Acórdãos STA

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo
Processo:028/16.9BEFUN
Data do Acordão:05/29/2025
Tribunal:PLENO DA SECÇÃO DO CA
Relator:HELENA MESQUITA RIBEIRO
Descritores:RECURSO
UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA
FALTA DE CONCLUSÕES
REJEIÇÃO DO RECURSO
Sumário:I - O artigo 144.º, n.º 2, do CPTA estabelece a exigência de que as alegações de recurso sejam concluídas com a formulação de conclusões, sob pena de não admissão do recurso. Esta imposição encontra paralelo no regime do processo civil, nomeadamente no artigo 639.º, n.º 1, do CPC.
II - Esta exigência é reiterada pelo artigo 145.º, n.º 2, alínea b), do CPTA, que consagra expressamente a sanção da não admissão do recurso sempre que as alegações não contenham conclusões.
III - A omissão absoluta de conclusões não constitui mera deficiência formal, mas antes uma irregularidade substancial, equiparada, em termos funcionais, à ineptidão da petição inicial por ausência de pedido, nos termos do artigo 641.º, n.º 2, alínea b), do CPC.
IV - Ainda que o artigo 146.º, n.º 4, do CPTA preveja, em termos excecionais, a possibilidade de o tribunal convidar o recorrente à apresentação de conclusões, tal faculdade encontra-se estritamente circunscrita a hipóteses muito delimitadas. Em particular, aplica-se quando, em sede de recurso interposto de sentença proferida em processo de impugnação de ato administrativo, o recorrente se limite a reiterar os vícios imputados ao ato recorrido, sem formular conclusões ou sem que das alegações se possam extrair, com suficiente precisão, os fundamentos concretos da sua discordância.
V - No caso sub judice, atendendo a que o recurso em análise visa a uniformização de jurisprudência, fundando-se na alegada oposição entre acórdãos proferidos sobre a mesma questão fundamental de direito, não se está perante uma situação abrangida pelo campo de previsão do artigo 146.º, n.º 4 do CPTA, o que afasta a aplicabilidade da exceção aí prevista.
(Sumário elaborado pela relatora – art.º 663º, n.º 7 do Cód. Proc. Civil)
Nº Convencional:JSTA000P33823
Nº do Documento:SAP20250529028/16
Recorrente:AA
Recorrido 1:CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES
Votação:UNANIMIDADE
Aditamento:
Texto Integral: Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo:

I.RELATÓRIO

1.AA, propôs contra a CAIXA GERAL DE APOSENTAÇÕES ação administrativa destinada a obter a condenação da Ré a restituir-lhe as quantias respeitantes aos descontos que fez nos 10 (dez) anos posteriores à sua aposentação durante os quais desempenhou funções como Presidente do Governo ....

2.Por sentença de 20/06/2022, o TAF do Funchal julgou a ação improcedente, tendo o TCAS, na sequência da apelação que o Autor interpôs, negado provimento ao recurso e confirmado a «sentença» da 1.ª Instância.

3.Nessa sequência, o Autor interpôs recurso para uniformização de jurisprudência, alegando, em suma, que o acórdão recorrido está em manifesta oposição com o acórdão proferido pelo TCA Norte, em 28/03/2014, no processo nº 1671/12.0BEPRT (acórdão fundamento), que se debruçou sobre a mesma questão fundamental de direito e no domínio da mesma legislação, tendo-se aqui decidido pela procedência da pretensão do Autor, militar da GNR.

4.Nas alegações de recurso que apresentou para o efeito - em que não formulou conclusões -, pede que seja proferido acórdão uniformizador de jurisprudência no seguinte sentido:

1. O aposentado que aufira pensão que já inclua o limite máximo de descontos previsto no nº 4., do artigo 80º do Estatuto da Aposentação, e que já nessa condição venha a exercer funções públicas ou políticas, não tem qualquer obrigatoriedade de efetuar, nessa circunstância, e durante todo o tempo de tal desempenho, quaisquer descontos para a Caixa Geral de Aposentações. 2. Caso tais descontos sejam efetuados a favor da CGA nas circunstâncias anteriormente referidas, o aposentado em causa tem o direito de reclamar daquela entidade a restituição dos valores indevidamente descontados, acrescidos dos juros de mora, em conformidade com o disposto no artigo 21º, nº 1 do Estatuto da Aposentação”.

