Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo | |
Processo: | 0796/15.5BEVIS |
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Data do Acordão: | 04/07/2021 |
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Tribunal: | 2 SECÇÃO |
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Relator: | PAULO ANTUNES |
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Descritores: | IVA MÉTODO PRO RATA PRAZO |
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Sumário: | I- Se o município declara IVA relativamente a bens de utilização mista por erro de enquadramento ou de direito e vem a substituir o método de dedução de IVA pelo de “pro rata” não é de aplicar o prazo previsto no art. 23.º n.º 6 do C.I.V.A., mas o prazo máximo previsto no art. 98.º n.º 4 do C.I.V.A.. II- Tal está de acordo com a jurisprudência do T.J.U.E., segundo a qual: “O direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado-Membro que, em circunstâncias como as do processo principal, em que o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) foi faturado ao sujeito passivo e por ele pago vários anos depois da entrega dos bens em causa, recusa o benefício do direito ao reembolso do IVA com o fundamento de o prazo de preclusão previsto nessa regulamentação para o exercício desse direito ter começado a correr na data da entrega e ter expirado antes da apresentação do pedido de reembolso.”- cfr., entre outros, acórdão “Volkswagen AG”, de 21-3-2018, no proc. C-533/2016, e acórdão “Biosafe”, de 12-4-2018, proferido no proc. C-8/17. |
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Nº Convencional: | JSTA000P27481 |
Nº do Documento: | SA2202104070796/15 |
Data de Entrada: | 02/03/2020 |
Recorrente: | MUNICÍPIO DE VISEU |
Recorrido 1: | AT - AUTORIDADE TRIBUTÁRIA E ADUANEIRA |
Votação: | UNANIMIDADE |
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Aditamento: | ![]() |
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Texto Integral: | Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo: I. Relatório I.1. O município de Viseu, com os sinais dos autos, vem interpor recurso da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu, proferida em 04/10/2019, que julgou totalmente improcedente a impugnação que apresentara das liquidações adicionais de IVA dos anos de 2014 e 2015, detentoras dos n.ºs 2015 012614233, 2015 012613980, 2015 012614156, 2015 012614155, 2015 012614178, e respetivos juros compensatórios, e absolveu a Fazenda Pública dos pedidos anulatórios formulados. II. As liquidações adicionais de IVA e respectivos juros que são impostas ao Município, não são devidas e o procedimento por si adoptado está em conformidade com o Código do IVA, a jurisprudência nacional e comunitária. III. O regime da dedução do IVA encontra assento no artigo 167.º e seguintes da Directiva do IVA (“DIVA”), sendo as dificuldades maiores deste regime, referentes à dedução do IVA suportado em inputs utilizados simultaneamente em operações que conferem e em operações que não conferem direito à dedução do IVA. V. Utilizar adicionalmente o aludido artigo 23.º para privar um sujeito passivo da dedução de imposto prejudica, de forma muito vincada, a neutralidade do IVA, que é um princípio basilar deste imposto e constitui uma outra prescrição, praeter inscrita no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA, encerrando um claro tratamento mais gravoso, no que à dedução do IVA concerne, dos sujeitos passivos mistos face aos demais sem restrições nesse direito. VI. O princípio da neutralidade do IVA impõe que a dedução deste imposto pago possa acontecer quando os requisitos materiais estejam verificados, ainda que algum requisito formal não haja sido cumprido. VII. Na esteira, aliás, do que o TJUE tem amplamente defendido: “o princípio fundamental da neutralidade do IVA exige que a dedução deste imposto pago a montante seja concedida se os requisitos materiais estiverem cumpridos, mesmo que os sujeitos passivos tenham negligenciado certos requisitos formais. Quando a Administração Fiscal dispõe dos dados necessários para saber que os