jurisprudência mais recente consolidada do Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do n.º 3 do artigo 152.º do CPTA, para o qual o n.º 3 do artigo 25.º remete;

II. Tomando por garantido que o Acórdão Fundamento se encontra transitado em julgado, focar-nos-emos em saber se é idêntica a questão fundamental de Direito. E tal sucede quando:

- as situações fácticas em ambos os arestos sejam substancialmente idênticas, entendendo-se, como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais;

- o quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfira, nem directa nem indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida;

- quando a divergência entre as decisões (recorrida e fundamento) se verifica ao nível das próprias decisões e não exclusivamente quanto aos respectivos fundamentos.


III. Ora, vertendo ao caso dos presentes autos, pode-se concluir, quanto ao contexto fáctico, que o mesmo é claramente semelhante quanto aos seguintes factos:
- Ambos os contribuintes envolvidos são pessoas colectivas e sujeitos passivos de IMT;
- Ambos os sujeitos passivos alegam a aplicação de isenções de IMT;
- Ambos os sujeitos passivos pretendem beneficiar, a dada altura, da isenção de IMT constante do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, o qual prevê: “Estão igualmente isentos de imposto municipal sobre as transmissões onerosas de imóveis os atos de venda, permuta ou cessão da empresa ou de estabelecimentos desta integrados no âmbito de planos de insolvência, de pagamentos ou de recuperação ou praticados no âmbito da liquidação da massa insolvente.
Mas ficam-se por aqui as semelhanças.

IV. Com efeito, as questões em debate num e noutro processo – embora, eventualmente, envolvam o mencionado artigo 270.º do CIRE – são, todavia, bem distintas.
Assim, e sem prejuízo das semelhanças acabadas de apontar, na decisão arbitral recorrida, está em discussão os termos da verificação da condição resolutiva temporal do benefício fiscal previsto no artigo 8.º, n.º 1 do Código do IMT, a qual se encontra prevista no n.º 6 (actualmente, n.º 7) do artigo 11.º do mesmo Código, assim como a possibilidade de convolação – assim como os termos de tal convolação – de tal benefício naquele outro constante do mencionado artigo 270.º, n.º 2 do CIRE.
E é, designadamente, discutida a exigência (ou não) de declaração do contribuinte para efeitos de operar a mencionada convolação; sendo que tal declaração tem-se por verificada no respeitante ao benefício do artigo 8.º, n.º 1 do Código do IMT, mas (apesar de alegada) já não se teve por verificada para efeitos do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE.
A questão da aplicação do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE surge, portanto, envolvida nestes especiais contornos: é analisada em termos subsidiários e é dependente da análise prévia dos termos de uma eventual convolação – porquanto a Requerente era uma sociedade de crédito subjectivamente abrangida pelo artigo 8.º, n.º 1 do Código do IMT. E é o real objeto de discussão na decisão arbitral recorrida.

V. Aliás, em sede probatória, é de destacar as seguintes passagens da decisão arbitral recorrida, das quais se evidencia, precisamente, esta particularidade que tanto singulariza o caso: “33. A Requerente não fez prova de ter requerido a isenção ao abrigo do artigo 270.º, n.º 2, do CIRE, nem de ter substituído (ou tentado substituir) a declaração inicial (na qual invocou a aplicabilidade da isenção prevista no artigo 8.º, n.º 1, do CIMT) por uma nova declaração (na qual invocasse a aplicabilidade da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE).” e “só após a caducidade da isenção de que beneficiava por aplicação do artigo 8.º, n.º 1, do CIMT, veio reivindicar o direito à isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE”.
Estamos, portanto, diante de uma questão muito peculiar e com especificidades probatórias muito próprias, e que não têm o exigível paralelo no Acórdão Fundamento.