5. Notificado nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 146.º, n. º2 do CPTA, a Senhora Procuradora-Geral Adjunta junto deste STA, emitiu pronuncia «no sentido de não se mostrarem reunidos os pressupostos legais da invocada contradição de decisões, nos termos do disposto no art.º 152º nº 1 al. a) do CPTA», sem deixar de colocar a questão prévia da rejeição do recurso interposto com fundamento na falta de apresentação de conclusões.

6. Por despacho da relatora proferido em 19 de fevereiro de 2025, foi ordenada a notificação dos Recorrente e Recorrida, nos termos do n.º 1 do art.º 655º, do CPC, para, querendo, se pronunciarem sobre a possível inadmissibilidade do recurso interposto com fundamento na falta de apresentação de conclusões- cfr. artigos 144.º, n.º2 e alínea b) do nº 2 do art.º 145º do CPTA (não se tratando de caso ressalvado na previsão do nº 4 do art.º 146º do mesmo CPTA).

7. Apenas o Autor/Recorrente se pronunciou, pugnando pela admissão do recurso, alegando para tanto que:

«1. O recurso em causa, pela sua natureza, e ao contrário do que, de uma forma geral, acontece com os demais recursos, tem objetivos que ultrapassam, de todo, os interesses específicos do recorrente.

2. Na verdade, visa-se enriquecer a Ordem Jurídica, com uma orientação uniformizadora de questão de direito particularmente relevante, para uma mais correta aplicação da Lei e, consequentemente, uma melhor realização da Justiça.

3. Ora, por ser assim, o interesse próprio do recorrente fica subalternizado, face ao objetivo geral prevalecente e, em consequência, tudo deve ser feito para o aproveitamento da tramitação do recurso e para assegurar o seu conhecimento e decisão final.

4. E é exatamente por isso que temos uma regra geral relativamente aos termos em que devem ser elaboradas as alegações de recurso (nº 2 do artº 144º do CPTA) e depois temos apenas um único recurso mais que, pela sua natureza e especificidade, tem uma regulamentação própria, no tocante à elaboração das respetivas alegações - o recurso de Uniformização de Jurisprudência – (nº 2 do art.º 152º), onde se esgotam, como não podia deixar de ser, os requisitos exigidos às alegações do recorrente.

5. Efetivamente, temos uma norma supletiva genérica relativamente às alegações que é o nº 2., do art.º 144º do CPTA.

6. Ora, tal norma supletiva só tem de ser aplicada, quando as disposições relativas a cada recurso em concreto não incluem norma que trate especificamente das alegações.

7. Ora, no caso do recurso para Uniformização de Jurisprudência o legislador teve o cuidado de no nº 2., do art.º 152º do CPTA preceituar o seguinte: “A petição de recurso é acompanhada de alegação na qual se identifiquem, de forma precisa e circunstanciada, os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada e a infração imputada ao acórdão recorrido”.

8. Ora, em lado nenhum da norma transcrita, se refere que as alegações devem conter “conclusões” e, compreende-se que assim seja, sendo que a especificidade do recurso assim o justifica.

9. Na verdade, atenta essa especificidade, se o legislador pretendesse manter, neste caso, a exigência de conclusões teria de o referir num aditamento ao nº 2 do art.º 152º do CPTA do seguinte teor: “sem prejuízo do mais referido no nº 2., do art.º 144º”, e não o fez.

10. Aliás, o mesmo acontece no recurso de revisão, onde, inclusivamente o legislador prevê que se possa acumular um “pedido de indemnização pelos danos sofridos” (nº 2., do art.º 154º do CPTA).

11. Acresce que as disposições legais em causa devem ser interpretadas no sentido da maior amplitude na admissibilidade dos recursos, por força do princípio “pro actione”, ou seja, o da maior amplitude na admissão dos recursos.