requisitos materiais foram cumpridos, não pode impor condições suplementares ao direito do sujeito passivo de dedução do imposto que possam ter por efeito eliminar esse direito” – refira-se o acórdão Barlis 06, Processo C-516/14, de 15 de Setembro de 2016. VIII. O TJUE acaba sempre por confirmar esse direito à dedução para além dos prazos nacionais de caducidade em situações incomparavelmente menos sólidas do que a do Recorrente. IX. Não se verifica sequer, por parte do Recorrente, um comportamento fiscal, relativo às suas obrigações prestativa (principal) e declarativas (acessórias), que seja minimamente censurável ou criticável. X. Em sentido convergente, temos não apenas a Jurisprudência nacional - Acórdão do STA de 7 de Outubro de 2015, prolatado no processo n.º 01455/12 e (2) o Acórdão de 28 de Junho de 2017, proferido no processo n.º 01427/14 -, como a doutrina, que é unânime em considerar que situações como a vertente encontram a sua regulação no disposto no quadro geral do artigo 98.º do CIVA, que estabelece como prazo limite para efectivar o direito à dedução do IVA, os 4 anos após o nascimento desse direito, XI. Sem que o exercício de tal direito esteja dependente de um prévio pedido de revisão oficiosa dos actos tributários. XII. Neste conspecto, a dedução efectuada pelo Recorrente na DP de 201412T, correspondente ao exercício de 2012 e 2013, no montante global de € 55.488,90, afigura-se tempestiva nos termos do disposto no n.º 2 do artigo 98.º do CIVA, devendo ser consequentemente declarada a ilegalidade e anulados os actos tributários de liquidação adicional de IVA e juros em apreço. XIII. Por conseguinte, uma vez declarada a ilegalidade e anulação dos referidos actos tributários de liquidação de IVA, entende o Recorrente, serem devidos juros indemnizatórios, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da LGT, contados à taxa legal, desde a data limite de pagamento voluntário do referido acto de liquidação. XIV. Como é sabido, o TJUE tem competência para decidir sobre uma questão que lhe seja colocada por um órgão jurisdicional de um Estado-Membro, na acepção do artigo 267.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia, assim sendo, caso se entenda ignorar o que dispõem os artigos 22.º, n.º 2, e 98.º. n.º 2, do CIVA, e se siga o entendimento da AT de que a presente matéria é regulada pelo disposto no n.º 6 do artigo 23.º do CIVA (no que não se concede), será então pertinente e viável o pedido de reenvio prejudicial deste Tribunal Arbitral para o TJUE, uma vez que está em causa a aplicação de normas comunitárias, designadamente normas da Directiva IVA relativas ao direito à dedução. TERMOS EM QUE, [Segue imagem, aqui dada por reproduzida] Posto isto, foi notificado o sujeito passivo para remeter a este Serviço os elementos\documentos e\ou esclarecimentos a seguir indicados (notificação em anexo nº1): a) Motivos \ factos justificativos da situação de crédito de imposto; b) Extrato de conta corrente das contas SNC 243 "Imposto Sobre o Valor Acrescentado (IVA), bem como de fotocópia dos 10 documentos mais relevantes por cada subconta; c) Balancete analítico à data de 31 de dezembro de 2014. Em resposta ao solicitado o SP enviou um ficheiro excel com os extratos contabilísticos requeridos, fotocópia dos documentos mais relevantes e um documento elaborado por uma empresa de auditoria com o título "Análise da metodologia de dedução do IVA (2012 a 2014)". Na posse daqueles elementos, verificou-se que a situação de crédito de imposto está essencialmente relacionado com o lançamento contabilístico n.º 10814 do diário 13 efetuado em 31-12-2014 na conta SNC 2432331 - "IVA Ded.- OBS-Tx. Nor.