VI. Com efeito, ao cotejarmos o Acórdão Fundamento, logo nos deparamos com a constatação de que o objeto do recurso respeita à (simples) indagação da exigência ou não de um reconhecimento prévio, por parte da AT, para efeitos do atribuição do benefício fiscal do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE, como resulta da seguinte (elucidativa) passagem: “O número 6 do mesmo artigo enumera quais as isenções que carecem de reconhecimento prévio, indicando que quanto às concedidas em legislação extravagante tal ocorre apenas quanto àquelas em que é atribuída, expressamente, nos termos dos respectivos diplomas, competência para o efeito ao Ministro das Finanças ou ao diretor-geral da Autoridade Tributária e Aduaneira.
O próprio artigo prevê no seu n.º 8, al. d) que são de reconhecimento automático as isenções de reconhecimento automático constantes de legislação extravagante ao presente código. Embora o CIRE não consagre expressamente que as isenções aqui em discussão são de reconhecimento automático, a interpretação dos termos em que são consagradas nos seus artigos 260.º e 270.º não podem conduzir a diversa interpretação, pelas razões já expostas.
Quer isto dizer que, em momento algum neste aresto do STA, é feita referência ao artigo 8.º ou à verificação prévia de uma condição resolutiva para aquele benefício – cuja aplicação tinha sido solicitada pelo sujeito passivo, na decisão arbitral recorrida, recorde-se – pelo que a questão de saber da aplicação do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE é, neste acórdão, completamente independente de quaisquer considerações prévias.

VII. Ora, é possível concluir, ao menos em abstrato, que os termos em que as duas decisões em confronto são (rectius, podem ser) diferentes resulta (ou pode resultar) de, precisamente, partirem de premissas bem diferentes:
- num caso – decisão arbitral recorrida – trata-se de uma convolação de um benefício fiscal em que ocorreu a apresentação de uma declaração (o do artigo 8.º, n.º 1 do Código do IMT) num outro, constante do CIRE, onde não se considerou provada (apesar de alegada) a apresentação de tal declaração (artigo 270.º, n.º 2 do CIRE);
no outro caso – Acórdão Fundamento – a discussão resume-se à pura e simples aplicação do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE e à discussão acerca da sua natureza automática, sem demais circunstancialismos.
Acontece que esta conclusão no sentido da (potencial) não oposição das decisões em confronto é, ainda, reforçada pela seguinte passagem da decisão arbitral recorrida: “Em ambos os casos – no da isenção prevista no artigo 8.º, n.º 1, do CIMT, e no da isenção prevista no artigo 270.º, n.º 2, do CIRE – estamos perante benefícios fiscais automáticos.
24. Nos termos do disposto no artigo 5.º, n.º 1, do Estatuto dos Benefícios Fiscais (EBF), os benefícios fiscais automáticos “resultam directa e imediatamente da lei”.
25. Todavia, tal não significa que o interessado fica dispensado de invocar o benefício perante a administração tributária.
26. Vale, nesta matéria, o princípio da declaração, o qual tem um caráter estrutural no sistema fiscal…” (sublinhados nosso).

VIII. Quer dizer, ambas as decisões aqui confrontadas parecem concordar na qualificação do benefício fiscal do artigo 270.º n.º 2 do CIRE como sendo automático, pelo que não existe aqui a pretendida oposição interpretativa.
E tão pouco fica demonstrado que, na decisão arbitral recorrida, a existência de um benefício fiscal anterior – requerido pelo sujeito passivo, para efeitos do artigo 8.º, n.º 1 do Código do IMT, em uso da sua condição subjectiva de instituição de crédito – não tenha sido decisiva no sentido, tomado no respectivo dispositivo, de exigir uma declaração de substituição e solicitação de aplicação alternativa do artigo 270.º, n.º 2 do CIRE.

IX. Pelo que, tudo visto, conclui-se que não é possível uniformizar jurisprudência em tais circunstâncias, não se podendo assim conhecer do mérito do presente recurso.


III. DECISÃO
Nestes termos, acordam os Juízes deste Supremo Tribunal em não tomar conhecimento do mérito do Recurso.

Custas pela Recorrente.


Comunique-se ao CAAD.


Lisboa, 17 de Outubro de 2024. - Gustavo André Simões Lopes Courinha (relator) - Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia - Isabel Cristina Mota Marques da Silva – Francisco António Pedrosa de Areal Rothes – Joaquim Manuel Charneca Condesso – Nuno Filipe Morgado Teixeira de Bastos – Aníbal Augusto Ruivo Ferraz – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Anabela Ferreira Alves e Russo – Fernanda de Fátima Esteves – João Sérgio Feio Antunes Ribeiro.