12. Como, aliás, lembra o Professor Jorge Miranda, nos seguintes termos: “O direito de recurso – à semelhança, aliás, do direito de reclamação do despacho que não admita o recurso – constitui, inclusivamente, em coerência com a relevância dos direitos processuais no sistema de direitos fundamentais consagrado constitucionalmente, um direito fundamental”.

13. Ora, por assim ser, ou se dispensava a formulação de “conclusões”, ou se for entendido para a melhor tramitação dos autos, e apreciação e decisão das questões em causa, sempre terá de ser admissível a notificação do recorrente para as formular.

14. De certa forma ter-se-á a introduzir uma interpretação restritiva do direito de recurso, que inconstitucionaliza as normas que o regulam, por ofensa do princípio do maior acesso ao Direito, à Justiça e aos Tribunais consignado no art.º 20º da CRP.»

8. Em 24/03/2025, a relatora proferiu decisão sumária de não admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência interposto pelo autor, com fundamento na falta de apresentação de conclusões.

9. Inconformado com essa decisão sumária, o Autor/Recorrente vem agora requerer que sobre tal decisão recaia acórdão da Conferência ou, de qualquer forma, seja apreciada e decidida por este STA., o que faz com os fundamentos seguintes:

«1. O recurso em causa, pela sua natureza, e ao contrário do que, de uma forma geral, acontece com os demais recursos, tem objetivos que ultrapassam, de todo, os interesses específicos do recorrente.

2. Na verdade, visa-se enriquecer a Ordem Jurídica, com uma orientação uniformizadora de questão de direito particularmente relevante, para uma mais correta aplicação da Lei e, consequentemente, uma melhor realização da Justiça.

3. Ora, por ser assim, o interesse próprio do recorrente fica subalternizado, face ao objetivo geral prevalecente e, em consequência, tudo deve ser feito para o aproveitamento da tramitação do recurso e para assegurar o seu conhecimento e decisão final, tornando-se mais premente o princípio da cooperação (artº 7º do CPCivil, ex vi do art.º 1º do CPTA).

4. E é exatamente por isso que temos uma regra geral relativamente aos termos em que devem ser elaboradas as alegações de recurso (nº 2 do art.º 144º do CPTA) e depois temos apenas um único recurso mais que, pela sua natureza e especificidade, tem uma regulamentação própria, no tocante à elaboração das respetivas alegações - o recurso de Uniformização de Jurisprudência – (nº 2 do art.º 152º), onde se esgotam, como não podia deixar de ser, os requisitos exigidos às alegações do recorrente.

5. Efetivamente, temos uma norma supletiva genérica relativamente às alegações que é o nº 2., do art.º 144º do CPTA.

6. Ora, tal norma supletiva só tem de ser aplicada, quando as disposições relativas a cada recurso em concreto não incluem norma que trate especificamente das alegações, esgotando, pela sua particularidade, os requisitos exigidos para a regularidade do procedimento em causa.

7. Ora, no caso do recurso para Uniformização de Jurisprudência o legislador teve o cuidado de no nº 2., do art.º 152º do CPTA preceituar o seguinte: “A petição de recurso é acompanhada de alegação na qual se identifiquem, de forma precisa e circunstanciada, os aspetos de identidade que determinam a contradição alegada e a infração imputada ao acórdão recorrido”.

8. Ora, em lado nenhum da norma transcrita, se refere que as alegações devem conter “conclusões” e, compreende-se que assim seja, sendo que a especificidade do recurso assim o justifica.

9. Na verdade, atenta essa especificidade, se o legislador pretendesse manter, neste caso, a exigência de conclusões teria de o referir num aditamento ao nº 2 do art.º 152º do CPTA do seguinte teor: “sem prejuízo do mais referido no nº 2., do art.º 144º”, e não o fez.

10. Aliás, o mesmo acontece no recurso de revisão, onde, inclusivamente o legislador prevê que se possa acumular um “pedido de indemnização pelos danos sofridos” (nº 2., do art.º 154º do CPTA), não passando pela cabeça de ninguém que tal espécie de recurso que assume a forma de uma verdadeira petição, tenha de conter conclusões.

11. A verdade é que, seguindo o raciocínio da douta decisão sobre a qual se requer que recaia acórdão, tal recurso teria de conter conclusões, o que seria absurdo.