-M. Nac." no valor de €84.232,21 com a descrição "A............". Mais se verificou, que o valor de imposto regularizado a favor do SP naquele lançamento resulta do relatório enviado pelo SP. Naquele relatório é referido que o Município de Viseu apenas tem procedido à dedução do IVA suportado nos inputs afetos à realização de operações tributáveis e que no que respeita aos inputs de utilização mista o Município de Viseu não tem vindo a aplicar qualquer dos métodos previstos no artigo 23° do CIVA. E que foi objeto de análise a forma de conjugar os dois métodos de dedução previstos no artigo 23° do CIVA - afetação real e pro-rata. De acordo com a metodologia de dedução do IVA proposta para os inputs de utilização mista e com base nos cálculos nele efetuados é apurado e proposto uma regularização de IVA a favor do SP num total de € 84.232,21, resultante da determinação de uma percentagem de dedução pro-rata conforme descrito no quadro seguinte: [Segue imagem, aqui dada por reproduzida] Conforme resulta dos factos que antecedem o SP acatou a proposta referida no relatório elaborado pela empresa de auditoria A............, tendo no período de 201412T, deduzido um total de imposto de € 84.232,21 relacionado com os anos de 2012 a 2014. III.1.1 ENQUADRAMENTO CONTABILÍSTICO E FISCAL O sujeito passivo Município de Viseu é uma pessoa coletiva de direito público. Quando os municípios e demais pessoas coletivas de direito público realizem operações no exercício dos seus poderes de autoridade não são sujeitos passivos de imposto, mesmo que em sua contrapartida recebam taxas ou contraprestações, desde que a sua não sujeição não origine distorções de concorrência (n.º 2 do artigo 2° do CIVA). Estas mesmas entidades, são sujeitos passivos de imposto quando exerçam algumas das atividades elencadas nas alíneas do n.º 3 do artigo 2° do CIVA, exceto quando se verifique que são exercidas de forma não significativa. Circunstâncias em que o imposto suportado pode ser deduzido. Os princípios subjacentes ao exercício ao direito à dedução do IVA suportado pelos sujeitos passivos de imposto estão previstos nos artigos 19° e 20° do Código do IVA, que determinam que, para ser dedutível o IVA suportado nas aquisições de bens e serviços, estes devem ter uma relação direta e imediata com as operações a jusante que conferem esse direito. Assim, tendo em atenção as exceções constantes do artigo 21° do mesmo Código, confere direito à dedução integral o imposto suportado nas aquisições de bens e serviços exclusivamente afetos a operações que, integrando o conceito de atividade económica para efeitos do imposto, sejam tributadas ou isentas com direito a dedução ou ainda, sendo não tributadas confiram esse direito, nos termos do n.º 1 do artigo 20° do Código IVA. O imposto suportado na aquisição de bens e serviços afetos unicamente a operações sujeitas a imposto, mas sem direito a dedução (ver artigo 9° CIVA) ou a operações não decorrentes de uma atividade económica não podem ser objeto de qualquer dedução do imposto suportado. Quando se trate da determinação do imposto dedutível de bens e/ou serviços de utilização mista, ou seja aqueles que são utilizados conjuntamente em atividades que conferem direito a dedução e em atividades operações que não conferem esse direito, as regras de dedução estão enunciadas no artigo 23° do mesmo código. Tratando-se de bens\serviços afetos a operações decorrentes do exercício de uma atividade económica, parte das quais não conferem direito à dedução, o imposto dedutível deve ser determinado mediante uma percentagem apurada conforme previsto nos n.º 4 e 5 do artigo 23º - pro-rata, sem prejuízo de o sujeito passivo optar pelo método da afetação real (alínea b) do n.º 1 do artigo 23º do CIVA). Para os bens e serviços parcialmente afetos a realização de atividades fora do campo do imposto, isto é para operações não decorrentes de uma atividade económica, o cálculo do IVA não dedutível é obrigatoriamente apurado mediante o método da afetação real em função da efetiva utilização. De acordo com o n.º 6 do artigo 23º do mesmo código, quer a percentagem de dedução referida na alínea b) do n.º 1 - (pro rata), quer a dedução efetuada nos termos do n.º 2 (afetação real), calculados provisoriamente, são corrigidos de acordo com os valores definitivos relativos ao ano a que se reportam. A correção assim obtida deverá constar da declaração do último período do ano a que respeitam. Exercício do direito à dedução Nos termos do n.