12. Sucede que não é verdade que as alegações não contenham “conclusões”, pois, conclui-se as mesmas, com a formulação dos termos do Acórdão a proferir, por se estar perante o caso especial de recurso de Uniformização de Jurisprudência.

13. Quando muito estaremos perante caso em que as conclusões são deficientes ou insuficientes, admitindo, assim, os princípios da boa-fé, da cooperação, do aproveitamento dos atos e do enriquecimento da Ordem Jurídica, que sejam aditadas conclusões, por estar em causa recurso de Uniformização de Jurisprudência em que sobreleva o interesse geral que, por natureza, se sobrepõe ao do recorrente.

14. Acresce que as disposições legais em causa devem ser interpretadas no sentido da maior amplitude na admissibilidade dos recursos, por força do princípio “pro actione”, ou seja, o da maior amplitude na admissão dos recursos.

15. Como, aliás, lembra o Professor Jorge Miranda, nos seguintes termos: “O direito de recurso – à semelhança, aliás, do direito de reclamação do despacho que não admita o recurso – constitui, inclusivamente, em coerência com a relevância dos direitos processuais no sistema de direitos fundamentais consagrado constitucionalmente, um direito fundamental”. (in Constituição Portuguesa Anotada, Jorge Miranda e Rui Medeiros, Volume III, Coimbra Editora, pág. 745.)

16. Ora, por assim ser, ou se dispensava a formulação de “conclusões”, ou se for entendido para a melhor tramitação dos autos, e apreciação e decisão das questões em causa, sempre terá de ser admissível a notificação do recorrente para as formular.

17. De certa forma ter-se-á a introduzir uma interpretação restritiva do direito de recurso, que inconstitucionaliza as normas que o regulam, por ofensa do princípio do maior acesso ao Direito, à Justiça e aos Tribunais consignado no art.º 20º da CRP.

18. Aliás, não se vê que seja forçada a aplicação do disposto no nº 4., do artº 146º do CPTA, atenta a circunstância de estar em causa recurso de Uniformização de Jurisprudência, em que o interesse geral ultrapasse o do próprio recorrente.

Requer-se, pois, que sobre o douto despacho de V. Exa, Senhor Juiz Conselheiro – Relator, de não admissão do recurso recaia Acórdão da Conferência (nº 4., do art.º 145º do CPTA), o que equivale, no presente caso, ao disposto no nº 3 do mesmo artigo.»

Apreciando.

10.A decisão sumária proferida em 24/03/2015, objeto da presente Reclamação para a Conferência assentou na seguinte fundamentação, que se transcreve no segmento relevante:

«[…]

7. Dispõe-se no n. º1 do art.º 639.º do CPC que “O recorrente deve apresentar a sua alegação, na qual conclui, de forma sintética, pela indicação dos fundamentos por que pede a alteração ou anulação da decisão”.

8.Por sua vez, prevê-se no nº 2 do artº. 144.º do CPTA que: “O recurso é interposto mediante requerimento dirigido ao tribunal que proferiu a decisão, que inclui ou junta a respetiva alegação e no qual são enunciados os vícios imputados à decisão e formuladas conclusões”. E acrescenta, na alínea b) do nº 2 do art.º 145º: “O requerimento é indeferido quando: (…) b) Não contenha ou junte a alegação do recorrente ou quando esta não tenha conclusões, sem prejuízo do disposto no nº 4 do artigo 146º”.

9.Como refere Abrantes Geraldes « Estabelecendo o paralelismo com a petição inicial, tal como esta está ferida de ineptidão quando falta a indicação em absoluto do pedido, também as alegações que se mostrem destituídas em absoluto de conclusões são “ineptas”, determinando a rejeição do recurso ( art.641.º, n.º2, al.b)), sem que ( a partir da reforma de 2007) se justifique sequer a prolação de qualquer despacho de convite à sua apresentação.»