º 1 do artigo 22° do Código do IVA, o direito a dedução nasce no momento em que o imposto dedutível se torna exigível de acordo com as regras dos artigos 7° e 8° do Código do IVA. Ou seja, quando a aquisição de bens ou serviços dê lugar à obrigação de emitir uma fatura ou documento equivalente o sujeito passivo adquire o direito à dedução do imposto suportado a partir do momento em que o documento é emitido. Determina o n.º 2 do artigo 22° do mesmo código, que, em regra a dedução de imposto deve ser efetuada na declaração do período ou de período posterior àquele em que se tiver verificado a receção das faturas, ou recibo de pagamento do IVA que fizer parte das declarações de importação, sem prejuízo da possibilidade de correções legalmente previstas no artigo 78° do Código do IVA. As regularizações de imposto ocorridas após o envio da DP, quando respeitem a documentos já registados em períodos de imposto anteriores, quer a favor de Estado ou do sujeito passivo, encontram-se reguladas pelo artigo 78° do Código do IVA. De acordo com o n ° 6 do artigo 78º do mesmo código, a correção de erros materiais ou de cálculo no registo a que se referem os artigos 44º a 51 º e 65° (registos contabilísticos) e nas declarações periódicas de imposto é obrigatória quando resulte imposto a favor do Estado e é facultativa quando resultar imposto a favor do sujeito passivo, mas só pode ser efetuada no prazo de 2 anos, contados a partir do nascimento do direito à dedução de acordo com o n.º 1 do artigo 22° do mesmo código. Sobre o âmbito da aplicação das regularizações previstas no artigo 78° do CIVA, a AT emitiu o ofício circulado 30082/20051 de 17 de novembro. De acordo com o n.º 8 daquele ofício circulado regularizações previstas neste artigo não podem ser utilizados nas seguintes situações: a) Alteração do método de dedução do imposto nos sujeitos passivos mistos; b) Apuramento de pro-rata; c) Regularizações de IVA sobre imóveis e outros bens do ativo imobilizado ou relativas à afetação de imóveis a fins distintos daqueles a que se destinam. Determina este oficio-circulado que estas situações devem ser regularizadas ao abrigo dos artigos 23° a 26° do CIVA. III.1.2 CORREÇÃO FISCAL Decorre do relatório da empresa de auditoria que nos períodos para os quais foi feita aquela análise 2012 a 2014, o SP Município de Viseu não adotou qualquer dos métodos previstos no artigo 23° do CIVA para a determinação do imposto dedutível nos inputs de utilização mista. Para validação deste facto, efetua-se o seguinte transcrição do relatório efetuado por aquela empresa de auditoria (folhas 5 do anexo 2): "... o Município de Viseu procedeu à dedução do IVA suportado nos inputs afetos exclusivamente à realização de operações tributáveis. No que respeita aos inputs de utilização mista, o Município de Viseu não tem vindo a aplicar qualquer dos métodos previstos no artigo 23.º do Código do IVA. Neste contexto, a A............ colaborou com o Município de Viseu no sentido de identificar a metodologia adequada de dedução do IVA incorrido, através da conjugação dos métodos de afetação real e do pro rata." (fim de transcrição) Do exposto resulta que, o imposto deduzido pelo SP com referência ao lançamento contabilístico em análise, resulta da aplicação de uma forma retroativa de um novo método de determinação de lva dedutível - percentagem do pro rata. A dedução de imposto relativa aos anos de 2012 e 2013 não resulta da correção referida no n.º 6 do artigo 23° do CIVA, nem da correção de um erro material ou de cálculo, mas sim da adoção de um novo critério de determinação de iva dedutível. Ou seja, o SP não aplicou o método da percentagem de dedução no devido tempo, quando, nos termos do Código do IVA o método de dedução a utilizar tem que ser aferido no momento em que se concretiza a dedução do imposto. Os documentos de suporte do imposto deduzido com referência aos exercícios de 2012 e 2013 foram atempadamente registados na sua contabilidade, pelo que já foram ultrapassados os prazos para exercer o direito a dedução estabelecidos nos artigos 22° e 23° do Código do IVA. Os métodos e critérios de dedução utilizados por sujeitos passivos mistos, elencados no art.