10.O CPTA, por força do disposto no n.º4 do artigo 146.º prevê uma disciplina legal diferente do CPC, na medida em que consagra o dever de o Tribunal convidar a parte à apresentação, completamento ou esclarecimento de conclusões, “mas apenas para os casos aí previstos, ou seja, «quando o recorrente, na alegação de recurso contra sentença proferida em processo impugnatório, se tenha limitado a reafirmar os vícios imputados ao ato impugnado, sem formular conclusões ou sem que delas seja possível deduzir quais os concretos aspetos de facto que considera incorretamente julgados ou as normas jurídicas que considera terem sido violadas pelo tribunal recorrido». - Ver neste sentido, os Acórdãos deste STA de 7/2/2019 (0989/17.0BESNT) e de 26/6/2019 (0421/11.3BEMDL). Mário Aroso de Almeida e Carlos Alberto F. Cadilha referem impor-se «reconhecer que a hipótese prevista no n. º4 do presente artigo 146.º tem um âmbito muito específico, que se circunscreve às situações em que, na alegação de recurso contra sentença proferida em processo impugnatório, o recorrente se limite a reafirmar os vícios imputados ao ato impugnado […]. É, pois, apenas nesta especifica situação que o preceito em análise admite que o despacho de aperfeiçoamento também possa ter por objeto a própria apresentação de conclusões indevidamente omitidas»- cfr. in Comentário ao Código de Processo nos Tribunais Administrativos, 5.ª Edição, Almedina, pp. 1173-1174.

11.No caso vertente, verifica-se que nas alegações de “Recurso para Uniformização de Jurisprudência” o Recorrente não cuidou de formular e apresentar as respetivas conclusões, ocorrendo uma situação de total omissão de conclusões com o que se mostra incumprido o ónus de formular conclusões determinado pelo n.º 2 do artigo 144.º do CPTA, em termos semelhantes ao previsto nos arts. 637º nº 2 e 639º do CPC.

12.Por outro lado, considerando que se está perante um recurso de uniformização de jurisprudência, em que nas alegações de recurso, o Recorrente não se limita a insurgir contra decisão da CGA, mas em que se mobiliza contra o acórdão recorrido arguindo que o mesmo está em manifesta oposição com o Acórdão fundamento sobre a mesma questão fundamental de direito e no domínio da mesma legislação, resulta manifesto que não se está perante uma situação enquadrável no âmbito da exceção prevista no n.º4 do artigo 146.º do CPTA, o que tem como consequência, no caso, o indeferimento do requerimento do recurso nos termos impostos pela alínea b) do art. 145º do mesmo CPTA – similarmente ao previsto na parte final da alínea b) do nº 2 do art. 641º do CPC.- neste sentido, vide Acórdãos do STJ, de 19/10/2021, Proc. nº 3657/18.2T8LRS.L1.S1; de 04/04/2017, Proc. n.º 827/11.8TBLMG.C1.S1.S1; de 16/12/2020, Proc. n.º 2817/18.0T8PNF.P1.S1 e do STA de 08/10/2018 e de 07/02/2019, Proc. n.º 0989/17.0BESNT (…).

13.Ao recurso de uniformização de jurisprudência previsto no artigo 152.º do CPTA aplicam-se as disposições gerais previstas no Título VI, capítulo I, do CPTA, assinalando-se que a exigência de culminar a motivação do recurso com as respetivas conclusões é uma regra processual “previsível, quer no contencioso processual civil quer no contencioso administrativo, expressamente prevista na lei (art.º 145º nº 2 b) do CPTA, tal como o art.º 641º nº 2 b) do CPC), seja desproporcionada, tratando-se de uma exigência que cumpre uma função que o legislador entendeu, fundadamente, ser relevante: Como refere Abrantes Geraldes (“Recursos no NCPC”, Almedina, 5ª edição, 2018, em anotação ao art. 639º, pág. 156): «(…) as conclusões devem (deviam) corresponder a fundamentos que, com o objetivo de obter a revogação, alteração ou anulação da decisão recorrida, se traduzam na enunciação de verdadeiras questões de direito (ou de facto) cujas respostas interfiram com o teor da decisão recorrida e com o resultado pretendido, sem que jamais se possam confundir com os argumentos de ordem jurisprudencial ou doutrinário que não devem ultrapassar o sector da motivação. As conclusões exercem ainda a importante função de “delimitação do objeto do recurso”, como clara e inequivocamente resulta do art. 635º nº 3. Conforme ocorre com o pedido formulado na petição inicial, as conclusões do recurso devem corresponder à identificação clara e rigorosa daquilo que se pretende obter do tribunal superior, em contraposição com aquilo que foi decidido pelo tribunal “a quo”». Por isso, expressa aquele Autor (ob. cit., págs. 154/155) quanto à total omissão de conclusões: «Estabelecendo o paralelismo com a petição inicial, tal como esta está ferida de ineptidão quando falta a indicação do pedido, também as alegações que se mostrem destituídas em absoluto de conclusões são “ineptas”, determinando a rejeição do recurso (art. 641º, nº 2, al. b)), sem que (a partir da reforma de 2007) se justifique sequer a prolação de qualquer despacho de convite à sua apresentação. O art. 639º, nº 3, em conjugação com o art. 641º, nº 2, b), não deixa margem para dúvidas, devendo o indeferimento do recurso com fundamento na falta de conclusões ser assumido logo no tribunal a quo, sem embargo de oportuna intervenção do tribunal ad quem (arts. 652º, nº 1, al. a), e 655º, nº 1)». – cfr. Acórdão do STA de 29/04/2021, Proc. n.º 079/19.1BALSB.

14.Na situação vertente, não existe qualquer dúvida de que a peça processual que foi apresentada através do sistema eletrónico não continha as conclusões das alegações.

Termos em que, verificada a total omissão de conclusões na motivação de recurso apresentada pelo Recorrente, decide-se, nos termos previstos nos arts. 27.º, n.º 1 ,j) e 145.º, n.º 1 e 2 b) do CPTA – sem que seja caso, como se disse, de aplicação da ressalva prevista no art. 146º n.º 4 , não se admitir o recurso interposto.

Custas do incidente pelo Recorrente, que se fixa no mínimo legal (1 UC).

Notifique.»

11. O Recorrente pretende que a decisão sumária assim proferida seja revogada e substituída por outra que admita o recurso de uniformização de jurisprudência, apesar de ter apresentado as respetivas alegações sem formular conclusões.

12.Para tanto começa por invocar a natureza especial do recurso de uniformização de jurisprudência, aduzindo tratar-se de um recurso que visa interesses públicos e estruturantes da ordem jurídica, e não apenas o interesse do recorrente, razão pela qual se justificaria uma interpretação mais flexível das exigências formais. Ademais, afirma que este recurso tem um regime próprio, que se encontra plasmado no art.º 152.º, n.º 2 do CPTA, no qual o legislador estabeleceu requisitos específicos para as alegações, sem exigir conclusões, ao contrário do regime geral do art.º 144.º, n.º 2, que só se aplicaria supletivamente, se o regime específico do recurso não regulasse a matéria, o que não é o caso. Diz ainda tratar-se de um caso semelhante ao do recurso de revisão (art.º 154.º do CPTA), em que não se exige conclusões, concluindo que a forma especial do recurso de uniformização justifica a dispensa de conclusões. De qualquer modo, entende que no caso existem “conclusões implícitas”, e isso porque, embora não formalizadas, as alegações terminam com a formulação do pedido, o que equivaleria a conclusões. Argumenta que a aplicação dos princípios da cooperação, boa-fé e aproveitamento dos atos, deveria ter levado à prolação de despacho de convite ao aperfeiçoamento, em nome da realização da justiça e da função do recurso. E que a interpretação restritiva do princípio pro actione e do direito fundamental ao recurso, viola o art.º 20.º da CRP, ao limitar o acesso ao direito e à justiça por formalismo excessivo. Por fim, alega que o art.º 146.º, n.º 4 do CPTA não se aplica ao caso, por não se tratar de reafirmação de vícios do ato impugnado, mas sim de um recurso com finalidade uniformizadora.

13. As razões invocadas pelo Recorrente, com o devido respeito, não permitem alterar a decisão sumária proferida e objeto da presente reclamação, que decidiu pela inadmissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência, porque essa decisão resulta da correta aplicação das disposições legais que disciplinam as formalidades a que devem obedecer as pretensões de interposição de recursos jurisdicionais por parte dos recorrentes.