º 23.º do CIVA, não podem ser alterados para além do prazo previsto no seu n.º 6, isto é, depois da entrega da declaração do último período do ano a que respeita. Por outro lado, a adoção de um novo método de dedução de imposto relativo aos bens \ serviços de utilização mista, também não pode ser efetuada ao artigo 78° do Código do IVA, uma vez que a omissão de dedução do IVA suportado não configura um erro, mas uma opção do SP. Do exposto nos pontos que antecede resulta que o SP deduziu indevidamente no período de 201412T o seguinte montante de imposto relacionado com o apuramento do pro rata relativo aos anos de 2012 (€21.411,00) e 2013 (34.077,90): [Segue imagem, aqui dada por reproduzida] [cfr. relatório inspetivo constante de fls. 46 a 51 do procedimento administrativo apenso] D. Em razão daquela correção foram emitidas as seguintes liquidações: [Segue imagem, aqui dada por reproduzida] [cfr. liquidações de fls. 26 a 36 dos autos] * Não foram dados como provados outros factos com interesse para a decisão da causa.II.2. De direito. Resulta da matéria de facto que o Município de Viseu veio a declarar € 92.859,89 de IVA dedutível na declaração de IVA respeitante ao período de 201412T, reportando para o período subsequente € 50.452,19, a crédito, utilizando as percentagens de “pro rata” indicadas no ponto III.1 do relatório de inspeção que foi reproduzido na matéria de facto que antecede e em foi corrigido o total de € 55.488,90, relativo aos anos de 2012 e 2013. No mesmo relatório, utilizado na fundamentação da liquidação, foi sustentado que a correção só era possível em obediências às regras constantes do art. 23.º n.º 6 do C.I.V.A., visto a correção efetuada não consistir em correção de erro material, mas de opção que o contribuinte devia ter efetuado por esse regime, em vez do método de dedução real. Na sentença recorrida também assim foi considerado, de acordo com a jurisprudência do S.T.A. que no mesmo é citada (acórdão de 18-5-2011, proc. 0966/10), bem como do T.J.U.E. (acórdão de 8-5-2008, proc. C-95/07, Caso Ecotrade, Colect., p. I 03457). Contudo, há que reconhecer razão ao recorrente quanto a não ser de aplicar o prazo previsto no art. 23.º n.º 6 do C.I.V.A., bem como quanto a ser tempestiva a dedução de I.V.A. efetuada dentro do prazo previsto no art. 98.º n.º 2 do C.I.V.A.. Com efeito, este art. 98.º do C.I.V.A prevê como regime-regra a revisão oficiosa para exercício do direito à dedução do I.V.A. E comporta o mesmo duas estatuições: no n.º 1 impõe à A.T. a obrigação de proceder à revisão oficiosa, nos casos ali previstos; e no n.º 2 estabelece um prazo geral e supletivo para que os sujeitos passivos de IVA promovam ainda, a seu favor, a retificação do imposto liquidado e deduzido. Relativamente ao prazo de quatro anos previsto neste n.º 2, o mesmo é aplicável na falta de disposições especiais, às quais se refere o art. 78.º do C.I.V.A., em que se prevê, nomeadamente, a retificação de erros materiais e de cálculo - e quanto a estes se refere ainda o art. 95-B n.º 2 do C.P.P.T.. Em face destas várias normas legais, as situações em que existe a faculdade (e, eventualmente, a obrigatoriedade) de regularização do IVA liquidado e deduzido, têm sido agrupadas da seguinte forma, tal como sistematizadas por Alexandra Martins e Pedro Moreira, “Regularizações de IVA - A Alteração Superveniente dos Elementos da Operação, o Erro Material ou de Cálculo e o Erro de Enquadramento ou de Direito”, in AA. VV., Coordenação de Sérgio Vasques, Cadernos IVA 2014, Coimbra, Almedina, 2014, pp. 61-62: “i) A alteração superveniente das condições objectivas e subjectivas que presidiram à realização das operações, traduzida na anulação da operação ou na redução do seu valor tributável; ii) A inexactidão da factura ou o erro material ou de cálculo na transcrição dos seus elementos para a contabilidade ou declarações periódicas de IVA dos sujeitos passivos; iii) O erro de enquadramento da operação, espelhado na factura ou na contabilidade dos sujeitos passivos.” A correção cometida pelo ora recorrente em 12.2014 relativamente nas autoliquidações de IVA atinentes aos anos de 2012 e 2013, consubstancia erro de enquadramento ou de direito, conforme considerado em vários acórdãos do S.T.A., nos quais se tem considerado que o limite máximo então aplicável é o de 4 anos, previsto no art. 98.º n.º 2 do C.I.V.A. – assim, nomeadamente, no proferido a 28-6-2017 no proc. 1427/14, no de 17-6-2020, proc. 443/13.0BEPRT e no de 3-2-2021, proc. 0228/15.9BEViS, acessíveis em www.dgsi.pt. Aliás, conforme refere o exm.º magistrado do Ministério Público – embora não levando em conta o que resulta desta jurisprudência -, “o que ocorreu foi um erro – não material ou de cálculo – mas de direito, que se terá traduzido na qualificação como não dedutível de imposto que, a posteriori, o Impugnante, ora Recorrente, se terá vindo a aperceber que, afinal, o seria.” Conforme a recorrente ainda invoca, o T.J.U.E. acabou por tomar posição no sentido que defende, embora não propriamente através do acórdão “Barlis”, o qual se pronunciou sobre a dedução de IVA quanto a requisitos constante de faturas. Mais recentemente foi considerado pela jurisprudência do T.J.U.E. que o prazo para regularização há-de ser razoável, ainda que não ilimitado – assim, no acórdão “Biosafe”, de 12-4-2018, proferido no proc. C-8/17, bem como acórdão “Volkswagen AG”, de 21-3-2018, no proc. C-533/2016, ambos publicados também em www.curia.europa.eu.pt. Neste último acórdão, proferido mesmo em caso em que o contribuinte que tinha declarado IVA relativamente a bens de utilização mista, e em que veio a substituir o método de dedução de IVA pelo de “pro rata”, figura o seguinte na parte dispositiva: -“O direito da União deve ser interpretado no sentido de que se opõe à regulamentação de um Estado-Membro que, em circunstâncias como as do processo principal, em que o imposto sobre o valor acrescentado (IVA) foi faturado ao sujeito passivo e por ele pago vários anos depois da entrega dos bens em causa, recusa o benefício do direito ao reembolso do IVA com o fundamento de o prazo de preclusão previsto nessa regulamentação para o exercício desse direito ter começado a correr na data da entrega e ter expirado antes da apresentação do pedido de reembolso.” Assim, e embora no artigo 267.°, § 3, do T.F.U.E., se encontre previsto que um órgão jurisdicional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso jurisdicional tenha o dever de reenvio sempre que uma questão de direito da União nele seja suscitada, tal não é de aplicar, nomeadamente, quando se entenda, como é o caso, que a disposição do direito da União Europeia se impõe com uma evidência tal que não há lugar a nenhuma dúvida razoável. Do que antecede resulta que o recurso obtém provimento, sendo de revogar o decidido na sentença recorrida e julgar por substituição procedente a impugnação, anulando as impugnadas liquidações, nos termos do art. 665.º n.º1 do C.P.C.. Quanto à condenação no pagamento de juros indemnizatórios, consideramos que obtém o recurso também provimento por o erro em causa ser de direito, não relativo a mera questão de forma, verificando-se “erro imputável aos serviços”, nos termos do n.º 1 do artigo 43.º da L.G.T., de acordo ainda com o que vem sendo decidido pela jurisprudência – cfr., nomeadamente, acórdão do Pleno da Secção do Contencioso Tributário do S.T.A. de 4-11-2020, proferido no proc. 037/19.6BALSB, acessível também em www.dgsi.pt. III. Decisão: Nos termos expostos, os Juízes Conselheiros da Secção do Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo acordam em conceder provimento ao recurso, revogam o decidido na sentença recorrida e julgam por substituição procedente a impugnação, anulando as impugnadas liquidações, condenando ainda no pedido de juros indemnizatórios, nos termos do art. 43.º n.º1 da L.G.T.. Custas pela Fazenda Pública, uma vez que, embora não tenha contra-alegado, é vencida, para efeitos do art. 527.º n.º 1 do C.P.C.. Lisboa, 7 de abril de 2021. - Paulo José Rodrigues Antunes (relator) – Pedro Nuno Pinto Vergueiro – Jorge Miguel Barroso de Aragão Seia. |