Vejamos.

14. O artigo 144.º, n.º 2 do CPTA estabelece, de forma clara e inequívoca, que as alegações de recurso devem terminar com conclusões, sob pena de não admissão do recurso- no mesmo sentido, veja-se o disposto no artigo 639.º, n.º 1, do Código de Processo Civil (CPC). Resulta destas normas impender sobre o Recorrente o dever de sintetizar, em conclusões, os fundamentos de facto e de direito que sustentam a pretensão recursiva. A omissão absoluta dessas conclusões configura uma irregularidade substancial, equiparada à ineptidão da petição inicial por falta de pedido, nos termos do artigo 641.º, n.º 2, alínea b), do CPC.

15.Esta exigência é reiterada no artigo 145.º, n.º 2, alínea b), do CPTA que prevê expressamente a não admissão do recurso quando as alegações não contenham conclusões.

16.A jurisprudência dos tribunais superiores – máxime, a citada na decisão sumária - tem sido consistente e uniforme na aplicação deste regime, considerando que a falta total de conclusões não pode ser suprida por convite ao aperfeiçoamento (cfr. art.º 639.º, n.º 3 do CPC, ex vi art.º 140.º, n.º 3 do CPTA), o qual apenas se aplica a casos de conclusões deficientes, obscuras ou complexas, e não à sua omissão total.

17. Embora o artigo 146.º, n.º 4, do CPTA preveja a possibilidade de convite à apresentação de conclusões, essa faculdade é restrita a situações muito específicas, designadamente quando o recorrente, no âmbito de recurso interposto contra «sentença» proferida no âmbito de um processo de impugnação de ato administrativo, se limita a reiterar os vícios imputados ao ato administrativo, sem formular conclusões ou sem que delas se possa extrair os concretos fundamentos de discordância. Essa situação não se verifica no caso sub judice, uma vez que o recurso interposto visa a uniformização de jurisprudência, com invocação de oposição entre acórdãos sobre a mesma questão fundamental de direito.

18.O recorrente, como vimos, argumenta que, tratando-se de um recurso de uniformização de jurisprudência, a exigência de conclusões estaria afastada, por força do disposto no artigo 152.º, n.º 2 do CPTA, que não as menciona expressamente. Esta interpretação não é aceitável, porquanto, se é certo que o artigo 152.º, n.º 2 do CPTA regula o conteúdo específico das alegações neste tipo de recurso, é inequívoco que essa norma não derroga a norma geral do artigo 144.º, n.º 2, do mesmo diploma, que continua a ser aplicável supletivamente. A ausência de menção expressa à exigência de conclusões nesse preceito, não equivale à sua dispensa, sendo entendimento pacífico que as normas gerais do CPTA se aplicam a todos os recursos, salvo disposição expressa em contrário, o que não ocorre.

19. Por outro prisma, a invocação pelo Recorrente do princípio da cooperação (art. 7.º do CPC) e do princípio pro actione não pode servir para elidir requisitos legais expressos, sob pena de se subverter a segurança jurídica e a igualdade das partes no processo.

20.Note-se que nas conclusões da alegação, pode o Recorrente, restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso, o que significa que são as conclusões que fixam o objeto do recurso (cfr. n. º4 do artigo 635.º do CPC). Um recurso sem conclusões é um recurso sem objeto, e por isso, não há nele qualquer questão que tenha sido colocada pelo recorrente ao tribunal de recurso. Por isso, o tribunal de recurso está impedido de conhecer das questões suscitadas em sede de motivação, mas não elencadas nas conclusões. Em suma, se o Recorrente não formulou conclusões, não cuidou em fixar as questões que suscitou em sede de motivação do recurso e que pretendia colocar à apreciação e decisão do tribunal de recurso. Logo, ao não ter formulado conclusões o recurso não tem objeto, sem prejuízo da exceção suprarreferida, que não se verifica no caso vertente.

21.Também não procede o argumento de que a decisão viola o artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, pois o direito ao recurso não é absoluto, podendo ser sujeito a regras processuais razoáveis e proporcionais, como é o caso da exigência de conclusões, que visa delimitar com clareza o objeto do recurso.

22.A decisão de não admissão do recurso encontra-se em estrita conformidade com a lei e com a jurisprudência consolidada, não se verificando qualquer nulidade ou violação de princípios constitucionais ou processuais. A jurisprudência consolidada, tanto do Supremo Tribunal Administrativo como do Supremo Tribunal de Justiça, corrobora esta interpretação, sublinhando que as conclusões exercem uma função delimitadora do objeto do recurso, sendo condição sine qua non da sua admissibilidade.

Neste sentido, veja-se a seguinte jurisprudência sumariada no Acórdão do STA, de 29/04/2021, Proc. n.º 079/19.1BALSB:

«I- As alegações de recurso jurisdicional têm que findar com conclusões sob pena da não admissibilidade do recurso interposto – é este o regime legal em vigor no contencioso administrativo (arts. 144º nº 2 e 145º nº 2 b) do CPTA), idêntico ao regime em vigor no contencioso cível (arts. 637º nº 2, 639º nº 1 e 641º nº 2 b) do CPC).

II – A única diferença, neste campo, entre os regimes dos dois contenciosos é a ressalva contida na parte final da aludida alínea b) do nº 2 do art. 145º do CPTA, prevista no art. 146º nº 4 do mesmo, para a hipótese – que se não verifica in casu - de “o recorrente, na alegação de recurso contra sentença proferida em processo impugnatório, se tenha limitado a reafirmar os vícios imputados ao ato impugnado”.

III – A jurisprudência do TEDH não impõe a admissão de um recurso interposto com alegações sem conclusões, como se extrai dos princípios que tem firmado sobre a admissibilidade de restrições ao direito ao acesso a um tribunal (incluindo, de recurso jurisdicional): “previsibilidade das restrições”; “ónus de o interessado sofrer as consequências dos seus lapsos, salvo se desproporcionados à importância destes”; e “não constituírem tais restrições um formalismo excessivo, sem fundamento”. E o próprio TEDH tem proclamado que “os tribunais, na aplicação das normas processuais, devem evitar quer um excesso de formalismo que viole a equidade do processo quer um excesso de permissividade que viole as normas processuais legalmente estabelecidas”.
IV – Também não é possível a aplicação ao caso do disposto no art. 639º nº 3 do CPC, ex vi do art. 140º nº 3 do CPTA (convite ao aperfeiçoamento), pois que estamos fora do âmbito da previsão de tal norma, que apenas prescreve para o caso de conclusões que “sejam deficientes, obscuras, complexas”, e não para o caso, aqui presente, de total omissão de conclusões»

23.Assim, constatando-se a ausência de conclusões na alegação apresentada, e não se verificando o enquadramento na exceção prevista no artigo 146.º, n.º 4, do CPTA, impunha-se, nos termos do artigo 145.º, n.º 2, alínea b), do mesmo diploma, o indeferimento liminar do requerimento de interposição do recurso.

Nestes termos, decide-se manter a decisão sumária de não admissão do recurso, julgando-se improcedente a presente reclamação.


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IV- DECISÃO

Nestes termos, acordam em conferência os Juízes do Pleno da Secção de Contencioso Administrativo deste Supremo Tribunal Administrativo, de harmonia com os poderes conferidos pelo disposto no artigo 202.º da Constituição da República Portuguesa, em julgar improcedente a reclamação apresentada e, em consequência, confirmam a decisão sumaria proferida pela relatora.

Custas pelo Recorrente (cfr. artigo 527.º, n.ºs 1 e 2 do CPC).


Lisboa, 29 de maio de 2025. - Helena Maria Mesquita Ribeiro (relatora) - José Francisco Fonseca da Paz - Suzana Maria Calvo Loureiro Tavares da Silva - Cláudio Ramos Monteiro - Ana Celeste Catarrilhas da Silva Evans de Carvalho - Pedro José Marchão Marques - Catarina de Moura Ferreira Ribeiro Gonçalves Jarmela - Antero Pires Salvador - Frederico Macedo Branco.